Fronteiras e diversidades culturais no século XXI: desafios para o reconhecimento no estado global | Tania Barros Maciel, Maria Inácia D’Ávila Neto e Regina Gloria Nunes Andrade

Em junho de 2011 foi realizado no Rio de Janeiro o Colóquio Internacional “Fronteiras e Diversidades Culturais no século XXI: desafios para o reconhecimento do Estado Global”, com a participação de convidados brasileiros e estrangeiros que durante dois dias discutiram um cenário que poderíamos classificar como ultra-contemporâneo. O resultado dessas discussões foi publicado no livro com mesmo título, organizado pelas também organizadoras do Colóquio: Tania Barros Maciel, Maria Inácia D’Ávila Neto, ambas do Programa de Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social (EICOS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Regina Glória Nunes Andrade, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

No livro, em 19 capítulos, os autores refletem de maneira diversa e plural sobre as novas tessituras do mundo contemporâneo e os grandes dilemas produzidos num tempo que construiu “identidades globalizadas” como uma forma de arquitetar uma solidariedade apregoada aos quatro ventos como numa espécie de super slogan do mundo em que vivemos.

Mas o que esta temática e a análise de um tempo que denominamos presente têm a ver com a história e pode ser incluída numa revista que trata especificamente de temas de história dos meios de comunicação?

Poderíamos apontar várias razões, mas talvez a mais importante seja porque o presente está envolvido em um processo histórico fundamental, em que sujeitos humanos constroem ao viver o cotidiano de suas existências por atos e fatos o tempo e a percepção do mundo. Com gestos e ações de atores sociais inseridos em espaços multidimensionais vai-se construindo os nexos do mundo, ou seja, vai-se traçando a história.

A história, portanto, não é apenas aquilo que foi narrado no passado e, no presente, pode ser reinterpretado. O contemporâneo está envolvido em lugares de historicidade razão pelos quais processos complexos de um mundo em transformação podem ser analisados por um olhar histórico.

É nesse sentido, procurando interpretar o contemporâneo, a partir de diferentes perspectivas, ou seja, coerente com um olhar histórico, que o livro, objeto desta análise, foi construído.

Diversas questões que constituem o contemporâneo – o reconhecimento social, as novas cidadanias em tempo de multidões, os fragmentos recolhidos na Internet entre outras molduras para as fronteiras do digital, a criatividade na cena dos jovens do mundo de hoje, as migrações, as fronteiras e diversidades culturais das cidades e nas cidades, a precariedade social e os limites culturais impostos, os hibridismos culturais, etc. – são abordadas pelos autores a partir também de múltiplas filiações teóricas.

Podemos identificar no livro dois grupos dominantes de textos: aqueles que se referem ao espaço, enfocando as múltiplas fronteiras do contemporâneo – entre cidades, as migrações, as diásporas, mas também as fronteiras que dividem os gêneros, por exemplo – e aqueles que analisam a ação dos sujeitos na busca da representação das humanidades. Nesse último grupo constituem como centro da análise, entre outras questões, o comum, o reconhecimento social, os vínculos, a vivência e a convivência dos humanos.

Enquadrado no primeiro grupo, o texto de Barbara Freitag reflete sobre a questão espacial das cidades, tomando como base a comparação entre duas metrópoles, com suas semelhanças e diferenças: Berlim e Rio de Janeiro. Cidades partidas, que segundo a autora fazem um trabalho árduo de “recosturar” as partes soltas de seus territórios. Freitag apresenta as diferenças históricas entre as duas cidades, mostrando que se historicamente elas não têm semelhanças, “é possível encontrar certas semelhanças e traços culturais em ambas, devidos à ‘globalização’ econômica e à ‘universalização cultural e religiosa.” No texto, é proposta uma leitura ‘estrutural’ para entender o tema estudado. São usados termos e conceitos como “capitalidade”, “orfandande”, “cidades deseducadoras”, para analisar essas duas cidades. E assim a autora vai mostrando essas cidades que passaram por processos de mudanças em épocas diferentes. “Tanto Berlim quanto o Rio de Janeiro têm em comum a característica de serem cidades educadoras (e deseducadoras) e de ostentarem a “capitalidade”, apresentando-se como vitrine de suas respectivas sociedades”, conclui.

Já no texto de Regina Andrade o mundo globalizado é definido como “destino irremediável de um processo irreversível que afeta a todos, que consiste na compreensão do mundo, onde os usos do tempo e do espaço oferecem a convivência da diversidade e do pluralismo.” E dessa maneira a autora relata o projeto de pesquisa Construções de Identidade Cultural e Autoestima com Jovens do Centro Cultural Cartola – comunidade da Mangueira no Rio de Janeiro. Projeto de parceira da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com o Centro Cultural Cartola (CCC) que existe desde 2003, e que proporciona a observação de como os jovens dessa comunidade lidam com as exigências do mundo globalizado. A partir de fatos históricos, a autora vai avaliando a globalização contemporânea, a importância das comunidades e da inserção da Psicologia Social nesses espaços.

A migração no México e os deslocamentos femininos é o alvo do capítulo de autoria de Yvette G. Flores. A autora inicia mostrando os dados do censo do México, que explicam o alto índice de migração no país. Apresenta os problemas enfrentados pelas mulheres maias, como pobreza absoluta, violência doméstica, doenças, altas taxas de natalidade e analfabetismo. Isso ocorre principalmente pela migração, ou separação, já que essas mulheres ficam sem um homem provedor. Em todo texto há uma ligação entre os problemas enfrentados pelas mulheres maias e as migrações internas e transacionais.

Assim como na analise de Yvete G. Flores, também Maria Inácia D’Ávila Neto, Juliana Nazareth, Claudio Cavas e Gabriel Sena Jardim privilegiaram em suas análises a questão do processo migratório e as mulheres. Se no texto anterior, o foco foi as mulheres maias, nesse são as mulheres brasileiras, pobres, agricultoras, subalternas que dão voz ao estudo. O texto se inicia com a questão das desigualdades sociais, mas em seu decorrer as mulheres e as questões migratórias passam a ser o foco do estudo. Para os autores, as “identidades globalizadas” são permeadas pelas e se esbarram nas desigualdades. Através dos dados estatísticos são apresentadas as diferenças entre gêneros e raças.

O capítulo três do livro, de autoria de Lúcia Ozório, deixa de maneira evidente a preocupação que faz parte de todo um conjunto de textos da obra: “pensar o comum”. A autora propõe pensar a partir do seu trabalho no Morro da Mangueira, “Papo de Roda”, que o pesquisador tem o papel da diferença. Como enfatiza, na página 49, “a pesquisa se expande numa abordagem transdisciplinar, facilitando agenciamentos de entre os mais diferentes blocos de saber, que privilegiam mais as fronteiras onde habitam os híbridos”. É a partir da experiência de pesquisa que Ozório vai costurando a teoria, falando de identidade, cultura, interculturas e multiculturalismo.

Por fim, nessa espécie de colcha de retalhos de apresentação dos textos do livro “Fronteiras e Diversidades Culturais no Século XXI” cabe uma referência a um último capítulo: o de autoria de Ana Luiza Teixeira de Menezes e Luiz Siveres. Trabalhando com o conceito de justiça para pensar os desafios de um processo de globalização no contexto das diversidades culturais, os autores enfatizam: “na medida em que se propõe e se vivencia a justiça, as fronteiras deixam de ser instâncias de divisão e se tornam uma possibilidade de conexão”. “Deixam de ser demarcações espaciais ou geográficas e se tornam oportunidade de colaboração, deixam de ser guetos sociais ou religiosos e se tornam uma possibilidade de convivência humana ou planetária” (p. 192). No texto a justiça é compreendida como virtude, direito e princípio.

Nos dezenove capítulos do livro, portanto, diversos autores refletem sobre questões do século XXI tomando como pressuposto três chaves teóricas: o espaço, o tempo e a ação dos sujeitos sociais. Na verdade, três dos aportes mais importantes para qualquer análise de natureza histórica. Além disso, o foco central de todos os capítulos são as formas de o homem viver sua humanidade. Uma humanidade sempre incluída na história.


Resenhista

Maria Lívia de Sá Roriz Aguiar – Mestre em Psicologia Social pela UERJ.


Referências desta Resenha

MACIEL, Tania Barros; D´ÁVILA NETO, Maria Inácia; ANDRADE, Regina Gloria Nunes (Orgs.). Fronteiras e diversidades culturais no século XXI: desafios para o reconhecimento no estado global. Rio de Janeiro: Mauad X; FAPERJ, 2012. Resenha de: AGUIAR, Maria Lívia de Sá Roriz. O tempo presente como história: Fronteiras e Diversidades Culturais do século XXI. Revista Brasileira de História da Mídia. São Paulo, v.2, n.1, p.239-240, jul./dez. 2013. Acessar publicação original [DR]

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