Gestão documental. Sistemas de arquivos: os desafios da implementação / Revista do Arquivo / 2016

FAZER GESTÃO É PRESERVAR!

Gestão e Preservação. Nos vocabulários que permeiam textos, ambientes de debates e conversas que reúnem profissionais vinculados aos Arquivos, quase sempre essas duas palavras aparecem agarradinhas a circular como se fossem duas irmãs gêmeas que devem caminhar sempre de mãos dadas pelas praças para demonstrar a indissociabilidade da família arquivística. União, aliás, que aparece consagrada em conceitos e leis.

Mas, quem convive próximo a essa família, sabe muito bem que essa aparente união muitas vezes esconde conflitos que só quem os vivencia pode falar com propriedade sobre as chagas causadas por disputas renhidas entre esses pares.

Claro, preservação é a palavra-chave explicativa que brota quase que naturalmente de realidades em que os arquivos se assemelham aos museus que guardam todo o charme erudito de tudo aquilo que sobreviveu do passado, sabe-se lá como e por quê. E é essa, ainda, a realidade em grande parte das praças pelo Brasil a fora. Já a irmã gestão aparenta um enxerto relativamente recente que deu ares de novo e moderno a um instituto que oscila entre o charmoso e o démodé.

Entretanto, a forma como as duas palavras são associadas para definir essencialidades dos arquivos é tão artificial que chega a torná-las incongruentes. Senão, vejamos como o nosso Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística define o termo Gestão de Documentos:

Conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento de documentos em fase corrente e intermediária, visando a [sic] sua eliminação ou recolhimento. Também chamado administração de documentos.[1]

Ou seja, entende-se por gestão de documentos um conjunto de práticas que só valem para os arquivos corrente e intermediário. Supõe-se, portanto, que daí pra frente, se faz outra coisa! Essa abordagem é replicada em boa parte dos textos que definem a missão de instituições arquivísticas.

Porém, essa formulação com esse sentido dissociado dado ao par, como se um polo fosse continuidade do outro, aqui termina um e ali começa o outro, não resiste à mínima avaliação crítica. Então, o que explica essa renitência? Talvez, necessidade (injustificada) de se delimitar, com grossas marcas, territórios e afazeres.
No entanto, não obstante a inconsistência conceitual, a legislação e os organogramas político-administrativo dos arquivos (e até as pautas das nossas revistas) resistem de forma ainda quase absoluta, afinal, elas são artifícios funcionais que podem aplacar contendas políticas e várias de suas resultantes, entre elas até disputa de verbas.

Fazer gestão é preservar. Só se preserva se se fizer gestão. Gestão e preservação buscam o mesmo fim: proporcionar o acesso. Em arquivo, preservar é muito mais que higienizar e restaurar, é manter organização e contexto. O pensar filosófico nos fornece bons e eficientes raciocínios capazes de estabelecer relações entre pares. Nós dos arquivos não podemos nos eximir desse pensar.

Certo é que ainda estamos longe de raspar de vez esse verniz que a um concede ar de administração e a outro um suspiro de história. Nosso olhar está viciado. Não sem razões, pois essa esfera conceitual ainda possui base material. Porém, o nervo central do que se convenciona chamar de gestão documental, a avaliação, não é senão a mais eficiente e espetacular forma de preservação dos documentos.

De nossa parte, temos que fazer da comemoração de mais um ano do Sistema de Arquivos, neste outubro, uma motivação na luta pela manutenção de um arquivo uno e integrado, que atue sistemicamente, sem essa dissociação que o descaracteriza.

De fato, o arquivo possui uma dimensão que desperta fascínio erudito tão bem traduzido por Arlette Farge no seu Sabor do Arquivo.[2] Mas, convenhamos, o arquivo é muito mais! Confundi-lo com uma de suas dimensões (panteão de documentos “históricos”) pode ser charmoso, mas o apequena. O universo da gestão documental, hoje por sua íntima vinculação à administração, pode não possuir o charme destilado por autores como a própria Farge, mas é atividade complexa que requer grande esforço intelectual e que tem seus encantos.

Enquanto não tornamos essa falsa dicotomia em discussão estéril (porque desnecessária), é com muito prazer que apresentamos esta revista (ainda com vestígios do insuperado) com o tema Gestão Documental. Sistemas de Arquivo: os desafios da implementação.

BOA LEITURA (E NÃO ABRAM MÃO DA CRÍTICA)!

Notas

1. Acessível: http: / / www.arquivonacional.gov.br / images / pdf / Dicion_Term_Arquiv.pd

2. FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: Edusp, 2009. Para ler a resenha de José Maria Jardim, acessar Ponto de Acesso, Revista do Instituto de Ciência da Informação, da Universidade Federal da Bahia, volume 5, nº 1 (2011) http: / / www.portalseer.ufba.br / index.php / revistaici / issue / view / 554

Marcelo Antônio Chaves


CHAVES, Marcelo Antônio. Apresentação. Revista do Arquivo, São Paulo, Ano II, n.3, outubro, 2016. Acessar publicação original [DR]

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