Greece and the Augustan Cultural Revolution | Anthony Spawforth

Após algumas décadas de crítica ao conceito de “romanização”, o leitor poderia estranhar as teses expostas no recém-publicado Greece and the Augustan Cultural Revolution, de Anthony J. Spawforth. Apesar do termo romanisation aparecer poucas vezes no corpo do texto, a tônica do livro é, justamente, demonstrar a romanização da Grécia. Mais do que isso: demonstrar que a romanização da Grécia se alinhava à política cultural dos imperadores, especialmente Augusto e Adriano. Seria indício de um retorno do paradigma da romanização nos estudos sobre o Império Romano?

Não exatamente. O livro de Spawforth se situa em um lugar específico do debate da romanização: o “oriente romano”. Até a segunda metade do século XX, o conceito de romanização se aplicava sem constrangimentos às provinciais ocidentais, bárbaras, que adotaram a vida urbana e a civilização somente com a conquista romana; as províncias orientais, por outro lado, densamente urbanizadas e com uma enraizada cultura grega (ao menos entre as elites), resistiram à romanização plena, limitada aos aspectos políticos e militares. Com as críticas ao caráter imperialista do conceito de romanização, realizadas na segunda metade do século XX, a cultura das províncias ocidentais do Império deixou de ser vista como simples resultado da “aculturação”, enquanto que, no oriente, a “resistência grega” se tornava o símbolo de um “imperialismo cultural reverso”, no qual os dominados submetiam culturalmente os dominadores.

Um quadro mais complexo seria apresentado com a publicação, em 2008, de Rome’s Cultural Revolution, de A. Wallace-Hadrill, que fornece a inspiração teórica para a obra aqui resenhada. Seguindo a sugestão de R. Syme, para quem a ascensão de Augusto teria sido uma revolução ligada à ascensão das elites italianas contra a elite romana tradicional, Wallace-Hadrill analisa os aspectos culturais e identitários deste processo. O modelo, em linhas gerais, é o seguinte: as elites italianas, no contexto das conquistas orientais do século II a. C., forjaram uma nova identidade, ítalo-helênica, que se tornou uma alternativa à romanidade exclusivista da aristocracia de Roma; a busca pelas verdadeiras tradições romanas, no século I a. C., é a manifestação de uma crise de identidade gerada pela falência da aristocracia tradicional em definir a “romanidade” diante da ascensão de conhecimentos e técnicas gregas veiculadas pelas elites italianas cada vez mais integradas à República; a ascensão de Augusto significou a vitória desta identidade ítalo-helênica-romana, que dominaria Roma e teria efeitos em todo o Império. Assim, os romanos deixavam de ser “romanos” (ao menos como eram antes), e a romanização se misturava com a helenização…

O livro de Wallace-Hadrill trata de Roma e da Itália, com poucas referências para as províncias do Império. Mas seu modelo levanta imediatamente a questão: como esta “romanidade helenizada” influenciou a relação de Roma com as províncias orientais, particularmente a Grécia? Este é o tema do livro de Spawforth, cuja tese central é que, como resposta às expectativas romanas, as elites gregas criaram uma “helenidade romanizada”, valorizando determinados aspectos da cultura e do passado em função da identidade romana forjada no contexto da “revolução cultural de Roma” e tornada propaganda imperial sob Augusto. Em síntese: no início do século XXI, os gauleses não são mais romanos, os romanos não são romanos (ao menos como eram antes de Augusto), e os gregos, tornando-se gregos, são romanizados.

Greece and the Augustan Cultural Revolution não é, e nem se propõe a ser, um levantamento exaustivo das fontes textuais, arqueológicas e epigráficas da Grécia no período imperial; trata-se de um livro sobre um problema, a saber, como a revolução cultural augustana se manifestou na vida provincial da Grécia romana, tanto nas intervenções imperiais quanto nas respostas provinciais. O período abarcado se estende do século II a. C. (as primeiras reações das elites da Grécia ao poder romano) ao século II d. C. (a retomada do projeto augustano por Adriano), mas o livro é centrado, obviamente, no reinado de Augusto (31 a.C.-16 d.C.).

O capítulo 1 apresenta a “revolução cultural augustana” e discute a resposta das elites provinciais à revolução. Segundo o autor, a imagem romana da Grécia, que alimentará a revolução augustana, era marcada por um jogo de oposições entre civilizado/bárbaro, europeu/asiático e masculino/feminino. Nesta imagem, os viris gregos da Europa (a “verdadeira Grécia” de Cícero), povos endurecidos pela pobreza do solo e pelas constantes guerras com vizinhos belicosos, se opunham aos povos “efeminados” da Ásia, corrompidos pela riqueza, pelo luxo e pelas amenidades da vida. Neste sentido, a política de Augusto na Grécia (por oposição ao “asiático” Antônio) assumiu a forma de uma re-hellenização, elemento central da missão corretiva e moralizadora do regime augustano (p. 28). Quanto à resposta provincial, ainda que existam indícios de projetos alternativos, a imposição deste “helenismo romanizado” contou com o apoio das elites locais: o regime augustano estava “empurrando uma porta aberta” (p. 57).

Os quatro capítulos seguintes são desenvolvimentos verticais de aspectos do programa augustano na Grécia, enfatizando sempre o diálogo entre as ações imperiais e locais. O capítulo 2 trata de dois dos exemplos mais destacados da tradição grega a ser restaurada: a “eloquência ateniense” e a “disciplina espartana”, fundamentos, respetivamente, do aticismo e do militarismo augustano. O capítulo 3 analisa o papel da comemoração das Guerras Médicas no helenismo augustano, atestada tanto na restauração/construção de edifícios ligados às batalhas quanto na criação de festivais. O capítulo 4 trata do aspecto religioso do programa, vinculando as transformações na religiosidade grega às preocupações romanas de restauração das “verdadeiras tradições” religiosas. O capítulo 5 analisa a atividade urbanística associada às intervenções imperiais, a partir da ideia de que o embelezamento das cidades era uma das principais formas da propaganda augustana, tanto em Roma quanto nas províncias, e que esta propaganda foi veiculada com a intensa participação das elites provinciais.

O capítulo 6 faz uma dupla ampliação da abordagem, espacial e temporal: a primeira parte do capítulo compara as intervenções augustanas na Grécia e em outras regiões, defendendo que, para além de um caráter prático de dominação, as intervenções na Grécia diziam respeito a um projeto específico, o helenismo augustano; a segunda parte trata das heranças do (e contestações ao) programa augustano na política dos outros imperadores, para finalmente analisar a política de Adriano para a Grécia, argumentando que, mais do que recuperação, se trata de uma ampliação do programa augustano visando à integração, via cultura helênica, das diversas regiões do império.

Na conclusão o autor sintetiza a trajetória do livro (pré-Augusto, Augusto, de Augusto a Adriano, Adriano) e adiciona alguns elementos da longevidade do helenismo augustano, para então finalizar com o topos da grande ruptura na afirmação do cristianismo no Império. Num balanço final, a última frase do livro é uma afirmação, ainda que nuançada, da romanização: Roma não negociou com as elites provinciais, na medida em que esta romanidade foi sinalizada “de cima e do ocidente”.

As fontes utilizadas pelo autor cobrem um amplo espectro que vai de Cícero à decoração arquitetônica do Agripeion em Atenas; sua análise revela uma visão da História como disciplina não limitada a tipos específicos de fontes, mas que procura resolver um problema (a romanização) lançando mão de diferentes metodologias em função de diferentes fontes. Assim, por exemplo, as fontes literárias não são usadas como reflexo direto da realidade, mas como obras respondendo a projetos sociais, sendo atravessadas por topoi estabelecidos e proposições identitárias. Neste contexto, é interessante perceber o recurso utilizado pelo autor para a datação de diversas fontes arqueológicas e epigráficas: para defender uma datação augustana, muitas vezes é retomada a ideia de “coerência com o programa augustano”, seja como um vago “ambiente cultural” ou uma mais definida “mentalidade de corte”. Ora, se um dos argumentos centrais do livro é a perenidade do programa augustano, como defender que uma fonte “coerente” tenha um terminus ante quem no final do reinado de Augusto, e não depois? Mais formalmente, é de se estranhar a falta de ilustrações (são apenas seis em todo o livro) em um livro que tem nas fontes materiais grande parte do embasamento de sua argumentação.

O autor entra em muitos debates historiográficos, dos quais três parecem centrais: classes sociais x espectro de status; continuidade x ruptura com o mundo helenístico; romanização como aculturação x romanização como negociação.

Já na página 5, o autor afirma que não utilizará um “anacronicamente moderno sentido marxista” do termo “ideologia” como “fruto de relações de dominação de classe”. Mas qual sentido de “ideologia” será utilizado, o autor não define em momento algum, assim como não é definida a natureza dos grupos sociais protagonistas, se classes, estamentos, status etc. Como se tornou padrão nas últimas décadas, a “elite” é a protagonista das narrativas. Por vezes também chamada de “classes altas”, “classes proprietárias”, “classes políticas”, “classes altamente cultivadas”, no livro de Spawforth recebem uma definição bastante geral, em um parágrafo (p. 37): são rentistas que assumem os serviços cívicos, especialmente a diplomacia, pelos quais, no caso das elites locais, é estabelecida sua proximidade com as elites romanas. Abaixo desta elite local estariam os romanos residentes, uma “sub-elite” (p. 146), que aparece no livro ora como colaboradora da dominação das elites locais (p. 52), ora como receptores e condutores das ideologias imperiais (p. 158); suas relações materiais com as elites imperiais, locais e com a “não-elite” não são discutidas. E por fim: quem é a não-elite, o povo, os explorados pela “elite”? Na narrativa de Spawforth, o povo aparece apenas uma vez, e curiosamente, a partir de uma cidade da Ásia Menor, claramente fora do escopo do livro (p. 37-39). Tomando como pressuposta a simbiose entre os “sistemas locais e imperiais de dominação política”, o autor deixa de lado a própria dominação para priorizar as relações entre as elites locais e imperiais – a não-elite da Grécia romana é a grande ausência. E, acreditamos, isto se deve mais a uma opção metodológica do que à falta de fontes. O exemplo mais claro é o do evergetismo: desprezando uma longa tradição historiográfica que vê no evergetismo uma forma de legitimação das elites locais diante da “não-elite”, o autor interpreta os diversos exemplos de evergetismo no sentido da convergência (ou não) das preferências do evergeta local e da ideologia augustana. Sendo assim, como se estrutura a sociedade da Grécia romana: em classes, estamentos, espectro de status, ou em que outra forma? Limitado ao esforço (considerável, diga-se) de demonstrar a ligação entre elites/sub-elites locais e a elite imperial, o livro não oferece uma teoria para a compreensão da estrutura social da província.

Quanto à questão das relações das políticas augustanas para a Grécia com as intervenções helenísticas precedentes, o autor, coerente com o termo “revolução” no título do livro, defende a ideia de uma grande ruptura da época de Augusto. Três diferenças são fundamentais (p. 234-5): primeiro, os romanos não se sentiam gregos como os monarcas helenísticos; segundo, as intervenções augustanas respondem a debates culturais específicos de Roma, inexistentes no mundo helenístico; terceiro, Roma era o poder hegemônico exclusivo, diferente do (precário) equilíbrio de poder entre os reinos helenísticos. Ora, se por um lado estas diferenças são significativas, existiram também continuidades importantes, algumas delas discutidas de passagem pelo autor (p.ex., a distribuição de trigo e o evergetismo construtivo como legitimação da monarquia), e outras pouco trabalhadas (como a diplomacia e o evergetismo como forma de aproximação das elites locais com os poderes maiores, hegemônicos ou não). O esforço em marcar a “revolução augustana” como ruptura radical acaba por simplificar um processo extremamente complexo.

Quanto ao debate sobre a romanização, o autor toma posição no debate aculturação x negociação com firmeza, no último parágrafo do livro: a romanidade, composta por elementos romanos e gregos justapostos, como um conjunto de práticas e representações pelas quais as elites locais demonstrariam sua lealdade, foi determinada por Roma – “o estado imperial não negociou esta romanidade com os súditos de fala grega” (p. 274). A metáfora utilizada pelo autor é clara neste sentido: romanização segundo Spawforth funciona como um “moinho de vento”, que apesar de funcionar durante todo o principado, variaria em função do imperador – “o vento ideológico a partir da Roma imperial soprava algumas vezes mais quente, outras vezes mais frio, de acordo com as mudanças de imperadores e prioridades centrais” (p. 130). A solução para o problema da simultaneidade das políticas imperiais com as respostas provinciais está na ideia de “sociedade de corte”, a atmosfera pela qual sopram os ventos ideológicos. Apesar da sedução da ideia, é preciso ter em conta que nem sempre se tem certeza da datação das “respostas”, e que muitas das sugestões “augustanas” do autor, na medida em que se apoiam na “coerência com o programa”, podem resultar em uma circularidade: tal fonte é de época augustana porque é coerente com o programa de Augusto, que esteve limitado à época de Augusto, pois as fontes são de época augustana. Assim, a “simultaneidade”, ainda que provável, pode ser mais uma criação metodológica que uma constatação.

Por fim, apontamos apenas mais dois problemas da argumentação. O primeiro se refere à oposição, central no livro, entre Europa e Ásia, em termos de pobreza/luxo e masculino/feminino). O argumento, já mencionado, é de que as intervenções augustanas na Grécia europeia estavam fundadas nesta oposição, em favor dos gregos da Europa. Restaria verificar, portanto, se as intervenções augustanas nas cidades gregas da Ásia também respondiam a essa oposição. No momento em que o autor discute as intervenções augustano no “contexto”, os únicos exemplos mencionados, onde as intervenções augustanas foram funcionais (conquista do território), sem projeto de helenismo, são Antioquia e Alexandria! O “contexto” é, no mínimo, limitado. Outro problema é a fragmentação da análise em função das opções narrativas: nenhuma cidade é abordada como um todo, mas aparecem ao longo do livro de acordo com os temas discutidos (guerras médicas, retórica, religiosidade, construções etc). Assim, perde-se a articulação entre as diferentes intervenções em dimensões que não se restringem ao “programa cultural augustano”, na medida em que são parte central nos processos de produção do espaço urbano das cidades mencionadas.

Dito isto, reiteramos a importância do livro de Spawforth dentro do debate da romanização ao oferecer novas interpretações para um grande número de questões históricas a partir tanto de uma erudição impressionante quanto da sagacidade na releitura de conceitos tal como o de “revolução cultural augustana”.


Resenhista

Fábio Augusto Morales – Professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

SPAWFORTH, Anthony. Greece and the Augustan Cultural Revolution. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. Resenha de: MORALES, Fábio Augusto. Politeia: História e Sociedade. Vitória da Conquista, v. 13, n. 1, p. 253-259, 2013. Acessar publicação original [DR]

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