Guerrilha e Revolução: A luta armada contra a Ditadura Militar no Brasil | Jean Rodrigues Sales

Nesta obra, Jean Rodrigues Sales organiza doze textos acerca da história da esquerda armada, na ditadura civil-militar no Brasil, ressaltando a trajetória política de diversas organizações guerrilheiras, como o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), e a ALN (Ação Libertadora Nacional).

O livro destaca que a luta armada se desenvolveu de duas formas: uma menos usual, que foi a tentativa de implantar a guerrilha rural, e a outra, mais comum no período, as ações urbanas, como assaltos a bancos para arrecadação de recursos, e expropriação de armamentos.

Sales destaca que o livro traz importantes contribuições para o estudo da história da esquerda armada na ditadura civil-militar brasileira já que, ao fazer um apanhado de obras sobre o tema em diferentes regiões do país, consegue mostrar que a insatisfação e a revolta não só se desenvolveram nos principais centros do país (como o eixo Rio – São Paulo), mas mobilizou grupos de posição à ditadura em cidades interioranas e no meio rural. O conjunto de textos busca então lançar um olhar mais amplo do que foi esse movimento de revoltas, apresentando especificidades de organizações em cada “canto” do país. Outra contribuição notável é a apresentação do engajamento político e da militância de mulheres dentro de uma organização de esquerda armada no período. Utilizando-se de entrevistas com militantes, Maria Cláudia B. Ribeiro apresenta em um dos capítulos um trabalho recente que contribui para se entender o papel feminino na ALN.

No texto “‘Os comunistas estão chegando!’: a Guerrilha do Caparaó e o medo da população local”, Plínio F. Guimarães destaca que a primeira tentativa organizada de luta armada para derrubar a ditadura civil-militar foi o movimento da Guerrilha do Caparaó, que ficou conhecido com esse nome por ter sido organizado no Parque Nacional do Caparaó, localizado na divisa entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. O autor ressalta que o movimento foi um projeto estruturado pelo MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), formado em sua maioria por ex-militares.

Apesar dos esforços dos militantes, o movimento chegou ao fim antes mesmo de começar, quando estes foram surpreendidos pela Polícia Militar de Minas Gerais, em 1967. Antes disso, o movimento já passava por problemas, como dificuldades no abastecimento de alimentos, com o relevo e clima da região, e principalmente com a desconfiança da população, que os viam como uma ameaça. Na caracterização do autor, os habitantes da região eram humildes e de baixa escolaridade, apegados a religião, que viam o comunismo como algo do “inferno”, e começaram então a fazer denúncias à PM e isso facilitou a perseguição e captura dos militantes.

Em seguida temos o texto “Política Operária e Comandos de Libertação Nacional: a radicalização da esquerda em Minas Gerais no final da década de 1960”, de Isabel Cristina Leite. Neste estudo Leite discorre sobre os militantes da Política Operária (POLOP), a forma de ação e os problemas internos que ocasionaram a divisão, formando os Comandos de Libertação Nacional (COLINA).

Em Minas Gerais a POLOP desenvolveu um trabalho com presença marcante no movimento estudantil, nas favelas e no meio operário, oferecendo cursos de alfabetização e também de aspectos do socialismo moderno, na tentativa de promover uma maior politização dos moradores.

Divergências ocasionaram a formação de outra organização, COLINA, constituída por militantes que romperam com a POLOP. O COLINA se caracterizou como uma organização político-militar de debates internos intensos, e principalmente pela proposta de guerrilha, tanto rural quanto urbana. O grupo se focou mais em ações urbanas, que foram poucas, mas de expressão.

Em “‘Ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil’: a Ação Libertadora Nacional”, Edson T. da Silva Júnior relata o surgimento da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização fundada por Carlos Marighella, membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Com o passar dos anos e com a instauração da ditadura civil-militar, Marighella tornou-se um opositor das ideias do PCB, pois não concordava com a parceria do Partido com o governo Jango e, depois do golpe, não concordava com a ação adotada pelo PCB de resistência pacífica.

Junto com outros comunistas de São Paulo, encaminhou a ruptura com o Partido. Mas foi devido a pronunciamentos que não agradaram a organização comunista, que Marighella foi expulso, junto com outros militantes. A ALN então foi fundada e, como queria Marighella, se centrou na luta armada contra a ditadura, realizando ações (bem sucedidas) de expropriação de recursos e aumentando a força do grupo, para uma futura guerrilha rural. A maior ação realizada pela ALN, se não a maior também entre as organizações de esquerda armada naquele período, foi a captura do embaixador dos EUA.

Isabel Pimentel da Silva, em “Os filhos rebeldes de um velho camarada: a trajetória da Dissidência Comunista da Guanabara e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro”, discute um outro campo de esquerda, que rompeu com o PCB por não concordar com a sua postura pacífica em relação a repressão.

No então estado da Guanabara, surgiu um agrupamento reunindo militantes contrários às ideias do “Partidão”. Começaram a se manifestar contra a ditadura, sem a aprovação do Partido; devido a isso esses “rebeldes” foram expulsos. Formaram então a Dissidência Comunista da Guanabara (DI-GB). A sua maior ação foi a captura do embaixador dos EUA, planejada e realizada junto com a ALN; além de outras ações armadas, como expropriações a bancos. Junto com a ação de captura do embaixador, veio a mudança de nome, agora passava a se chamar Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).

No capítulo “VPR: contra a ditadura, pela revolução”, Wilma A. Maciel apresenta a trajetória de um dos movimentos de esquerda mais atuantes naquele período, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que surgiu em 1968 devido a dissidências da POLOP e de ex-militares do MNR, procurados pelo regime.

Já no primeiro ano o grupo efetuou várias ações armadas, batendo de frente com o regime. Para a VPR, a luta deveria ser realizada no campo; as ações na cidade serviam apenas para propaganda da resistência, procurando obter apoio da população para o desenvolvimento da guerrilha rural. Maciel destaca também que durante um tempo a VPR se uniu com o COLINA, formando a Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-PALMARES), mas logo ocorreu o rompimento.

Em “O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário no contexto da luta armada no Brasil”, Renato da Silva Della Vechia discute o surgimento do PCBR, em 1968, de nova dissidência do PCB. O novo partido trouxe importantes contribuições ao processo de luta armada e ao debate teórico, pois buscava uma independência em relação a países socialistas, como a URSS e Cuba, não só de recursos materiais, mas em concepções também, pois pretendia uma autonomia teórica e de estratégia para o Brasil.

O PCBR teve forte participação no movimento estudantil, buscando assim ligar as lutas de massas à luta armada. O autor destaca a importância que a adesão do Movimento de Ação Revolucionária (MAR) trouxe para o partido, pois reforçou mais ainda as ações armadas, devido a experiência dos ex-militares do MAR.

Em “Da luta armada aos movimentos sociais: a trajetória do Partido Comunista do Brasil – Ala Vermelha”, Adriana Maria Ribeiro e Jean Rodrigues Sales apresentam como veio a se formar o PCdoB – AV, e a trajetória desta organização na esquerda armada brasileira. O partido teve origem em 1967 após uma cisão com o PCdoB. O principal motivo foi o debate em torno da adoção da tática de luta armada pelo partido e quando ela deveria ocorrer. Entre as principais propostas políticas da Ala estava a luta armada contra o regime.

Após se desvincular do PCdoB a Ala se lançou às ações armadas nas cidades; praticando ações de expropriação, como assaltos a gráficas e carros-fortes. A organização teve um projeto de guerrilha no Brasil, enviando militantes para pequenas cidades de Pernambuco e Goiás, mas essas ações armadas no campo não ocorreram, devido ao pequeno número de militantes, falta de recursos e principalmente a dificuldade de mobilizar os trabalhadores rurais.

Em seguida temos o texto “A esquerda radical de Osasco e o seu engajamento na guerrilha urbana em São Paulo (1966-1971)”, de Sérgio Luiz S. de Oliveira. O autor narra a trajetória do Grupo de Osasco (GO), movimento formado por estudantes e operários naquela cidade de São Paulo. Esse grupo apresentava ideias de cunho revolucionário e era de oposição radical a ditadura civil-militar brasileira. O autor salienta ainda que o GO teve grande presença no cenário de protestos da época.

O autor destaca que esta organização teve um importante trabalho de formação de associações de bairros, tendo por base suas propostas, e se expandiu para outras cidades da região. Devido a isso, Osasco se tornou um setor claro de contestação à ditadura, chamando a atenção das forças de repressão para a região. O GO optou no final da década de 1960 pela incorporação a outro grupo do município, o “O.” (pronuncia-se “ó pontinho”), que após algum tempo passou a se denominar VPR, mas com a mesma estrutura.

Em “As mulheres da Ação Libertadora Nacional”, Maria Cláudia B. Ribeiro discorre sobre as contribuições das mulheres na organização comandada por Marighella. As mulheres tiveram grande mobilidade dentro da ALN, segundo a autora, devido a estrutura horizontal da organização; o próprio Carlos Marighella ressaltava a importância delas na resistência.

Conforme a autora, as mulheres não ficaram em casa durante o período de repressão, esperando os seus filhos e maridos retornar; pelo contrário, tiveram bravas atitudes, como a procura de desaparecidos. Desempenharam importantes ações, como ceder suas casas para abrigo de militantes e reuniões clandestinas, comida, dinheiro e até seus carros, e também tiveram papel fundamental na ajuda para militantes saírem do país.

No capítulo “‘Nós também resistimos’: a luta armada em Salvador (1969- 1971)”, Sandra Regina B. S. Souza analisa as organizações de esquerda armada na capital da Bahia. Três organizações desempenharam atividades em Salvador, a VARPALMARES, o PCBR e o MR-8.

A autora salienta que a capital baiana ficou caracterizada como uma área de recuo para esses movimentos: quando precisavam fugir dos grandes centros do Sudeste, como São Paulo, e viver na clandestinidade sem chamar a atenção, partiam para Salvador. Mas afirma que a cidade não pode ser só caracterizada como uma área de recuo, pois houve sim resistência na cidade, com características diversas. Os grupos desempenharam ações de agitação e propaganda, além de pichações e panfletagens.

Fábio André G. das Chagas, em “A luta armada contra a ditadura militar no Rio Grande do Sul”, apresenta as particularidades do movimento armado gaúcho contra o golpe e a ditadura instaurada no país. Um fator que marcou a luta gaúcha foi o seu nacionalismo revolucionário; sob essa denominação, homens e mulheres lutaram e resistiram para derrubar o regime.

Quando houve o golpe, milhares de cidadãos da capital saíram às ruas para protestar, mas os esforços logo foram desarticulados pelo ainda despreparo dos militantes. Os nacional-revolucionários realizaram algumas ações de expropriação, principalmente armas, mas não conseguiram mobilizar a população e foram presos. Logo após, o movimento de resistência no RS perdeu força e teve algumas poucas ações.

O último capítulo desta obra coletiva é de Patricia S. Mechi, “A experiência guerrilheira do PCdoB no Araguaia”. A autora discorre sobre um dos episódios mais repercutidos de resistência à ditadura civil-militar, devido ao legado de extrema violência: a Guerra Popular Prolongada no Araguaia, organizada por militantes do PCdoB. Essa estratégia de Guerrilha considerava o campo como o cenário principal da luta e as cidades o secundário. Os militantes do PCdoB se inspiraram na Revolução Chinesa e alguns tiveram treinamentos militares na China. O partido enviou militantes para a região do Araguaia primeiramente para a realização da politização das massas camponesas. Diferentemente da guerrilha do Caparaó que não obteve apoio da população, a do Araguaia teve apoio o que facilitou no processo de implantação da luta armada.

O livro apresenta sínteses de estudos que tratam de um tema que não é novo para a historiografia que é a luta da esquerda, estrutura e repressão de organizações de esquerda armada no Brasil durante a ditadura civil-militar. De fato, não é novo, mas se for levado em consideração a abordagem propriamente histórica especialista sobre a ditadura civil-militar, é recente.

Carlos Fico em seu artigo “Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar” (2004), estaríamos em uma nova fase da produção histórica sobre o período, pois o golpe e o regime que veio a seguir, em um primeiro momento foi explicado em sua maioria por jornalistas, ou seja, por não especialistas. Isso acarretou o surgimento de um importante gênero naquele momento (década de 1980), a memorialística, que como salienta Fico foi a primeira tentativa real de construção de uma narrativa histórica do período. Por meio desse gênero surgiu o primeiro conjunto de versões da ditadura, mas que na verdade revelaram alguns estereótipos, como o depoimento do jornalista Alfredo Sirkis, destacado por Fico em seu artigo, que mitificou o lado da esquerda, ao apresentar a figura do ex-guerrilheiro como ingênuo, romântico e tresloucado; aspectos que não representam realmente o movimento de luta armada.

Em um primeiro momento não houve então uma abordagem histórica especialista, ocorrendo conflitos na tentativa de construção da narrativa histórica. Essa recente historiografia sobre o tema é feita agora realmente por historiadores, especialistas em tal assunto, que com os seus olhares críticos podem analisar fontes e fatos históricos com a metodologia da História. Essa seria outra contribuição dessa obra, pois ela conta com pesquisas profissionais e recentes de historiadores e de um cientista político, especialistas com olhares críticos para o tema. Essa nova historiografia contribui para que o leitor, tanto historiador ou qualquer que seja, possa enxergar esse momento histórico de uma forma mais crítica, do que um depoimento mitificado ou de um ato de “benevolência” dos biógrafos, que não permite esse olhar.

Referência

FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. São Paulo: Revista Brasileira de História, 2004.

Luan Gabriel Silveira Venturini – Graduando em História pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas. Bolsista PET-História Conexões de Saberes. E-mail: [email protected]


SALES, Jean Rodrigues (Org.). Guerrilha e Revolução: A luta armada contra a Ditadura Militar no Brasil. Rio de Janeiro: Lamparina; FAPERJ, 2015. Resenha de: VENTURINI, Luan Gabriel Silveira. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.6, n.11, p. 120-126, jul./dez. 2016. Acessar publicação original [DR]

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