Ensaios sobre Michel Foucault no Brasil: Presença, efeitos, ressonâncias – RODRIGUES (RTA)

RODRIGUES, Heliana de Barros Conde. Ensaios sobre Michel Foucault no Brasil: Presença, efeitos, ressonâncias.Rio de Janeiro: Lamparina, 2016. Resenha de: BIAVA, Fernanda. Michel Foucault e os diferentes impactos nas vindas para o Brasil. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.21, p.488‐493, maio/ago., 2017.

Passados 32 anos da morte de Michel Foucault, podemos perceber como sua vida e obra ainda têm uma grande relevância em diversas áreas de pesquisa. Foucault foi um intelectual que realizou trabalhos em diferentes espaços, como o da história da loucura, envolvendo saberes psiquiátricos e dialogando com profissionais destas instituições; estudou e se envolveu com estudos sobre prisões, como sua participação no GIP (Groupe d’information sur les prisons) e como resultado deste trabalho publicou o livro “Vigiar e Punir” no ano de 1975, sem contar com seus estudos sobre discurso, arqueologia, genealogia, biopolítica, que reverberam até os dias atuais. As diferentes direções que Foucault tomou durante sua vida, seus estudos, acabaram chamando atenção não só da comunidade acadêmica, mas envolvendo outros setores sociais, o que resultou em uma vigilância constante nas suas viagens para o Brasil por parte dos militares, já que o país, durante o período das cinco vindas de Foucault ao país, estava sob um período de regime militar. A obra Ensaios sobre Michel Foucault no Brasil: Presença, efeitos, ressonâncias, da autora Heliana de Barros Conde Rodrigues acaba por tratar sobre esses casos, sendo publicada em 2016, pela editora Lamparina.

Heliana de Barros Conde Rodrigues é doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP). Sua experiência principal é na área de Psicologia Social, com ênfase em História da Psicologia. Dedica‐se especialmente aos seguintes temas: práticas grupais, análise institucional, desinstitucionalização psiquiátrica, história oral, genealogia foucaultiana e estudos sobre produção de subjetividade. Atualmente é professora do Programa de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), vinculada ao Programa de Políticas Públicas e Formação Humana na UFRJ.

O título do livro refere‐se, de forma simples e direta, ao que pode se esperar da obra. Este trabalho é a reunião de nove ensaios, anteriormente já publicados, mas que foram ligeiramente modificados, para evitar repetições excessivas. De forma simples, o livro aborda as cinco vindas de Michel Foucault ao Brasil (1965, 1973, 1974, 1975 e 1976), e o impacto, efeito e ressonâncias da sua presença no país. É prefaciado por Enrnani Chavis e traz a assinatura de Edson Passetti no posfácio.

A organização do texto segue uma ordem cronológica, mas que em alguns momentos acabam por dar um panorama geral de todas as estadas de Foucault no Brasil para facilitar a compreensão de alguns comentários feitos em colóquios recentemente.

Uma metodologia interessante utilizada por Rodrigues foi utilizar palavras‐chave nos títulos dos capítulos, estabelecendo uma relação entre o título e o conteúdo.

No primeiro capítulo “Michel Foucault no Brasil: esboços de história do presente”, a autora inicia o texto traçando um panorama geral sobre as viagens de Foucault pelo Brasil, desta forma nos auxiliando para as leituras conseguintes.

“Um (bom?) departamento francês de ultramar: Michel Foucault na USP, 1965” é o título do segundo capítulo, no qual a autora vai destrinchando, com mais detalhes e informações, essas viagens. No ano de 1965, Foucault era convidado para vir ao Brasil pela Universidade de São Paulo (USP), onderealizaria suas conferências na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), que durante um longo período,iniciado na década de 1930 (com a abertura da universidade) até as vindas de Foucault, foi responsável por um “intercâmbio cultural com a França” (2016, p. 30). Michel Foucault se deparou com um cenário político conturbado, e com a recente mudança na política brasileira. Suas palestras seriam realizadas na FFCL‐USP “onde o movimento estudantil era forte e contava com o apoio de inúmeros professores” (2016, p. 37).

No terceiro ensaio, “Da importância de não ser filósofo: um certo Clima e a docência de Jean Maugüé”, Rodrigues foca principalmente no Grupo Clima (1930‐1940), que era formado por jovens, muitos da FFLCH‐USP, que, reunidos, começaram a publicar a revista Clima, que tratava sobre temas do “cotidiano, livros, filmes, peças de teatrais, inovações científicas” (RODRIGUES, 2016, p. 50). Esse grupo teve grande influência dentro da USP, como a expansão do curso de Letras, implementação de pós‐graduação nessas áreas, entre outros pontos positivos. Um ponto interessante a citar é que não existe registro de conversas e/ou convívio entre Foucault e os participantes do grupo.

Esse ensaio foca também na figura de Jean Maugué, que teve grande influência na expansão da FFCL‐USP, assim como o Clima. Quando Michel Foucault chegou no Brasil, o grupo não existia mais, mas as consequências positivas na USP permaneciam.

Provavelmente Foucault e Maugué nunca tenham se visto, mas a hipótese da autora é de que teriam muito em comum. “Cromos, Kairós, aión: temporalidade de uma visita de Michel Foucault a Belo Horizonte” trata sobre a segunda vinda de Foucault, que ficou em Belo Horizonte, no ano de 1973. Rodrigues disserta sobre a postura do intelectual nas suas palestras, que surpreendia a todos que iam vê‐lo falar, pois, “ao invés de proferir uma conferência, convida a todos a formular perguntas ou a comunicar suas experiências” (RODRIGUES, 2016, p. 61). Durante sua visita, ocorreram problemas com uma imprensa, a qual a autora nomeia de “imprensa complicada”, e que seria formada por jornalistas invasivos, que incomodavam Foucault com flashes e comentários sobre o intelectual ser grosseiro.

O quinto capítulo, “Uma medicina sempre social? Efeitos foucaultianos no Rio de Janeiro, 1974” marca a sua terceira visita ao Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, onde ocorreram seis conferências no Instituto de Medicina Social (IMS). Foucault esteve ligado a grupos de saúde no Brasil e “tudo isso nos leva a pensar que os temas discutidos com os profissionais da medicina social constituíam, à época, problematizações cruciais” (2016, p. 79), e convida a pensar na medicina como um corpo social, “o corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma estratégia biopolítica” (FOUCAULT, 2014), dialogando com o conceitos que o autor utiliza.

O sexto ensaio, “Michel Foucault na imprensa brasileira: ‘cães de guarda’, ‘nanicos’ e o jornalismo radical”, é marcado pela discussão sobre a imprensa brasileira, momento em que a autora se apropria de expressões de Foucault como “práticas divisórias” para tratar a respeito de uma cisão na imprensa brasileira, que estava dividida entre os “cães de guarda” que apoiavam a ditadura, e os “nanicos” que seriam a imprensa alternativa, e que eram oposição ao governo militar. Neste texto, ela fala da quarta vinda de Foucault, que “na segunda‐feira, 27 de outubro, após o funeral de Vlado, irrompe uma greve na USP. Foucault suspende seus cursos” (2016, p. 93), lançando mais atenção sobre o posicionamento político de Foucault, estando a polícia a vigiá‐lo, e mesmo ele tendo essa suspeita permaneceu no país, participou da manifestação na Praça da Sé (São Paulo) e se uniu a milhares de pessoas pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog.

O sétimo texto, “Um Foucault desconhecido? Viagem no Norte‐Nordeste em tempos (ainda) sombrios”, falará da última visita de Foucault, que foi ao norte e ao nordeste do Brasil. Nesta vinda, sua “última estada em nosso país, entretanto, prossegue praticamente ignorada” (2016, p. 106), a autora apresenta o receio que o pesquisador tinha de voltar ao Brasil, por se sentir vigiado pelas autoridades e pelo país ainda viver em um regime militar. Nessa visita, Foucault acabou não gerando muito impacto ou comentário pela imprensa, levando então o título de “Foucault desconhecido” .

No oitavo ensaio, “Para além das categorias sociológicas: ressonâncias do pensamento foucaultiano no Brasil”, Rodrigues vai finalizando seu pensamento e falando sobre as ressonâncias do pensamento de Foucault no Brasil.

Por último, “Anarqueologizando Foucault”, encerra o livro com a relação entre Foucault e o anarquismo.

Minhas críticas ao livro são exíguas, mas necessárias de serem pontuadas. Primeiramente, a obra é de uma leitura acessível e tranquila, com um conteúdo único, mostrando Michel Foucault além de suas obras, como uma pessoa sensível a diversas causas. Entretanto, compreendo que Rodrigues acabou sendo muito repetitiva nas informações; muitos fatos são contados repetidas vezes, mesmo que na primeira parte do texto a autora tenha colocado que evitaria isso, entendo que ainda houve um excesso, como o fato de citar diversas vezes a impressão que Foucault tinha de estar se sentindo vigiado ou sobre o filósofo não se relacionar bem com a imprensa. De toda forma, o livro surpreende pelo seu conteúdo factual e pelo uso de diferentes fontes sobre as visitas de Michel Foucault ao Brasil, como revistas, jornais, fontes orais.

Por fim, o livro parece importante e bastante relevante para os trabalhos contemporâneos. Percebi nesta obra as posições políticas do intelectual Michel Foucault, com o aprofundamento das suas pesquisas e expansão de campos de estudo, como também as suas publicações e as atuações nas visitas ao país. Concluo meu texto com uma fala muito pertinente de Foucault sobre o poder das ideias que “são mais ativas, mais fortes, mais resistentes e mais apaixonadas do que pensam os políticos. É preciso assistir ao nascimento das ideias e à explosão de sua força” (1994, p. 707). Michel Foucault fez diversos questionamentos na sua época, mas cabe a nós, críticos do nosso presente, intensificar esses estudos frente aos novos problemas.

Referências

FOUCAULT, Michel. Les reportages d´idées, Dits et écrits III, Paris: Gillimard, 1994.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.

RODRIGUES, Heliana de Barros Conde. Ensaios sobre Michel Foucault no Brasil: Presença, efeitos, ressonâncias. I edição ‐ Rio de Janeiro: Lamparina, 2016.

Fernanda Biava – Mestranda no Programa de Pós‐Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Brasil [email protected]

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Guerrilha e Revolução: A luta armada contra a Ditadura Militar no Brasil | Jean Rodrigues Sales

Nesta obra, Jean Rodrigues Sales organiza doze textos acerca da história da esquerda armada, na ditadura civil-militar no Brasil, ressaltando a trajetória política de diversas organizações guerrilheiras, como o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), e a ALN (Ação Libertadora Nacional).

O livro destaca que a luta armada se desenvolveu de duas formas: uma menos usual, que foi a tentativa de implantar a guerrilha rural, e a outra, mais comum no período, as ações urbanas, como assaltos a bancos para arrecadação de recursos, e expropriação de armamentos. Leia Mais

Etnografia e educação: culturas escolares, formação e sociabilidades infantis e juvenis – DAUSTER et al. (REi)

DAUSTER, T.; TOSTA, S. P.; ROCHA, G.(Org.). Etnografia e educação: culturas escolares, formação e sociabilidades infantis e juvenis. Rio de Janeiro: Lamparina, 2012. Resenha de: SANTIAGO, Flávio. Revista Entreideias, Salvador, v. 1, n. 1, p. 117-122, jan./jun. 2012.

A obra em destaque traz como temática principal a articulação entre os estudos da antropologia e educação, apresentando, através de experiência etnográficas, os encontros entre os aportes de ambas as ciências. Os autores e as autoras unem esforços no sentido de possibilitar a compreensão do significado da antropologia enquanto ciência que contribui para o entendimento dos processos educativos para além dos limites físicos da escola. Nesse sentido, tratam de questões como pluralidade cultural, discriminação e outras temáticas relevantes no campo pedagógico, explicitando as relações existentes entre a antropologia e a educação enquanto um desafio e uma necessidade de ambos os campos frente a princípios e práticas especificas destinadas a sujeitos concretos que por sua vez, são também portadores de singularidade e especificidades.

A atual relação existente entre antropologia e educação tem por meta responder às questões postas pela cultura no tempo presente, procurando o reconhecimento da diversidade social e cultural de diferentes grupos, possibilitando a abertura de um debate, reflexão e intervenção, que acolhe desde o contexto cultural da aprendiza¬gem, os efeitos sobre as diferenças culturais, raciais, étnicas e de gênero, até os sucessos e insucessos do sistema escolar em foco na ordem social em mudança. (GUSMÃO, 2011) A partir deste contexto conceitual pesquisadores/as e professores/as, com base em pesquisas etnográficas, são provocados a escrever ensaios que apresentem processos de sensibilização para a compreensão de outras formas de representação, classificação e organização do cotidiano, promovendo um exercício prático da interfase do encontro entre a antropologia e a educação.

Raúl Iturra inicia o livro com o capítulo “A epistemologia da infância: ensaios de antropologia e educação” desenvolvendo uma análise sobre a infância, a partir das relações sociais e da cultura a qual a produz, observando os processos de formações conceituais que baseiam as teorias sobre a infância. Segundo Iturra, epistemologia não são apenas um debate filosófico da origem inata, racional, empírica e dialética do saber dos conceitos e da realidade e seus fatos, trata-se de uma metáfora teórica de acadêmicos que devem lembrar as formas e maneiras que essa realidade é organizada e como é aprendida e transmitida entre gerações. A partir desta premissa, Iturra faz seu estudo da infância e da criança, verificando o direito canônico que é um documento que “educa” moralmente as relações e julga as formas em que o individuo deve se comportar na sociedade. Vale lembrar que as leis sociais surgiram desse documento. Com isso, as relações, a maneira que as crianças estão na sociedade são reflexos da maneira que os adultos as enxergam e julgam como elas têm que ser e estar na sociedade.

Para Iturra, a infância recebeu sua epistemologia conforme a cultura a qual vive e que toda criança nasce sobre os signos desta cultura, não se constituindo somente como um indivíduo isolado, mas sim sendo a síntese de sua ancestralidade, assim como mais tarde será também dos seus descendentes.

Gilmar Rocha nos apresenta a importância dos estudos de Margaret Mead, que percebe os processos de alteridade como forma de aprendizagem para o campo da antropologia e da educação. Para o autor, as etnografias de Margaret Mead são mais do que descrições dos costumes de povos primitivos, como sugere o sentido comum da palavra; são também vias de acesso à cultura do outro, às suas visões de mundo, e aos seus sistemas de significados. Do ponto de vista pedagógico, elas fornecem modelos alternativos de experiências para problemas relativamente semelhantes vividos nos Estados Unidos e nas sociedades contemporâneas. Se Mead elegeu a educação como um caminho possível para se aprender, e aprender com a cultura do outro, no sentido inverso, descobrimos em suas etnografias um caminho fecundo capaz de nos levar a pensar sobre nós mesmos e sobre nossa cultura educacional. No capítulo: Aprendendo com o outro: Margaret Mead e o papel da educação na organização da cultura, Rocha discute a importância dos estudos de Mead para o campo da antropologia e da educação.

Para Mead a educação utiliza uma metodologia que permite penetrar na cultura e na personalidade de uma sociedade e serve como instrumento de “engenharia social” a serviço da construção do caráter nacional.

Em seguida, Tânia Dauster, no capítulo “Escrever: formação e identidade num universo de escritoras”, faz um mapeamento dos processos de formação, construção de identidades e representações práticas de escritas de oito escritoras. A autora faz entrevistas em diferentes locais e ouve desde a vida pessoal das autoras até as suas publicações, desenvolvendo seu estudo a partir da metodologia etnográfica.

Lucilena Ferreira apresenta no capítulo “Sinal fechado: representações e práticas de leituras de alunos do ensino médio de uma escola pública carioca” um estudo etnográfico das representações e práticas de leitura de alunos do ensino médio de uma escola pública do Rio de Janeiro, tendo como foco, a influência do ensino de língua e literatura na relação dos alunos com a leitura. A abordagem teórica utilizada tem como base os trabalhos de Roger Chartier, na perspectiva da história cultural, que conceitua as identidades como esquemas construídos de classificação e julgamento que organizam a apreensão do mundo, sendo sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as geram.

Ricardo Viera no capítulo “Do lar à escola: a hegemonia das práticas escolares e a antropologia da educação em Portugal” apresenta a importância da antropologia para a compreensão de processos educativos e faz uma exposição do desenvolvimento da antropologia da educação em Portugal, com particular relevo para os de Raúl Iturra.

Na perspectiva de Viera a antropologia da educação deverá alertar e sensibilizar professores, agentes educativos, políticos e sociedade civil para a necessidade de construção de pedagogias devidamente contextualizadas, capazes de permitir o sucesso escolar para todos. Viera se aproxima muito ao pensamento de Gusmão (2011), quando afirma que existem grupos que devem ser reconhecidos em sua diversidade sociocultural, distinguindo qualitativamente as diferenças, ou seja, levar o olhar bem longe e tão profundo, de modo que se compreendam as propriedades do que é diferente, ou seja, a natureza do que seja diferente e o que constitui a diferença.

Viera apresenta as singularidades das crianças, demonstrando o processo pelo qual elas constroem e reconstroem o mundo. Salientamos que este processo não se trata de uma cópia, mais sim de uma reinterpretação do mundo, a qual se constroem a partir dos referenciais culturais de cada criança. A criança não é socializada num único contexto cultural.

Alexandre Barbosa Pereira, no capítulo “Jovem e ritual escolares” com base em uma pesquisa etnografia realizada no interior de escola pública, busca evidenciar as múltiplas relações empreendidas pela juventude contemporânea no ambiente escolar, abordando a questão do ritual como dispositivos de transmissão e perpetuação de conhecimentos. Em sua experiência etnográfica, Viera percebe que existe uma grande tensão entre a lógica dos docentes e a dos estudantes, a primeira prezando mais ordem as regras das instituições escolares e a disciplina, a segunda se pauta mais pela divisão, a gozação e a busca de quebrar regras institucionais. Um ponto fundamental para a compreensão destas tensões situa-se na questão da autoridade: Como se impor, como se fazer ouvir, como chamar a atenção e como motivá-la, essas eram as indagações mais levantadas pelos professores em sua tarefa de ensinar os jovens e inquietos alunos.

Em seguida no capítulo “Pelos mares da baía de Ilha Bela”, Anderson Tibau escreve um ensaio metodológico e etnográfico acerca do seu encontro com os professores e estudantes de ilha bela. O itinerário de formação de um pesquisador é repleto de desafios, surpresas, aspectos extraordinários, solidão, muitas situações de contato. Nadando a favor da corrente das experiências da cultura. Dentro desse processo metodológico, o olhar e o ouvir estão para a percepção assim como o escrever está para o pensamento. A investigação empírica pode ser dividida em duas etapas: a pri-meira seria o próprio trabalho de campo “a atividade in loco”, e a segunda corresponderia à escrita a distância dos fatos observados, o plano do discurso. No trabalho de campo, Tibau utiliza a fotografia como uma forma etnográfica de observação da cultura estudada. A fotografia é concebida como representação da realidade e suporte às anotações do diário de bordo, o que favorece a construção de uma narrativa visual que seja eficaz e contenha informações interpretativas acerca de uma determinada realidade. No capítulo seguinte “Cultura e cor na escola”: uma etnografia com adolescentes negros de elite, Sandra Pereira Tosa e Pollyanna Alvez apresentam uma etnografia realizada com adolescentes negros de elite, alunos do ensino médio de uma escola da rede particular do município de Belo Horizonte.

O estudo teve como objetivo central, compreender o processo de construção da identidade de adolescentes negros de elite. Identidade étnica como um caso particular de identidade social, sendo ela própria uma ideologia e uma forma de representação coletiva. Objetivou-se também compreender o sentido de pertença num jogo dialético entre a semelhança e a diferença – a identidade contrativa que abrange semelhança e diferença nos tempos com o/a ou outros/as. Para as autoras, a construção de etnografia na educação ou em qualquer outro campo, requer a realização de três atos de conhecimento, não necessariamente subsequentes, mas na maior parte do tempo integrados: dos saberes das antropólogas que lá chegarem, ou do olhar; dos saberes dos nativos com os quais convivemos e dialogamos, ou do ouvir; dos saberes resultantes desse encontro etnográfico, ou do escrever.

As autoras concluem com a pesquisa etnográfica, que as representações sociais em relação aos negros são carregadas de estereótipos negativos, sobretudo no que se refere sua corporeidade. O sentimento de pertencimento a uma identidade étnico-racial implica a aceitação de uma origem e a recusa do branqueamento, impregnada de valores eurocêntricos, como ocorreu no caso brasileiro. Por fim, o último capítulo “Educação quilombola entre saberes e lutas”, escrito por Neusa Gusmão e Márcia Lúcia de Souza, apresenta educação quilombola como uma demanda social que se insere nas políticas públicas brasileiras, se constituindo como uma luta por igualdade nas diferenças. Para as autoras pensar a educação quilombola seria buscar uma escola para a diversidade, em que professores e gestores tivessem em sua formação condições para o trabalho pedagógico com toda e qualquer expressão da diversidade cultural.

O conjunto de capítulos que compõe o livro Etnografia e educação: culturas escolares, formação e sociabilidades infantis e juvenis nos permite uma reflexão sobre as múltiplas interfaces entre a educação e a antropologia, possibilitando através dos aportes metodológicos de experiências etnografias, perceber as diferentes construções sociais relativas à cultura e ao processo de diferenciação dos indivíduos. Esse olhar antropológico voltado para o campo da educação permite uma ampliação de sentidos na medida em que as relações sociais na escola, os processos de transmissão de saberes no cotidiano, a formação de docentes atravessam as fronteiras dos espaços e das práticas educativas formais e não formais.

Referências

GUSMÃO, Neusa M. M. Antropologia, diversidade e educação: um campo de possibilidades., São Paulo, v. 10, p. 32-45, 2011.

Flavio Santiago – E-mail: [email protected]

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