História, catolicismo e educação | Pedro Vilarinho Castelo Branco e Maria Dalva Fontenele Cerqueira

O entendimento de que vivemos em uma sociedade marcada por experiências culturais que atribuem múltiplos sentidos e significados às vivências humanas constitui-se em expressão de reconhecimento dos fenômenos sociais existentes. A noção de pensar sobre os processos educativos institucionalizados no contexto brasileiro se deu, inicialmente, a partir da criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), na década de 1930, junto ao movimento que ficou denominado como “Nova Escola” e como uma das primeiras tentativas de organização do sistema educacional brasileiro. A reflexão sobre as crenças, em especial as religiosas, adquire relevância, igualmente, a partir da ascensão desse tipo de estudos no campo da filosofia das religiões. O objetivo do presente texto é apresentar resenha da obra “História, catolicismo e educação”, escrita por muitas mãos de jovens e experientes pesquisadores e organizada pelos professores Pedro Vilarinho Castelo Branco e Maria Dalva Fontenele Cerqueira, publicada em 2019, pela Editora da Universidade Federal do Piauí (EDUFPI). A obra está dividida em onze capítulos que dialogam entre si, a partir dos temas centrais da proposta: história, educação e catolicismo. É a partir das relações estabelecidas entre os campos da História, da Educação e da História da Educação, portanto, que a obra preocupa-se em dirigir sua mirada, em especial para as relações estabelecidas entre o catolicismo na educação escolar ao longo da historiografia brasileira.

A inegável presença da Companhia de Jesus na história da educação do Brasil é discutida no capítulo intitulado “As escolas confessionais e as práticas de catequese/educação dos jesuítas no Piauí”, no qual os autores buscaram entender a relação entre a reestruturação da Igreja Católica no Brasil e como as novas estratégias de ação da Igreja serviram de apoio para a construção de vínculos mais próximos com as sociedades locais e o mundo moderno, em especial, em relação às instituições de ensino. Os autores enfatizam que as escolas jesuítas tinham como principal objetivo trabalhar no preparo de jovens para a vida profissional, mediante normas, regras e uma formação sólida e atualizada, que estivesse não só a serviço da sociedade, mas também da Igreja.

A presença da Igreja Católica nas instituições escolares também ganha destaque analítico na obra a partir de três capítulos. O texto “Colégio Dom Joaquim: a Igreja Católica e a educação escolar em Parnaíba na primeira década do século XX” apresenta discussão sobre como as ações educativas da Igreja Católica impactavam as sociedades locais, tendo como exemplo e base o caso do Colégio Dom Joaquim, uma escola destinada ao público masculino, fundada na Diocese do Piauí, no ano de 1907. A autora aponta que a instituição não se consolidou e, com seu fechamento, a Igreja Católica manteve em funcionamento uma escola voltada ao público feminino, dirigida por irmãs religiosas. O capítulo “Catolicismo na cultura escolar: o Instituto Monsenhor Hipólito em Picos-PI sob influência do ultramontanismo (1944-1960)”, propõe reflexão acerca de como a instituição analisada, uma escola de caráter confessional, se encontrava inserida na proposta de catolicismo ultramontano, instituído a partir da República, como maneira de enfrentar a constante perda de fiéis em razão da destituição do catolicismo do posto de religião oficial do Estado brasileiro. Já o capítulo “Instituições educativas confessionais (1920-2013): o habitus religioso tecendo histórias e memórias de formação” promove debate sobre os conhecimentos históricos de duas instituições confessionais na cidade de Corrente, estado do Piauí, em relação às práticas educativas e a apropriação do conceito de habitus religioso. A autora afirma que havia uma correlação entre os habitus religiosos e os pedagógicos, que formavam as identidades das instituições e atuavam fortemente na construção identitária dos sujeitos que as frequentavam.

A história regional demarcou seu espaço na obra, principalmente a partir de quatro textos, que objetivaram analisar os contextos educativos religiosos no estado do Piauí. O capítulo denominado “A religiosidade no Piauí colônia: catolicismo adaptado ao modo de vida” discute as adaptações da religião católica aos modos de vida, tendo como recorte espacial o estado do Piauí e como recorte temporal o Brasil colônia. A autora aponta, por exemplo, que entre os habitantes do Piauí colônia existiam peculiaridades do catolicismo impressas em documentos como testamentos e inventários, os quais descreviam o patrimônio dos sujeitos, incluindo imagens, rosários, oratórios e terços. Já o capítulo “Desejos e rancores: os discursos por autonomia eclesiástica da província do Piauí (1829-1838)” propõe debate sobre a construção narrativa das justificativas de constituição de um governo espiritual no Piauí, que fosse deslocado do Maranhão, o que gerou, em 1901, a criação da nova Diocese. Os autores apontam para as diversas disputas, ao longo do século XIX, entre Piauí e Maranhão, baseadas em um binômio dominação-autonomia. O texto “Condurú e a piauidade eclesiástica”, por sua vez, apresenta diálogo com o autor Dom Condurú, revisitando e examinando elementos desse que foi tido como um dos acervos historiográficos mais importantes sobre a formação da Igreja no Piauí. Aponta-se que o acervo deve ser entendido como um repositório documental-transcrito e serve não apenas aos pesquisadores sobre história das religiões, mas, principalmente, aos que se interessam pelas questões da sociedade e da vida cotidiana. O texto denominado “As estratégias discursivas católicas e a implementação dos modelos femininos modernos na Teresina do início do século XX” aponta para reflexão sobre a problemática da formação feminina em Teresina, Piauí, no final do século XIX e início do século XX, a partir de jornais que circulavam na época, obas literárias, estatutos de escolas católicas e depoimentos orais. O autor destaca que a relação entre Igreja e mulheres pode ser percebida em lembranças materiais como livros de oração, fotografias, fitas do Coração de Jesus, anotações sobre retiros espirituais, imagens e outras fontes.

Há um deslocamento espacial na obra para São Paulo, em especial no capítulo “A catequese paroquial e familiar como tática educativa ultramontana na diocese de São Paulo (1860-1874)”, quando buscou apontar como os bispos da Diocese de São Paulo pensaram uma catequese nas igrejas e nas famílias como estratégia educativa ultramontana, dado o contexto histórico vigente. O autor aponta que os bispos aproveitaram uma brecha do Estado e inseriram os contextos de catequeses como espaços educativos, destinando o papel de educadores ao clero e as famílias, para que se pudesse implementar a reforma eclesial que almejavam estabelecer.

Outros temas foram levantados, como o anticlericalismo, por exemplo, a partir do capítulo “Anticlericalismo e as representações da beata na prosa ficcional de Clodoaldo Freitas”, no qual se objetivou analisar as representações das figuras das beatas na crítica anticlerical do livre pensador e literato Clodoaldo Freitas. As autoras destacam que o autor analisado consegue, sem atacar ao cristianismo, criticar os atos pagãos que ocorriam, associando a religião aos valores de humildade, temperança e benevolência. Ainda, é abordado o tema do patrimônio religioso, a partir do texto “Carlos Borromeu e as instructionum fabricae: “novas” regras arquitetônicas para a construção das igrejas no século XVI”, no qual, por fim, objetivou-se compreender a construção de edifícios sacros e objetos litúrgicos a partir da instituição instructionum fabricae. A autora enfatiza que as instructionum fabricae revelaram um importante papel para a igreja, principalmente em relação ao sistema social no qual foram publicadas, já que podem ser entendidas como um ponto de ramificação das artes, da arquitetura, da economia e das constantes disputas entre política e religião.

Em uma leitura crítica, é possível considerar que a obra cumpre com seus objetivos, na medida em que apresenta importante panorama das relações históricas, sociais, culturais, econômicas, demográficas, etárias e de gênero, em relação ao tema da educação católica no país. Ao final da apreciação da obra, o leitor pode ter um completo panorama das relações da Igreja Católica com a educação, ao longo de múltiplos recortes históricos, espaciais e sociais. Ao analisar os jesuítas, a presença da igreja nas instituições escolares, um recorte regional dessas tensões no estado do Piauí, outro recorte regional em São Paulo e temas diversos como as beatas e o patrimônio histórico material, a obra adquire relevância como acervo necessário aos pesquisadores do campo. A partir da leitura da obra pode-se dizer que se assume um compromisso ético, estético e político, ao ampliar os conhecimentos sobre a temática da história da educação, em uma mirada a partir da instituição Igreja Católica. Há o entendimento de que a construção de uma obra desse porte trata-se de exercício de pesquisa, busca, seleção, curadoria e reflexão sobre determinado tema. Não é possível saber dos processos, das situações e vivências subjetivas pelas quais cada autor passou durante seu trabalho, contudo, em relação esses processos, há grande respeito e admiração.

Referência

BRANCO, Pedro Vilarinho Castelo; Cerqueira, Maria Dalva Fontenele (orgs). História, catolicismo e educação. Teresina: EDUFPI, 2019.


Resenhista

Victor Hugo Nedel Oliveira – Professor do Departamento de Humanidades da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Licenciado e Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected] http://orcid.org/0000-0001-5624-8476


Referências desta Resenha

BRANCO, Pedro Vilarinho Castelo; CERQUEIRA, Maria Dalva Fontenele (Orgs). História, catolicismo e educação. Teresina: EDUFPI, 2019. Resenha de: OLIVEIRA, Victor Hugo Nedel. Para pensar as crenças, a educação e a história. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.26, n.2, p. 486-489, 2020. Acessar publicação original [DR]

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