História e Narrativas | Outras Fronteiras | 2016

Neste dossiê, nossa proposta foi estabelecer uma ampla reflexão acerca do diálogo da História com a narrativa, buscando evidenciar esta discussão que se fez tão recorrente, sobretudo a partir das últimas décadas do século XX, por meio das proposições proferidas por Lawrence Stone em seu celebre artigo “The revival of narrative” que estabeleceu as bases iniciais para este debate. Segundo Antônio Paulo Benatte este “repensar da narrativa”1 veio acompanhado da crescente influência da antropologia e da psicologia, em detrimento da economia e da sociologia na pesquisa histórica, isso atrelado ao que classificou como falência dos grandes modelos explicativos que eram caracterizados por suas narrativas totalizantes.

O debate em questão está em concomitância ao avanço das teorias pósestruturalistas, principalmente por intermédio de teóricos como Jacques Derrida e Michel Foucault, que suscitaram uma discussão sobre a inexistência de um sentido estático no próprio texto, sendo que o sentido só seria atribuído a partir das bases ontológicas de cada leitor.

Tais proposições além de terem aberto espaço para novas críticas documentais, bem como novos diálogos com outras áreas do conhecimento, também alertaram para que houvesse uma preocupação ainda maior para com a escrita da História, preocupação esta, materializada por historiadores como Hayden White2 , Paul Veyne3 , Michel de Certeau4 e Roger Chartier5 entre outros que defrontavam-se com a problemática da prática do historiador no estabelecimento de uma escrita histórica de modo a permitir a visibilidade de novas formas de narrar a história.

Desta forma, nas décadas seguintes a discussão em torno da narrativa histórica colocou-se como um tema extremamente profícuo, por ensejar novos rumos e questionamentos, fazendo com que OUTRAS FRONTEIRAS da História cada vez mais fossem transpostas.

Deste modo, a Revista Outras Fronteiras abre o dossiê “História e Narrativas” de modo a oportunizar o debate sobre a tensa relação entre história e narrativas, pensado aqui numa perspectiva plural de modo a possibilitar o acolhimento de contribuições científicas de diversos campos de saberes que dialogam com a História.

Os artigos publicados neste número circulam entre as reflexões em torno de experiências de pesquisa, análises de obras literárias no bojo das transformações sociais e políticas do século XIX, além de análises que levam a compreender transformações no campo político, econômico e cultural na conjuntura nacional que sob diferentes matizes a questão da narrativa foi colocada.

O autores que nos presentearam com seus artigos levarão os leitores aos trabalhos como ‘Os “narradores de abel”: histórias e memórias de uma cidade amazônica’ no qual os autores afirmam que com esse artigo revisitaram a pesquisa realizada em 2012, “afim de dar publicidade aos “narradores de Abel” e às histórias desse município amazônico, evidenciando primordialmente a narrativa sobre o “pioneirismo” dos seus fundadores na acomodação dos migrantes que chegavam à região em busca de terras nos anos 1960 e 1970, perpassando as narrativas sobre a história dos “chegantes” que eram migrantes e que vinham com o objetivo de investir seus capitais na região e por fim aquelas relativas à história da cidade, que é também o tempo das transformações e da adaptação ao mundo da política e do poder local”. Jogando um pouco com as palavras poderíamos dizer que no artigo: ‘Os “narradores de abel”: histórias e memórias de uma cidade amazônica’ assim como no filme Os Narradores de Javé, a questão gira em torno dos narradores, da oralidade e pelas relações de poder pela memória.

Já o artigo ‘O pai Goriot e Senhora: figurações valorativas de sociedades em transformação’ em que o autor trata das obras O Pai Goriot (1834) e Senhora (1875) que são reconhecidamente obras marcantes das produções do movimento literário denominado Romantismo. “Os autores dessas obras, Honoré de Balzac e José de Alencar respectivamente, figuram como cânones nacionais e há muito tempo são objetos de estudo e interpretação, sejam estas artísticas ou críticas”. O autor do artigo fez uma reflexão que procurou compreender os romances de Balzac e Alencar “em relação a seus respectivos projetos literários no bojo das transformações sociais e políticas do século XIX”.

E ainda, o artigo ‘Denotações de índios e bois no Palácio Paiaguás. Reflexões sobre o cenário nacional e seu impacto sobre Cuiabá (1971-1975)’ no qual o autor faz um estudo que “visa compreender as transformações que se desenrolaram no Mato Grosso, no campo político, econômico e cultural, na conjuntura nacional durante a administração de José M. Fontanillas Fragelli (1971-1975), que homenageou ao mesmo tempo índios mortos e bois no corpo do Edifício Político, nominado de Palácio Paiaguás, no Centro Político Administrativo – CPA, em Cuiabá”.

Esperamos que o dossiê “História e Narrativas” contribua para o debate historiográfico acerca do tema e leve nossos leitores a reflexões sobre o que foi apresentado. O Conselho Editorial da Revista Outras Fronteiras agradece imensamente a contribuição dos autores, que confiaram seus trabalhos à nossa revista e aos pareceristas ad hoc que trabalharam para que esta edição se materializasse nas páginas seguintes às quais temos o prazer de apresentar.

Notas

1 Cf. BENATTE, Antonio Paulo. História, Ciência, Escritura e Política. In: Narrar o passado, repensar a história. Margareth Rago & Renato Aloizio de Oliveira Gimenes (orgs.). Campinas-SP: UNICAMP/IFCH, 2014. (Coleção Ideias, 2)

2 Cf. WHITE, Hayden. Meta-história: a imaginação histórica do século XIX. Trad. José Laurêncio de Melo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995.

3 VEYNE, Paul. Como se escreve a História e Foucault revoluciona a história. Trad. Alda Baltar e Maria Auxiliadora Kneipp Alexandre Lima. Brasília, Editora UNB, 1992.

4 Cf. CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2002.

5 Cf. CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: a história entre incertezas e inquietude. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Universidade/UFRGS, 2002.


Organizadores

Conselho Editorial


Referências desta apresentação

Conselho Editorial. Apresentação. Outras Fronteiras. Cuiabá, v. 3, n. 2, p. 1-3, jul./dez.2016. Acessar publicação original [DR]

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