História e Sociedade: o ensino de História a partir de diferentes dinâmicas sociais / História Hoje / 2019

Este Dossiê tem como objetivo apresentar discussões e reflexões sobre o ensino de História a partir dos diferentes sujeitos sociais que dela participam, direta ou indiretamente. Trata-se de incorporar ao trabalho de reflexão sobre a formação de docentes e a realidade do ensino de História, particularmente daquele que se desenvolve no âmbito da escola, as experiências dos jovens educandos como sujeitos ativos e não apenas tidos como participantes do processo educativo. Nesse sentido, o esforço deste Dossiê é ampliar o debate em torno dos sentidos atribuídos pelos jovens ao saber ensinado e à maneira como instrumentalizam esses saberes dentro e fora do contexto escolar. Ao mesmo tempo, dirigimos nosso olhar para a análise dos valores e práticas sociais que se busca produzir a partir do ensino de História no espaço escolar, estejam eles presentes nas orientações curriculares, nos livros didáticos, nas práticas docentes ou mesmo nas metodologias de ensino.

A temática deste Dossiê procura dialogar com, pelo menos, duas realidades. A primeira diz respeito ao questionamento sobre o ensino de História produzido no contexto de crescimento do movimento Escola Sem Partido. Assim como as disciplinas de ciências humanas e sociais, a História vem sendo acusada de promover a doutrinação ideológica de esquerda no espaço da escola. No mesmo contexto, sob a influência de diversos setores da iniciativa privada e do terceiro setor prevaleceu dentro do Conselho Nacional de Educação uma avaliação de que o Ensino Médio precisava de uma mudança.

Os argumentos em defesa de uma reforma e de um currículo para o Ensino Médio, produzidos por esses segmentos e por representantes públicos, variaram. Existia, certamente, o problema da evasão crescente de alunos, o baixo desempenho nas avaliações internacionais e a falta de uma formação adequada que permitisse ao jovem uma inserção qualificada no mercado de trabalho. Porém, todos tinham em comum o objetivo de questionar o sentido do ensino, o papel da escola e do professorado, incluindo os professores de História.

A aprovação da Reforma do Ensino Médio representou um duro golpe nas ciências humanas e sociais. O espaço das disciplinas de História, Geografia, Sociologia e Filosofia dentro da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio foi reduzido, os conteúdos foram reformulados para garantir uma formação voltada para o mercado de trabalho. Tais iniciativas se revestiram de um discurso técnico, científico e até mesmo pragmático para justificar a redução da carga horária dos conteúdos destinado à formação geral e universal, frente à ampliação do tempo destinado à formação técnica e profissionalizante. Ainda que todos esses pontos sejam discutíveis, o que gostaríamos de sublinhar, abstraindo a natureza conservadora dessas propostas de mudanças, é o fato de que uma parcela da sociedade vem questionando a educação e, em particular, o ensino de História.

A segunda realidade com a qual este Dossiê dialoga diz respeito ao crescimento das discussões sobre os caminhos da aprendizagem histórica e seus sujeitos. Esse campo é bastante eclético e envolve pesquisas de diferentes escopos, mas em todos eles nota-se uma preocupação com as formas tradicionais de ensino de História e de análise sobre os sentidos da formação histórica escolar. Em meio a esses estudos encontram-se grupos de pesquisadores que vêm procurando pensar a presença de outros sujeitos e referências na formação do saber histórico. Nesse esforço, concentra-se um trabalho de retomada do educando, particularmente do jovem educando, como elemento fundamental na relação de ensino e de produção do saber. Talvez por essa razão, tais estudos nos apresentem a necessidade de discutir a importância e a influência da mídia na formação histórica dos jovens. Num espectro amplo que inclui cinema, mídias digitais e virtuais, percebe-se o crescimento de trabalhos no campo do ensino de História, uma busca pela compreensão desses meios no processo de ensino.

Essas duas realidades apresentam um variado campo de possibilidades de análise sobre a relação entre o ensino de História e os diversos segmentos sociais. É nessa perspectiva que se situam os artigos de Renato Jales Silva Júnior, Aparecida Darc de Souza e Éder Cristiano de Souza. Em “Hegemonia e Ensino de História”, Renato retoma os caminhos metodológicos de construção da hegemonia dos grupos dominantes por meio da escrita e da reprodução de uma história que tem nos grupos dominantes seus principais protagonistas. Nesse artigo é possível recuperar os mecanismos desenvolvidos no ensino de História que fazem do passado um instrumento de legitimação dos grupos dominantes no estado de Mato Grosso do Sul.

Os artigos de Aparecida Darc de Souza e Éder Cristiano de Souza, embora por meio de metodologias de pesquisa distintas, procuram entender e analisar quais são os valores presentes no ensino de História. A primeira, no artigo “Indagações sobre o sentido do ensino de História e a construção da democracia no Brasil”, toma como fonte os livros didáticos com o objetivo investigar a relação entre o conteúdo escolar da disciplina de História e a questão da construção de uma sociedade democrática no Brasil. No segundo artigo, “Da aprendizagem conceitual à orientação temporal”, Eder organiza um estudo tomando como base a orientação teórica dos estudos e reflexões realizados a partir da matriz alemã da Didática da História para avaliar a relação entre os objetivos de formação de valores democráticos e humanísticos no ensino de História e sua efetivação entre os educandos.

Seguindo nessa perspectiva de colocar o educando e sua interpretação da História como elemento a ser investigado no processo de ensino, Aaron Sena Cerqueira Reis no artigo “As concepções de jovens estudantes sobre assuntos históricos” apresenta os resultados de uma pesquisa quantitativa baseada na Grounded Theory. Nesse estudo o autor toma os adolescentes e jovens do Ensino Fundamental e Médio para analisar a compreensão que apresentam dos temas e conceitos trabalhados em sala de aula. Já no artigo apresentado por Sérgio Paulo Morais, Douglas Gonsalves Fávero e Denise Nunes De Sordi, por meio de entrevistas produzidas durante o processo de ocupações de escolas, apresentam-se práticas instituintes em relação ao currículo e à forma de gestão escolar. Os autores concluem que as ações de secundaristas revelaram perspectivas que podem contribuir para o debate sobre a educação, a instituição escolar e o ensino de História.

Dentro de uma proposta diferente, mas ainda com referência a aspectos relacionados ao universo cultural da juventude, Cláudia Regina Bovo e Marcos Sorrilha Pinheiro exploram em seu artigo “História Pública e virtualidade” o diálogo entre o ensino de História e as mídias digitais. Nesta direção, seu estudo apresenta o indicativo da produção de conteúdos históricos para as redes sociais de modo a diminuir o descompasso entre o universo escolar e o universo do jovem estudante. No artigo “Ensino de História e cinema: indícios e reflexões sobre nomes, lugar social e campo de pesquisa (ENPEH – 1995 / 2013)”, Humberto Perinelli Neto analisa as possibilidades do diálogo entre o ensino de História e essa mídia. Partindo de estudo de natureza qualitativa de autores e trabalhos publicados nos Anais do Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História (ENPEH), entre os anos de 1995 e 2013, e valendo-se de investigações bibliográficas e documentais, Perinelli Neto identifica e analisa as razões para esse campo de pesquisa ainda ser pouco explorado tanto na História quanto na Educação, e estar restrito geograficamente à região Sudeste do país.

Para concluir, o artigo de Claudia Cristina da Silva Fontineles e Thiago Rodrigues Frota apresenta um importante balanço sobre o percurso do processo de formação de docentes desde o período da ditadura até o momento de implantação do programa Pibid. A autora recupera os acontecimentos que marcaram os ataques feitos ao ensino de História no período da ditadura militar apresentando um contraponto para a análise do momento atual da disciplina e da própria educação no país.

Completam este Dossiê uma entrevista com Marcos Antonio da Silva, “Incertezas sobre o porvir”, e uma tradução do artigo de Michael Merrill e Susan J. Schurman “Toward a General Theory and Global History of Workers’ Education”.

A entrevista com Marcos Antonio da Silva apresenta um balanço lúcido e crítico sobre o quadro atual de ataques vivido pela educação e, particularmente, pelo ensino de História. Mais do que uma opinião, a entrevista traz a avaliação de um professor que foi ao mesmo tempo historiador ao longo de toda a sua trajetória profissional. Trata-se, sobretudo, do depoimento de alguém que, além de se ocupar da narrativa do passado, não recusou o papel de agente histórico. A tradução do artigo de Michael Merrill e Susan J. Schurman focaliza a necessária discussão sobre produção e socialização de uma história sobre ensino de jovens e adultos, entendidas como um direito de todo trabalhador à formação intelectual. Traduzir esse artigo pareceu-nos muito oportuno, justamente porque nos permitiu acrescentar às reflexões sobre os caminhos que queremos trilhar no ensino de História questões sociais e políticas que nos impõem perguntas que necessariamente precisamos fazer: “o que” ensinamos em História, bem como “para que” e “para quem” a ensinamos.

Aparecida Darc de Souza – Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Marechal Cândido Rondon, PR, Brasil. E-mail: [email protected].

Rodrigo Ribeiro Paziani – Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Marechal Cândido Rondon, PR, Brasil.  E-mail: [email protected].

Sérgio Paulo Morais – Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia, MG, Brasil. E-mail: [email protected].

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[DR]

 

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