História e violência: discursos e identidades | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2011

Este número 11 da Revista da ANPHLAC traz o dossiê História e violência; discursos e identidades. O grande número de artigos recebidos e aprovados pela Revista por ocasião da chamada de trabalhos para o número 10 (no qual se publicou o dossiê Cultura e autoritarismo nas Américas) resultou na organização de um segundo dossiê, contendo seis artigos e uma resenha, todos relacionados a temas e fenômenos históricos do século XX, que aqui temos a satisfação de apresentar aos leitores.

Os dois artigos que abrem esse número tratam de temas nos quais a violência política figura como um dos principais componentes dos objetos analisados. Maria Valéria Galvan, em Cambios y continuidades en las representaciones actuales sobre Tacuara, explora as transformações ocorridas na memória social e na opinião pública acerca da organização nacionalista argentina Tacuara, abordando o período que se estende do início da década de 1960 ao começo do século XXI. A autora analisa as mudanças operadas também no discurso dos ex integrantes desse grupo de extrema direita, tomando como fontes depoimentos, produções audiovisuais e artigos da grande imprensa. A pesquisadora destaca a nova visão que emergiu sobre o grupo, no final dos anos 1990, considerando-o uma espécie de “escola de formação” da luta armada e até mesmo da militância de esquerda dos anos 1970.

No artigo O Massacre dos estudantes na Cidade do México em 1968: o poeta Octavio Paz e a História Política, Ival de Assis Cripa enfoca o ensaio Postdata (1969), obra do poeta mexicano Octavio Paz, na qual este repudia o massacre estudantil de Tlateloco, ocorrido em 1968. O trabalho analisa as críticas e considerações tecidas por Paz sobre esse trágico evento, bem como suas reflexões sobre a violência à luz da tradição política autoritária mexicana. O autor também trata do posicionamento público do poeta frente a hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI) e se vale das idéias do intelectual Pierre Rosanvallon para pensar o compromisso político de Paz e sua disposição em se portar como “decifrador de enigmas e silêncios” da história política de seu país.

Os dois artigos subseqüentes analisam os discursos presentes em revistas de circulação na América Latina e tratam de questões identitárias, em nível transcontinental e nacional. As revistas abordadas nesses trabalhos, constituídas como espaços de encontro e debate intelectual, também podem ser compreendidas como “laboratórios de idéias”, a exemplo da definição apresentada por Maria Antonia Dias em seu artigo Identidades em revista: hispanismo e hispanidad em Cuadernos Americanos e Cuadernos Hispanoamericanos. 1942-1955, no qual analisa, respectivamente, uma publicação mexicana e uma espanhola. Nesse trabalho a autora discute a identidade ibero-americana construída e debatida pelos intelectuais que colaboravam nessas revistas, contrapondo suas posições políticas de um e de outro lado do Atlântico. A autora aborda a circulação de idéias; os esforços, em cada caso, em prol da construção de uma identidade comum; os conflitos envolvendo o franquismo e, sobretudo, as concepções de hispanismo e hispanidad.

A questão da identidade também é tratada por Paula Hyrcyk; porém, neste caso, aborda-a no âmbito do nacionalismo. Em El discurso plástico en la prensa nacionalista, analisa as representações e o debate em torno da idéia de “nacional” que ocorreu nas páginas da revista cultural argentina Nativa. Essa publicação, de viés nacionalista, anti-liberal e xenófobo, criticou, no final dos anos 1920, a arte contemporânea e celebrou a arte e a literatura dedicadas a exaltar uma suposta essência da ‘argentinidade’ situada no passado, associada à identidade criolla e a determinadas características da natureza e da paisagem nacionais. A análise se mostra bastante abrangente ao contemplar tanto o discurso escrito como o visual (plástico), considerando elementos textuais e estéticos da publicação. Ao final, o artigo traz uma rica seleção iconográfica que contribui para traduzir o perfil da publicação.

O quinto artigo desse número analisa o discurso construído sobre o indígena, na Argentina, pelos estudos acadêmicos. Em Debate historiográfico argentino e a construção da questão indígena, Ivia Minelli mapeia e problematiza a historiografia e a produção acadêmica de outras áreas voltadas à questão indígena, na Argentina, a partir dos anos 1960 até os dias atuais. A autora aponta transformações e permanências nas abordagens do indígena presentes nesses estudos, e identifica três visões predominantes: a vitimizadora , a derrotista e a a-histórica. Também mostra o quanto essas visões, ainda vigentes, são pautadas pela historiografia liberal do século XIX e pela valorização do criollo. A autora identifica na literatura gauchesca um campo fecundo a ser explorado por novos estudos dedicados à questão indígena.

Finaliza o dossiê o artigo de Carine Dalmás, O Partido Comunista do Chile e o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética: pela “via pacífica” e contra o “realismo socialista”. Este trabalho analisa o impacto político e cultural do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) sobre o Partido Comunista do Chile (PCCh), ao longo do ano de 1956. Valendo-se de artigos de periódicos chilenos, especialmente os publicados pela imprensa comunista, o foco da autora, nesse trabalho, se dirige à maneira como o PCCh recebeu as denúncias contra Stalin, acatou a via pacífica como nova estratégia revolucionária a ser adotada, mas discordou das propostas do PCUS envolvendo o papel político e social da arte. Divergindo dos paradigmas do realismo socialista, a autora nos mostra que o Partido Comunista do Chile procurou, então, elaborar uma proposta voltada à valorização das raízes populares como parte da cultura e da identidade nacionais, demonstrando, em relação ao XX Congresso, uma postura diferente da assumida, por exemplo, pelo Partido Comunista do Brasil.

Fechando esse número temos a oportuna resenha de Romilda Motta a respeito da coletânea Mujeres insurgentes, publicada, no México, em 2010, pelo Senado de la República, por ocasião do bicentenário da Independência e do centenário da Revolução.

O presente número é mais uma contribuição à divulgação de pesquisas em História das Américas no Brasil. Cumpre, assim, a finalidade primeira da Revista e de nossa associação, a ANPHLAC, de estimular a circulação de um rico conhecimento histórico que vem sendo produzido sobre o continente americano.


Organizadora

Mariana Villaça – Professora de História da América da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus Guarulhos.


Referências desta apresentação

VILLAÇA, Mariana. Apresentação. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n. 11, p. 5-7, jul./dez. 2011. Acessar publicação original [DR]

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