Resistência cultural, identidades e interações | Dimensões | 2021

Rendicao de Granada Rendicao de Granada Francisco Pradilla Ortiz Resistência cultural
La Rendición de Granada (1882) – Surrender of Granada by Francisco Pradilla Ortiz

Apresentação

O presente dossiê é resultado de um trabalho de interação internacional de mais de uma década. Tendo como líder e mentora a Profa. Dra. Adeline Rucquoi (CNRS – Paris/França), atingimos nosso quarto dossiê, além de outras interações em temáticas medievais, geralmente no âmbito da Península Ibérica medieval. À Dra. Rucquoi, nossa gratidão e amizade.

O primeiro artigo é de autoria dela. Seu título é muito explícito: El “otro” en la España medieval: ¿convertirlo o temerlo? Reflete sobre a percepção do outro, das interações do poder estabelecido com as minorias. Numa análise sutil e focada dirige-se ao tema da conversão das outras religiões, através de séculos de “convivência”. A historiografia dos quinhentos anos da expulsão, tentou ‘dourar’ a realidade, mas Rucquoi reflete sobre esta escrita da história. Leia Mais

Resistência cultural, identidades e interações: as religiões monoteístas entre o diálogo e o conflito (período tardo antigo-medieval)  | Dimensões | 2021

O presente dossiê é resultado de um trabalho de interação internacional de mais de uma década. Tendo como líder e mentora a Profa. Dra. Adeline Rucquoi (CNRS – Paris/França), atingimos nosso quarto dossiê, além de outras interações em temáticas medievais, geralmente no âmbito da Península Ibérica medieval. À Dra. Rucquoi, nossa gratidão e amizade.

O primeiro artigo é de autoria dela. Seu título é muito explícito: El “otro” en la España medieval: ¿convertirlo o temerlo? Reflete sobre a percepção do outro, das interações do poder estabelecido com as minorias. Numa análise sutil e focada dirige-se ao tema da conversão das outras religiões, através de séculos de “convivência”. A historiografia dos quinhentos anos da expulsão, tentou ‘dourar’ a realidade, mas Rucquoi reflete sobre esta escrita da história. Leia Mais

América entre revoluciones: construcción de sujetos e identidades en el ideario popular revolucionario latino-americano |  Revista chilena de historia social popular | 2021

El presente dossier pretende abrir paso a la reinterpretación de un conjunto de procesos históricos que tuvieron a las clases trabajadoras y masas populares latinoamericanas en el centro de la acción política. Adicionalmente, busca comprender la complejidad de dichos procesos abordados desde la construcción de sujetos e identidades. Lo anterior, más allá del análisis de las colectividades políticas revolucionarias y reformistas, sus proyectos políticos y su confrontación con el Estado. En líneas generales, los estudios que comprenden este dossier se enfocan en la construcción de las identidades populares desde expresiones artísticas y acciones de protesta vinculadas al compromiso de cambio social.

Desde fines de la década de 1950, la música popular fue un vehículo de expresión cultural para la revolución en América Latina. El arte ha funcionado como espejo de contextos históricos específicos y, por ello, la música ha sido una forma de manifestación cada vez más estudiada desde diversos puntos de vista. En el escenario chileno, la Nueva Canción Chilena (NCCh) ha sido una vía para comprender la construcción de la identidad cultural popular chilena ya que expone las problemáticas sociales y la búsqueda de la justicia social de una época. Leia Mais

Fronteiras, Migrações e Identidades nos mundos pré-modernos / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2020

A Ciência da História está interessada em compreender como as sociedades, nas mais distintas temporalidades, produziram para si e para os outros, diferentes formas de orientação e sentido no tempo, tanto para ações individuais quanto para as coletivas. Trabalhando com os indícios documentais e diversas historiografias disponíveis, o historiador consegue propor análises e reflexões que objetivam compreender, entre tantas possibilidades, os mecanismos de identificação, regulamentação social, processos conflituosos ou diplomáticos entre diferentes grupos sociais ou sociedades distintas. Em tempos de interações e conexões entre o local e o global, as ciências humanas tem se dedicado cada vez mais aos estudos das fronteiras, processos migratórios e identidades, de modo a discutir como estes fenômenos relacionam-se com a produção de orientação e sentido no tempo.

O dossiê Fronteiras, Migrações e Identidades nos mundos pré-modernos, proposto pelos professores Dominique Vieira Coelho dos Santos (FURB / Blumenau) e Renato Viana Boy (UFFS / Chapecó), abre espaço para questões dessa natureza, contemplando reflexões interdisciplinares que debatam as complexas relações entre fronteiras, migrações e identidades nos mundos pré-modernos. Reunimos aqui um grupo de seis artigos de pesquisadores e pesquisadoras que se dedicam ao estudo de temáticas situadas cronologicamente antes do período que chamamos de Modernidade, além de uma entrevista com o professor de História da África da Universidade Federal do Paraná, Otávio Luiz Vieira Pinto.

Dois artigos escolheram abordar a temática das sociedades pré-modernas enfatizando Roma Antiga. O primeiro deles, As trocas de correspondências entre Tibério César e a aristocracia senatorial durante seu afastamento para Capri (26 – 37 d.C.): uma análise dos crimes de traição nos Anais de Tácito, escrito por Rafael da Costa Campos, teve como objetivo expor a importância das trocas de correspondências como fundamental ferramenta política e administrativa do Principado. A análise ficou concentrada no período em que Tibério César se afastou de Roma e residiu na ilha de Capri (26 – 37 d.C.). O afastamento do princeps foi um marco de inflexão política em seu governo, e as trocas de correspondências apresentadas por Tácito em seus Anais expõem o seu impacto sob a aristocracia mediante a intensificação dos casos de acusações e condenações pelo crime de traição (maiestas). O segundo artigo, intitulado Uma República degradada: breve estudo da guerra de Jugurta de Caio Salústio Crispo, de Alice Maria de Souza, por sua vez, analisa a obra Guerra de Jugurta, de Caio Salústio Crispo, escrita durante o Segundo Triunvirato. Considerando os elementos exteriores ao texto em si – tais como contexto, objetivos do autor e gênero – interpreta o referido documento não somente como produto de apropriações do passado, mas, também como produtor de novas representações, servindo como veículo de transmissão e ressignificação da memória. Vemos, então, uma problemática envolvendo História e Memória. É o que faz Erick Carvalho de Mello, mas, agora, abordando a temática do celtismo e da celticidade. Sua reflexão, proposta no artigo O Mito e a cultura de memória Celtas: Uma convergência de imaginários, parte do campo da Memória Social, não da Ciência da História, mas, em um constante diálogo interdisciplinar, aborda o papel das diferentes apropriações do que se entende por “cultura celta” na formação das identidades nacionais de grupos como irlandeses, escoceses e bretões franceses. O autor procurou identificar como o mito do celtismo é construído na História recente e como a partir deste mito uma cultura de memória é formada e nos possibilita ter uma compreensão mais aprofundada sobre os conflitos históricos que esses grupos enfrentam hoje, sem deixar de dialogar com a forma como a temática tem sido tratada quando o foco são as populações prémodernas, se decidirmos denominá-las de “celtas” ou não.

O artigo Multiculturalidade e a Christiana Civilitas na Britannia de Guildas (s. VI), escrito a quatro mãos por Helena Schütz Leite e Renan Frighetto, se propõe a discutir sobre as transformações observadas no século VI na Britannia do século VI não sob o prisma da decadência e destruição do mundo romano no Ocidente europeu, visão muito presente na tradição historiográfica sobre o período. Diferente disso, os autores propõem, através do estudo da obra De Excidio Britanniae, de Gildas, perceber a pluralidade cultural que é possível observar ali, e a busca por uma identificação que aproximasse dos diferentes reinos da Britannia na Antiguidade Tardia.

Outro artigo que também lida com a questão das identidades e historiografia é A fronteira entre cristãos e muçulmanos: uma terra de ninguém?, escrito por Márcio Felipe Almeida. Entretanto, o ponto central das análises do autor está no espaço de fronteira disputado por populações cristãs e islâmicas no século XIII. Vale ressaltar que a fronteira, neste caso, não é uma linha divisória entre dois territórios, como se pode pensar à primeira vista. Diferente disso, neste artigo, Márcio Almeida discute a fronteira como sendo, ela mesma, um território pretendido pelos dois grupos em questão.

O último artigo deste dossiê é aquele que avança mais próximo do fim do período chamado de pré-moderno, intitulado A Colonização Oriental e os Processos de Reformulação Rural em Brandemburgo (séculos XII–XIV). Neste artigo, Álvaro Mendes Ferreira se dedicou a analisar o processo de transformações no espaço rural do Europa oriental, ocorridas no período assinalado, em virtude do processo de consolidação do regime senhorial. Tendo os processos na Marca de Brandemburgo como estudo de caso, o autor busca compreender como os vilórios eslavos se enquadravam neste cenário de transformações.

Por fim, apresentamos ainda uma entrevista com o professor Dr. Otávio Luiz Vieira Pinto, que tem dedicado suas pesquisas ao mundo persa e às trocas culturais entre os grupos da costa Suaíli, na África, e os grupos árabes e iranianos do Oriente Médio, entre os séculos VI e XI. Atualmente, Otávio Vieira Pinto é professor de História da África da Universidade Federal do Paraná, pesquisador do Middle Persian Studies (MPS) e do NEMED (Núcleo de Estudos Mediterrânicos), além de colaborador do projeto internacional Networks and Neighbours.

Além dos textos que compõem o dossiê, este número traz também dois artigos e duas resenhas. O artigo de Darlan Damasceno e Gilmar Arruda, intitulado Religiosidade e Natureza: imigrantes ucranianos e a transformação do meio ambiente (Paraná 1890-1915), aborda como a religiosidade dos imigrantes ucranianos atuou no processo de ressignificação e transformação do meio ambiente entre os anos 1890 e 1915, na região centro-sul do Estado do Paraná. As fontes utilizadas pelos autores, indicam que a religiosidade dos imigrantes foi fundamental no processo de (re)construção da realidade social nas colônias, e para moldar o modo de vida dos indivíduos através de esquemas de percepção inscritos em suas ações.

No texto de Cássila Cavaler Pessoa de Mello, De estrangeiro a cidadão: o processo de naturalização instaurado em 1832 e seus limites, a autora discute o processo de naturalização instaurado no Império do Brasil a partir da Lei de 23 de outubro de 1823. Aponta os motivos que estimularam os estrangeiros a buscarem o título de cidadão brasileiro e expõe os trâmites e as dificuldades enfrentadas por aqueles que optavam por se tornar cidadãos. O texto explora tanto a perspectiva estatal, quanto a dos indivíduos neste percurso.

Na seção resenha, temos dois instigantes textos. Um novo estudo sobre a vida de Marx, uma resenha de Daniel de Souza Lemos, trata da obra Karl Marx: uma biografia dialética, publicada no Brasil em 2019, de autoria de Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea e coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia do Departamento de História, na USP. O texto de Isabel Schapuis Wendling, intitulado Modelando Condutas: uma resenha da obra sobre os poderes nas escolas católicas masculinas no Brasil, resenha a obra Modelando Condutas: educação católica em escolas masculinas de Roseli Boschilia, publicada pelo museu Paranaense em 2018.

Este dossiê e os demais artigos que compõem o número 35 da Fronteiras: Revista Catarinense de História estão fundamentados na proposta de uma história plural, que dispõe de espaço às múltiplas possibilidades de análises históricas de populações, personagens e acontecimentos em tempos recuados, definidos aqui como pré-modernos até a atualidade mais recente, focos dos textos que se enquadram fora do nosso dossiê. Afinal, se a História é a Ciência dos seres humanos no tempo e quem faz História é como o ogro da lenda, que, ao farejar carne humana, vê ali sua caça, para lembrarmos uma célebre reflexão do medievalista francês March Bloch, não é possível nos contentarmos com qualquer narrativa supostamente historiográfica que deixe de contemplar estas outras dinâmicas espaço-temporais tão importantes para compreendermos nossa própria historicidade.

Desejamos uma proveitosa leitura!

Dominique Vieira Coelho dos Santos (FURB)

Renato Viana Boy (UFFS)

Organizadores do Dossiê

Samira Peruchi Moretto (UFFS) Editora


SANTOS, Dominique Vieira Coelho dos; BOY, Renato Viana; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.35, 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Identidades e sexualidades hegemônicas e contra-hegemônicas. Feminidades e masculinidades em tempos autoritários / Locus – Revista de História / 2020

Identidades y sexualidades hegemónicas y contrahegemónicas. Feminidades y masculinidades en tiempos autoritarios*

El artículo de la historiadora Joan Scott, El género una categoría útil para el análisis histórico, supuso un importante marco interpretativo en la disciplina de la Historia al abordar la categoría de género como una construcción sociocultural. Esta interpretación implica que las diferencias de género no son “naturales” según el sexo biológico, sino que tienen un carácter mutable y no fijo y, por lo tanto, son fenómenos histórico-culturales. Dicha visión, que rechaza la idea determinista y biologicista del género, significó un giro radical en las interpretaciones de las ciencias humanas y sociales en el Occidente. No obstante, desde diferentes latitudes del mundo, varios / as teóricos / as han profundizado y complejizado el concepto de género desde miradas interseccionales gracias a los aportes de las feministas negras y a partir de epistemologías procedentes del Sur. Con la pregunta realizada por la teórica india del Grupo de Estudios Subalternos, Gayatri Chakravorty Spivak, en ¿Puede hablar el subalterno / a?, la teoría postcolonial llevó a cabo una profunda crítica a la permanencia de un único sujeto con voz, a la invisibilización y a la construcción de las representaciones de la otredad desde Occidente. En este sentido, el feminismo postcolonial ha sido importante para resaltar la naturaleza compleja de las identidades y, en consecuencia, ha logrado rechazar la noción de que el género es una categoría universal y homogénea.

Los feminismos postcoloniales desafiaron las bases etnocéntricas de los feminismos occidentales y cuestionaron su supuesta neutralidad, su carácter universalizador, y su poder de representación y de creación de identidades (Landaluze y Espel 2015, p.36). Más recientemente, surgieron las teorías decoloniales en América Latina, cuyo enfoque se relaciona con la herencia colonial que se instala en América a partir de 1492 y que está conectada con el pensamiento, filosofía y teoría latinoamericana, La decolonialidad rompe así con las tradiciones modernas y occidentales, con el eurocentrismo. Es aquí donde emergen los saberes y epistemologías comunitarias, indígenas, afros, populares urbanos en el centro (Espinosa Miñoso 2014). Las diferencias en el acceso al conocimiento y a los espacios de debate de dichas universidades marcan también una diferencia fundamental entre decoloniales y postcoloniales. Así todo, la fecha de 1492 es considerada el punto de partida fundamental, pues es desde esta temporalidad que se construye la superioridad epistémica y política de Occidente sobre el resto del mundo, aunque, desde “lo decolonial” se invitará a poner América en el centro a partir de los trabajos del peruano Aníbal Quijano (Bidaseca et.al 2016, p. 199).

Desde las teorías feministas que han roto con la matriz colonial destaca la argentina María Lugones, quien ha propuesto el concepto de colonialidad del género [1] . De la mano del enfoque de la interseccionalidad, se busca interpelar las teorías decoloniales desde los feminismos y poner en el centro el cuestionamiento de la lógica opresiva de la modernidad colonial al desvelar la organización biológica dimórfica y heteropatriarcal de las relaciones sociales (Lugones 2010). Como ha señalado Karina Bidaseca, “la alteridad se realiza en lo femenino”, es decir, la forma en la cual los cuerpos femeninos de las latitudes de América del Sur han sido vistos como territorio de conquista (2014, p. 587). El feminismo decolonial pretende construir otro horizonte de sentido histórico, es decir, realizar una relectura de la historia con nuevas temporalidades y desde las múltiples miradas, categorías, epistemologías y cosmovisiones construidas por las mujeres de la región, otras formas de resistencia o transgresión de las estructuras del coloniaje. De esta forma, las mujeres indígenas —o más bien las “feministas desde Abya Yala [2] ” y las antipatriarcales— proponen epistemologías que parten de la cosmovisión de los pueblos originarios también modificadas por las construcciones sociohistóricas patriarcales que llegaron con el coloniaje, a las que buscan combatir al interior de sus comunidades. También en este camino se sitúan las feministas afrodiaspóricas que pretenden ennegrecer el feminismo al mostrar el peso de la raza, así como la visibilización de sus conocimientos ancestrales y de sus epistemologias [3].

A partir esas nuevas miradas desde los estudios de género también se han abierto posibilidades para la teorización sobre masculinidad(es), en especial en aquellas cuestiones referidas a conceptos como la sexualidad o la normalidad (Simón Alegre 2014). Las masculinidad(es) pueden ser entendidas como una construcción sociocultural que comprende una serie de valores, creencias, actitudes, comportamientos, conductas, lenguajes, deseos, subjetividades, las cuales son configuradas a través de discursos y representaciones culturales socialmente legitimados y constantemente negociados en un tiempo y en un contexto cultural específico (De Martino Bermúdez, 2013). En definitiva, se trata de comprender la forma en la cual las masculinidades funcionan en las diferentes facetas de la vida a partir de las tres esferas que define R.W Connell: productiva, poder y cathesis. Es decir, en primer lugar una división sexual del trabajo configurada en torno a la estratificación del trabajo productivo según las relaciones de género; en segundo lugar, el poder que ha configurado la dominación de los hombres sobre las mujeres con el patriarcado histórico, y, en último lugar, la cathesis, que se refiere a la emocionalidad, la construcción social del deseo. Los modelos de género contenidos en las representaciones culturales en cualquier etapa y tiempo histórico moldean o afectan todas las áreas vitales de las personas.

En este sentido, de acuerdo con R. W. Connell (2005), el género pasa a ser comprendido como una forma de expresión de las estructuras, dentro de un sistema que limita y define las múltiples feminidades / masculinidades. De esta forma, los abordajes sobre masculinidades buscan subrayar la complejidad de las construcciones sobre masculinidad y feminidad, puesto que el sistema de género “involves male / male and female / female relations as well as male / female” (Connell y Pearse 2014, p. 69). De la misma forma pensamos, siguiendo a Scott, que aquello que discursivamente o por medio de representaciones se construye sobre las mujeres sirve a su vez como información para el colectivo de las identidades “hombre”, en tanto se influyen mutuamente (Ayala-Carrillo 2007, p. 741). Así, masculinidad y feminidad se construyen en constante diálogo como potenciales de identidad colectiva, percibidas en términos de relaciones de poder, las cuales pueden ser complejizadas desde el enfoque interseccional de género, clase, raza, sexualidades, edad, etc. Asimismo, en la cultura occidental, donde la visión es el sentido privilegiado (Oculocentrismo), el cuerpo tiene una importancia decisiva en la construcción del género. Así para Connell (1995, p. 53), “the physical sense of maleness and femaleness is central to the cultural interpretation of gender”. La teórica nigeriana Oyèrónké Oyewùmí (2005) señala que la cultura occidental se ha construido en base a dicotomías: público / privado, visible / invisible, civilizado / bárbaro, naturaleza / cultura, hombre / mujer. Sin embargo, en otras sociedades, como en la cultura Yorùbá, se han privilegiado otros sentidos más allá de lo visual y, lógicamente, las construcciones de género son distintas o incluso pueden no existir como tales.

Otro enfoque que posibilitó una de las mayores renovaciones teóricas en los estudios feministas es la llamada teoría Queer. En el idioma inglés, la palabra queer significa extraño y anormal. Esta palabra se usó durante muchos años como una forma peyorativa para referirse a los homosexuales, y luego fue reemplazada por la palabra gay. Sin embargo, en la década de los años noventa la palabra queer fue resignificada por los movimientos de liberación sexual y pasó a tener una connotación política. La feminista Teresa de Laurentis fue la primera persona en utilizar el término en la Academia, lo que posibilitó cuestionar las normas heterosexistas en las investigaciones.

La llamada teoría queer es producto del cuestionamiento sobre la categoría mujer basado en una referencia genital, y por ello busca incluir en las discusiones filosóficas la sexualidad, las identidades de género y la construcción sociocultural del deseo. Con la inclusión del enfoque queer, las lentes violetas son ampliadas al criticar la heterosexualidad y la cis-normatividad. Entre sus teóricas / os más conocidas / os se encuentra Judith Butler, quien explora las diversas formas de expresión de la sexualidad. Para Butler (2018), los discursos heteronormativos y falocéntricos han disciplinado milenariamente a los cuerpos, obligando a varones y mujeres a jugar papeles predefinidos de varón / mujer. En este sentido, los individuos performan el género para intentar conformarlo en el ideal cisheteronormativo. Por ello, sostiene que el proyecto político del feminismo debe tener como objetivo central la deconstrucción del binarismo sexo-género.

Dentro de los estudios sobre sexualidad encontramos también diversas teóricas decoloniales, como Ochy Curiel con su trabajo La nación heterosexual (2013), en el que critica el sistema cisheteropatriarcal como un régimen político. Las teóricas bolivianas Adriana Guzmán y Julieta Paredes (2014, 37-38) del feminismo comunitario, también señalan la importancia de las “relaciones lésbicas como parte de la resistencia a la norma heterosexual”. En este sentido son también valiosos los trabajos de la socióloga Leticia Sabsay sobre teoría queer y sexualidad, los cuales precisamente proponen esta interseccionalidad para pensar políticas sexuales que discutan los marcos liberales (Sabsay 2011). Sin embargo, critican la teoría queer, y especialmente las aportaciones de Judith Butler, por rechazar la existencia del sujeto mujer, ya que defienden que el patriarcado es el origen de todas las opresiones y que éste es construido sobre el cuerpo de las mujeres. Por otra parte, otras teóricas como Iki Yos Pîña Narváez u Oyèrónké Oyewùmí plantean el binarismo de género y la construcción de los cuerpos como una imposición colonial. Para Yos Piña, el concepto queer es una categoría neocolonial y apropiada desde la blanquitud académica (Piña 2017, p. 38). Así, la “queer normativity forma parte de la producción de poderes epistémicos y silencios que soportan la autoridad de la supremacía blanca” (Piña 2017, p. 43), pues excluyen los cuerpos no binarios desde otras culturas y cosmologías como la de los Orishas o las de la cosmopolítica Yoruba.

De esta forma, a partir de este bagaje teórico plural y en constante reelaboración, el presente dossier se propone indagar en los aportes derivados del estudio de las masculinidades y de las feminidades que pervivieron en el marco del autoritarismo -en sus diversas estructuras de control, represión y poder- durante los siglos XIX, XX y XXI. Se pretende esclarecer qué ha significado ser hombre y ser mujer y qué visión se ha naturalizado de la “masculinidad” y “feminidad” en diferentes periodos, así como de los individuos disidentes sexuales en contextos de persecución y de autoritarismo. Siendo las relaciones de género un ingrediente central de los discursos y proyectos de Estado, la aspiración de promover un ideal normativo de masculinidad y feminidad hegemónicas configura un orden de género determinado en diversos contextos. Sin embargo, también es interesante señalar que tantos los gobiernos democráticos, como los estados europeos, latinoamericanos, israelí, estadounidense, entre otros, fueron y siguen siendo extremadamente autoritarios en cuanto a sus formulaciones de género desde una matriz colonial, patriarcal y blancocéntrica.

Por otra parte, la historiadora Inmaculada Blasco (2010) señala la importancia de observar más allá de la sumisión y relativizar la eficacia de los discursos de género con el fin de no aceptar como dato incuestionable la ausencia de autonomía de conciencia y la agencia e identidad de los sujetos históricos. En este sentido, el propósito del dossier Identidades y sexualidades hegemónicas y contrahegemónicas. Feminidades y masculinidades en tiempos autoritarios se encuentra en la exploración de las identidades y subjetividades que emergieron bajo diferentes contextos históricos y políticosociales, dando especial importancia a las transformaciones que acontecieron bajo estructuras autoritarias. Son de especial importancia los trabajos que van más allá de los discursos hegemónicos y la interiorización de los mismos. Por ello, son importantes los análisis de procesos y prácticas “desde abajo”; es decir, las experiencias de los sujetos subalternos, la posibilidad de construcción de identidades no-hegemónicas y las contribuciones anti-discursivas que resistieron y negociaron con los “de arriba”, prestando especial atención a las distintas formas de resistencia y agencia que se formulan / formularon desde la subalternidad4 . En este sentido partimos de los postulados abiertos por las narrativas de la history from below (Bhattacharya 1983).

El presente dossier está compuesto por ocho artículos, una entrevista y una reseña. El primer artículo de las autoras Adriana Fiuza y Simone Achre, Revisitando o nascimento da teoria feminista no Brasil a partir de “A mulher é uma degenerada?” de Maria Lacerda de Moura, trata sobre una figura emblemática del anarcofeminismo brasileño, la teórica Maria Lacerda de Moura. Dicho texto analiza, de manera somera, la biografía de la autora y el contexto del feminismo occidental para luego analizar más detalladamente el pensamiento de Moura por medio de la obra A mulher é uma degenerada?. Por una parte, la autora es sumamente crítica con la Iglesia Católica, pues pensaba que dicha institución contribuya al mantenimiento del patriarcado y, en consecuencia, a la sumisión de las mujeres a través de narrativas cristianas como la culpa del “pecado original” o el ideal de pureza de María. Por otra parte, aboga por una educación liberadora como elemento clave de la emancipación y autonomía de las mujeres. Maria Lacerda de Moura critica a las sufragistas por no incluir en su agenda las especificidades de las demandas político-sociales de las obreras y las mujeres negras. Pese a la gran importancia de sus aportaciones teóricas y políticas, Moura es una figura prácticamente olvidada en la historia de Brasil e, incluso, en el feminismo brasileño.

En el segundo texto, Catolicismo, Vanguardia y mujeres. La refemenización de lo religioso en las obras de Norah Borges y Adalgisa Nery, Laura Cabezas analiza las trayectorias de la artista plástica argentina, Norah Borges, y de la poeta brasileña Adalgisa Nery dentro de un contexto cultural latinoamericano que define como de “refeminización de la religión”. Se trata de una aportación circunscrita más a la historia del arte, donde su autora se pregunta por los límites de la dimensión religiosa en la construcción de las identidades plásticas de estas artistas a través de la contraposición fe y modernidad. Más allá, Laura Cabezas trata en sus líneas, a partir de un lenguaje mucho más literario a lo que los artículos académicos acostumbran, a vislumbrar un territorio que Borges y Nery tratan de habitar —donde aparentemente muestran u ocultan su sexualidad— en sus respectivos contextos de cultura vanguardista. Para ello en su relato enfatiza en aspectos biográficos de la vida personal de ambas y en sus primeras incursiones en los mundos de la cultura y del arte. La religión se refleja en la obra artística de ambas y sirve para poner de manifiesto la importancia del aspecto espiritual en la reconfiguración social latinoamericana de su tiempo, por ejemplo, en la construcción de los cuerpos femeninos desde la pintura en connivencia con los códigos de feminidad que redefinen cuáles son las “cualidades femeninas”. A partir de un marco teórico donde se pone en relevancia el tomismo y los aportes filosóficos de Jacques Maritain, François Mauriac y Reginald Garrigou Lagrange, la investigadora muestra cómo el catolicismo se inserta en los lenguajes modernos del arte y la literatura. De la misma manera, va a desengranar en su artículo de qué forma se construye una creencia religiosa por fuera de los límites de la emoción, y cómo se coloca en el centro de la racionalidad o pensamiento. De esta forma traza una línea con aquellas investigaciones contemporáneas que han cuestionado las tesis de la feminización de la religión, y señala que gran parte de la tarea de la intelectualidad católica residió en devolver “el razocinio” a la religión.

El texto de Elisabet Velo i Fabregat, Un abordaje para el estudio de la represión sobre las mujeres durante el franquismo desde historia del derecho: las juzgadas en el Tribunal Regional de Responsabilidades Políticas, busca resolver preguntas más profundas acerca de las políticas de género que se mantuvieron vigentes durante la dictadura de Francisco Franco en España. Su autora se pregunta cómo ha recaído históricamente la ley sobre las mujeres y cuáles han sido las formas y métodos para su condena o absolución desde el punto de vista de la jurisdicción. En este sentido, el trabajo de Velo i Fabregat indaga en cómo las construcciones de feminidad sirvieron de pretexto para condenar políticamente a aquellas que se atrevieron a resistir dichos modelos de género. A través de un ejercicio de historia local, centrado en el caso de Catalunya, la autora indaga en varios expedientes jurídicos para confirmar dicha hipótesis y resolver una pregunta mayor ¿De qué se acusa o absuelve a las mujeres? En los expedientes analizados, su autora va a reflejar cómo operan las nociones de maternidad, familia y conducta moral en los testimonios de acusación y defensa de las mujeres. También va a reflejar cómo la violencia política, jurídica y económica acaban siendo un instrumento más para garantizar un ordenamiento de género en el franquismo, concretamente a través de la Ley de Responsabilidades Políticas de 1939.

El cuarto artículo Entre tanques y pañuelos: domesticidad y trabajo femenino en los posters de guerra del gobierno estadounidense (1941-1943) ha sido elaborado por Sol Glik. En él la investigadora indaga desde una perspectiva de género en el rol de las construcciones de feminidad en la cartelería, concretamente a través de representaciones iconográficas, entre ellas, la emblemática imagen del pañuelo de Rosie y los significados que éstas adquieren en determinados momentos históricos como la segunda guerra mundial. Es a través de las fuentes iconográficas “sexuadas” donde, señala su autora, los regímenes autoritarios, encuentran formas de ejercer el control y disciplinar a la sociedad, pero también de fomentar una serie de comportamientos deseables entre la población, en especial, entre las mujeres. Sol Glick va a presentar en su relato narrativo diferentes análisis de carteles que se difundieron en los Estados Unidos durante la Segunda Guerra Mundial con el propósito de movilizar a las mujeres hacia actividades históricamente asociadas al arquetipo masculino de proveedor, mientras se perpetúan ciertas nociones de feminidad clásicas de la etapa contemporánea. Glik combina algunos carteles de propaganda oficial junto a otros de publicidades más comerciales para reflejar una vida cotidiana que cada vez más se acerca a la sociedad de consumo, atravesada por los valores del American Way of Life, con las necesidades de un contexto bélico.

Contamos también con el artículo de Fabio de Sousa Fernandes, Carlos Henrique de Lucas y Diana Yoshie Takemoto, titulado “A louca dos gatos” ou sobre como gaslaitear o feminino: um estudo sobre a violência psicológica no âmbito do gênero. A partir de una metodología que dialoga con los estudios Queer y la perspectiva feminista posestructuralista, el artículo explora el fenómeno social del gaslighting (expresión en inglés cuyo sentido se refiere a modos de violencia psicológica hacia las mujeres). Lxs autores analizan ejemplos concretos de gaslighting conectados al mito de “la loca de los gatos” (alegoría representativa da retórica sexista), a través de una protagonista de los Simpsons o de imágenes periodísticas de la canciller alemana Angela Merkel y de la ex-presidenta de Brasil, Dilma Rousseff. La novedad del artículo reside en su aportación teórico-metodológica al introducir en los estudios feministas el gaslighting como concepto analítico. Éste contribuye a un examen más detallado respecto de las construcciones sociales o discursivas violentas y estereotipadas en relación a las mujeres en los sistemas patriarcales y heteronormativos.

Los autores João Gomes Junior y Thiago Barcelos Solival presentan en su texto Entre vedetes e “Homens em Travesti”. Um estudo sobre corpos e performances dissidentes no Rio de Janeiro na primeira metade do século XX (1900-1950) un examen sobre las prácticas resistentes de individuos cuyas identidades de género y sexuales no-hegemónicas hicieron frente al sistema heteronormativo y patriarcal carioca durante las primeras décadas del siglo XX. Tras un análisis teórico e histórico —a partir especialmente de Foucault, su historia de la sexualidad y la tríada histórico-discursiva de lo religioso, lo médico y lo policial— lxs autores llevan a cabo un estudio sobre prácticas resistentes de sujetxs disidentes de género en los albores del republicanismo brasileño. Asimismo, analizan un modelo de experiencia único, el Teatro de Revista, el cual se conformó como un espacio de sociabilidad, de creación de vínculos y como canal de resistencias tanto discursivas, culturales como performáticas para burlar los padrones burgueses y heteronormativos durante la primera mitad del siglo XX en la ciudad de Río de Janeiro.

En el texto Da diáspora à nação, de casa à dispersão: a subjetividade queer palestiniana, los autores Bruno Costa y Manuel Loff analizan la construcción de una masculinidad hegemónica judía (Muskeljude) —que se identifica y se aproxima al varón blanco europeo, construido a imagen y semejanza de un Occidente moderno—, la cual a la vez se erige en contraposición a los judíos mizrahim —identificados con el Oriente premoderno, “bárbaro” y “feminizado”—. A los mizrahim, por lo tanto, se les impone una masculinidad subalterna y son vistos como una amenaza a la misión “civilizadora moderna” judío-occidental. De ahí que se refuerce la creación de un “Otro” subalterno, el palestino, no reconocido como sujeto en la ocupación colonial sionista. Por otra parte, al identificarse como un país excepcional en el Medio Oriente en cuanto a la defensa de los derechos de las minorías sexuales, Israel permite el despliegue de un proceso de colonización de las sexualidades disidentes desde una óptica de “homonacionalismo”. El palestino, así, es identificado, además de bárbaro e incivilizado, como homofóbico, en un intento del Estado de Israel de domesticar las sexualidades disidentes y fortalecer las dicotomías entre civilizados / bárbaros. Desde un análisis muy novedoso, los autores examinan cómo la subjetividad queer palestina pasa a entrar en el proyecto colonizador sionista.

El octavo artículo de este dossier, titulado Toda Biologia é queer, del autor José Luis Ferraro, trabaja las identidades de género desde una perspectiva de las ciencias biológicas. Para ello, parte de diversas teorías, como las de Michel Foucault, Judith Butler o Jacques Derrida. Su principal objetivo es problematizar las identidades sexuales queer y abogar por la participación desde una mirada inclusiva de la Biología en las luchas de la comunidad LGTBI. Para el autor, la biología, cuyo elemento esencial es la biodiversidad, no debe ser instrumentalizada negativamente, sino a partir de su positividad y potencialidad, es decir, la diversidad inherente a la Biología. Por ello, Ferraro sostiene que hay que subvertir la lógica heteronormativa y patriarcal inculcada en los argumentos biologicistas, puesto que estos son transformados en regímenes de verdade e incluso en políticas de gobierno, ejemplificado en la falacia argumentativa de la “ideología de género”. En este sentido, el autor argumenta en favor de una Biología que contribuya a la deconstrucción del binarismo sexual y de género y, por lo tanto, a la liberación de las identidades y sexualidades no-hegemónicas, puesto que “toda Biología es queer”.

Para cerrar el dossier presentamos la entrevista de Iki Yos Pîña Narváez. La activista e investigadora trans nos abre una puerta para conocer de cerca cómo el conocimiento hegemónico blanco, heteropatriarcal, condena al ostracismo a las subjetividades e identidades disidentes a uno y otro lado de la orilla. Las políticas migratorias, la herencia colonial y la opresión interseccional son algunas de las realidades que atraviesan la identidad y corporalidad de Iki Yos, su nombre escogido, Piña Narváez. Su historia de vida, de exilio, migración, ruptura, sanación y reconfiguración constante de una identidad en la subalternidad en el mundo actual, es tan solo, como ella apunta, un reflejo de las puntas de lanzas de un sistema de múltiples opresiones (patriarcales, capitalistas, extractivistas, coloniales, raciales, cis-heterosexuales) histórico. Así, a través de sus experiencias conecta y evoca la trayectoria de un linaje ancestral que ha sufrido desde 1492 múltiples violencias, pero también, que ha sabido tejer una serie de tecnologías de escape para construir una resistencia histórica. Iki Yos nos muestra como, en tiempos de vorágine y autoritarismo, recuperar su sabiduría y epistemología de escape, anticolonial, es una forma de lucha, de (re)conocimiento de estrategias políticas para hacer frente a un sistema que promueve la social death de los colectivos subalternos y marginados de la sociedad. La Ley de Extranjería española, las leyes de identidad de género o los procesos de hormonación de las disidencias sexuales son algunas de las cuestiones que pone sobre la mesa Yos, visibilizando los privilegios, los de aquellos y aquellas que pertenecen, frente a la falta de derechos, especialmente de quienes se sitúan por fuera de los bordes.

Finalmente, este dossier se cierra con la reseña de Redistribuição ou Reconhecimento? Um debate entre marxismo e feminismo, elaborada por Marta Caro Olivares. En ella, se presenta un pequeño estudio del título ¿Reconocimiento o redistribución? Un debate entre marxismo y Feminismo publicado por Judith Butler y Nancy Fraser, editado por la editorial Traficantes de Sueños. Caro Olivares repasa los debates filosóficos acerca de la modernidad que Butler y Fraser han mantenido desde el año 2000, mientras indaga en las articulaciones de algunos feminismos y en la persecución colonial que sufren las disidencias sexuales y raciales en los tiempos del capitalismo. Los acosamientos a los cuerpos trans y el binarismo sexo-género son algunos de los debates que Caro destaca del entramado teórico de estas referentes de los estudios de género y las posibilidades que surgen tras incorporar los enfoques decoloniales y postcoloniales en las investigaciones.

¡Les deseamos una excelente lectura!

Notas

* Este texto forma parte de una investigación financiada por la Comunidad de Madrid en el marco de las Ayudas destinadas a la Atracción de Talento Investigador y del Proyecto de I+D para Jóvenes Investigadores de la Universidad Autónoma de Madrid, Las relaciones de las dictaduras europeas y latinoamericanas en clave transnacional: entendimiento, rivalidades y conexiones con los Estados democráticos (1930´s 1980´s) (Referencia SI1 / PJI / 2019-00257). Asimismo, el artículo ha sido realizado en el marco del Programa Postdoctoral en Ciencias Humanas y Sociales de la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires y con la financiación de una beca interna postdoctoral de CONICET.

1. Denota la influencia que Aníbal Quijano ejerció en el territorio latinoamericano gracias a su trabajo pionero donde expuso el concepto de colonialidad del poder. Si bien en este trabajo publicado a comienzos de los noventa no puso a dialogar a los estudios de género con esta teorización a propósito de la herencia colonialidad, este aspecto sí que ha sido desarrollado por teóricas como María Lugones, Rita Segato o Breny Mendoza.

2. Ver: Gargallo, Francesca. Feminismos desde Abya Yala. Ideas y Proposiciones de las mujeres de 607 pueblos en Nuestra América. Editorial Corte y Confección: México, 2014; Miñoso, Yuderkys Espinosa (coord.). Tejiendo de otro modo: Feminismo, Epistemología y Apuestas Descoloniales en Abya Yala. Popayán: Editorial Universidad del Cauca, 2014.

3. Según Aura Cumes, “No parece ser nada nuevo el que se cuestione el uso de la categoría de género y feminismo como occidentales y, de esa forma, se ponga en entredicho su uso”. En este sentido, el concepto de género pareciera generar menos tensiones entre las voces indígenas que el vocablo feminista (Cumes 2009, 37).

4. Una genealogía de este concepto desde Gramsci a Spivak desde la mirada de teóricas feministas latinoamericanas en Hernández (2013).

Referencias

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Sara Martín Gutiérrez – Doctora en Historia Contemporánea por la Universidad Complutense de Madrid con mención europea por la Università degli Studi di Firenze (2017). Actualmente desarrolla sus investigaciones postdoctorales gracias a una beca del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) en Argentina, vinculada al Instituto de Investigaciones en Estudios de Género de la Universidad de Buenos Aires. Es miembra fundadora del Grupo Kollontai. Espacio de debate teórico-práctico: Las mujeres en la historia, con sede en el Instituto de Investigaciones Feministas de la Universidad Complutense de Madrid. Este trabajo se inscribe en el marco del Programa Postdoctoral en Ciencias Sociales y Humanas que desarrolla en la Universidad de Buenos Aires (UBA). E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0002-2064-8301

Gabriela de Lima Grecco – Doctora en Historia Contemporánea en la Universidad Autónoma de Madrid (UAM). Actualmente es docente e investigadora (contrato Atracción de Talento Investigador- Comunidad de Madrid) en el Departamento de Historia Contemporánea UAM. Es Investigadora Principal del Proyecto Las relaciones de las dictaduras europeas y latinoamericanas en clave transnacional: entendimiento, rivalidades y conexiones con los Estados democráticos -1930´s 1980´s (Referencia SI1 / PJI / 2019- 00257). Es autora de la obra Literary Censorship in Francisco Franco’s Spain and Getulio Vargas’ Brazil, 1936–1945: Burning Books, Awarding Writers (Sussex Academic Press, 2020). E-mail: [email protected] https: / / orcid.org / 0000-0002-7137-5251


GUTIÉRREZ, Sara Martín; GRECCO, Gabriela de Lima. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.26, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Cultura escrita no mundo ibero-americano: identidades, linguagens e representações / Cantareira / 2019

Segundo Lucien Febvre e Henri Jean-Martin, o livro moderno surgiu a partir do encontro de dois fatores que, apesar de distintos, mantêm alguma ligação. Primeiro, foi necessário que o papel se firmasse enquanto mídia, o que não aconteceu antes do século XIV. Até então, as técnicas empregadas na produção das folhas, faziam com que seu preço fosse alto e sua qualidade inferior, mais frágil e pesado, com a superfície rugosa e repleto de impurezas. Concorrendo com o já estabelecido pergaminho de pele de carneiro, o novo material não oferecia aos copistas um suporte adequado para a transcrição de manuscritos, sugando a tinta, mais do que o necessário, e com possibilidades de duração limitada.[4]

O segundo fator apontado é a técnica de impressão manual, composta pela tríade: caracteres móveis em metal fundido, tinta mais espessa e prensa. Deixando a alquimia das tintas de lado, pela facilidade com a qual era possível produzi-las então, o grande avanço da época foi a composição em separado dos tipos móveis. Para cada signo fabricava-se uma punção de metal duro – composto de uma liga de chumbo, estanho e antimônio que variava de proporção conforme a região –, sob a qual se demarcava a matriz em relevo. Em metal menos duro moldavam-se as imagens em côncavo. A seguir, colocadas em uma forma se podia produzir os caracteres em quantidade suficiente para imprimir uma ou mais páginas. Sob a pressão do torno, o velino – pergaminho de alta qualidade, feito a partir de pele de bezerro ou cordeiro – não resistia à tensão imposta pela placa de metal que guardava os tipos. O papel, por sua vez, forçado à mesma pressão, continha a tinta mais espessa, apresentando uma nitidez regular de impressão. Eis o surgimento da indústria tipografia.[5]

Dos incunábulos impressos na oficina de Johann Gutemberg, em Mogúncia, até o final do século XVIII, o trabalho dos tipógrafos e impressores permaneceu o mesmo, com algumas pequenas alterações. A realização da segunda edição da Encyclopédie, a exemplo, seguia os “ritmos de uma economia agrária”, dependente da sazonalidade dos recolhedores de trapos e dos papeleiros.[6] Segundo Robert Darnton: “No início da Era Moderna, as tipografias dividiamse em duas partes, la casse, onde se compunham os tipos, e la presse, onde se imprimiam as folhas.”[7] Na composição alinhavam-se de forma manual e solitária um a um os tipos, formando linha a linha as placas. No trabalho de impressão eram necessários ao menos dois homens: um deles entintava as formas que estavam encaixadas sobre uma caixa móvel, com a prensa ainda aberta; o outro colocava a folha sobre uma armação de metal, onde eram fixadas as presas, e puxava a barra da prensa, fazendo o eixo girar em parafuso, produzindo uma das páginas. Terminada a resma, a atividade começava novamente, com a impressão no verso das folhas. Uma operação que requeria enorme esforço físico, tanto mais se tratando de uma tiragem grande. [8]

Portanto, até que se introduzissem efetivas mudanças técnicas, o período tratado compreende uma era de manufatura do livro. Entre o trabalho realizado pelos monges nos scriptoria e pelos copistas profissionais, que se instalaram sobretudo ao redor dos grandes centros e das universidades,[9] e a tecnologia adotada em 1814, com a prensa cilíndrica, e da força do vapor, a partir de 1830,[10] existe um intervalo de tempo no qual o trato com o livro é peculiar. Para os homens da época moderna, a relação com este objeto é diametralmente outra, opondo-se tanto daquela adotada pelos medievais, quanto da praticada hoje. O exame cuidadoso dos aspectos físicos era um expediente comum aos leitores do Antigo Regime. À qualidade das páginas era essencial uma espessura fina, de um branco opaco, com a impressão devidamente legível e em caracteres de bom gosto.[11] Uma preocupação material, de consumo, secular.

Junto à difusão dos livros, ocorreu a difusão dos formatos. Pouco a pouco, os pesados in fólio foram dando espaço a novos tamanhos, mais leves e com caracteres menores. Em pleno século XVII, quando a indústria já estava suficientemente estável, os impressores Elzevier lançaram uma coleção minúscula para a época, in-12, o que causou o espanto dos eruditos.[12] A partir de então, as pequenas edições invadiram o mercado com publicações in-12, in-16 e in-18. A predominância da literatura religiosa não cessou, mas o interesse por temas como Literatura, Artes e Ciências, nos circuitos legais, e literatura pornográfica, sátiras, libelos e crônicas escandalosas e difamatórias, que corriam nos circuitos clandestinos, só fez aumentar.[13]

A popularização de material impresso e a diversificação dos temas foram acompanhadas de um aumento do público leitor. A Europa experimentou um crescente processo de alfabetização entre os séculos XVII e XVIII. Analisando países como Escócia, Inglaterra e França, e regiões como Turim e Castilla (Toledo), o historiador Roger Chartier apontou, a partir de assinaturas em registros cartoriais, que a alfabetização demostrou avanços contínuos e regulares nesse período. E, na América, Nova Inglaterra e Virgínia, o movimento seguiu ritmos muito parecidos. Os ofícios e as condições sociais eram fatores determinantes para o ingresso, mesmo que de forma superficial, no mundo da escrita e da leitura. É quase certo que um clérigo, um notável ou um grande comerciante soubesse ler e escrever. Bem como, é quase certo que um trabalhador comum não dominasse essas habilidades.[14]

A imprensa não desbancou de imediato os textos manuscritos. A função e utilização dada à cópia e o público para quem ela se destinava, amplo ou restrito, condicionaram a forma de reprodução durante muito tempo. A sua imposição ocorreu devido à possibilidade de um aumento considerável da reprodução, ao barateamento do custo das cópias e a diminuição do tempo de produção de um livro. Cada leitor individual passou a ter acesso a um número maior de títulos e cada título atingia um número maior de leitores. Estes argumentos, porém, não justificam ou não explicam, por si, as “revoluções da leitura” experimentadas pelo Ocidente na época moderna. A mudança e aprimoramento das técnicas tiveram um papel relevante, mas não são as únicas determinantes.[1]5 Ao mesmo passo em que elas ocorriam, alteravam-se os paradigmas sobre as práticas de leitura e a epistemologia em relação aos livros. A revolução passou por dois movimentos. No final do século XIV, a leitura silenciosa se converteu em prática comum, ganhando um número cada vez maior de adeptos, e a escolástica foi perdendo força, tornando o livro um objeto dessacralizado, um instrumento de trabalho e de conhecimento das coisas do mundo. Segundo Chartier: “Essa primeira revolução na leitura precedeu, portanto, a revolução ocasionada pela impressão, uma vez que difundia a possibilidade de ler silenciosamente (pelo menos entre os leitores educados, tanto eclesiásticos quanto laicos) bem antes de meados do século XV”.[16]

Passou-se, gradualmente, do predomínio de uma forma de leitura intensiva, ler e reler várias vezes um número limitado de obras, decorando trechos, recitando e memorizando com um sentido pedagógico, até outra forma, extensiva. Tornava-se cada vez mais comum possuir alguns livros ou uma pequena biblioteca particular para estudo ou para lazer. Textos curtos, alguns efêmeros, impressos e manuscritos de hora, o comércio ambulante de livretos… em tudo contribuíram para esse novo costume. É sabido que as duas modalidades ocuparam o mesmo espaço de tempo e uma não fez desaparecer a outra, no entanto, as descrições, as pinturas, os escritos e outros testemunhos tendem a sublinhar a vulgarização dessa prática.[17]

Em estudo recente, publicado pelos psicólogos Noah Forrin e Colin M. MacLoad, do Departamento de Psicologia da University Waterloo, no Canadá, constatou-se que a palavra lida em voz alta aparece como uma atividade com “efeito de produção”. Ler e ouvir o que se está lendo, uma medida duplamente ativa – “um ato motor (fala) e uma entrada auditiva autorreferencial” –, faz com que os trechos ganhem distinção, fixando suas marcas na memória de longo prazo. Esta ação, realizada repetidas vezes operacionaliza a memorização de passagens longas.[18] Poemas da antiguidade ou do medievo, possuíam um sem número de versos que eram recitados, em maior ou menor proporção, por diversas pessoas e em diferentes locais. A leitura silenciosa (e extensiva), porém, implica em um vestígio distinto à lembrança, mais próximo da anamnese do que da fixação mnemônica.[19]

O resultado da pesquisa de Forrin e MacLoad pode ajudar a desvendar desencadeamentos que ocorreram no passado e que mudaram nossa relação com o livro. Por um lado, novos gêneros aparecem, uma forma narrativa mais alongada e menos rimada fez sentir sua presença: o romance.[20] Este, possui todos os aspectos necessários para agradar um leitor voraz, que folheasse um volume para seu entretenimento sem a preocupação de decorar passagens, mas, em alguns casos, o efeito foi justamente o contrário. Na lista dos best sellers da época moderna estão Nouvelle Héloise, Pâmela, Clarissa, Paul et Virgine, Souffrances du jeune Werther, Les aventures de Télémaque, dentre outros, novelas com capacidade de prender seus leitores por mais de uma sessão repetidas vezes.[21] Por outro lado, encadernados de caráter mais informativo, como os guias, as enciclopédias, os atlas históricos e geográficos, as cronologias, os almanaques, os catálogos, etc., ganharam cada vez mais espaço. Situação que provocava a queixa dos eruditos, como é o caso do suíço Conrad Gesner, que cunhou a expressão “ordo librorum”, mas não deixou de reclamar da “confusa e irritante multiplicação de livros”, provocada pelo significativo aumento dos números de títulos disponíveis no mercado.[22]

É sob esta arquitetura histórica que debruçam os estudos apresentados para a trigésima edição da Revista Cantareira, compondo o dossiê “Cultura escrita no mundo ibero-americano: identidades, linguagens e representações”. Fisicamente distante das metrópoles europeias, os súditos ibéricos instalados ou nascidos no continente americano não se furtaram a experimentar as consequências dessa nova invenção. Mais do que ler, eles refletiram sobre as ideias trazidas pelos livros e por outros impressos, transportados, muitas vezes, clandestinamente – “sob o capote”. Alguns assumiram uma postura conservadora diante das novidades; outros utilizaram as palavras como motivação para contestar a ordem social, a religião ou as autoridades estabelecidas. A historiografia brasileira avançou significativamente, nos últimos anos, sobre as temáticas abordadas aqui. Portanto, esses textos, ao mesmo tempo em que apresentam novidades relacionadas às pesquisas de historiadores em formação, nível mestrado e doutorado, também caminham por terreno consolidado.[23]

No artigo “A cultura epistolar entre antigos e modernos: Normas e práticas de escrita em manuais epistolares em princípios do século XVI”, Raphael Henrique Dias Barroso aborda os códigos e normas da escrita epistolar que circulavam os ambientes cortesãos do início do Quinhentos. Com base nas obras de Erasmo de Roterdã e Juan Luis Vives, o autor demonstra a presença destes códices nas missivas diplomáticas trocadas entre o embaixador D. Miguel da Silva e D. Manuel, monarca português entre 1469 e 1521.

O segundo artigo, intitulado “A incorporação de elementos da cultura escrita castelhana nas histórias dos códices mexicas dos séculos XVI e início do XVII” de Eduardo Henrique Gorobets Martins, mostra a importância que a cultura escrita possuía nas relações de poder no mundo ibero-americano. Longe de considerar os índios como vítimas passivas da colonização, o autor evidencia como diversos grupos indígenas, que se aliaram aos espanhóis contra os mexicas, se apropriaram da cultura escrita castelhana tanto com o objetivo de reescrever suas histórias a partir de novos vocábulos como se inserir na colonização para obter cargos e privilégios juntos aos espanhóis.

O artigo seguinte, de autoria de Caroline Garcia Mendes, também demonstra a importância da cultura escrita no campo político em um outro espaço: a monarquia portuguesa nos anos seguintes à Restauração de 1640. Intitulado “As relações de sucesso e os periódicos da Península Ibérica na segunda metade do século XVII: imprimir, vender e aparecer nos materiais de notícia sobre a Guerra”, a autora analisou duas dimensões do processo de profusão das notícias impressas em Portugal: a política e a econômica. Para tal, destaca a conflituosa relação entre impressores e cegos no que dizia respeito à circulação dos impressos. Do lado político, enfatiza a importância que certos feitos de alguns personagens adquiriam ao serem difundidos pela cultura escrita. No fundo de tal preocupação, estava a preocupação de se fazer ver diante de todos, especialmente do rei.

Em “Da devoção à violência: a atribuição da mentira como estratégia de discurso na Guerra Guaranítica”, escrito por Rafael Cézar Tavares, o exame recai sobre as estratégias discursivas de ambos os lados partidários dos eventos. Para tanto, o autor analisou três conjuntos documentais difusos: as cartas dos Guarani enviadas aos funcionários coloniais na iminência do enfrentamento; o relatório pombalino escrito já ao fim dos conflitos; e o Cândido de Voltaire, novela em que o protagonista visita o Paraguai no contexto da Guerra. Um estudo relevante acerca de um episódio pouco visitado pela historiografia geral, abordado pela chave da retórica como fonte de análise.

O artigo de Anna Beatriz Corrêa Bortoletto tem como centro a cultura escrita ao avaliar a confecção e a trajetória de um documento do século XVIII redigido por Luís Rodrigues Villares, um comerciante envolvido com a expansão da colonização no atual Centro-Oeste brasileiro. Inicialmente pensado como uma instrução para os comerciantes que atuavam na região, a autora demonstra com tal documento foi ressignificado a partir de sua trajetória e materialidade. Ao fazê-lo, destaca que, atualmente, o documento se encontra num códice com diversos documentos de autoria de Custódio de Sá e Faria, um engenheiro militar que também atuou na América portuguesa do século XVIII, em outras palavras, o documento era importante para a administração colonial. A partir disso, o artigo analisa que, provavelmente, o manuscrito analisado circulou até chegar às mãos do Morgado de Mateus, então governador de São Paulo, cujo um dos descendentes vendeu o códice que hoje pertence à Biblioteca Mario de Andrade em São Paulo que o adquiriu de um bibliófilo com o objetivo de preservar documentos que pudessem responder diversas questões referentes à história do Brasil, ou seja, diferentes temporalidades históricas conferiram diferentes significados ao manuscrito. Natalia Casagrande Salvador, em artigo intitulado “Cultura Escrita para além do texto: percepções materiais e subjetivas do documento manuscrito”, destaca a importância dos estudos da cultura material e da codicologia para a interpretação dos documentos históricos. A partir do Livro de Termos da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência de Mariana, nas Minas Gerais, a autora analisa o papel enquanto suporte, os instrumentos e a escrita, o conteúdo e as posteriores rasuras e correções.

O último artigo deste dossiê intitula-se “Entre Livros, Livreiros e Leitores: a trajetória editorial e comercial da Guia Médica das Mãis de Família” escrito por Cássia Regina Rodrigues de Souza. A autora borda os manuais de medicina doméstica por meio do Guia Médica das Mãis de Família, publicado em 1843 pelo médico francês Jean Baptiste Alban Imbert com o objetivo de instruir mães e gestantes. Ao investigar a trajetória editorial e comercial, a fim de discutir os possíveis leitores da obra, a autora demonstra que seu alcance ultrapassou os limites da elite alfabetizada imperial e penetrou, de diferentes formas, na vida de mães recém-paridas, comadres e parteiras.

Por fim, encerra nosso dossiê entrevista gentilmente concedida pela Dra. Ana Paula Torres Megiani, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e Livre Docente em História Social pela Universidade de São Paulo. Em resposta a quatro diferentes provocações, ela nos contou primeiro sobre sua trajetória e formação, indicando os caminhos que levaram às suas escolhas temáticas e as tendências da historiografia principalmente nos anos 1990. Na sequência, abordou a questão da circulação dos livros manuscritos na época moderna, salientando a recente atenção recebida por essa fonte. Para, então, tratar das influências do desenvolvimento da cultura escrita, entre os séculos XVI e XIX, no mundo iberoamericano como uma das bases de sustentação da administração imperial. E, no último bloco falou sobre os chamados “escritos breves para circular”, atribuição de tipologia documental que, segundo nossa leitura, evidência o surgimento de um novo “regime de historicidade”, como classifica François Hartog, ou uma nova “experiência de tempo”, conforme Reinhart Koselleck.

Esta edição conta ainda com dois artigos livres e uma resenha. O primeiro, intitulado “O materialismo histórico e a narrativa historiográfica”, escrito por Edson dos Santos Junior, aborda o problema da narrativa e do pensamento materialista histórico a partir da obra de Walter Benjamin. No segundo, intitulado “Aleia dos Gênios da Humanidade: escutando os mortos”, Cristiane Ferraro e Valdir Gregory tratam da comunidade conscienciológica sediada em Foz Iguaçu e os lugares de memória do grupo que a compõe. Mathews Nunes Mathias resenhou a obra Coração civil: a vida cultural sob o regime militar (1964-1985): Ensaios históricos (2017), escrita pelo historiador Marcos Napolitano.

Notas

  1. FEBVRE, Lucien; MARTIN, Henri-Jean. O aparecimento do livro. São Paulo: Ed; USP, 2017, p. 76-80.
  2. Evidentemente, o processo histórico não é tão linear e simples quanto esta exposição, apresentando múltiplas inconstâncias. Nossa intenção, porém, objetiva explicar de forma sintética o aparecimento de uma ferramenta que transformou o mundo de variados modos. Para uma exposição mais cuidadosa, cf.: Ibidem, p. 105-108ss
  3. DARNTON, Robert. O Iluminismo como negócio: A história da publicação da “Enciclopédia”, 1775-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 14.
  4. Ibidem, p. 176.
  5. Idem.
  6. VERGER, Jacques. Os livros. In: Homens e saber na Idade Média. Bauru, SP: EdUSC, 1999; FEBVRE, Lucien; MARTIN, Henri-Jean. O aparecimento do Livro… Op. cit., p. 59-63.
  7. DARNTON, Robert. O Iluminismo como negócio… Op. cit., p. 189.
  8. Ibidem, p. 150.
  9. WILLEMS, Afonso. Les Elzevier: histoire et annales typographiques. Bruxelles: G. A. van Trigt, 1880, p. 109.
  10. CHARTIER, Roger. As revoluções da Leitura no Ocidente. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. São Paulo: FAPESP, 1999, p. 95-98.
  11. Chamamos genericamente de “registros cartoriais”, os documentos analisados por Chartier, cuja tipologia varia de certidões de casamento até contratos comerciais. CHARTIER, Roger. Práticas de escrita. In: CHARTIER, Roger (org.). História da vida privada. Vol. 3: da Renascença ao século das luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 114- 118.
  12. CHARTIER, Roger. As revoluções da leitura… Op. cit., p. 22-23.
  13. Ibidem, p. 24.
  14. CHARTIER, Roger. Uma revolução da leitura no século XVIII? In: NEVES, Lucia Maria Bastos P. (org.). Livros e impressos: Retratos do setecentos e do oitocentos. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2009, p. 93-95.
  15. FORRIN, Noah; MACLEOD, Colin M. This time it’s personal: the memory benefit of hearing oneself. Memory, [s.n.t.].
  16. Utilizamos “anamnese” no sentido expresso por Platão no Fédon, que é o mesmo retomado pela medicina moderna, no qual a experiência é reconstituída pela consciência individual, por meio dos sentidos, como uma ideia; ao contrário da mnemônica, que se refere a um conjunto de técnicas para gravar de forma mecânica um conteúdo.
  17. CHARTIER, Roger. As revoluções da leitura… Op. cit., p. 26.
  18. Ibidem, p. 95-96
  19. BURKE, PETER. Uma História Social do Conhecimento. Vol I: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 97; BURKE, Peter. Problemas causados por Gutenberg: a explosão da informação nos primórdios da Europa moderna. Estudos Avançados, São Paulo, v. 16, n. 44, p. 173-185, abr. 2002, p. 175; CHARTIER, ROGER. A ordem dos livros: Leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora da UnB, 1994.
  20. Por ser profusa, evitamos listar a produção de historiadores brasileiros. O ato de enumerá-los, mesmo considerando somente os mais relevantes, seria exaustivo e injusto, pois em toda seleção sempre há esquecimentos por descuido ou por cálculo. O leitor interessado, de todo modo, estará bem informado consultando a bibliografia apresentada em cada artigo publicado adiante.

Claudio Miranda Correa – Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Gabriel de Abreu Machado Gaspar – Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense.

Pedro Henrique Duarte Figueira Carvalho – Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense


CORREA, Claudio Miranda; GASPAR, Gabriel de Abreu Machado; CARVALHO, Pedro Henrique Duarte Figueira. Apresentação. Revista Cantareira, Niterói- RJ, n.30, jan / jun, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Patrimônio, Identidades e Lugares de Memória / Outros Tempos / 2018

Este número da Revista Outros Tempos inclui o dossiê temático Patrimônio, Identidades e Lugares de Memória, relacionado à XVIII Fábrica de Ideias, realizada em São Luís-MA, de 18 a 31 de março de 2017, e coordenada pelos professores Antonio Evaldo Almeida Barros, Sérgio Figueiredo Ferretti e Livio Sansone.

Com o tema Patrimônio, Desigualdade e Políticas Culturais, a XVIII Fábrica de Ideias consistiu em um seminário internacional de pesquisa e pós-graduação, desdobrando-se também em uma disciplina acadêmica planejada e ministrada de forma interinstitucional, ao mesmo tempo em que foi um seminário com palestras ao público mais amplo. A XVIII Fábrica de Ideias foi resultado de parceria entre a Universidade Estadual do Maranhão, através do Programa de Pós-Graduação em História, a Universidade Federal do Maranhão, por meio dos Programas de Pós-Graduação em Políticas Públicas e em Ciências Sociais, e a Universidade Federal da Bahia, através do Centro de Estudos Afro-Orientais e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, e ainda o Governo do Estado do Maranhão, representado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, e pela Secretaria de Igualdade Racial. Desse modo, dos nove artigos reunidos neste dossiê, sete deles foram produzidos por pesquisadores, docentes e discentes de programas de pós-graduação de diferentes instituições do Brasil que participaram da XVIII Fábrica de Ideias.

O dossiê Patrimônio, Identidades e Lugares de Memória inicia-se com o artigo “Confederate Monuments, Plantation-Museums and Slavery: Race, Public History, and National Identity”, de Stephen Small, o qual analisa dezesseis cabanas de escravos que foram incorporadas em três locais de turismo de patrimônio em Natchitoches, no noroeste da Louisiana. Os locais são Oakland Plantation, Magnolia Plantation e Melrose Plantation. O autor destaca a incorporação desses lugares de memória na lógica patrimonial, refletindo como a identidade nacional é expressa e articulada nesses lugares de memória e como tais lugares destacam e questionam a identidade nacional.

Em “O Tempo e o Medo: a longa duração da guerra em Moçambique”, Omar Ribeiro Thomaz dedica-se à percepção da passagem do tempo e o constante medo da desordem que se entrelaçam em narrativas e rumores conectados a diferentes momentos da história de Moçambique. O artigo sistematiza reflexões sobre a guerra e o medo da guerra em terras moçambicanas, fruto de um trabalho etnográfico realizado há quinze anos pelo pesquisador.

Monica Lima traz à discussão questões em torno de um Patrimônio Mundial da Humanidade – o sítio histórico e arqueológico Cais do Valongo –, situado na cidade do Rio de Janeiro. A questão central da autora no artigo “História, Patrimônio e Memória Sensível: o Cais do Valongo no Rio de Janeiro” é o significado deste sítio histórico como um lugar de memória, de memória sensível, do tráfico atlântico de africanos escravizados e seus descendentes nas Américas e, em especial, no Brasil. Ideias como violência, dor, sofrimento são levadas a termo para comparar o Cais do Valongo, espaço de resistência e afirmação de populações negras, a outros lugares do mundo onde também ocorreram tragédias humanas.

“Pensar o Dito e o Silenciado: Representações da Escravidão na Historiografia”, escrito por Celeste Silva Ferreira, debate as transformações historiográficas ocorridas no final do século XX que levaram a uma mudança metodológica no modo como a documentação sobre sujeitos escravizados é analisada. O artigo demonstra como o uso de diferentes fontes históricas, como correspondências oficiais ou pessoais, inquéritos, processos judiciais, testamentos, inventários, jornais e diários, passou a direcionar novos olhares e possibilidades interpretativas a partir das influências da chamada “virada linguística”. Ao abordar a historiografia brasileira sobre escravidão, o texto também enfoca a Lei do Ventre Livre (1871) e as mais recentes interpretações acerca dela.

Fernando Santos de Jesus e Valerie Gruber, em “O Mestre de Capoeira: Fortalecendo Filosofias e Práticas de (Re)Existência Negra perante Desigualdades Sociorraciais”, também tratam de um Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, o qual contribuiria, em termos políticos mundiais, para a valorização e a visibilização da capoeira como prática de resistência negra brasileira. Diante de um olhar filosófico sobre a capoeira e destacando os saberes próprios dessa prática em articulação com o contexto da desigualdade sociorracial, o artigo trata de ressignificações em face das essencializações que envolvem a capoeira. Numa perspectiva sociogeográfica, os autores defendem a noção de pedagogia da (re)existência negra, através do trabalho do mestre de capoeira, o qual representaria um filósofo diaspórico que cria um espaço de possibilidades para coletividades marginalizadas.

“Tempos de Segregação (1948-94): Ensino de história, Políticas de Memórias e Desigualdades Sociais no Universo do Povo Zulu”, de autoria de Aldina da Silva Melo, tem como enfoque o ensino de história, as políticas de memória, as identidades e desigualdades sociais na África do Sul durante o Apartheid. A coleção de livros didáticos History for Today e algumas imagens e jornais encontrados no arquivo sul-africano Alan Paton Center e na biblioteca pública de Pietermaritzburg constituem as fontes examinadas no artigo, as quais possibilitam tratar das políticas educacionais presentes na África do Sul durante aquele regime, bem como sobre os modos como a(s) identidade(s) zulus foram construídas, pensadas e percebidas no período em questão.

Fábio Henrique Monteiro Silva ocupa-se com as representações do carnaval na capital maranhense entre os anos 1970 e 2000, discutindo as memórias de participantes notáveis dessa festa, através de lembranças de brincantes e organizadores locais. No artigo “Memória e Sensibilidade no Moderno Carnaval de São Luís”, utiliza, ainda, matérias de jornais maranhenses e o debate conceitual no campo da memória, a fim de evidenciar os modos de ver e fazer o carnaval na ilha de São Luís.

Desirée Tozi e André Luís Nascimento dos Santos argumentam que os pareceres e laudos antropológicos que instruíram os processos de tombamento de terreiros pelo Iphan, ao longo dos últimos 30 anos, reproduzem, como referência de “verdade”, as etnografias produzidas sobre os candomblés baianos na primeira metade do século XX. No artigo “História de um Legado: as Etnografias de Religiões de Matrizes Africanas no Discurso Patrimonial”, os autores defendem a tese de que a ausência de um recorte mais preciso e de uma análise mais ficcional dessas obras tem produzido um modelo de terreiro de candomblé que não encontra projeção nos processos de tombamento de terreiros que ainda se encontram em aberto na instituição da salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro. O texto conjuga o exame da bibliografia etnográfica sobre terreiros na Bahia à análise de documentos dos processos de tombamento já finalizados pelo Iphan.

O artigo “Narrativas sobre a Cidade: Lembranças e Esquecimentos sobre Grupos Étnicos numa cidade do Rio Grande do Sul”, de Bibiana Werle, discute as representações memoriais contemporâneas do município de Estrela, no Rio Grande do Sul, trazendo à baila as narrativas comemorativas da cidade promovidas pelo governo municipal. A autora utiliza jornais locais e narrativas orais para demonstrar como, historicamente, as diversidades étnicas são apresentadas de forma desigual pelo poder público municipal nos patrimônios culturais do local. Destaca também que a composição étnica de Estrela foi marcada por conflitos identitários durante o Estado Novo (1937-45), o que configurou a produção de monumentos que apagam e excluem outras memórias.

Antonio Evaldo Almeida Barros e Viviane de Oliveira Barbosa apresentam o artigo “Estudos Africanos e Afro-Brasileiros em Perspectiva Extensionista”. Trata-se de um estudo de caso que enfoca um conjunto de programas e projetos de extensão universitária voltados para o campo dos Estudos Africanos e Afro-Brasileiros, particularmente, do Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileiras, e para o âmbito da Educação para as Relações Étnico-Raciais, executados entre 2010 e 2018, no Estado do Maranhão, em parceria com secretarias de governos municipais e estaduais, e organizações da sociedade civil. Os autores partem do reconhecimento de que a instituição universitária tem sido mais inclinada a discursos e ideias do que a práticas, muito menos práticas de transformação social e que, a extensão, que ao lado da pesquisa e do ensino, constitui um dos pilares da universidade, tem a vocação prioritária de promover a interação entre a universidade e a sociedade. Para os autores, as ações de extensão executadas buscaram promover, sobretudo a partir de uma perspectiva humanista, a igualdade racial, e foram desenvolvidas considerando a relevância da história e das sociedades africanas para a formação do mundo contemporâneo e da humanidade, e as sinergias históricas existentes entre África e Brasil, enquanto territórios complexos e mutuamente interligados. Antonio Evaldo A. Barros e Viviane de O. Barbosa argumentam ainda que as ações de extensão executadas fundamentaram-se na possibilidade de construção de uma democratização epistemológica, buscaram alertar para o fato que o silêncio e a omissão comumente sustentam o preconceito e a discriminação na escola, bem como pretenderam evidenciar a história e cultura africana e afro-brasileira como ocasião privilegiada para se observar uma variedade de experiências sociais que apontam para a abertura ao mundo, à vida, para a inclusão e não a exclusão do outro, para a solidariedade na história.

O entrevistado desta edição é o Prof. Dr. Ibrahima Thiaw, um dos maiores especialistas em História e Arqueologia Africanas na atualidade. Thiaw é graduado em História (Universidade Cheikh Anta Diop, Dakar, Senegal, 1990 / 1), mestre em Etnologia e Sociologia Comparativa (Universidade de Paris-Nanterre, França, 1992) e em Antropologia (Universidade Rice, Houston, USA, 1995), e doutor em Antropologia / Arqueologia (Universidade Rice, Houston, USA, 1999). É professor da Universidade Cheikh Anta Diop e diretor do Institut Fondamental d’Afrique Noire (IFAN), com pesquisas no campo da arqueologia dos encontros globais, sobre os impactos do Atlântico e do Saara nas sociedades, processos de escravização e tráfico de escravizados, comemorações e políticas culturais. Destaca-se por seu envolvimento no trabalho de reconhecimento da Ilha de Goré como Patrimônio Mundial da Humanidade e por seu envolvimento em projetos sobre patrimônio no Senegal e em outros países africanos, como Guiné, Guiné-Bissau, Serra Leoa, Burkina Faso e Congo. Nesta entrevista, concedida a Viviane de Oliveira Barbosa, o professor Ibrahima aborda sua inserção acadêmica, seus interesses e projetos de pesquisa, especialmente em torno das políticas culturais e patrimoniais e dos lugares de memória.

A resenha deste número é intitulada Memória Política entre Silêncios e Narrativas: Transição democrática no Brasil e na África do Sul, de autoria de Wendell Emmanuel Brito de Sousa, e realizada a partir de leitura crítica do livro “Democracia e Estado de Exceção: Transição e Memória Política no Brasil e na África do Sul”, escrito por Edson Teles e publicado pela Editora Fap-Unifesp, em 2015. Wendell Sousa demonstra que o livro é fruto da tese de doutoramento defendida no ano de 2007 na Universidade de São Paulo e resulta, também, de anos de militância política e engajamento por parte do autor nas questões que envolvem os direitos humanos. Wendell Sousa entende que a obra sedimenta reflexões no campo da filosofia política, tratando sobre os (ab)usos da memória na assunção das novas democracias no Hemisfério Sul, ante a herança autoritária da ditadura militar no Brasil e do apartheid na África do Sul. Utilizando um método comparativo, o autor do livro analisa os casos brasileiro e sul-africano na tentativa de compreender os sentidos do passado, o que faria de sua análise algo além da filosofia política e próximo à História Social das Ideias, devido à análise contextual e atuação dos agentes nos processos de consolidação das novas democracias no Hemisfério Sul.

Este número da Revista Outros Tempos é composto também de três produções na sessão de artigos livres. O primeiro deles, “Migrações Internas e Conexões Sociais em um Contexto Colonial: Trajetórias de Imigrantes Portugueses na Vila de Paranaguá (décadas de 1770-1790)”, de André Luiz Moscaleski Cavazzani, investiga as formas de inserção de três imigrantes portugueses na vila paulista de Paranaguá, entre as décadas de 1770 e 1790, com ênfase nas formas de absorção de portugueses à vida social de uma vila colonial situada no extremo sul da Capitania de São Paulo. O autor sistematiza quatro argumentos em seu artigo: havia ocasiões nas quais o estabelecimento na vila de Paranaguá por um imigrante português era decorrente do insucesso da iniciativa de fixar-se em praça mercantil de maior porte; os portugueses radicados em Paranaguá possuíam conexões sociais e comerciais em distintas áreas do litoral Sudeste, notadamente a cidade do Rio de Janeiro; a manutenção dessas conexões criava uma dinâmica de absorção de caixeiros à vila de Paranaguá; e a constituição de vínculo com um compatrício era operacional para o jovem reinol enraizar-se na sociedade receptora.

No segundo artigo, de título “Raimundo José de Sousa Gaioso e os 200 Anos da Publicação do Compêndio Histórico-Político dos Princípios da Lavoura do Maranhão (1818): Notas Bibliográficas”, Romário Sampaio Basílio apresenta e analisa traços biobibliográficos acerca do português Raimundo José de Sousa Gaioso, autor da obra Compêndio históricopolítico dos princípios da lavoura do Maranhão, publicada, postumamente, em 1818, e vista como uma das mais importantes publicações sobre o Maranhão do primeiro quartel do século XIX.

Por fim, no artigo de Joseanne Zingleara Soares Marinho, “As Políticas Públicas de Proteção da Saúde Materno-Infantil no Piauí (1930-1945)”, é feita uma discussão sobre a administração dos poderes públicos piauienses a partir da criação de legislação e de órgãos de assistência à saúde de mães e crianças, entre 1930 e 1945. Objetivando demonstrar como a questão da saúde materno-infantil passou a ser tratada como responsabilidade do Estado, a autora utiliza um corpus documental composto de mensagens do governo do Piauí, de legislação estadual e de artigos de jornais impressos.

Acreditamos que este é um número com ricas produções e esperamos que todos(as) tenham uma ótima leitura!

Viviane de Oliveira Barbosa

Omar Ribeiro Thomaz.


BARBOSA, Viviane de Oliveira; THOMAZ, Omar Ribeiro. Apresentação. Outros Tempos, Maranhão, v. 15, n. 26, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Circularidade, identidades e imaginário político no Mundo Ibérico / Dimensões / 2016

Os artigos que compõem o dossiê Circularidade, identidades e imaginário político no Mundo Ibérico procuram apresentar reflexões sobre os ibéricos e suas interações sociais, políticas e culturais da Antiguidade Tardia até a Modernidade. Dialogando com diferentes temporalidades e objetos, as pesquisas aqui apresentadas revelam um pouco da variedade de temáticas, usos de fontes e possibilidades de diálogo com diferentes metodologias para uma compreensão mais rica do mundo ibérico.

O primeiro artigo De la biografia a la hagiografia em época visigoda: Félix Detoledo y la vita sancti Iuliani é de Ariel Guiance, professor titular de História da Idade Média na Universidade Nacional de Córdoba. Seu texto é sobre Félix de Toledo, um bispo no reino visigótico, que escreve uma biografia de seu antecessor Juliano de Toledo, que se transforma numa hagiografia na Hispânia Goda. Leia Mais

Representações, identidades e literatura na América Latina / Varia História / 2017

A presente edição da revista Varia Historia traz o dossiê “Representações, identidades e literatura na América Latina” com a finalidade de contribuir para o sistemático e profícuo debate sobre as interfaces entre a história e a literatura. O dossiê tem como objetivos apresentar um enfoque interdisciplinar, trazer perspectivas diferenciadas acerca do tema e colocar em destaque a percepção de que diferentes narrativas, história e literatura, podem ser construídas, quase sempre, nas fronteiras. Utiliza-se fronteira como um espaço privilegiado para estabelecer laços, trocas, intercâmbios e não como um dado rígido e intransponível. Aliás, a fronteira é também movediça e sofreu no passado diversos deslocamentos (Pomian, 2003). O diálogo do historiador com diferentes linguagens, como a narrativa literária, possibilita-o “sondar outros terrenos de linguagem, construídos em torno de outros fazeres interpretativos, de outras experiências narrativas” (Pinto, 2004).

As diferenças e semelhanças entre história e literatura já foram amplamente debatidas. Debate que privilegiou as discussões sobre os limites e as especificidades das narrativas historiográfica e ficcional. Embora partilhem de recursos literários comuns, história e a ficção possuem metas distintas, com diferentes resultados. O discurso ficcional põe a “verdade” entre parênteses, enquanto a história procura fixá-la como conhecimento sobre o passado, ou seja, prima pela busca da condição de veracidade. Luiz Costa Lima sustenta que ambas são modalidades discursivas que “mantêm circuitos dialógicos diferenciados com a realidade”. Além do mais, cada uma, história e literatura, “ocupa uma posição diferencial quanto à imaginação”. A imaginação “atua na escrita da história, mas não é o seu lastro. Porosa, a história não há de ser menos veraz. Mas veraz, ela não pode pretender, como as ciências da natureza, a formulação de leis porque não pode renunciar à parcialidade”. A ficção tem fronteiras muito mais fluidas que a história e não tem limites para a imaginação. Portanto, do ponto de vista dos seus respectivos princípios de organização, história e literatura são formações discursivas que guardam suas especificidades.

Mesmo sendo formações discursivas diferenciadas, a literatura se nutre da história e a história, da literatura. Desde a epopeia antiga, observa-se que a história tem servido frequentemente de inspiração para as mais diferentes formas de produção literária, do poema épico às canções de gesta, do romance medieval ao romance moderno. Outro exercício possível, que se relaciona com o que foi dito, é a inserção da obra literária no contexto histórico em que ela foi produzida. Há uma interação do texto ficcional com o contexto ao qual ele se insere, isto é, a uma determinada época em que foi produzido. Para Dominick LaCapra (1983), é fundamental privilegiar a leitura de um texto literário em relação a seu contexto, articulando a obra com a formação social e cultural de seu autor e o momento histórico em que ela foi produzida. Desse modo, a literatura pode ser também compreendida como a expressão ou sintoma de formas de pensar e agir dos homens em um certo momento da história. Para o autor, ao analisarmos os textos literários, é mister compreendermos que, quase sempre, eles propõem articulações gerais com os grandes problemas do momento e tendem a deslocar-se das questões parciais e específicas para as perspectivas globais, instalando-se na esfera pública e ali construindo sua interlocução.

A escrita da história está em constante movimento e se adaptando às “demandas” e transformações do seu tempo. A introdução de novos temas, novos objetos e o uso de novas fontes, permitiu aos historiadores a construção de novas metodologias de investigação histórica e novos métodos de produção do conhecimento. O alargamento do caráter interdisciplinar — ou a aproximação com outras áreas do saber — permitiu ao historiador aprimorar ainda mais a produção historiográfica. O texto literário passou a ser incorporado às pesquisas históricas como mais uma forma de acesso ao passado. O presente dossiê, nessa perspectiva, coloca em destaque o entrecruzamento de temas, ideias e fronteiras.

Na América Latina, a literatura esteve e está em constante diálogo com a história. No século XIX, foram intensas as conjunções entre política, literatura e cultura em textos ficcionais produzidos durante os intensos debates sobre a construção das identidades nacionais e os projetos de nação. No século XX, não foi diferente: as vanguardas, com seus manifestos e polêmicas; as revoluções mexicana e cubana que despertaram o apoio e a crítica de muitos escritores; o fenômeno do boom da literatura latino-americana; e as ditaduras caribenhas, centro-americanas e do Cone Sul, com seus mecanismos de poder autoritários, contribuíram enormemente para aproximar, cada vez mais, a literatura da história. Diferentes escritores como José Mármol, José Martí, Andres Bello, Machado de Assis, Ezequiel Martínez Estrada, Oswald de Andrade, Mariano Azuela, Gabriela Mistral, Jorge Luis Borges, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Miguel Ángel Asturias, Pablo Neruda, Alejo Carpentier, Pedro Henríquez Ureña, Juan Carlos Onetti, Augusto Roa Bastos, Gabriel García Márquez, Julio Cortázar, Mario Vargas Llosa, Clarice Lispector, Diamela Eltit, Héctor Libertella, Jorge Volpi — e muitos outros —, são exemplos de escritores que, a partir de diferentes concepções estéticas e diferentes formas discursivas, aproximam ficção e história e nos levam a compreender que a literatura está em constante diálogo com as tradições e a modernidade, com as mudanças socioculturais, com as representações e construções identitárias, com os ideários políticos. Uma literatura que, de um modo geral, se quis realista, militante, utópica, mágica, ciclópica e mítica, mas que nunca perdeu seu diálogo, mesmo que, às vezes, em filigranas, com a história.

Pensar literatura e identidades na América Latina pressupõe pensar também a história da literatura, não somente para compreende-la ou revisá-la, mas como uma forma de acesso ao passado. Importantes empreendimentos para compreender a história da literatura na América Latina foram realizados por pesquisadores e críticos literários, e também da cultura, com o intuito de compreender as realidades latino-americanas — em diálogo com as realidades nacionais — como Angel Rama, Antônio Cândido, César Fernández Moreno, Bella Josef, José Miguel Oviedo, Rafael Gutiérrez Girardot, Ana Pizarro, Alfredo Bosi e tantos outros. As ideias de Rama e Cândido, em especial, tiveram o mérito de demarcar a preponderância da escrita literária para a formação das sociedades latino-americanas.

Os artigos que compõem o dossiê abordam temas como as capacidades imagéticas e representativas dos textos literários em suas relações com a história, as conexões texto-contexto, os vínculos com a cultura e a política, as dinâmicas criativas dos textos e os posicionamentos públicos de intelectuais latino-americanos. O resultado é a constituição de um dossiê formado por três densos artigos que abarcam temáticas variadas, apoiadas em fontes como romances, contos, poemas e ensaios.

No primeiro artigo, “Identidades erosionadas: literaturas latinoamericanas, de la espacialidad ontológica a la atopía”, Cláudio Maíz mostra como a literatura se constituiu como um importante espaço para expressar diversas identidades: das mais ontológicas às étnicas, sexuais e ecológicas. No século XXI, diferentemente do século XIX, e mesmo de grande parte do XX, as espacialidades e as tradições deixaram de ser os marcos referências para construções identitárias mais “homogêneas”. Em sua análise, o autor explora desde os textos sarmentianos e martianos, produzidos nos oitocentos, aos textos polêmicos da Geração de McOndo e do Manifesto Crack mexicano produzidos mais recentemente.

Indagar por que e como o ensaio se tornou, a partir da década de 1970, um espaço por excelência para compreender e definir a literatura latino-americana é o propósito do artigo “Literatura latino-americana e representatividade cultural. Uma leitura dos ensaios de Héctor Libertella e Jorge Volpi”, de Ana Cecília Arias Olmos. A autora analisa os ensaios do escritor argentino Héctor Libertella e do mexicano Jorge Volpi como importantes estratégias discursivas que contribuíram para a “descentralização de uma noção ideologizada da literatura latino-americana que a sujeitou a funções de representatividade cultural”, exemplificada, principalmente, pela narrativa do boom e do “macondismo”.

O escritor uruguaio Juan Carlos Onetti é o centro da análise de Júlio Pimentel Pinto no artigo “Sobre fantasmas e homens: passado e exílio em Onetti”. Como o próprio título sugere, o foco da análise é compreender, por meio dos contos “La casa de la desgracia” (1960) e “Presencia” (1978), como o escritor abordou, nos respectivos contos, temas recorrentes, tais como o passado, a memória, o tempo e o exílio, com o intuito de problematizar as fronteiras e os diálogos entre história e ficção.

Para finalizar, agradeço a todos os que colaboraram com a viabilização do dossiê e saliento que o intuito foi o de despertar inquietações para além das fórmulas já consagradas de pensar as interações entre história e literatura. Espero que a leitura dos textos que o compõem possibilite reflexões enriquecedoras para a construção de novos conhecimentos e a ampliação dos debates sobre o tema.

Referências

LACAPRA, Dominick. Rethinking Intellectual History: Texts, Contexts, Language. Ithaca / London: Cornell University Press, 1983. [ Links ]

LIMA, Luiz Costa. História. Ficção. Literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. [ Links ]

PINTO, Júlio Pimentel. A leitura e seus lugares. São Paulo: Estação Liberdade, 2004. [ Links ]

POMIAN, Krzysztof. História e ficção. Projeto História, n. 26, p.11-45, 2003. [ Links ]

Adriane Vidal Costa – Departamento de História. Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]


COSTA, Adriane Vidal. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.33, n.62, mai. / ago., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Protagonismo indígena e ensino de História: identidades, ação política e território | Revista Historiar | 2017

O presente dossiê da Historiar tem como tema o protagonismo indígena e o ensino de História, trazendo ao público trabalhos inovadores e relevantes realizados por pesquisadoras e pesquisadores em diferentes locais institucionais e momentos de sua formação. O conjunto de artigos que agora publicamos representa a vitalidade e a complexidade da temática indígena no campo da História, que vem se renovando desde o início dos anos 2000 com o aumento de pesquisas de excelência desenvolvidas em diversas universidades do país. Esses trabalhos mais recentes têm apresentado o foco em debates interdisciplinares, prezando pelo diálogo com a Antropologia histórica e construindo análises sobre identidades coletivas, ações políticas dos indígenas motivados por necessidades e interesses próprios e reelaboração de territórios das antigas aldeias coloniais. Os artigos deste dossiê apontam para períodos e objetos que vêm ganhando visibilidade na área, tais como o ensino de História voltado para a temática indígena, a prática de governos provinciais a partir da legislação indigenista do início do século XIX e a participação política dos índios nos debates políticos do Oitocentos e na defesa de suas terras. Leia Mais

“Identidades e fronteiras no Mediterrâneo antigo e medieval” / Tempos históricos / 2016

Compreender o universo mediterrânico como um ambiente de intensas e múltiplas trocas ao longo dos tempos torna-se um elemento fundamental para a construção de uma perspectiva histórica plural e dinâmica, especialmente quando analisamos o processo de formação e desenvolvimento das sociedades do Ocidente europeu. Diversos estudos no atual cenário acadêmico, nos mais variados temas, têm colocado em debate as diferentes formas de relação entre as culturas, ora de aproximação, ora de afastamento, sempre considerando nas análises os fluxos que acompanham os ritmos e circunstâncias particulares de cada contexto. No que diz respeito às áreas de História Antiga, Antiguidade Tardia e Medieval, o trabalho com dois conceitos têm especialmente contribuído para importantes discussões nesse ambiente: identidade e fronteira. Conceitos estreitamente relacionados, a identidade, construção individual ou coletiva de representação fundamentada em diversos elementos (a exemplo dos culturais, políticos, religiosos), envolve também a delimitação de fronteiras, restritas ou flexíveis, do ponto de vista territorial.

O dossiê que apresentamos aqui, “Identidades e Fronteiras no Mediterrâneo Antigo e Medieval”, vem no sentido de promover espaço para trabalhos com essa orientação de investigação, demonstrando a importância dos estudos acadêmicos brasileiros na discussão. Na abertura contamos com o artigo de Thiago Stadler, “Plínio, o Velho: leitor dos latinos”. Trabalhando com a questão da identidade erudita, buscando as principais características do conceito, Stadler analisa a obra ‘História Natural’, de Plínio, o Velho, autor romano do século I d.C. Seguindo as leituras de Varrão, Sêneca, Tito Lívio e Cícero, Plínio teria estabelecido, caracteriza Stadler, as mais diversas orientações e necessidades em relação ao homem erudito, dentre as quais destacamos: o domínio da gramática e de conhecimentos precisos e relevantes, o exercício da política, e a preocupação em relação aos seus atos.

Logo na sequência temos o artigo escrito por Alex Aparecido da Costa, “A integração imperial romana sob Trajano na concepção de Plínio, o Jovem”. Analisando o ‘Panegírico de Trajano’, composição de Plínio, o Jovem, importante personagem político do século I e inícios do II d.C., Costa sinaliza uma proposta de construção de um modelo ideal, virtuoso, de governante romano. Modelo que é projetado em Trajano, considerado o grande responsável pela grandeza e integração do Império Romano.

Em seu trabalho “De Eostre a Easter: ressignificação de um culto pagão na Inglaterra medieval?”, Nathany Andrea W. Belmaia analisa a possível ressignificação de um culto pagão, Eostre, pela Páscoa cristã, problematizando a afirmação de Beda, o Venerável, em ‘De Tempora Ratione’, do século VIII. Desenvolvendo um estudo de rastreamento etimológico e considerando as trocas culturais existentes, Belmaia sinaliza a iniciativa à época, desencadeada pelo Papa Gregório I, de incentivo à apropriação dos templos pagãos e de reelaboração das festividades religiosas locais. A identidade cristã surge, portanto, em construção.

Em seu trabalho “Ocidente e Oriente na Idade Média: o modelo sapiencial de justiça do rei Afonso X de Castela (séc. XIII)”, Elaine Cristina Senko analisa ‘Las Siete Partidas’, documento síntese do pensamento normativo e das estratégias políticas de Afonso X, monarca de Leão e Castela, no século XIII. Ao observar o constante resgate à memória do rei Salomão durante a obra, visto como exemplo de governante sábio e justo, idealizado em suas características, Senko considera a importância das tradições culturais e políticas do Oriente agindo e interferindo no Ocidente, dinamizando o contexto intelectual ibérico.

Na sequência, Renata Cristina de Sousa Nascimento apresenta o texto “A Cristianização do espaço: o protagonismo da Vera Cruz em Marmelar”. Considerando o relevante valor espiritual, mas especialmente observando os seus possíveis usos políticos, Nascimento analisa a importância da relíquia cristã “Cruz do Marmelar”, um fragmento do Santo Lenho, dentro das particularidades do contexto português do século XIV. A autora avalia a relação da relíquia com o movimento demográfico e de expansão das fronteiras na região, considerando principalmente o contexto da vitória cristã na Batalha do Salado, em 1340.

Fechando o dossiê, Fátima Regina Fernandes apresenta “Relações de poder na fronteira portuguesa no contexto das guerras luso-castelhanas (1367-83)”. Contempla neste estudo o tema das fronteiras e identidades no contexto das guerras luso-castelhanas, ocorridas na segunda metade do século XIV, observando com especial atenção o governo do rei Fernando I, de Portugal. Tendo por alicerce metodológico a prosopografia e utilizando-se das Chancelarias régias e das Crônicas régias de Fernão Lopes como fontes, Fernandes denota em sua pesquisa a complexidade das relações sociais e políticas envolvendo a ocupação e a defesa das terras fronteiriças, com destaque especial ao conceito de naturalidade no desenvolvimento da análise.

Aos autores que contribuíram para a composição do presente dossiê, aos membros do Núcleo de Estudos Mediterrânicos da Universidade Federal do Paraná, ao editor da Revista Tempos Históricos, Moisés Antiqueira, recebam o nosso profundo agradecimento.

Com votos de boa leitura!

Renan Frighetto – Professor associado da Universidade Federal do Paraná, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em História da UFPR e professor colaborador da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui graduação em História pela Universidade Gama Filho (1984), mestrado em História Antiga e Medieval pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990) e doutorado em História Antiga pela Universidad de Salamanca (1996). Bolsista em Produtividade e Pesquisa ID do CNPq.

André Luiz Leme – Professor Adjunto A – História Antiga e Medieval – no Colegiado de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Editor da Revista Diálogos Mediterrânicos. Possui Graduação (2008), Mestrado (2011) e Doutorado (2015) em História pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de Pesquisa Estudos em História Intelectual (CNPq / UNIOESTE). Membro docente do Núcleo de Estudos Mediterrânicos (CNPq / UFPR).


FRIGHETTO, Renan; LEME, André Luiz. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.20, n.2, 2016. Acessar publicação original [DR]

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História, Fronteiras e Identidades / Monções / 2016

A Revista Monções apresenta, neste número, o dossiê História, fronteiras e identidade. A proposta do conjunto de textos que trazemos aos/as leitores/as parte de uma perspectiva conceitual abrangente no que se refere as experiências de grupos e pessoas em espaços e/ou situações fronteiriças. Em outras palavras, compreende-se fronteira enquanto um termo polissêmico, embora tenha forte ligação com as noções de território, territorialidade e formação da nação, o conceito também abarcar uma enorme gama de possibilidades interpretativas, sobretudo quando se relacionada com culturas, identidades e sociabilidades. Assim, aborda-se a Fronteira como conceito e metáfora, compreendendo-a como algo sempre móvel e que propicia reflexões sobre diferentes percepções de mundo.

O artigo que abre o dossiê é Fronteiras (inter) disciplinares: o ensino de história no contexto das Universidades Novas, de Francismary Alves da Silva. Em sua análise, a autora traça um panorama acerca da constituição das ciências enquanto disciplinas. Ao tratar da especificamente da história, escreve que, no século XIX, “(…) a história se profissionalizou, adotou um método próprio, específico, afastou-se das especulações filosóficas, da estética literária, dos desígnios religiosos, tornou-se uma ciência.” Em outras palavras, os saberes, entre eles a história, constituíram paradigmas teórico-metodológicos próprios.

A análise avança no sentido de apontar, já no século XX, o movimento em prol da interdisciplinaridade, que, mais recentemente, chegou à Universidade brasileira, tanto no que concerne à produção acadêmica, enquanto como conceito; como também aplicado a constituição de licenciaturas e bacharelados interdisciplinares. Sob esta conjuntura, o texto aponta e problematiza questões inerentes à esta nova realidade, particularmente no diz respeito à formação em história. Desse modo, ao tomar a fronteira entre a formação disciplinar e interdisciplinar como objeto de análise, a autora coloca perguntas pertinentes, tais como: os profissionais formados em história (…) poderão atuar com a complexidade e domínio o pensamento histórico requer? O texto traz outros questionamentos igualmente importantes sobre o tema, que valem a pena para entender o cenário atual, vivenciado no interior de algumas Universidades.

Na sequência, o artigo Francisco Adolfo de Varnhagen (1816- 1878): a escrita na “’fronteira” entre história, memória e narrativa no brasil oitocentista, escrito por Marcela Irian Machado Marinho e Renilson Rosa Ribeiro apresenta outra das múltiplas formas que a conceituação de fronteira pode apresentar. O texto analisa a obra de Varnhagen buscando desvendar os compromissos da escrita do Visconde de Porto Seguro com o ideal de nação presente no Segundo Reinado. Caracterizado como “um historiador que se situa na fronteira entre a erudição com a história, a memória e a narrativa”, o artigo revela nuances da tessitura da escrita de Varnhagen, no contexto da criação e consolidação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, e permite ao leitor compreender alguns dos elementos constitutivos da identidade histórica do Brasil, forjada naquele espaço de sociabilidades e de fomento do saber, sob a pena daquele que foi considerado um de seus mais importantes escritores.

No artigo intitulado A diferença entre “nós” e os “outros”: fronteiras e territórios na história do município de Nova Porteirinha/MG, Regina Célia Lima Caleiro e Rhaenny Maísa Freitas abordam a forma como as noções de fronteira e território estão presentes na constituição do município de Nova Porteirinha, Minas Gerais. Além da fronteira física, o texto percorre questões relacionadas à fronteira cultural e identitária, discutindo como o “nós”, relativo à sociedade nova porteirinhense, se forja em distinção ao “outro”, correspondente ao município de Janaúba, que está próximo geograficamente, e Porteirinha, cidade a qual estava vinculada originalmente.

Ao adotar a História Oral como pressuposto metodológico para analisar as entrevistas concedidas pelos moradores do local, as autoras conseguem captar, de forma sensível, a construção identitária do local, formada no bojo do processo de (re)territorialização decorrente da construção da Barragem Bico da Pedra, no Rio Gorutuba e na implantação de um projeto de irrigação destinado a tornar Nova Porterinha espaço de produção de gênero alimentícios de alta qualidade.

Luciano Pereira da Silva e Rogério Othon Teixeira Alves apresentam uma instigante análise sobre a Estrada de Ferro Montes Claros: o projeto de modernidade que não se efetivou. No texto, os autores observam que, a despeito de das características políticas e sociais e de sua condição geográfica de cidade interiorana, Monte Claros não escapou ao desejo de modernização que marcou a sociedade brasileira na passagem do século XIX para o XX. A concretização de tal desejo, segundo eles, se traduziu no projeto de construção da Estada de Ferro Montes Claros que, quando concluída, poderia “tirar a cidade de certo isolamento e atraso”. Por meio da análise de obras memorialísticas e publicações em jornais da época, os autores percorrem todo o processo de planejamento da ferrovia, do início de sua construção e apontam possibilidades interpretativas para sua interrupção. A analisa denota noções, intenções e valores presentes não só em Montes Claros, mas na sociedade brasileira como um todo, no sentido de observar como a inserção no sistema capitalista, simbolizada pela construção de uma ferrovia, alimentava o imaginário em torno de uma certa ideia de desenvolvimento, progresso e civilização caras àquele período.

O artigo de Carlos Alexandre Barros Trubiliano e Kamoni São Paulo, intitulado Apontamentos sobre dinâmicas de fronteiras e a ocupação recente de Rondônia (1970 -1990), se debruça sobre a noção de fronteira geográfica e analisa o processo de ocupação recente de Rondônia. Tomando como referência a obra de Frederick Jackson Turner que estuda o avanço para Oeste nos Estados Unidos, bem como as noções de frente de expansão e frente pioneira, formuladas por José de Souza Martins, o estudo aponta questões relacionadas ao processo de expansão capitalista em direção ao Norte do Brasil, a partir de década de 1970, em particular para a realidade experienciada em Rondônia. O texto destaca o volume de migrantes atraídos para a região e as consequências da política fundiária desenvolvida pelos governos militares que gerou, entre outras, um número significativo de conflito agrários na região.

Rondônia é novamente tema de análise no texto de Eliane Teodoro Gomes e Gilmara Yoshihara Franco, denominado A conquista da última fronteira: a imprensa periódica e as narrativas sobre a ocupação de Rondônia (1960-1980). Nele, as autoras tomam a imprensa periódica, notadamente a revista Veja e o jornal Tribuna Popular, para analisar os sentidos da chegada dos migrantes no território rondoniense, bem como se apresentavam o ideário e os anseios de progresso e desenvolvimento que caracterizavam a Ditadura Civil- Militar e os sonhos daqueles que deixaram seus lugares de origem, em outras regiões do Brasil, e apostaram na conquista de um pedaço de terra no novo Oeste brasileiro.

Percorrendo outros caminhos que o conceito de fronteira permite estabelecer, o trabalho de Márcia Pereira da Silva, intitulado Os “males da mente”: o tratamento das doenças mentais entre o espiritismo e a psiquiatria na primeira metade do século XX no Brasil, mergulha universo dos discursos da medicina convencional e espírita acerca da loucura buscando compreender “as experiências na fronteira entre o que recomendava a psiquiatria e o que defendia os preceitos espíritas”, para o tratamento daquilo que denomina de “males da mente”. Ao analisar fontes e referências bibliográficas que abordam o tema, o texto permite ao leitor observar que, para além da fronteira estabelecida por tratamentos pautados em eletrochoques, lobotomia e isolamento, desenvolveu-se, por intermédio do Espiritismo, outras formas compreender, diagnosticar, enfrentar e tratar aquilo que a medicina ocidental chama de loucura.

Por fim, o artigo de Rita de Cássia Biason, Ética pública e o bom governo: uma tênue fronteira, toma obras clássicas de Platão, Aristóteles, Maquiavel e Hobbes para analisar suas respectivas concepções acerca da formação de bons governos e seu funcionamento a partir de uma ética própria ao Estado. A intenção da autora centra-se sobre o tema da ética na esfera pública. Por intermédio de seu estudo é possível observar como a ética, enquanto conceito, tem concepções distintas no tempo e no espaço e como alguns filósofos a interpretam, com vista a determinar aquilo que entendem como “bom governo” e atuação adequada dos homens que ocupam cargos públicos.

Esperamos que todos e todas apreciem a leitura.

Gilmara Yoshihara Franco

Márcia Pereira da Silva


FRANCO, Gilmara Yoshihara; SILVA, Márcia Pereira da. Apresentação. Monções. Coxim, v.3, n.5, 2016. Acessar publicação original [DR]

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História: identidades, diversidades e alteridades / Revista Trilhas da História / 2015

A presente edição da revista Trilhas da História é, em parte, resultado da XVI Semana de História e II Jornada de História Antiga e Medieval, trazendo algumas colaborações de autores que participaram do evento, ocorrido em agosto de 2015.

Neste sentido, a pluralística de temas e temporalidades na divisão dos artigos é evidente ao observarmos textos que discutem no seio da Antiguidade Tardia a imagem dos cristãos e sua identidade entre si e os outros, uma abordagem sobre propaganda no Brasil na segunda metade do século XX, um olhar sobre o ensino de História e a constituição de sujeitos leitores, uma exímia reflexão acerca dos temas da ruralidade e festa na Grécia Clássica e, por fim, uma problematização sobre a questão do trabalho docente entre dominação e resistência.

Em continuidade, como resultado do evento, há o Ensaio de Graduação do acadêmico Fernando Lucas Garcia de Souza, que discute de forma interdisciplinar a questão da tatuagem no município de Três Lagoas, evocando importantes questões culturais acerca dessa arte de desenhos corporais.

Na última parte da edição, seguem os artigos de fluxo contínuo, discutindo o espaço do distrito industrial de Jupiá junto a ideia problematizada de progresso e o artigo que busca mostrar a percepção da divisão do estado do Mato Grosso através do periódico Folha de São Paulo.

Cabe, ao lançamento desta edição, evidenciar a importância que a Revista Trilhas da História soma aos meios de divulgação de conhecimento científico no estado do Mato Grosso do Sul e sua perseverança ao continuar existindo mesmo diante dos entraves classificatórios que são colocados aos periódicos no Brasil frente as suas formas de avaliação. Por isso, a revista Trilhas da História agradece aos seus colaboradores pelo interesse e disposição em contribuir com a divulgação de suas pesquisas nesta casa.

Leandro Hecko

Caio Vinicius dos Santos

Organizadores da Edição

Setembro de 2015


HECKO, Leandro; SANTOS, Caio Vinicius dos. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.5, n.9, jul. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Identidades e Representações Sociais | Revista Latino-Americana de História | 2015

Em 2015 a Revista Latino Americana de História está completando quatro anos de existência e apesar das mudanças ocorridas na composição do Conselho Editorial, ela segue comprometida com o incentivo e a divulgação da produção historiográfica, sobretudo no que diz respeito à América Latina.

Na edição atual, a seção Dossiê reuniu um conjunto de artigos relacionados ao processo histórico de construção/desconstrução de identidades e representações sociais. Em tempos de valorização da História Cultural, a questão das identidades tem recebido uma expressiva atenção dos historiadores que exploram, a partir de diferentes perspectivas, os conflitos decorrentes da existência de múltiplas identidades e reconhecem que a conjuntura histórica exerce grande influência na aceitação ou rejeição de uma determinada identificação coletiva. Leia Mais

Representações e identidades / Monções / 2014

Saudações a todos os leitores.

Este é o primeiro número da MONÇÕES: revista do curso de História da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – campus de Coxim. A universidade brasileira em tempos recentes vive um processo de franca expansão e interiorização. Este é o resultado dos ventos democráticos que sopram na sociedade brasileira atual. A expansão da UFMS proporcionou o acesso a Universidade Pública ao povo coxinense e de sua região formada por cidades como Pedro Gomes, Rio Verde e Sonora. A Revista Acadêmica de História Monções representa um novo momento do curso de História da UFMS – campus de Coxim. Momento em que o curso de História recomeça um ciclo de produções acadêmicas que o projetará nacionalmente.

O nome da revista faz referência às Monções ou às expedições fluviais, também chamadas de Bandeirantismo Fluvial. Os monçõeiros encontravam em Coxim um importante ponto de parada e reabastecimento para a continuidade da viagem até as margens do rio Cuiabá. A História das monções é caríssima ao Mato Grosso do Sul, pois significa, sobretudo, um elo cultural e histórico entre a região sudeste e Centro Oeste do Brasil. Certamente, não existe nome mais apropriado para uma revista do curso de História da UFMS – campus de Coxim. Este fato confere legitimidade ao nome MONÇÕES que foi escolhido de forma unânime pelo corpo docente da UFMS/CPCX. A Revista Acadêmica de História Monções/História-UFMS segue na esteira do recente “boom” das revistas eletrônicas acadêmicas indexadas e submetidas ao sistema Qualis Capes. Uma política que confere economicidade, agilidade, otimização e ampliação das produções acadêmicas.

O campus da cidade de Coxim sempre priorizou, em seu projeto pedagógico acadêmico, os estudos do Movimento Monçõeiro. Esses estudos possuem como objeto as estórias da comunidade local que se relacionam com essa cultura ribeirinha, assim como os resquícios das monções paulistas. O curso de História também conta com a existência de importante projeto financiado pelo PROEXT intitulado: “monções, patrimônio cultural sul-mato-grossense”. É preciso destacar também a vinculação da Revista Acadêmica de História Monções ao Memorial e Centro de Documentação Regional denominado “Memorial das Monções Henrique Spengler” que recebe turistas, acadêmicos e a comunidade local.

A Revista Acadêmica de História Monções da UFMS/CPCX é uma contribuição para a circulação do trabalho intelectual que precisa sempre de espaços abertos e este é um deles. A profusão do conhecimento através do estabelecimento de veículos editoriais fomenta a pluralidade democrática, afasta as trevas da ignorância (que macula o avanço social) e permite o debate, necessário à consolidação da cultura democrática.

Samuel de Jesus – Professor Doutor. Editor Responsável

JESUS, Samuel de. Apresentação. Monções. Coxim, v.1, n.1, set., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Identidades e representações: pensamentos e práticas históricas / Oficina do Historiador / 2014

O século passado foi o mais mortífero de toda a história documentada, o número de mortes causadas pelas guerras foi estimado em 187 milhões de pessoas e mesmo tendo essa consciência o que o homem faz para conter? Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores contemporâneos, questiona como haveremos de viver neste mundo perigoso, desequilibrado e explosivo, em meio a grandes deslizamentos das placas tectônicas nacionais e internacionais, sociais e políticas? Tendo como centro do mundo uma política megalomaníaca dos Estados Unidos, principalmente após o 11 de setembro.[1]

Segundo o mesmo historiador: todo ser humano tem consciência do passado e na maioria das vezes lidamos com sociedades para as quais o passado é essencialmente o padrão para o presente. Para Hobsbawm, o historiador não pode ser apenas um simples reprodutor, deve ser criador. [2]

Em busca de criações e interpretações historiográficas, a Equipe Editorial da Oficina do Historiador: revista discente do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, apresenta ao público acadêmico a edição Identidades e representações: pensamentos e práticas históricas.

Criada em setembro de 2009 como resultado de um projeto coordenado pela Doutora Janete Silveira Abrão, a primeira edição foi lançada no 1º semestre de 2010 e desde então, contou com edições regulares a cada 6 meses. Posteriormente, o Doutor Marçal de Menezes Paredes, ocupou o cargo de editor até o 1º semestre de 2014, momento em que assumi a direção do periódico. Mantendo a tradição da autonomia discente, a OH que é classificada pela Qualis / CAPES como B1, define-se como um espaço de veiculação de produção científica e pesquisas desenvolvidas por docentes e principalmente, por alunos dos diversos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em História do país.

Com a nova gestão editorial algumas mudanças foram implementadas na intenção de aprimorar a qualidade da revista em busca da internacionalização. A partir de agora os artigos em formato eletrônico da revista OH estão indexados no Directory of Open Access Journals (DOAJ), para acesso pela comunidade científica internacional. Com uma nova composição do Conselho Consultivo, formada por pesquisadores da Alemanha, Argentina, Brasil, França, Hungria, Portugal e Uruguai, o periódico possui uma excelente Equipe Editorial que é formada por doutorandos e mestrandos do PPGH / PUCS. Através da árdua dedicação acadêmica dos discentes a revista é mantida e projetos futuros são organizados de forma cada vez mais ativa. Dessa forma, parabenizo a equipe composta pelos doutorandos (as): Daniela Garces de Oliveira, Fernanda de Santos Nascimento, Geandra Denardi Munareto, Geneci Guimarães Oliveira, José Oliveira da Silva Filho, Leonardo Oliveira Conedera, Luciana da Costa de Oliveira e Priscila Weber, além da mestranda Egiselda Charão e do mestrando Waldemar Dalenogare.

A edição desse semestre apresenta algumas mudanças, como a ampliação do número de artigos, totalizando 12 sérios estudos que são resultado de pesquisas acadêmicas de vários institutos de investigação do Brasil (FEEVALE, PUCRS, UEG, UFMG, UFPE, UFPR, UFRJ, UFRN e UFSJ) e da Europa (Université Paris Diderot – Paris 7 – Università di Bologna). A diversificação das instituições demonstra o impacto do periódico e a aceitação entre os acadêmicos, contribuindo assim, com a possibilidade de ter acesso a pesquisas recentes e cada vez mais atualizadas no âmbito historiográfico. A nova edição da OH apresenta ao leitor duas resenhas, oriundas de pesquisadores da UFRGS e UNICAMP que trazem à baila reflexões de novas publicações editoriais.

A principal novidade está na última seção da revista. Em todos os números, haverá um espaço destinado à divulgação de um material extra que contribua com o debate e pesquisas universitárias. No v. 7, n. 2, temos a satisfação de contar com uma excelente entrevista do Presidente da Associação Nacional dos Historiadores (ANPUH), Doutor Rodrigo Patto de Sá Motta, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que esclarece uma série de questões sobre a profissionalização do historiador, que é ainda hoje umas das poucas atividades sem regulamentação. Desde a década de 1960, o assunto é debatido no Congresso Nacional e sempre caiu no esquecimento.[3] A retomada do debate ocorre após um intenso envolvimento dos historiadores no processo de regulamentação através da ANPUH, principalmente na gestão dos últimos presidentes da associação, Doutor Durval Muniz de Albuquerque Júnior (UFRN), Doutor Benito Bisso Schmidt (UFRGS) e agora com o nosso atual representante, que mantém viva a esperança da profissionalização.

Agradecemos a todos os que fizeram possível mais este número, em especial aos autores que escolheram a OH para exporem suas pesquisas, à equipe editorial, à coordenação do PPGH / PUCRS por todo apoio e principalmente aos leitores, que correspondem ao principal objetivo da revista.

Notas

1. HOBSBAWM, Eric. O terror. In: ______. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

2. HOBSBAWM, Eric. Tempos Interessantes: uma vida no século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

3. GONÇALVES, Leandro Pereira. Historiador. In: SCHWARZ, Rodrigo Garcia. (Org.). Dicionário de Direito do Trabalho, de Direito Processual do Trabalho e de Direito Previdenciário aplicado ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 517-519.

Leandro Pereira Gonçalves – Professor do PPGH / PUCRS e Editor da Oficina do Historiador


GONÇALVES, Leandro Pereira. Apresentação. Oficina do Historiador. Porto Alegre, v. 7, n. 2, jul. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Estado Nacional, Identidades e Pluralidades Culturais / Contraponto / 2014

É com grande prazer que apresentamos mais uma edição da revista Contraponto como o dossiê intitulado, História e Narrativas: Estado Nacional, identidades e pluralidades culturais, nesse novo número, pretendemos mostrar trabalhos de pesquisadores e estudiosos da área de História e afins que estão discutindo questões pertinentes as múltiplas perspectivas de compreensão do Estado Nacional e do Nacionalismo tanto como teoria quanto prática.

Tais estudos são expressos por diversas manifestações culturais e sociais, no âmbito da politica, da música, do teatro, da literatura, do cinema e da ciência, para além de questões mais complexas como, multietnicidade, cidadania, identidades nacionais sua formação, além das relações entre Estados nacionais e os conflitos inerentes a sua construção.

Dessa forma, o presente dossiê se constitui não apenas num importante espaço de debates, mas também de divulgação do conhecimento acadêmico produzido sobre a temática proposta, os artigos aqui apresentados estão estimulando um diálogo amplo e interdisciplinar sobre o conceito de Nação e Nacionalismo, suas expressões, suas práticas e suas diversas manifestações, observando os atores sociais e as redes constituídas por estes no longo processo histórico do qual fazem parte.

No presente número encontram-se trabalhos que discutem questões como liberdade e trabalho; Sobre os sujeitos que contribuíram para a construção do Estado Nacional nos rincões do interior do Piauí no século XIX; A cidade e a politica de higienização no final do XIX; E finalmente sobre a macro política do Estado Imperial a partir da Corte em relação às Províncias do Norte em meados do século XIX. O número apresenta ainda artigos avulsos sobre diversos temas.

Convido a todos para mais uma viagem à História pelas paginas da revista Contraponto, ótima leitura.

Johny Santana de Araújo

Editor Chefe


ARAÚJO, Johny Santana de. Apresentação. Contraponto, Teresina, v. 3, n. 1, agosto, 2014. Acessar publicação original [DR]

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O Conflito Israelo-Palestino: História, Memória e Identidades / História (Unesp) / 2014

A revista História (São Paulo) se compraz em oferecer neste número elementos para a reflexão de uma das questões mais sensíveis do cenário internacional, o conflito israelo-palestino. Tema polêmico e pouco visitado pela comunidade acadêmica brasileira, é este abordado de forma criativa e multifacetada nos artigos do dossiê O Conflito Israelo-Palestino: História, Memória e Identidades, sob os cuidados do editor-convidado, professor Marcos Chor Maio, da Fundação Oswaldo Cruz.

A seção de artigos livres contempla a história do Brasil, de Portugal e da América Espanhola a partir de diferentes abordagens. No primeiro dos artigos, Fernando Tavares Pimenta discute a experiência de reforma da administração colonial portuguesa em Angola, entre 1961 / 1962, apontando as fissuras do bloco dirigente português e os fatores que concorreram para o fracasso do projeto. Em seguida, Nelly de Freitas analisa a imigração de mulheres da Ilha da Madeira para o Estado de São Paulo por meio do estudo de dados quantitativos e do exame das trajetórias de algumas dessas personagens. Por sua vez, o lugar da intervenção estatal na organização das relações de trabalho na Constituinte portuguesa de 1911 é o objeto do texto de Teresa Nunes.

O processo político constitui a preocupação de três autores. Carlos Sixirei examina como a disjunção centralismo versus federalismo dividiu conservadores e liberais na Colômbia depois da sua independência em relação à Espanha. Fernanda Pandolfi se debruça sobre o problema da recolonização do Brasil pela metrópole e da reescravização de libertos, mediante a análise da imprensa do Primeiro Reinado. E Patrícia Calvo busca entender como a imprensa de Havana repercutiu e influenciou a insurreição que culminou na Revolução Cubana.

A tecnologia comparece nos temas de dois trabalhos. Áureo Busetto compara os sistemas de arquivamento dos acervos televisivos do Brasil, França e Inglaterra e discute as políticas de preservação e o acesso aos cidadãos e pesquisadores. Em seguida, Lucas de Almeida Pereira investiga a história da informática no Brasil, por meio do exame da instalação dos primeiros computadores importados e dos seus efeitos sociais.

A história cultural é uma vertente explorada por autores interessados no mercado editorial e na produção visual. Leandro Antonio de Almeida lança sua atenção à emergência do mercado de ficção popular de massa no Brasil ao focar a produção literária do escritor mineiro João de Minas, na década de 1930. Os cartões postais com fotografias da cantora lírica italiana Lina Cavalieri são o objeto de Marco Antonio Stancik para analisar o lugar da mulher e as novas formas da sensibilidade contemporânea. O humor é tratado por Maria da Conceição Pires, com vistas a desvendar os fundamentos ideológicos deste segmento artístico à luz da recente produção cartunista brasileira. Por sua vez, o uso da imagem como fonte de interpretação histórica é discutido por Francisco Santiago Júnior, mediante o diálogo com os escritos de Hayden White.

Dois trabalhos examinam aspectos da história econômica e social. No primeiro, Francisco Cancela discute as reformas do Estado Português e a reorganização do trabalho indígena na Capitania de Porto Seguro, no final do século XVIII. No outro, de Jonas Vargas, a economia do charque rio-grandense é analisada no contexto das transformações do comércio internacional, de modo a explicar a crise dessa atividade no final do século XIX. Encerrando o fascículo, Fernando Perli discute o uso do ensino de História no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e uma resenha se detém na análise da repercussão da Guerra Civil Espanhola no Peru.

Por fim, não podemos deixar de agradecer ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Pró-Reitoria de Pesquisa da UNESP (PROPe) pelo apoio financeiro dispensado à confecção deste fascículo.

José Luis Bendicho Beired

Jean Marcel Carvalho França

Editores


BEIRED, José Luis Bendicho; FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Apresentação. História (São Paulo), Franca, v.33, n.2, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Regiões e Identidades / Revista Trilhas da História / 2012

O artigo “Vias de transporte em regiões de fronteira: possibilidades técnicas, interesses econômicos e imperativos políticos”, do Prof. Paulo Roberto Cimó Queiroz, tece uma discussão fundamental para iniciarmos o Dossiê sobre as “Regiões e Identidades”. De forma generosa, o autor discute como se configuraram as redes de transporte em regiões de fronteira, tendo como eixo de abordagem o extremo oeste. Ao inspirar-se em Lucien Febvre (1949), redefine o conceito de fronteiras humanizando este espaço / lugar, visto como “lugar de encontro e conflito de alteridades”. Agradecemos esta contribuição para que possamos continuar caminhando pelas trilhas da história.

O artigo “Em nome da civilização: o Mato Grosso no olhar dos viajantes”, de Carlos Alexandre Barros Trubiliano, é instigante para a discussão de Mato Grosso na perspectiva dos viajantes de fins do século XIX e início do XX. O autor desnuda uma leitura comum nesse período: a de Mato Grosso como região de “ambiente hostil”, de “barbárie” e de “atraso”. Os povos originários aparecem como “selvagens”, ocupando lugares que deveriam ser destinados à “civilização”. Problematizando cada um desses conceitos, a leitura é enriquecedora, carregada de vida e preocupada em evidenciar o quanto o peso da “civilização” influiu nas imagens sobre Mato Grosso.

O artigo “Disciplinarização e biopolítica na Província de Mato Grosso do século XIX”, de Patrícia Figueiredo Aguiar, nos brinda com uma reflexão importante para entendermos a década de 1830 na Província de Mato Grosso, particularmente na discussão dos códigos criminais e do modo como foram interpretados, pela autora, como tecnologias do poder para “disciplinar” os “indesejáveis”. A análise se detém no entendimento da história do Brasil Imperial e de uma Província distante da capital, mas próxima no desejo de “civilizar-se”. A “administração de condutas” e o “controle do território” era uma preocupação premente do poder imperial por toda a Regência. O texto, então, nos propicia o aprofundamento desta discussão.

O artigo “A Eucaliptização da Microrregião de Três Lagoas”, de Mieceslau Kudlavicz, traz a reflexão para o tempo presente e aborda as transformações que vem ocorrendo no modo de vida e de trabalho de milhares de trabalhadores nos meios urbano e rural dos municípios desta região, oriundas das atividades envolvendo a produção do papel e celulose, em detrimento da produção camponesa. Em nome do “progresso”, a região vem sendo ocupada por extensas áreas de monocultura de eucalipto, em lugares que poderiam ser destinados para o plantio de alimentos por meio da reforma agrária. Kudlavicz evidencia, de forma clara, a dissonância desta lógica perversa do capital que inclui bem poucos e exclui uma parte significativa da população.

O artigo “Nas fronteiras do oeste do Paraná: Conflitos Agrários e Mercado de Terras (1843 / 1960)”, de Leandro de Araújo Crestane e Erneldo Schallenberger, problematiza os conflitos agrários e o mercado de terras no oeste do Paraná. No estudo de caso da Gleba Santa Cruz, os autores evidenciam a luta dos posseiros e colonos, ao se depararem com as ações das Companhias colonizadoras, observando-se ainda o embate entre elas e o Estado do Paraná. A partir de entrevistas, essas lutas vão sendo enunciadas e demonstram sua radicalidade, a exemplo da luta armada, num momento em que várias regiões do Paraná fervilhavam de conflitos agrários. O levante à margem do Piquiri é evidência dessa história.

O texto “Bosque Marechal Cândido Rondon (Londrina – PR): patrimônio e identidade”, de Fernanda Frozoni, é revelador da história das identidades desenhadas pelos sujeitos na ocupação dos espaços urbanos. A utilização desses espaços desnuda o lugar que é ocupado na memória dos transeuntes, ou seja, o lugar se define a partir da práxis, do modo de vida e de trabalho daqueles que ali estão presentes. O espaço pode ser reapropriado, comercializado, abandonado pelas políticas públicas, mas é também fundamentalmente vivido pelos homens, mulheres e crianças em suas práticas cotidianas. A abordagem apresentada pela autora possibilita que uma parte da história de Londrina, no Paraná, seja recontada não pela perspectiva da lógica do espaço como mercadoria, mas como fruto da ação humana.

O artigo “Autoridade na contemporaneidade: do conceito à acepção”, de Maridulce Ferreira Lustosa, contribui para a reflexão das identidades ao propor uma discussão da autoridade e dos vínculos afetivos que a constituem, envolvendo as relações humanas. Ao buscar o conceito de autoridade, a partir de autores como Sennet (2001), Arendt (2007), Weber (2001), entre outros, a autora contribui para o debate desta temática que envolve fundamentalmente as relações de poder, construídas historicamente a partir das relações sociais, sendo apresentadas pela autora com perspectivas teóricas diversas. “Conceitos, crises e imagens” de autoridade são abordados para explicitar a dinamicidade da discussão do conceito de autoridade.

O artigo “Hades na Ilíada: a formatação da morte no épico homérico”, de Leandro Mendonça Barbosa, encerra esta seção nos remetendo à história antiga. Ele se aproxima da temática das Regiões por possibilitar pensarmos na versatilidade desse conceito, na medida em que o autor analisa as regiões do “inframundo” ou “mundo dos mortos”, a partir da representação de Hades, o “deus do submundo”, na Ilíada. Vale observar que esta versatilidade foi conquistada no alargamento das concepções de espaço pela história do imaginário. Também a questão da identidade é contemplada, pois remete aos lugares do imaginário e ao modo como as pessoas se identificavam ou mesmo negavam as divindades. O autor destaca a carência de estudos sobre Hades, observando que a própria literatura grega vivencia esta ausência.

O ensaio de graduação “As desventuras de um renascentista entre os Tupinambás: a visão do viajante Hans Staden sobre as terras e os povos do Brasil”, de Rafael Pereira da Silva, faz um estudo sobre a colonização da América portuguesa, logo em seu início, a partir da interpretação da obra “Viagem ao Brasil”, do alemão Hans Staden. Conforme o autor, no olhar dos viajantes apresenta-se uma construção sobre a “descoberta” dessa “nova terra”. Este texto é instigante, pois não se furta a trabalhar os escritos de Hans Staden como fontes históricas, vestígios para que possamos tecer as nossas próprias abordagens, na esteira do saber de outros pesquisadores.

O ensaio de graduação “Identidade no contexto migratório: Um estudo das narrativas epistolares”, de Marciana Santiago de Oliveira, faz uma reflexão sobre as cartas do Boletim VAI VEM, as quais descrevem a construção da identidade de muitos migrantes para a região noroeste paulista na busca de melhores condições de trabalho e de vida. Ao explorar essas cartas, como fontes históricas, a autora constrói uma narrativa entrelaçada à história social do trabalho, numa abordagem “vista de baixo”. É esse vai vem que nos permite enxergar a trajetória de sujeitos marcados pela vida de trabalho, pela construção de uma identidade de migrantes e pela materialização de suas lutas por meio do Boletim. O ensaio permite ainda visualizar a importância da Arquivologia para a pesquisa histórica.

A resenha “Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo”, de Maurílio Dantielly Calonga, traz uma análise do regime de Getúlio Vargas e de Juan Domingos Perón, por meio das propagandas políticas, tecendo a intensidade que essas propagandas tiveram e como contribuíram para a ascensão de Vargas e Perón ao poder. O autor aponta e caracteriza as diferenças históricas entre o Brasil e Argentina nesse período, e a propaganda como instrumento de coerção, sendo monopólio dos governos para conquistar o apoio da sociedade.

A resenha “Nas margens da boiadeira: territorialidades, espacialidades, técnicas e produções no noroeste paulista”, de Natália Scarabeli Zancanari, apresenta um estudo importante, estabelecido a partir de fontes documentais e fontes orais, envolvendo a região do noroeste paulista, sob o viés econômico e geográfico. A obra problematiza ainda a vivência no campo com a dinâmica da relação agro mercantil da pecuária no século XIX e XX, bem como a associação do desenvolvimento e progresso a partir da relação do rural e o urbano e o desenvolvimento da economia mercantil por meio da pecuária.

No trabalho com as fontes, Wesley de Paula David faz um estudo dos costumes, a partir de E. P. Thompson e do diálogo com a literatura por meio da obra Inocência, de Visconde de Taunay, considerando essa obra tanto uma fonte histórica quanto uma fonte literária. Utiliza de outros teóricos para entender qual a relação a história estabelece com a literatura. A interpretação da obra, a partir do diálogo entre teoria e a fonte, bem como o diálogo entre a obra literária e o olhar de historiador na interpretação do texto como prática social, favorece ao entendimento de hábitos vividos no sertão do sul de Mato Grosso. Finalizando a abordagem, o autor visualiza o sertão com costumes constituídos por saberes de gente comum.

Os textos apresentados nesse Dossiê evidenciam o quanto é necessário continuarmos a tecer as trilhas da história, esperando que elas possam ser sempre ampliadas com a participação discente, docente e da comunidade mais ampla, de inúmeros lugares, particularmente no alargamento de problemas de pesquisa e na humanização de saberes.

Maria Celma Borges

Rodrigo Ferreira Ornellas

Primavera de 2012


BORGES, Maria Celma; ORNELLAS, Rodrigo Ferreira. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.2, n.3, jul. / dez., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Deslocamentos: trabalho e identidades / História – Questões & Debates / 2012

A emergência dos fenômenos ligados à dispersão populacional, sejam estes relacionados à experiência das migrações internas ou aos chamados movimentos transnacionais, também conhecidos como “novas diásporas”, tem motivado um número crescente de pesquisas em diferentes áreas das ciências humanas, frequentemente voltadas às reflexões sobre o deslocamento de pessoas entre países, regiões e continentes, bem como aos seus desdobramentos.

Desde o século XIX, quando o fenômeno das migrações internas e externas ganhou intensidade, em decorrência da expansão do capitalismo e do avanço tecnológico dos meios de transporte e das comunicações, os deslocamentos migratórios adquiriram maior visibilidade, refletindo as assimetrias presentes nas relações socioeconômicas, bem como as contradições existentes na sociedade capitalista. Todavia, somente a partir da segunda metade do século XX, e particularmente nas últimas décadas do milênio, as temáticas acerca dos trânsitos migratórios passaram a ser estudadas com maior afinco por historiadores, geógrafos, antropólogos, economistas e sociólogos, interessados em analisar o fenômeno não só a partir das questões ligadas à mundialização da economia capitalista ou aos conflitos étnicos, políticos e religiosos – fatores estes que, sem dúvida, foram responsáveis pela dispersão de grandes contingentes populacionais, sobretudo a partir do oitocentos –, mas também preocupados em ultrapassar essas abordagens, procurando refletir igualmente a respeito das experiências compartilhadas por pessoas ou grupos que, motivadas por fatores ideológicos, históricos e sociais, protagonizaram esses múltiplos movimentos.

O crescente interesse pelas rupturas, descontinuidades e desigualdades inseridas no interior de uma complexa teia de relações de poder envolvidas nos processos de deslocamento fez com que pesquisadores interessados nesta temática se aproximassem das reflexões empreendidas por autores vinculados aos estudos culturais, dentre os quais se destacam Hommi Bhabha, Edward Said, Arjun Appadurai, Stuart Hall e Nestor Canclini. Abrigados no arcabouço teórico identificado como pós-colonialista, estes autores contribuíram para a emergência de conceitos como desterritorialização, alteridade, exclusão, resistência, identidade e multiculturalismo, estreitamente vinculados às práticas migratórias e, portanto, apropriados para as análises que buscam privilegiar experiências de sujeitos deslocados.

Os artigos reunidos no dossiê temático deste volume expressam, em seu conjunto, este interesse cada vez maior pela dimensão subjetiva das migrações. Os aspectos relacionados às experiências vivenciadas nas sociedades de origem ou de destino são ressaltados pelos artigos de Montserrat Soronellas Masdeu, Suzana Serpa Silva e Joseli Mendonça. O primeiro, contemplando o estudo de sociedades agrárias da Catalunha, no século XX, mostra as consequências ambíguas dos deslocamentos populacionais para tais sociedades: de um lado, a urbanização e o êxodo rural dela decorrente favorecem o despovoamento das áreas agrícolas, impondo dificuldades para as comunidades locais; de outro, a migração internacional, ensejada pela globalização, facilita o fenômeno de repovoamento das áreas rurais, possibilitando projetos de desenvolvimento local. Esta dinâmica migratória, defende a autora, faz com que as sociedades agrárias da Catalunha se “reinventem” como sociedades rurais.

Os artigos de Susana Serpa Silva e Joseli Mendonça enfocam principalmente as experiências de precarização das condições sociais vivenciadas pelos sujeitos que se deslocam. O primeiro trata da migração clandestina de açorianos para o Brasil nos anos 1830. Na perspectiva de autoridades portuguesas e da própria opinião pública em Portugal, os açorianos que migravam eram submetidos a uma “escravidão branca” nas áreas para as quais se dirigiam. Como indica a autora, em uma época em que se procurava reprimir e extinguir o tráfico de escravos, a degradação da condição dos trabalhadores açorianos que se deslocavam era equiparada à dos escravos. Também relacionando tráfico de escravos e transferência de trabalhadores livres, o artigo de Joseli Mendonça analisa a legislação brasileira que, vigente desde os anos 1830, regulava contratos de trabalho, criando condições para que se configurasse a “escravidão branca” constituída na percepção a que se refere Suzana Serpa Silva. Proposta e aprovada em contextos nos quais as restrições ao tráfico de escravos se intensificavam, esta legislação objetivava favorecer os “importadores” de mão de obra, limitando sobremaneira a autonomia dos trabalhadores.

Na sequência, os artigos de Roseli Boschilia e Maria Izilda Santos de Matos enfocam, a partir de corpus documentais diversos, aspectos relacionados às experiências individuais vivenciadas por imigrantes portugueses. Enquanto Roseli Boschilia, ancorada em documentos de caráter mais oficial, dentre os quais se destacam os pedidos de passaporte, registros de desembarque e pedidos de naturalização, analisa o perfil dos imigrantes portugueses que se dirigiram ao Paraná durante a segunda metade do século XIX, Maria Izilda Santos de Matos privilegia cartas e correspondências privadas para investigar a presença dos imigrantes portugueses em São Paulo, procurando, a partir destes documentos, rastrear não só os vínculos estabelecidos e os circuitos de sustentação nas regiões de saída e de acolhimento, mas também tensões e frustrações, possibilidades de reencontros e reconstituição familiar.

Num terceiro bloco, fechando o dossiê, estão os artigos de Regina Weber e Marcelo Garabedian, com reflexões voltadas à imigração espanhola. Interessada em estudar as manifestações de identidade étnica dos espanhóis que, ao longo do século XX, se radicaram no Rio Grande do Sul, Regina Weber analisa as manifestações étnicas destes imigrantes e seus descendentes, observando fatores econômicos e culturais internos e externos ao grupo, no intuito de refletir acerca das formulações identitárias que decorrem das práticas de agregamento gestadas na sociedade de destino.

Já o argentino Marcelo Garabedian faz uma reflexão sobre a imprensa imigrante a partir da análise do periódico El Correo Español, principal jornal da colônia espanhola editado na Argentina durante o século XIX. Neste artigo, o autor procura destacar o protagonismo deste periódico para a consolidação institucional da imigração espanhola no seu país, assim como sua contribuição para as discussões políticas e culturais, intimamente associadas ao projeto de construção do nacionalismo espanhol no interior da sociedade argentina.

Além dos textos que compõem o dossiê, este volume traz ainda um artigo sobre o ensino de História, de autoria de André Luiz Paulilo, que tem como objeto de análise os manuais didáticos da área de História, destinados especialmente aos professores do ensino fundamental. No texto, o autor procura problematizar o papel exercido por esta modalidade de documentos sobre os pressupostos teóricos que orientam a prática de ensino de docentes que trabalham em escolas públicas.

Por fim, na seção de resenhas, são apresentados três textos. O primeiro deles, de Renata Senna Garraffoni, discute a obra de Salvatore Settis, The future of the “Classical”; o segundo, de Igor Zanoni Constant Carneiro Leão e Demian Castro, traz considerações sobre o texto Pós-modernidade, mal-estar, violência: uma leitura de Maria Laurinda Ribeiro de Souza; e o terceiro, de Daniel Augusto Arpelau Orta, trata da obra de David Levering Lewis, O Islã e a formação da Europa de 570 a 1215.

Roseli Boschilia

Joseli Mendonça

Junho de 2012


BOSCHILIA, Roseli; MENDONÇA, Joseli. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.56, n.1, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Intelectuais, identidades e discursos na América Latina no século XX | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2012

É com muita satisfação que informamos que o grande número e a qualidade dos artigos recebidos e aprovados pela Revista Eletrônica da Associação Nacional de Pesquisadores e Professores de História das Américas – ANPHLAC – por ocasião da chamada de trabalhos dedicada ao dossiê “Intelectuais, nações e identidades nas Américas nos séculos XIX e XX”, resultou na organização de dois dossiês em 2012: a 12ª edição “Intelectuais, identidades e discursos na América Latina no século XX”, que aqui apresentamos aos leitores, contendo onze artigos, todos relacionados ao tema no século XX; e o de número 13 “Intelectuais, nações e identidades nas Américas – séculos XIX e início do XX”, contendo onze artigos e uma resenha, que compõem a 13ª edição da Revista. Ao fazer esta proposição o periódico buscou abarcar uma temática que nos últimos anos tem apresentado um significativo crescimento com o desenvolvimento de pesquisas centradas na relação entre intelectuais, construção de nações e identidades nacionais ao longo dos séculos XIX e XX.

Como sabemos a intelectualidade latino-americana não ficou imune às várias transformações ocorridas nos dois últimos séculos. O período em questão foi extremamente fecundo no debate intelectual na América Latina, tendo sido marcado por profundas mudanças nos campos político e cultural, o que faz com que esse recorte temporal seja um dos mais privilegiados pela historiografia nas análises acerca dos inúmeros projetos desenvolvidos pelos intelectuais do continente. Leia Mais

Intelectuais, nações e identidades nas Américas – séculos XIX e início do XX | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2012

A 13ª edição da Revista da ANPHLAC traz o dossiê “Intelectuais, nações e identidades nas Américas – séculos XIX e início do XX” com um rico e variado conjunto de 10 artigos e uma resenha de pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

As relações entre intelectuais, nações e identidades na América Ibérica nos séculos XIX e XX vêm sendo sistematicamente revisitadas, nos últimos anos, a partir de novas “leituras do passado” e de abordagens comparadas sobre as diversas experiências históricas de construção dos Estados e nações no continente americano. Neste sentido o Dossiê nº 13 apresenta-se como um espaço plural de debate e troca entre pesquisadores que trabalham com diferentes enfoques e experiências nacionais acerca do tema. Leia Mais

Identidades e História Cultural (I) / Embornal / 2012

É com sumo prazer, que apresentamos aos nossos leitores mais um número de nossa Embornal. O prazer da apresentação tem contrastado com a responsabilidade de nossas escolhas, haja vista, a impossibilidade de publicação de todos os textos que nos são submetidos, e que tem se avolumado a cada preparação para a publicação de nosso periódico; o qual, neste número, diante das solicitações realizadas ao longo das atividades realizadas em virtude do XIII Encontro Estadual de História do Ceará, Realizado nas Faculdades INTA (Sobral), traz aos nossos leitores alguns textos que foram apresentados por nossos conferencistas e que versam sobre a temática do objeto do evento: Identidades e Comunidades: História(s) para que(m)?

Com vistas a possibilitar um diálogo mais profícuo entre textos/autores/leitores, optamos por, num primeiro bloco do Volume de número 5 da Embornal, agrupar os textos que refletem em torno das identidades, tendo então os trabalhos de Antonio Clarino Barbosa de Souza, o de Frederico de Castro Neves e o de Nilson Almino de Freitas.

No texto que abre o bloco em torno das identidades, Antonio Clarindo de Souza, Identidades: uma discussão em rede, parte de observações que permeiam nosso cotidiano e que via de regra, nos levam a pensar sobre o que somos, e sobre as quais nos pegamos pensando, por vezes, servem de pivô para o desenvolvimento das reflexões do autor, a partir de referencias clássicas e caras aos que estudam as ditas identidades. Texto brilhante, marcado pelas discussões do nosso efêmero presente e que nos remetem a pensar, como que Deleuze, de forma rizomática, na constituição de intercessores, no como me represento e no como somos representados. Reflexões estas, que nos instigam a refletir sobre o ser e não ser. Instigações que encontram pontos de apoio para mais pensamentos no artigo de Frederico de Castro Neves com seu texto intitulado O Nordeste e a Historiografia brasileira, e por ultimo levando a pensar sobre a construção de identidades culturais; e ainda, no trabalho de Nilson Almino de Freitas com seu trabalho intitulado É possível pensar a identidade cultural? o qual a partir de sua vivencia, tece de forma seminal, reflexões em torno da constituição da constituição uma identidade: a sobralidade triunfante.

Pensando as identidades, saímos das reflexões que pretendem pensa-las em sua constituição para analisar estratégias de fomentar sua existência, o que pode ser observado no renovador artigo apresentado por Tito Barros Leal, intitulado Por um projeto para o Brasil: José de Alencar e a polêmica em torno das cartas sobre a Confederação dos Tamoios. Ainda no campo da constituição de si, do eu na relação que busca estabelecer redes, sociabilidades e identidades, temos o trabalho de Renato de Mesquita Rios, e o de Marcos José Diniz Silva. O de Rios, intitulado Trajetória de vida em textos: João Brígido e o olhar sobre si (1899-1900), onde se busca apresentar ao público as várias faces da escrita de João Brígido. Já o de Diniz, intitulado Redes intelectuais, tradicionalismo e modernismo: religiosidades alternativas no Ceará dos anos 1920 e 1930, reflete sobre o desenvolvimento das referidas práticas de religiosidade, que acabam por fomentar o desenvolvimento de sociabilidades e comunidades (como as define KUNH) no Ceará.

Encerramos nossa Embornal com mais três textos que consideramos extremamente importantes para os estudos que se tem desenvolvido em torno da História Social, sendo o de Francisca Eudésia Nobre Bezerra, Os agouros da maldizença: uma história de um mau presságio no interior do Ceará (1950-2000); onde nos é dado a ler um belo exercício de desenvolvimento de trabalho a partir da História Oral, buscando dar a voz às crenças de um determinado povo, o texto de texto de Caio Lucas Morais Pinheiro Futebol profissional e Futebol espetáculo: a constituição do jogo como espetáculo em Fortaleza (1946-1960), refletindo sobre a profissionalização do jogador de Futebol no Estado, a partir de elementos que muito nos dão a conhecer o processo, assim como, de Sebastião Rocha da Silva Filho, com seu Práticas Sociais como modos de vida: higienização e o seu discurso disciplinador na cidade de Manaus 1891-1910, refletindo sobre um processo instituinte de práticas, aos moldes de um Processo Civilizador (ELIAS), na cidade de Manaus.

Por aqui terminamos então, mais uma apresentação de nossa Embornal, no desejo dos melhores leituras e pesquisas.

Forte abraço.

Thiago Tavares

Editor da Revista Embornal Acessar publicação original deste texto

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Identidades e História Cultural (II) / Embornal / 2012

É com grande prazer que apresentamos aos nossos associados e ao público em geral, o esperado número 6 da Revista Embornal. Nesta edição contamos com a colaboração trabalhos versando sobre as mais diversas temáticas e autores que por pouco não abrangem o território nacional de extremo a outro.

Como entrada de nosso sexto número, apresentamos o texto de Camila Mota Farias, intitulado A invenção de uma comunidade: narrativas de resistência e tradição oral em Balbino-CE, onde a autora desenvolve suas reflexões em torno da criação/invenção de táticas com vistas a garantir a manutenção da comunidade Balbino, na região metropolitana de Fortaleza diante da especulação imobiliária. Invenção esta, que segundo podemos observar aproxima-se das ponderações apresentadas no filme Narradores de Javé; mas semelhanças à parte, a autora desenvolve suas reflexões, articulando de forma exemplar a discussão teórica, às fontes orais das quais se utiliza para o desenvolvimento de seu texto, apresentando elementos que remontam às origens da Comunidade quilombola, segundo informa Camila.

Ainda em se tratando das táticas para a constituição de comunidades, temos as reflexões de Francisco José Gomes Damasceno em seu Vozes do Povo pelas onda do rádio se espalham pela cidade: duas experiências musicais de cantadores do/no Nordeste Brasileiro que busca nos apresentar o meio de produção e circulação da arte dos tocadores de viola nos sertões nordestinos. Comunidade esta que se constitui a partir da métrica dos acordes e marca dos motes e (re)invenção da arte a cada acionamento do saber fazer, saber ser cantador.

Permanecendo ainda no universo da música, temos o trabalho de roberto Camargo de Oliveira com seu inquietante, como um bom Rock, artigo intitulado A Cena alternativa do Hardcore: Cultura e Política.

Como não poderia deixar de ser ainda, apresentamos neste número, mais estudos sobre a questões das identidades, questão nesta edição, ficou sob os auspícios de Josenildo Pereira em seu texto intitulado As identidades quilombolas contemporâneas: nuances das experiências do Maranhão. Ainda na esteira das reflexões em torno das questões étnicas, apresentamos os trabalhos de Eduardo Gomes da Silva Filho, que nesta oportunidade nos apresenta A Política indigenista e a resistência dos Waimiri- Atroari no caso Balbina,1979 a 2012, e o trabalho Liberdade: uma disputa étnica, assinado por Rafael de Almeida Serra Dias.

Caminhando para o fim da apresentação de nosso sexto número, apresentamos o texto de Marcelo Vieira Magalhães, intitulado Os olhares da Alteridade: os sírios e libaneses e suas formas de se representar e ser representado, que nos leva a pensar sobre a constituição de representações sobre oeu/nós/outro, e por último as reflexões de Thiago Tavares em torno da escrita da História ao longo do oitocentos, em seu trabalho Sobre agenciamentos do pretérito: História, Memória e devires.

Por esta edição, ficamos por aqui, e no preparo da Embornal número 07, e lhes desejando boas leituras.

Thiago A N R Tavares

Editor da Revista Embonal.

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Gênero, cultura, identidades: experiências e narrativas / Revista Mosaico / 2012

Gênero, cultura, identidades: experiências e narrativas é título e tema do dossiê que integra o presente volume da Revista Mosaico da PUC Goiás, organizado pelas professoras Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante (PUC Goiás), Maria Zeneide Magalhães Carneiro de Almeida (PUC Goiás) e Diva do Couto Gontijo Muniz (UnB).

Ao contemplar tal temática, a Mosaico traduz uma política editorial sintonizada com a contemporaneidade do campo historiográfico brasileiro, reconhecidamente ampliado no que tange aos seus objetos, suas abordagens, problematizações, perspectivas e fontes.

A perspectiva dos estudos de gênero e a abordagem interdisciplinar informam e aglutinam as reflexões das autoras de diferentes universidades do país, cujos artigos compõem o presente dossiê: “O governo de Rosas em Camila (1984) – filme de Bemberg”, de Alciene Cavalcante (UFF); “Perfis femininos na literatura infantil: uma abordagem histórica e comparativa (1930-1950)”, de Ana Carolina Siqueira Veloso (UERJ) e Marcia Cabral da Silva (UERJ); “A Revista Feminina e suas imagens: narrativas visuais de discursos de gênero”, de Ana Carolina Eiras Coelho Soares (UERJ); “Gênero, sexualidade e sedução no discurso jurídico”, de Claudia Jesus Maia (Unimontes / MG) e Renata Santos Maia (Unimontes / MG); “Mulheres e política: a participação nos movimentos abolicionistas do século XIX”, de Diva do Couto Gontijo Muniz (UnB) e Fabiana Francisca Macena (UnB); “Santa Casa da Misericórdia na Capital da Corte Imperial: o abandono, a honra e o progresso impressos em corpos de mulheres escravizadas”, de Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro (INHIS / UFU / MG); “Carregadeiras d’água: um ofício silenciado pela modernização em Vila Boa de Goiás”, de Lúcia Ramos de Souza (FACMAIS / GO); e “Uma experiência de História em Clarice Lispector”, de Albertina Vicentini (PUC Goiás).

Na segunda parte deste número da Mosaico, na seção temas livres, dois artigos avulsos: “A imprensa e os usos do passado: o projeto de Armando Salles Oliveira e o grupo político do jornal O Estado de São Paulo (1933-1934)”, de Carolina Soares de Sousa (UnB), e “Representações literárias do sertanejo em “ O Tronco”, de Bernardo Élis, e em “Serra dos Pilões-Jagunços e Tropeiros”, de Moura Lima”, artigo de Daiany Ribeiro Teixeira (UFT) e Marina Haizenreder Ertzogue (UFT).

Convidamos você, leitor, a compartilhar de uma história pensada diferentemente.

Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante

Maria Zeneide Magalhães Carneiro de Almeida

Diva do Couto Gontijo Muniz

As organizadoras


CAVALCANTE, Maria do Espírito Santo Rosa; ALMEIDA, Maria Zeneide Magalhães Carneiro de; MUNIZ, Diva do Couto Gontijo. Editorial. Revista Mosaico. Goiânia, v.5, n.1, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Os trabalhadores: experiência, cotidiano e identidades / Revista Brasileira de História & Ciências Sociais / 2011

Os estudos sobre o trabalho e os trabalhadores vem sendo, por décadas, uma espécie de indicador sensível das transformações pelas quais passou e passa a história em suas relações com as ciências sociais em geral. Temas de pesquisa, fontes, conceitos e categorias analíticas, modelos interpretativos, enquadramentos teóricos: nenhum dos grandes parâmetros fortes da disciplina passou intacto pelos muitos desafios intelectuais que deram forma ao campo historiográfico contemporâneo.

Mesmo uma análise breve e resumida do panorama dos estudos sobre o trabalho nas seis últimas décadas demonstra esse argumento eloquentemente: tomando como um ponto de partida qualquer (ainda que não inteiramente arbitrário), como os estudos dos historiadores marxistas britânicos que, desde os anos 1950, redefiniram a história da Inglaterra a partir do protagonismo dos trabalhadores, podemos identificar o impulso forte, que marca os desenvolvimentos mais importantes da história social, de integrar à história os instrumentos e perguntas das ciências sociais e da antropologia. Basta lembrar a originalidade do trabalho de alguém como Eric Hobsbawm, por exemplo, que em Rebeldes primitivos (1959) estudou as formas de resistência popular, mostrando como era possível ler a “política” dos grupos subalternos em suas atitudes de desafio da lei e da ordem, como no “banditismo social” do Cangaço. Não faz falta mencionar também outro originalíssimo Englishman, que foi Edward Palmer Thompson, cujos trabalhos sobre o “fazer-se” da classe operária inglesa, sobre as revoltas camponesas pré-industriais ou sobre as relações entre lei, costume e conflito social, foram fundamentais para colocar no centro da história social o tema da experiência e do protagonismo dos atores sociais, bem como mostrar a importância da interrogação sobre a “cultura” entendida em um sentido marcadamente antropológico. Desenvolvimentos e críticas posteriores, como o chamado “cultural turn” e os estudos de gênero, também se dedicaram a repensar categorias identitárias, colocando em causa a própria ideia do “trabalhador”, chamando a atenção para sujeitos e experiências sociais que foram por muito tempo negligenciados pelos estudos mais “convencionais” sobre o trabalho, tradicionalmente centrados nos trabalhadores da indústria (frequentemente do sexo masculino e sindicalizados) ajudando a formular a crítica a uma história do movimento operário que dava destaque unicamente às associações formais dos trabalhadores, bem como às ideias políticas dos seus membros mais destacados, dando como favas contadas a “identidade de classe” e o seu significado.

Foi também o campo amplo dos estudos sobre o trabalho que descobriu e redescobriu outros atores que por muito tempo ficaram à margem da narrativa mestra da história social: não apenas as mulheres (descobrindo, por exemplo, que a “classe operária tem dois sexos” [1]), mas também os escravos e trabalhadores livres pobres na cidade e no campo, os marginalizados, o mundo do trabalho “informal” e precário, o mundo colonial e pós-colonial, em suas dimensões sociais e culturais.

A despeito das inflexões e reviravoltas, das transformações teóricas e conceituais, o leque amplo de estudos a que estamos nos referindo não deixou jamais de reconhecer a centralidade do “trabalho” na experiência social contemporânea.

No Brasil, esse entrelaçamento entre os estudos sobre o trabalho no âmbito das ciências sociais e da história tem uma trajetória igualmente rica, marcada pelas trocas recíprocas e pela atenção constante sobre as transformações do campo político contemporâneo. Aqui, mais uma vez, é nesse horizonte intelectual e político que o influxo entre a história e ciências sociais aparece com mais força e consistência, como atestam os estudos seminais, produzidos já nos primeiros anos da década de1980 (não por acaso, em resposta ao momento político da democratização e do fortalecimento do movimento operário que contribuiu com a dissolução do suporte político da ditadura militar na década anterior), exemplificados por estudos como os de Emir Sader, Maria Célia Paoli ou José Sérgio Leite Lopes – entre outros –, que aliavam a pesquisa sociológica e etnográfica a um olhar profundamente informado pela reflexão histórica.[2] Um princípio inspirador que se manteve forte e que continua a mover os debates e a renovação dos estudos sócio-históricos ainda hoje.

Diversidade temática e regional, diálogo interdisciplinar e centralidade do trabalho são elementos que se entrelaçam no dossiê da Revista Brasileira de História & Ciências Sociais (RBHCS) que aqui se apresenta e que é dedicado aos estudos sobre os “Trabalhadores: experiências, cotidiano e identidades”. Nele encontramos de saída dois estudos etnográficos sobre o mundo do trabalho: O primeiro é um trabalho comparativo realizado por Marta Cioccari sobre um setor central da história operária – os mineiros – que foram protagonistas de algumas das mais significativas transformações ao longo do último século. Temas como “honra”, “orgulho do trabalho”, bem como os vários pertencimentos dos trabalhadores são investigados em duas comunidades mineiras distintas: Minas do Leão (RS) e em Creutzwald, na Lorena francesa. Flávio Ferreira, por outro lado, foca as relações entre o “tempo do trabalho” e o “tempo da festa”, também explorando o entrelaçamento e porosidade entre a esfera do trabalho e do “não-trabalho” em sua relação com a organização do tempo na Serra da Gameleira (RN). Na sequência, Jairo Falcão apresenta seu estudo sobre as memórias dos portuários de Porto Alegre, mostrando mais uma vez a importância da história oral para a reconstrução de dimensões difíceis de capturar em outros documentos, como as relações entre o trabalho, a memória e o corpo. Finalmente, um grupo de pesquisadoras na área de saúde em Santa Catarina apresentam seu diagnóstico de vida e saúde sobre um bairro de trabalhadores de Criciúma, focando elementos da violência urbana através dos registros da Delegacia da Mulher daquela cidade.

Como se pode ver, trata-se de um conjunto sugestivo de temas e de abordagens que marcam os artigos aqui apresentados, entrelaçando o interesse pelas permanências e tradições dos trabalhadores com dimensões absolutamente contemporâneas da sua experiência. Motivos mais do que suficientes para indicar fortemente a sua leitura.

Notas

1. A referência é do livro de Elisabeth Souza-Lobo, A classe operária tem dois sexos. Trabalho, dominação e resistência. 2a edição, São Paulo: Perseu Abramo, 2011 (1a edição de 1991).

2. Paoli, Maria Célia; Sader, Eder & Telles, Vera Silva. “Pensando a classe operária: os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico”. Revista Brasileira de História, Vol. 3, no. 6, 1983, pp. 1291-49. Sader, Eder. Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo (1970-1980). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. Lopes, José Sérgio. A tecelagem dos conflitos de classe na cidade das chaminés. São Paulo / Brasília: Marco Zero / CNPq, 1988.

Henrique Espada Lima – Professor Adjunto do Departamento de História da UFSC. Bolsista de Produtividade do CNPq.


LIMA, Henrique Espada. Apresentação. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.3, n. 6, jul. / dez., 2011. Acessar publicação original [DR]

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História e violência: discursos e identidades | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2011

Este número 11 da Revista da ANPHLAC traz o dossiê História e violência; discursos e identidades. O grande número de artigos recebidos e aprovados pela Revista por ocasião da chamada de trabalhos para o número 10 (no qual se publicou o dossiê Cultura e autoritarismo nas Américas) resultou na organização de um segundo dossiê, contendo seis artigos e uma resenha, todos relacionados a temas e fenômenos históricos do século XX, que aqui temos a satisfação de apresentar aos leitores.

Os dois artigos que abrem esse número tratam de temas nos quais a violência política figura como um dos principais componentes dos objetos analisados. Maria Valéria Galvan, em Cambios y continuidades en las representaciones actuales sobre Tacuara, explora as transformações ocorridas na memória social e na opinião pública acerca da organização nacionalista argentina Tacuara, abordando o período que se estende do início da década de 1960 ao começo do século XXI. A autora analisa as mudanças operadas também no discurso dos ex integrantes desse grupo de extrema direita, tomando como fontes depoimentos, produções audiovisuais e artigos da grande imprensa. A pesquisadora destaca a nova visão que emergiu sobre o grupo, no final dos anos 1990, considerando-o uma espécie de “escola de formação” da luta armada e até mesmo da militância de esquerda dos anos 1970. Leia Mais

Territorialidades, fronteiras e identidades na Amazônia legal / Escritas / 2010

Discutir a penetração, a colonização e o estabelecimento de fronteiras no Brasil é extremamente complexo, mas esta é a proposta desse Volume 2. A revista Escritas vai consolidando uma posição inovadora: trazer ao público uma coletânea heterogênea e representativa das pesquisas que estão sendo produzidas em todo pais sobre temas instigantes. Apesar da heterogeneidade há pontos de convergência e unicidade. Convergência não somente na temática no caso de Dossiê, mas também nas preocupações com os grupos sociais que penetraram lentamente nos recônditos mais distantes do Brasil.

Confluem em ritmos temporais que vão do século XVIII ao XX, nas preocupações do Estado em ocupar e governar o território continental do nosso país. Também manifesta unidade ao discutir as condições de vivência e sobrevivência das populações de fronteira, com a qualidade de vida desses povos fronteiriços, ainda na preocupação do Estado em constituir uma nacionalidade, uma cidadania brasileira. Essas discussões são indissociáveis – colonização, migração, disputadas interétnicas, confrontos político-partidários, identidade, nacionalidade e fronteiras. Elas fazem parte da construção da sociedade do Estado brasileiro desde o período colonial.

Há outras convergências. As fontes utilizadas pelos autores para a composição da Revista são variadas, mais há algumas que são comuns: jornais, entrevistas, atas das câmaras municipais, documentos escritos e orais, documentos formais e informais.

O Dossiê traz estudos fascinantes como o texto de João Bosco da Silva, Cotidiano de Ameríndios em Região de Fronteira no Final do Setecentos. O de André Luís dos Santos Freitas São José do Rio Negro e as Relações de Poder na Constituição do Império do Brasil – a Subtração de uma província analisa a complexa integração de São Jose do Rio Negro, na região amazônica, ao território brasileiro no período Imperial. O de Edson Machado Brito Clevelândia do Norte estuda a formação de um aldeamento indígena no Oiapoque, nos limites com a Guiana Francesa. Idelma Santiago da Silva em Migração como o mito fundador e outras metáforas: narrativas da colonização do sudeste do Pará, discute a migração e ocupação do sudeste do Pará. Seu enfoque concentra-se nas narrativas da colonização maranhense na região, discutindo a (re)invenção de territórios e as lutas sobre a representação de regionalização para compreender a “etinização de migrantes maranhenses”.

A Seção Livre traz ao conhecimento do leitor a discussão sobre a formação indentitária, indissociável, da colonização, penetração e fixação no território brasileiro, reflete sobre a organização político-partidária no Brasil que guardam vínculos com a dominação do território. Merece destaque na discussão sobre a formação da identidade nacional o texto de Loque Arcanjo Junior As Representações da Nacionalidade Musical nas Bachianas Brasileiras de Heitor Villa-Lobos, que funde história, música e literatura para compreender o ethos brasileiro. O texto estimulante de Priscila Dorella Obstáculos à Constituição de uma de uma Identidade Latino-americana no Brasil, em Sílvio Júlio de Albuquerque Lima discute o pensamento de Sílvio Júlio de Albuquerque Lima, com relação à integração dos países hispano-americanos.

Não é possível ficar indiferente ao texto de André Fertig Valentes vingadores da honra nacional que discute a atuação das guardas nacionais no Rio Grande do Sul oitocentistas durante a fase de consolidação do Estado brasileiro entre 1820 e 1840. No texto A Politica Tributária de Caio Prado Jr. na Constituinte Paulista Renata Bastos mostra uma faceta de atuação do Deputado constituinte Caio Prado Jr. na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, em 1947.

A análise historiográfica de Charles Sidarta Domingos no artigo A história da historia do fim do governo João Goulart, demonstra a importância de Goulart na formação do PTB. No texto de Arilson dos Santos Gomes Os partidos políticos e o Congresso Nacional Negro de Porto Alegre sinaliza que os partidos na época de Goulart se preocupavam intensamente com a ocupação da terra bem como sua distribuição social entre os membros da sociedade – brancos, negros e indígenas – em busca de uma sociedade justa e igualitária. Como se percebe a Seção Livre da Revista Escritas está repleta de estudos motivadores para o conhecimento da realidade econômica, político e social do Brasil. Fecha a Seção Livre as considerações de Luís Eduardo Bovolato sobre o saneamento básico e saúde na atualidade.

Compõe ainda esse Volume 2 a resenha crítica de Dagmar Manieri sobre a recente publicação do pesquisador Marcos E. de Araújo Clemente do Colegiado de História de Araguaína. Manieri oferece uma análise complexa e heterogênea da obra Lampiões acesos: o cangaço na memoria coletiva.

Creio que a Revista está recheada de questões, problemas, fontes e temas importantes para a compreensão dos Brasis com suas múltiplas fronteiras, territórios e identidades. Vale a pena ler a Revista Escritas desse ano. Boa leitura.

O Editor

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Mundos do Trabalho e Identidades / Locus – Revista de História / 2009

O Programa de Pós-Graduação em História e o Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora apresentam com satisfação a 28ª edição da Locus, correspondente ao Volume 15, Número 1 da revista. O temário escolhido para o dossiê presente neste número é Mundos do Trabalho e Identidades.

Os dois primeiros artigos do dossiê focalizam diferentes dimensões da legislação trabalhista e social brasileira. Em 1937: o Brasil, apesar do Fascismo: a legislação do Estado Novo e a do Fascismo italiano sobre o trabalho, o contrato coletivo e o salário, Mário Cleber Martins Lanna Junior põe em questão uma relação firmada na literatura sobre a legislação trabalhista, qual seja a suposta identidade com a Carta del Laboro fascista. O autor aponta as diferenças contextuais que envolvem o aparecimento das duas legislações, relacionadas ao estágio de desenvolvimento das duas sociedades, bem como as dessemelhanças dos próprios dispositivos legais, particularmente referidas às características do ordenamento corporativo aos quais se associam e ao caráter mais acentuadamente protetivo da CLT brasileira.

Em “Quem tem ofício tem Benefício”: Legislação protetiva na ótica sindical sob a República trabalhista, Valéria Lobo analisa a presença, na agenda sindical relativa à legislação social, durante a década de 1950 no Brasil, de formulações dirigidas aos excluídos do mercado formal de trabalho, inclusive os desempregados. Seu artigo observa que embora com pequena incidência, consoante com o predomínio dos mecanismos da cidadania regulada, que circunscrevia o acesso aos benefícios e serviços da política social brasileira no período, tais formulações dispõem de incidência crescente, revelando a elevação das preocupações do movimento sindical com os processos de exclusão que acompanham a trajetória capitalista brasileira.

Os três artigos que se seguem abordam dilemas associados à formação da identidade de trabalhadores ao final do século XIX, e início do século XX, com foco na imprensa operária e na composição étnica de contingentes diversos de trabalhadores.

Irmãos de arte: trabalho, identidade e imprensa em São Paulo no século XIX de Jefferson Cano, analisa o discurso de um jornal paulistano do século XIX, publicado por um grupo de tipógrafos. O artigo observa que o objetivo de construção de uma identidade operária, buscado pelo jornal, fracassa em função dos significados sociais do conceito de classe com o qual opera.

André Rosemberg apresenta-nos uma análise do Corpo Policial Permanente de São Paulo no final do Império. O artigo Para quando o calo aperta – os trabalhadores-policiais do Corpo Policial Permanente de São Paulo no final do Império salienta de que forma, ao final do século XIX, concomitante à ampliação da presença de imigrantes em território paulista, o corpo policial apresenta-se como uma alternativa de ocupação para uma importante parcela da população pobre, formada principalmente de homens, brasileiros e não-brancos.

Oswaldo Mário Serra Truzzi e Rogério da Palma realizam um levantamento do perfil étnico-racial e ocupacional das famílias que compunham a mão-de-obra dos latifúndios cafeeiros de São Carlos durante o início do século XX. O artigo Identidades e mercado de trabalho: uma análise do perfil étnico-racial e ocupacional dos latifúndios cafeeiros de São Carlos (1907) vale-se do recenseamento municipal realizado no ano de 1907 no município de São Carlos, São Paulo, para sugerir determinadas relações entre a conformação do mercado de trabalho e a (re)construção de identidades e de padrões de sociabilidade nesse contexto específico.

Mais três artigos discorrem sobre diferentes experiências de lutas e de sociabilidade entre trabalhadores de diversas regiões, períodos e categorias profissionais, no Brasil após 1930, considerando o impacto que produzem na formação de suas identidades.

Paula Garcia Schneider analisa os movimentos grevistas dos trabalhadores de Porto Alegre em 1945, reagindo à carestia que atingia a sociedade brasileira desde 1942. Seu artigo, Trabajadores, carestía de vida y huelga general. El caso de Porto Alegre en 1945, sugere que os dois processos têm peso importante na formação da classe trabalhadora gaúcha no período.

Juçara da Silva Barbosa de Mello analisa como o compartilhamento de valores solidários e certas experiências comuns participam na constituição da identidade dos trabalhadores têxteis numa pequena localidade no Rio de Janeiro entre 1930 e 1960. Seu artigo, Identidades operárias: hierarquias sócio- profissionais e valores solidários firmados a partir da centralidade do trabalho fabril, sustenta que os aspectos indicados acima não anulam, mas sobrepõem-se, à diversidade de posições ocupadas pelos trabalhadores no universo fabril e em seu cotidiano.

Memória(s) e Identidade(s) nos trilhos: História de Ferroviários brasileiros em tempos de neoliberalismo, de Andréa Casa Nova Maia, analisa como os ferroviários da Rede Ferroviária Federal S.A., entre os anos de 1957 e 1996, até os dias de hoje, em Minas Gerais, presenciam as mudanças e os novos desafios do capitalismo no século XXI. A partir das formulações de E.P. Thompson, discute, então, a luta por direitos e as formas de organização dos ferroviários mineiros no período indicado.

O dossiê proposto nesta revista completa-se com mais dois artigos que, embora não abordem temas diretamente vinculados aos mundos do trabalho, focalizam dilemas associados à formação de identidades entre imigrantes em duas situações diversas.

Em La Contruccíon de la Italianidad en Argentina (Luján, Provincia de Buenos Aires, 1870-1920), Dedier Norberto Marquiegui analisa os processos de formação de identidades entre os italianos na província argentina de Luján, num período de intenso fluxo imigrantista. O artigo focaliza a inserção social dos imigrantes, bem como o papel desempenhado pelas associações e elites italianas em tais processos.

Endrica Geraldo analisa a política repressiva contra os trabalhadores estrangeiros no Brasil durante o Estado Novo. Em O combate contra os “quistos étnicos”: identidade, assimilação e política imigratória no Estado Novo, observa que, no contexto da Segunda Guerra Mundial, os debates sobre assimilação e miscigenação seriam influenciados também pela classificação dos trabalhadores imigrantes como uma ameaça militar.

O presente volume conta, ainda, com o artigo Território da doença e da saúde: o Vale do Rio Doce frente ao panorama sanitário de Minas Gerais (1910-1950), de Jean Luiz Neves Abreu e Maria Terezinha Bretas Vilarino, que aborda a presença do Vale do Rio Doce no panorama sanitário de Minas Gerais entre as décadas de 1910 e 1950. A partir da análise da atuação do poder público na área da saúde em Minas Gerais, o artigo salienta como a região do Rio Doce se inseriu tardiamente no projeto do saneamento do Estado.

Esta edição da Locus encerra-se com a resenha de Claúdia Maria Ribeiro Viscardi sobre o livro de Allan Kidd initulado Society and the Poor in XIX Century. Em que pese ser uma publicação editada há mais de 10 anos, trata-se de uma obra virtualmente desconhecida do público brasileiro, que tem, portanto, uma oportunidade de estabelecer com ela um primeiro contato.

Ignacio José Godinho Delgado – Editor


DELGADO, Ignacio José Godinho. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.15, n.1, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Nações, Regiões, Identidades: possibilidades históricas e historiográficas / Aedos / 2009

Em sua terceira edição, Aedos apresenta o dossiê Nações, Regiões, Identidades: possibilidades históricas e historiográficas. Três artigos concentram-se em um dos temas mais polêmicos em discussão nos últimos anos, qual seja, o sentimento de pertencimento à nação e à região e a grande diversidade de interpretações desse fenômeno histórico. Mariana Thompson Flores, em “Visões da Cisplatina: a criação do Estado Oriental – por Lavalleja e Anônimo”, analisa dois relatos da Guerra da Cisplatina, discutindo memória e identidade e evidenciando duas abordagens sobre a emancipação política do Uruguai. Já Carolina Fernandes Calixto, no trabalho “O Brasil regional de Freyre e Amado: elos entre identidade nacional, história e literatura”, centra seu estudo nas obras literárias de dois intelectuais brasileiros, debatendo os ideários de nação e regionalismo, bem como sua proximidade às diretrizes políticas governamentais. Alexandre Piana Lemos encerra essa seção especial, percorrendo as obras de Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr. e Fernando Henrique Cardoso no artigo “A formação histórica brasileira: perspectivas marxistas” para analisar como a teoria social brasileira de inspiração marxista concebeu a formação social e o desenvolvimento da nação.

Entre os artigos que versam sobre assuntos variados, o leitor encontrará oito trabalhos. O artigo “Do Arquipélago ao Continente: estratégias de sobrevivência e ascensão social na inserção açoriana nos Campos de Viamão (séc. XVIII)”, de Adriano Comissoli, analisa as formas de inserção social dos açorianos imigrados para o sul do Brasil, destacando o funcionamento do mercado de terras e as estratégias de ascensão social baseadas no grupo familiar. O texto “Natureza, Ciência e Progresso: a natureza brasileira no debate letrado do IHGB (1839-1845)”, de Luiz Fernando Barbato, por sua vez, trata dos usos que os letrados oitocentistas do IHGB fizeram dos elementos das Ciências Naturais em seus discursos para, por exemplo, incentivar o desenvolvimento econômico e o povoamento do interior do Brasil, com o intuito de inseri-lo no rol dos países europeus considerados por eles como civilizados. Ao analisar a trajetória e relações de um dos líderes da Revolução Farroupilha no artigo “Tramados, Penas e Farrapos: mecanismos de articulação política através da trajetória de Domingos José de Almeida. (Rio Grande São Pedro, Século XIX)”, Carla Menegat pretende evidenciar as formas de organização e de participação política no momento do pós-independência no Brasil. Já Francivaldo Alves Nunes oferece-nos “Colonização agrícola e núcleos coloniais nas terras de florestas da Amazônia Oriental (Pará, século XIX)”, um texto no qual enfatiza as preocupações e os discursos do Império Brasileiro no estabelecimento de núcleos agrícolas nas áreas de floresta do estado do Pará. O trabalho do autor Juan Zeballos, “Racismo en Córdoba entre 1900 y 1915. La Continuidad.”, analisa práticas discursivas proferidas pela elite cordobesa na virada do século XIX para o XX. O objetivo de tal análise é perceber a racialização, a biologização e a inferiorização de minorias étnicas (indígenas e africanos) presentes em uma nação pretensamente branca. Através das manifestações racistas, Zeballos percebe a reivindicação empreendida por essa elite intelectual e política por uma sociedade organizada em castas característica do período colonial, em um importante contexto social e político de debates sobre cidadania. Thiago Mourelle nos apresenta o artigo “Pedro Ernesto Baptista: um projeto político inovador”, em que problematiza a historiografia sobre o populismo e o trabalhismo, investigando a trajetória do interventor e, depois, prefeito do Rio de Janeiro Pedro Ernesto Baptista durante a década de 1930, analisando os embates do referido governante com a política do início do governo Getúlio Vargas. Em seu artigo, “O crepúsculo da escravidão e a formação do mercado de trabalho livre no Brasil: as interpretações de Caio Prado Jr. e de Celso Furtado”, Ivan Colangelo Salomão realiza um breve estudo comparativo entre as teses de Celso Furtado e Caio Prado Junior com o objetivo de perceber as diferenças e semelhanças presentes nas obras de ambos os autores em relação ao duplo processo da abolição da escravidão e da formação do mercado de trabalho assalariado no contexto da história contemporânea do Brasil. Mergulhado na contemporaneidade, Róber Ávila fecha a seção com o trabalho “Fragilidade Hegemônica”, em que aborda o poder estadunidense e a noção de crise hegemônica. Segundo o autor há sinais de incompatibilidade entre o poder estadunidense e as circunstâncias contextuais verificadas.

Na seção Mesa Redonda, temos a satisfação de oferecer ao público o debate travado em torno do texto do norte-americano Joseph Younger, “Corredores de comércio e salas de justiça: lei, coerção e lealdade nas fronteiras do Rio da Prata” – publicado na primeira edição de Aedos – por três especialistas brasileiros: Fabrício Prado, Luiz Augusto Farinatti e Mariana Thompson Flores. Em seu comentário, Prado enfatiza os modos pelos quais, na transição entre a colônia e o estado-nação, a própria lei deve ser vista como um determinado tipo de coerção. Da mesma maneira, Flores e Farinatti chamam a atenção para os diversos debates historiográficos sobre o processo de asseguramento das lealdades nacionais no Prata no período imediatamente posterior às independências. A réplica de Younger, disponibilizada em português e em inglês, realiza um balanço das principais críticas feitas pelos comentadores, concordando com muitas das sugestões por eles realizadas, sem deixar, contudo, de expor algumas divergências.

Para dar continuidade ao propósito da seção, apresentamos o artigo de Keila Auxiliadora Carvalho, doutoranda da Universidade Federal Fluminense, “Tempo de Lembrar: as memórias dos portadores de lepra sobre o isolamento compulsório”, acerca do qual o público interessado poderá enviar comentários críticos para serem publicados na próxima edição de Aedos. Ao tomar como objeto de estudo pessoas com ranceníase isoladas na Colônia Santa Izabel, em Minas Gerais, o referido texto não apenas coloca em questão a visão da História Oral como procedimento técnico, mas problematiza conceitos como “memória” e “identidade”. Para além de divulgar o trabalho de Carvalho, o propósito de disponibilizá-lo na seção Mesa Redonda é o de proporcionar uma discussão franca e pública sobre as contribuições que ele traz para a historiografia.

Na seção de resenhas, Aedos proporciona a seus leitores a possibilidade de conhecer os minuciosos trabalhos de Ana Paula Pruner de Siqueira e Alejandra Noemí Ferreyra. Siqueira nos apresenta o livro Gerações de Cativeiro, de Ira Berlin, que, em sua síntese sobre a experiência escravista dos Estados Unidos, escrita a partir da leitura de recentes pesquisas historiográficas, foca o olhar na ação dos diversos sujeitos envolvidos no processo. Já Ferreyra resenha o livro Inmigración española, familia y movilidad social en la Argentina moderna, de Maria Liliana da Orden, que aborda a problemática da integração de imigrantes espanhóis na cidade de Mar Del Plata no início do século XX através da análise das redes sociais primárias.

Encerra o presente número a entrevista realizada com Sabina Loriga. A historiadora italiana da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) é entrevistada por Viviane Trindade Borges, respondendo a questões mais amplas sobre a “experiência institucional” através do exército piemontês do Antigo Regime.

Com o presente número, a Gestão 2008 / 2009 do Conselho Editorial de Aedos despede-se dos membros do Conselho Consultivo e dos leitores, agradecendo-lhes pelo sucesso das três primeiras edições da revista e desejando ao corpo de avaliadores e aos novos colegas que passam a integrar o Conselho Editorial que a continuação desse trabalho seja tão enriquecedora e prazerosa como foi para nós.

Conselho Editorial

Gestão 2008 / 2009


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.2, n.3, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Terra, Território e Identidades | Fronteiras – Revista de História I 2009

Anunciado no número anterior de “Fronteiras: Revista de História” como Dossiê sobre História Indígena, apresentamos aqui o Dossiê “Terra, Território e Identidades”, fazendo com isso jus às contribuições recebidas de pesquisadores e pesquisadoras do âmbito da História e da Antropologia do Brasil e do exterior. Como organizadoras desta publicação, sentimo-nos honradas em poder publicar trabalhos de qualidade que concretizam a trajetória de profissionais nas áreas da História Indígena, Comunidades Quilombolas, Movimento Sociais e Campesinato.

Da excelente Dissertação de Mestrado do historiador e indigenista Ivori Garlet, falecido precocemente em fevereiro de 2004, recebemos através da antropóloga e historiadora Valéria S. de Assis, o artigo “Desterritorialização e reterritorialização: a compreensão do território e da mobilidade Mbyá-Guarani através das fontes históricas”. A mobilidade “guarani”, sem especificação étnica, já foi estudada e avaliada por outros autores, como Bartomeu Melià (1988) e, para etnias específicas, como a apapokuva, por Kurt Unkel Nimuandaju ([1914] 1987). Ivori e Valéria o fazem para a etnia mbyá, trabalhando a partir de fontes primárias para a história mbyá, sem, no entanto, desconsiderar a historiografia disponível para situações análogas vividas por outros grupos tupi e guarani, assim como da etnografia dos grupos mbyá na década de noventa. Suas seguras indicações à situação dessas comunidades o atestam. Leia Mais

Identidades e conflitos no mundo antigo e mundo antigo e cultura moderna / História – Questões & Debates / 2008

É a própria alma que há que construir naquilo que se escreve;

todavia, tal como um homem traz no rosto a semelhança

natural com seus antepassados, assim é bom que se possa

aperceber naquilo que escreve a filiação dos pensamentos que ficam gravados na sua alma.

Foucault, “A escrita de si”, in: O que é um autor?,

Passagens, Lisboa, 1992, p. 144.

As últimas décadas do século XX foram marcadas por uma profunda revisão epistemológica nas Ciências Humanas, levando os estudiosos a reavaliarem seus valores e suas certezas. Considerando que a moderna ciência nasceu em meio à formação dos Estados nacionais e do colonialismo europeu, esses estudiosos chamaram a atenção para um aspecto pouco considerado até então: o modus operandi da construção de modelos interpretativos. Os estudos que se desenvolveram destacaram como os modelos interpretativos das Ciências Humanas estavam carregados de uma visão de mundo eurocêntrica, fundamentados na busca incessante pela verdade e pela legitimação de políticas de domínios territoriais.

As críticas que surgiram em meados da década de 1970, especialmente após os desconcertos causados pelas reflexões de Foucault [1], foram imprescindíveis para abrir caminhos para uma reflexão mais aprofundada ao fazer dos pesquisadores, bem como à formação de uma perspectiva analítica na qual a História passou a ser entendida como discursos específicos, embebidos das percepções de seu produtor. Ao retirar a História do campo da neutralidade e da objetividade, a base epistemológica dessa disciplina passou a ser repensada, proporcionando uma explosão de reflexões acerca da teoria para a produção de modelos interpretativos menos normativos acerca das relações humanas no passado.

A partir das discussões acirradas nesse novo contexto teóricometodológico, interpretações foram revistas e novas perspectivas de pesquisa foram criadas e, sem dúvida, provocaram profundas alterações sobre os estudos acerca do mundo antigo. As críticas de Said [2], já nos anos de 1970, por exemplo, fizeram com que repensássemos como o Oriente tem sido analisado pelo Ocidente. Martin Bernal [3], por sua vez, ao escrever Black Athena questionou a noção de que mundo antigo ficava congelado em um passado distante e imóvel, mas desenvolveu a idéia de que o passado Grecoromano ajudou a alicerçar pontes fundamentais para a construção das identidades dos Estados Nacionais modernos. Já Martin Millett [4], estudioso britânico, foi um dos primeiros a propor mudanças na maneira de entender o Império Romano e suas relações de domínio aos povos nativos, ao desconstruir o conceito de Romanização pela primeira vez.

Esses estudiosos, entre vários outros, fizeram com que as percepções acerca do passado antigo se tornassem mais dinâmicas e menos elitistas, abrindo espaço para novas maneiras de perceber os povos que viveram em períodos mais afastados historicamente, bem como despertaram o interesse para o fato de que, muitas vezes, nosso cotidiano está eivado de valores desses povos, reinterpretados a partir de nossas experiências modernas.

Foi pensando nesses dois vieses que organizei esse número duplo da Revista História: Questões & Debates e dividi os textos em dois grandes grupos. O número 48 traz contribuições para pensarmos temas que se desenvolveram a partir das revisões epistemológicas e da interdisciplinaridade que mencionei, indicando como Identidade e Conflitos são temas instigantes para pensarmos o passado Greco-romano. Por outro lado, o número 49 nos insere nas relações e constantes resignificações dos Antigos pelos Modernos, ou seja, como o mundo moderno se apropria do passado em múltiplos aspectos, transformando e recriando visões de mundo.

O leitor irá perceber que os textos selecionados mesclam especialistas e iniciantes, pesquisadores brasileiros e estrangeiros, indicando os frutos de experiências de orientação e diálogo que estudiosos brasileiros têm desenvolvido nos últimos anos. Para contemplar essas especificidades, procurei ordenar as reflexões de maneira que a multiplicidade de olhares sobre o mundo antigo possa ser explorada, estimulando uma reflexão sobre a importância de se pensar o mundo antigo oriental e ocidental nas suas diversas facetas.

Nesse sentido, o dossiê Identidades e Conflitos no Mundo Antigo conta com a participação de estudiosos do mundo grego e romano. Ana Teresa Marques Gonçalves e Marcelo Miguel de Souza interpretam Homero a partir de um diálogo entre Literatura, História e Música para analisar a relação entre os gregos e a musicalidade; José Geraldo Grillo recorre ao diálogo entre Arqueologia e História, enfocando a Ilíada e os vasos áticos, para estudar as múltiplas imagens de Aquiles e a relação dos gregos com a guerra; e Maria Aparecida de Oliveira Silva reinterpreta passagens de Plutarco para discorrer sobre a percepção de identidade helênica que esse escritor antigo constrói em seus textos. No que diz respeito ao mundo romano, Norma Musco Mendes e Airan dos Santos Borges nos apresentam uma instigante análise sobre o período republicano discutindo os calendários romanos, as percepções de tempo e etnicidade neles implícitos, enquanto Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni avançam para o período imperial analisando as relações de gênero e os conflitos inerentes à sociedade romana a partir de um episódio do Satyricon de Petrônio, conhecido como “Dama de Éfeso” e Lourdes Conde Feitosa recorre aos grafites de parede da cidade de Pompéia para estudar as percepções de sexualidade e afeto daqueles que viveram no início do Principado. No que tange a chamada Antiguidade Tardia, o exército romano é estudado a partir de diferentes prismas: Cláudio Carlan apresenta uma análise sobre as relações entre romanos e bárbaros a partir de moedas, enquanto Margarida Maria de Carvalho e suas orientandas Ana Carolina de Carvalho Viotti e Bruna Campos Gonçalves retomam Amiano Marcelino para discutir as múltiplas identidades presentes no exército romano. Por fim, Júlio César Magalhães nos leva ao Norte da África para discutir os conflitos religiosos, políticos e sociais na pequena cidade de Calama.

No que diz respeito ao Dossiê Mundo Antigo e Cultura Moderna, Adilton Luis Martins inaugura as reflexões com um texto sobre a importância de textos Greco-romanos para se delinear a epistemologia da História durante o século XVIII. Em seguida, busquei reunir os textos que discutiam as relações entre Oriente e Ocidente: Andréa Doré nos apresenta uma reflexão sobre como os povos antigos e, em especial os do oriente, aparecem n’A Divina Comédia de Dante; Nathalia Monseff Junqueira analisa a presença do Egito na obra Voyage en Égypte de Gustave Flaubert; Margaret Bakos e suas orientandas Ana Paula A. L. de Jesus e Karine Lima da Costa nos introduzem a uma reflexão sobre as apropriações de traços da cultura do Egito antigo, localizadas no mobiliário urbano, de países de fala espanhola e portuguesa na América do Sul e nas antigas metrópoles, compreendendo achados que englobam desde monumentos até textos de humor. Por fim, temos os trabalhos que apresentam a relação entre o mundo Greco-romano e o século XX: Rafael Faraco Benthien analisa essa relação a partir das obras de Marcel Proust; e Airton Pollini retoma o Satyricon de Petrônio a partir do filme realizado por Fellini no final dos anos 1960, analisando a relação que o diretor estabelece com as descobertas arqueológicas do período.

Para finalizar, o número duplo da Revista História: Questões & Debates conta com a seção Artigos, na qual temas diversificados sobre História do Brasil, ensino de História e Arqueologia são discutidos. Assim, Giselda Brito da Silva apresenta uma reflexão metodológica para o estudo da repressão política, analisando a documentação referente ao Integralismo em Pernambuco; Tiago de Melo Gomes propõe uma análise sobre a relação entre historiografia e prática de ensino no Brasil; Ariel Feldman trata da elaboração do discurso político no Brasil do oitocentos, analisando os escritos de Miguel do Sacramento Lopes Gama, publicados no jornal pernambucano O Carapuceiro, entre 1832 e 1833; e Mirian Liza Alves Forancelli Pacheco fecha a seção com uma discussão teórica sobre estilo em função na Arqueologia, concretizando a perspectiva dialógica e interdisciplinar inerente a esse número da Revista. Encerrando o trabalho, três resenhas são apresentadas comentando livros recentes sobre o mundo antigo, proporcionando uma breve discussão acerca da importância do constante diálogo com o passado clássico. Boa leitura a todos!

Notas

1. Cf., em especial, FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996; FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

2. SAID, E. O orientalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

3. BERNAL, M. Black Athena. The afroasiatic roots of Classical Civilization. New Brusnwick: Rutgers, 1987.

4. MILLETT, M. The Romanisation of Britain. An essay in archaeological interpretation, Cambridge, 1990.

Renata Senna Garraffoni – Organizadora.


GARRAFFONI, Renata Senna. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.48-49, n.1-2, 2008. Acessar publicação original [DR]

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Raça, genética, identidades e saúde / História, Ciências, Saúde – Manguinhos / 2005

Este número de História, Ciências, Saúde — Manguinhos é um dos mais densos que já produzimos. Além dos artigos submetidos à publicação, contém um interessante dossiê, na verdade dois: um sobre raça e genômica, organizado pelo sociólogo Marcos Chor Maio e pelo antropólogo Ricardo Ventura Santos, e outro, que alojamos na seção Debate, orquestrado por Luisa Massarani, tendo por tema a ciência, a tecnologia e os diálogos com os cidadãos.

Relembro um fato recente, dos mais controvertidos, que não deve ter passado desapercebido aos leitores: em junho, a imprensa noticiou a liberação, pela Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, de um medicamento contra a insuficiência cardíaca (BiDil) para ser usado por negros, ou ‘afro-descendentes’. Na história da medicina e farmácia, é o primeiro destinado especificamente a uma raça, com base no pressuposto de que seus indivíduos têm quantidades menores de óxido nítrico no organismo (“EUA estudam liberar droga só para negros”, Jornal da Ciência, 14.6.2005; “EUA aprovam droga específica para negros”, O Globo, 25.6.2005).

No cerne do dossiê apresentado neste número de História, Ciências, Saúde – Manguinhos estão as supostas relações entre raça e saúde, cada vez mais debatidas mundo afora e Brasil adentro – veja-se, por exemplo, o programa do Seminário Internacional sobre Raça, Sexualidade e Saúde realizado no Rio de Janeiro, em novembro de 2004 (disponível em www.clam.org.br).

Em “Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira”, Sergio D. J. Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, demonstra que a reduzida variabilidade genética da espécie humana é incompatível com a existência de raças como entidades biológicas e, portanto, cor ou ancestralidade geográfica pouco ou nada contribuem para a prática médica. A anemia falciforme, doença hereditária com maior prevalência na população negra, é analisada tanto por Pena como por Peter H. Fry, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor de “O significado da anemia falciforme no contexto da ‘política racial’ do governo brasileiro (1995-2004)”. Para o primeiro autor, esta e outras doenças supostamente ‘raciais’ são, na verdade, produtos de estratégias evolucionárias de populações expostas a agentes infecciosos específicos. Fry mostra que a anemia falciforme é objeto, no Brasil, de um discurso que conta com destacada participação de ativistas negros, e que constitui poderoso catalisador da naturalização da ‘raça negra’, em oposição à ‘raça branca’, num país que até recentemente se via como mestiço, biológica e culturalmente.

Josué Laguardia, médico epidemiologista, estuda a hipertensão arterial, outro caso em que se atribui papel causal tanto a fatores genéticos como à raça. O autor analisa os pressupostos que embasam os argumentos racializadores desta patologia, as hipóteses alternativas presentes na literatura científica e os aspectos éticos nela implicados.

A partir de pesquisa etnográfica com usuárias e profissionais envolvidos com as novas tecnologias reprodutivas, que permitem a procriação sem relação sexual, Naara Luna, antropóloga da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, discute as concepções de natureza humana implicadas na biologização e genetização do parentesco.

Dois estudos abrangentes e complementares de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz encerram o dossiê deste número de Manguinhos. No primeiro, Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura Santos analisam os debates motivados por estudos sobre o perfil genético da população brasileira, cuja interpretação mobiliza biólogos, sociólogos, movimentos sociais e outros atores. Além de mostrar as confluências entre antropologia, genética e sociedade no mundo atual, os autores examinam como o híbrido de novas tecnologias biológicas com velhas configurações ideológicas influencia as interpretações da realidade brasileira contemporânea. Em “Tempos de racialização”, Maio e Simone Monteiro detêm-se na ‘saúde da população negra’, campo de reflexão e intervenção política que se firmou entre 1996 e 2004: a postura ambivalente do governo Fernando Henrique Cardoso deu lugar, na presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, à expansão das políticas compensatórias, inclusive no âmbito da saúde pública, inflexão que os autores relacionam à Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, promovida pela ONU em Durban, África do Sul, em setembro de 2001.

Na seção Debate, a jornalista Luisa Massarani, do Centro de Estudos do Museu da Vida (Fiocruz), pôs, lado a lado, profissionais de grande competência a discutir a importância de se ampliar a participação do público não-especializado nas decisões concernentes a temas de ciência e tecnologia com impacto na sociedade. As experiências do Canadá, Chile, Reino Unido, – Argentina e Dinamarca – modelo internacional no tocante a mecanismos participativos nessa área – são dissecadas na entrevista com Lars Klüver, diretor do Conselho de Tecnologia da Dinamarca, e Edna F. Einsiedel, da University of Calgary, no Canadá, assim como nos textos de Tom Shakespeare, do Policy, Ethics and Life Sciences Research Institute; Alberto Pellegrini Filho, da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS); Ricardo Ferraro, da Universidad de Buenos Aires, Adriana J. Bacciadonne, do International Doorway to Education & Athletics e, ainda, Alberto Díaz, da Universidad Nacional de Quilmes (Argentina).

Outros materiais enfeixados neste número de História, Ciências, Saúde — Manguinhos chegaram a nós de forma espontânea, formando, naturalmente, um leque mais díspar de temas. Sergio Alarcon, da Secretaria Estadual de Ação Social do Rio de Janeiro, identifica distintas linhagens teóricas e práticas no âmbito da reforma psiquiátrica, e propõe um debate sobre as mudanças de estratégia para evitar que sofra retrocessos. Ricardo Waizbort, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz, analisa dois novos campos de conhecimento que integram ciências biológicas e sociais: a psicologia evolutiva procura compreender a mente humana como produto de processos biológicos e evolutivos, e a ainda incipiente memética trata as informações culturais e as tradições como complexos de idéias que usam os cérebros humanos para se reproduzir. Rita de Cássia Ramos Louzada, da Universidade Federal do Espírito Santo, e João Ferreira da Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, investigam a relação entre pós-graduação e trabalho através de observação participante e relatos de doutorandos de um curso de excelência na área de ciências da saúde. Por fim, Marcos Henrique Fernandes, Vera Maria da Rocha e Djanira Brasilino de Souza, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, investigam a concepção dos docentes do ensino fundamental sobre a saúde do escolar, bem como a formação desses profissionais no que se refere a esta temática.

As seções Fontes e Imagens reúnem materiais que se complementam: de um lado, o renomado “Chernoviz” e outros manuais de medicina popular no Império, trabalho de Maria Regina Cotrim Guimarães, da Universidade Federal Fluminense; de outro, Theodoro Peckolt, naturalista e farmacêutico alemão que deu contribuições decisivas para o desenvolvimento da fitoquímica no Brasil, como mostra o cuidadoso levantamento elaborado por Nadja Paraense dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Além de diversas resenhas de livros que certamente despertam o seu interesse, este número da revista traz ainda duas Notas de Pesquisa, o que nos alegra muito, porque essa é uma seção subutilizada, não obstante seu potencial como indutora ou valorizadora de projetos de pesquisa em andamento. Amílcar Davyt, Bernardo Borkenztain, Fernando Ferreira e Patrick Moyna, da Universidad de la República de Uruguay, nos falam sobre o desenvolvimento da química naquele país, a partir de um quadro de grande projeção neste campo do conhecimento, Giovanni Battista Marini Bettolo. Daniela Barros mostra como surgiram os estudos sobre imagem corporal e analisa as implicações fisiológicas e sociais desse conceito.

— “Raios me partam! Dentro em pouco vão me faltar forças para erguer tão polpudos volumes” — diz o leitor, de si para si. Eu próprio reconheço que me vejo em apuros para fazer caber tanta matéria na carta de editor, que já está longa demais.

Tranqüilize-se, leitor amigo. A partir de 2006, História, Ciências, Saúde — Manguinhos será trimestral e, assim, recuperará a elegância de formas que tinha à época em que as colaborações eram mais escassas.

Jaime L. Benchimol – Editor.


BENCHIMOL, Jaime Larry. Carta do Editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.12, n.1, jan./abr, 2005. Acessar publicação original [DR].

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Identidades – Alteridades / Revista Brasileira de História / 1999

Configurações identitárias abordadas em diversas perspectivas temáticas e metodológicas estão presentes nos artigos reunidos no dossiê Identidades / Alteridades, o qual, ao abrir este número da Revista Brasileira de História, traz aos leitores o primeiro resultado da atual gestão. Espaços e temporalidades diversos contribuem para tornar mais abrangente a configuração do conjunto de trabalhos que partilham reflexões voltadas para estudos de cultura, família e política.

A complexidade das relações entre cultura e identidade constitui a problemática dos artigos de Jaime Rodrigues, Paulo Koguruma e Maria Inês Machado Borges Pinto. O artigo de Jaime Rodrigues tem como eixo as relações sociais estabelecidas a bordo de navios negreiros destinados ao Brasil, nos séculos XVIII e XIX, evidenciando a constituição de identidades sociais a partir de elementos integrantes da chamada cultura marítima, aos quais agrega com destaque elementos constitutivos de hierarquias, disciplinas e rituais vigentes nas embarcações. Trata-se de uma abordagem de práticas e representações direcionadas para a garantia da sobrevivência no duro cotidiano do mar a que estavam sujeitos tanto a tripulação quanto os escravos submetidos a condições desumanas de vida, apoiada em diários de bordo, relatos de viajantes, processos de apreensão de embarcações negreiras e dicionários portugueses de marinharia.

Processos identitários urbanos constituem o objeto do artigo de Paulo Koguruma, construído a partir de narrativas de memorialistas, cronistas e viajantes sobre São Paulo nos anos finais do século XIX e início do XX. Diferentes ritmos sociais configuram especificidades da urbanização que resultou na construção de identidades plurais. As tensões entre formas complexas de sociabilidade foram abordadas de modo a colocar em evidência o cosmopolitismo no espaço urbano.

Maria Inês Machado Borges Pinto, por sua vez, retoma o tema no artigo que aborda a constituição de papéis femininos produzidos pela cultura de massas. Tendo como referencial o cinema, analisa representações da mulher referidas à modernidade em seus apelos de consumo e aparência, bem como à adoção de novos valores e atitudes.Seu oposto, a identidade feminina constituída a partir de referências ao lar, ao espaço da vida doméstica, adquire significado como objeto de contestação pelas películas veiculadoras de um novo discurso normativo.

O objetivo de pensar identidades no âmbito das relações de família aproxima os artigos de Maria Adenir Peraro e André Ricardo Pereira, possibilitando a compreensão de múltiplas redes de relações, representações, práticas a apropriações. Maria Adenir Peraro elege as relações de família para abordar o estatuto dos filhos ilegítimos em Cuiabá no século XIX; a organização de famílias alternativas ao modelo tradicional inspira reflexões acerca da universalidade da família patriarcal e seus desdobramentos em torno da questão da legitimidade, em suas especificidades referentes a Mato Grosso, numa análise que busca superar abordagens homogeneizadoras do social.

André Ricardo Pereira empreende, em estudo sobre a criança no Estado Novo, uma abordagem de processos identitários, ressaltando o político enquanto fator fundamental, tanto para a delimitação da infância, quanto para práticas e representações a ela relacionadas. Nesse intuito, analisa políticas de amparo à infância empreendidas pelo Departamento Nacional da Criança, ressaltando seu caráter assistencialista e seu fundamento manipulador de metáfora dualista excludente. O discurso médico que legitimou a ação governamental e as razões do pensamento autoritário são cotejados em análise minuciosa do programa de proteção materno-infantil.

A temática da história política presente nos artigos de Cássia Chrispiniano Adduci, Christian Laville e Fernando Kolleritz permite a compreensão de perspectivas múltiplas.Na temporalidade das últimas décadas do século XIX, Cássia Chrispiniano Adduci realizou um estudo historiográfico sobre dimensões do separatismo paulista, notadamente suas ligações com o republicanismo e as concepções escravistas, ressaltando assim dois eixos de fundamental importância na construção de suas peculiaridaes.

Christian Laville apresenta uma análise de questões referentes ao ensino de história. Seu referencial são as práticas escolares em diversas sociedades,em especial Estados Unidos e Canadá, tendo como base as relações entre a narrativa ensinada e projetos políticos centrados na constituição da nação como tarefa do Estado. Experiências diversas partilham o propósito de instrumentalização do ensino da história para a configuração de identidades.

O artigo de Fernando Kolleritz encerra o dossiê e coloca em discussão processos identitários forjados no interior de práticas políticas afeitas ao campo do socialismo, notadamente ao stalinismo. A análise de três autobiografias de intelectuais franceses situa face a face a identidade comunista e sua negativa, num confronto partilhado de atendimento a necessidades próprias do campo da subjetividade. Recoloca em cena, portanto, a cultura e as sociedades comunistas a partir da abordagem de um projeto de construção de um homem novo, em seus aspectos afetivo, moral e cognitivo, tratados em perspectiva da dialética indivíduo-sociedade na qual o cotidiano constitui aspecto decisivo.

A seção de artigos abre-se com o trabalho de Antonio V. P. Morás. Referido aos estudos de cultura, o artigo analisa a permanência de mitos celtas no folclore medieval, bem como a assimilação de seus temas e motivos pela cultura clerical a partir do século XII. As representações de mulheres como fadas e o universo feérico são por ele rastreados na literatura medieval, numa análise que aborda complexos míticos relacionados aos seus significados no mundo céltico, bem como as transformações neles operadas desde seu contato com a cultura clerical. Decodificações de significados são assim evidenciados em termos de permanência e atualização, relacionadas às condições sociais presentes numa dada produção cultural.

Política e educação às vésperas da República constituem o tema do artigo de Carlota Boto em sua análise da instrução pública como instrumento para a constituição da cidadania. A partir do pensamento pedagógico de Rui Barbosa, aborda o ideário liberal no âmbito da transição do Império à República, problematizando a emergência de uma preocupação democrática que não consegue mascarar o temor do voto popular, antes procura domesticá-lo mediante sustentação pedagógica. Ressalta o binômio democracia-educação presente nos debates políticos acerca do povo tutelado e da validade de escrutínios políticos.

A fotografia como documento para a escrita da história é valorizada por André Amaral de Toral, que realiza extensa cobertura de registros fotográficos da Guerra do Paraguai. A linguagem fotográfica e sua utilização específica no contexto da guerra são abordadas neste trabalho no sentido de evidenciar as cartes-de-visite que retratavam militares e cenas da frente de batalha. Além de analisar aspectos da composição fotográfica enquanto linguagem de comunicação, o autor ressalta o olhar dos fotógrafos sobre o conflito, humanizando o inimigo, registrando a crueldade e a carnificina. Valoriza assim o caráter de denúncia desses documentos e a sua eficácia em questionar os nacionalismos em luta.


Conselho editorial. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.19, n.38, 1999. Acessar publicação original [DR]

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