História Política | Revista Historiar | 2018

A política tem sido um dos temas mais emergentes do nosso tempo. Talvez o assunto nunca tenha sido tratado com tanto desprezo, banalidade, descrença. Mas se “política é a presença enérgica de cada pessoa na vida comunitária,”[1] “o que política quer dizer, não é neutro ou indiferente. Por isso é objeto de luta.”[2] O papel do cientista nesse campo de disputas é jogar luz sobre os mecanismos de dominação política, descontruindo discursos que ganham materialidade na imprensa, na memória e na cultura política.

Os partidos políticos são os mais atingidos, já que de acordo com René Rémond, se existe um tema essencialmente político, é o dos partidos. Para ele, a relação com o político está na sua essência, cuja formulação pede de maneira quase mecânica, o epíteto político. Ele ressalta que os partidos são políticos porque têm como finalidade, e seus membros como motivação, chegar ao poder. O mesmo não se pode dizer do fenômeno eleitoral, que apesar de se identificar com a política, tem outras aplicações além das políticas, diz Rémond.[3]

Numa conceituação mais superficial, partidos políticos são associações de indivíduos com a finalidade de disputar eleições e, por esse meio, colocarem os seus membros no poder. Mas, para Serge Berstein, o partido tem um significado mais profundo, é o lugar de mediação política,[4] e depois de nascido,

[…] o partido político torna-se um organismo vivo que tem sua existência própria e proporciona a si mesmo os meios de durar. Se ele é mais que um fogo de palha torna-se depositário de uma cultura política com a qual comungam seus membros e que dá origem a uma tradição muitas vezes transmitida através das gerações.[5]

O primeiro artigo trata de um período em que os partidos ainda não eram institucionalmente reconhecidos no Brasil, estando as disputas políticas circunscritas entre o poder régio e os grupos familiares locais. Em As disputas políticas na Ribeira do Acaraú em torno da morte e dos bens do Coronel Sebastião Pinheiro Raposo (1720- 1737), Raimundo Nonato Rodrigues de Souza e Adauto Neto Fonseca Duque analisam as contendas políticas em torno das mortes dos bandeirantes paulistas na serra da Ibiapaba no ano de 1720. Por meio de rica documentação, os autores trazem à luz como se davam as disputas entre as elites locais no início do setecentos, na capitania do Ceará, especialmente na ribeira do Acaraú, motivadas pelas disputas da terra, da mão de obra e da imposição do poder régio no controle dos sertões e de seus moradores.

Os partidos e as eleições ocupam a maioria das páginas deste dossiê. No texto – As experiências políticas dos partidos no Brasil oitocentista: uma proposta conceitual, Reginaldo Alves de Araújo introduz o assunto discutindo o conceito de partido político. Estudioso que tem se especializado na compreensão da cultura política cearense no século XIX, questiona se existe ou existiu partido político no Brasil, dadas as peculiaridades que caracterizam a cultura política brasileira.

Em Notas sobre um político integralista e sua adesão ao Partido Social Democrata (PSD) no interior do Ceará (1930-1945), Cintya Chaves e Willian J. Mello analisam as motivações do ex-integralista, figura proeminente na política cearense, Franklin Chaves, para adesão ao PSD e o envolvimento de eleitores e correligionários na sua escolha. Os autores problematizam as estratégias construídas por líderes e liderados para se adaptarem às mudanças conjunturais de modo a continuarem usufruindo do poder.

Ainda, dedicando-se ao interior cearense na década de 1940, Thiago Braga Teles da Rocha problematiza as eleições de 1947 em Sobral no artigo – “Repto o senador a provar as suas declarações”: as tensões no campo político sobralense a partir das eleições de 1947. Ao analisar os discursos publicados pela imprensa acerca das eleições de 1947, ele constata que as disputas políticas entre o bispo Dom José Tupinambá da Frota e o senador Plínio Pompeu de Saboia ganharam repercussão estadual e regional devido a influência política do senador, genro do juiz José Saboya, velho inimigo do bispo na política local.

Para entender os partidos políticos na vigência da ditadura, no artigo – Bipartidarismo no Ceará – o caso da ARENA na zona Norte (1966-1979), apresenta-se um estudo sobre os conflitos vivenciados pela referida agremiação partidária, que, embora tivesse hegemonia na zona norte como partido do governo, teve muita dificuldade de se consolidar, e é tratada com pouco prestígio pela memorialística.

No mesmo caminho, o texto – Cultura política, poder e relações de força: Chagas Vasconcelos e a oposição à ditadura no Ceará de Rafael Júnior dos Santos analisa as ambiguidades que marcaram a atuação do MDB, que se apresentava naquele contexto como partido de oposição. O autor se apropria da atuação política do emedebista Chagas Vasconcelos para discutir os embates e consensos que permearam a atuação do MDB na oposição à ditadura no Ceará.

A ditadura também é explorada por Airton de Farias no artigo – Ditadura civil-militar de 1964: a história em lutas. Ele expressa sua preocupação com o crescimento do número de apoiadores da ditadura de 1964 e critica os anacronismos que marcam as reconstruções da memória desse fato que minimizam os embates políticos da época, empobrecendo a compreensão desse danoso momento da história política brasileira.

Em A Justiça do Trabalho nos sombrios anos da ditadura e o trabalhador sindical, Daniella Queiroz Bertolani Carastan fecha o dossiê, refletindo sobre o retrocesso à vida dos trabalhadores naqueles tempos de exceção, que com o enfraquecimento / desmantelamento das organizações sindicais perdem direitos conquistados em longa história de luta.

Na seção de artigos que contempla temas livres, encontram-se dois textos. No primeiro, Religiosos no oriente sob o Padroado Português: os primeiros anos de missões na Índia (1499-1542) Felipe Borges, Célio Costa e Sezinando Menezes analisam as ações e o trabalho dos padres e irmãos religiosos vinculados ao Padroado Português na Índia, entre os anos de 1499 a 1542. Os autores objetivam compreender as relações desses religiosos, dando primazia aos jesuítas, com as populações locais e com os próprios portugueses.

No segundo texto, Raimundo Girão e a historiografia cearense de André Luiz de Paula e Fábio de Oliveira Matos, analisa-se a produção historiográfica do historiador Raimundo Girão, a partir de algumas de suas obras, além de outros autores que dialogam com ele, no período em que foi gestor público em Fortaleza, nos anos de 1930 até sua morte, em 1988. O estudo busca perceber as especificidades da sua produção, bem como suas realizações profissionais como historiador, atrelado à administração pública.

Que essas reflexões iluminem a compreensão do nosso tempo. Boa leitura!

Notas

1. CORTELLA, Mário Sérgio. Prefácio. In: BARROS FILHO, Clóvis de; GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo; MOSÉ, Viviane; LA ROCQUE, Eduarda. Política nós também sabemos fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 2018. p. 9.

2. BARROS FILHO, Clóvis de; GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo; MOSÉ, Viviane; LA ROCQUE, Eduarda. Política nós também sabemos fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 2018. p. 12

3. RÉMOND, René. Por uma História Política. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2003. p. 441

4. BERSTEIN, Sérgio. Os Partidos. In. RÉMOND, René. Por uma História Política. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2003.p. 62-63

5. Ibid p. 69

Edvanir Maia da Silveira – Professora Adjunta do curso de História da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA) e Pós- doutora em História UFC 2018. E-mail: [email protected]


SILVEIRA, Edvanir Maia da. Apresentação. Revista Historiar. Sobral, v. 10, n. 19, Jul. / Dez., 2018. Acessar publicação original [DR]

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