How the West came to rule: the geopolitical origins of capitalism | Alexander Anievas e Karem Nisancioglu

Infelizmente ainda não publicados no Brasil, os sociólogos Alexander Anievas (professor das universidades de Oxford e Connecticut) e Kerem Nisancioglu (professor da School of Oriental and African Studies da University of London) vêm construindo, nos circuitos acadêmicos da Inglaterra e dos EUA, uma consistente trajetória de pesquisas voltadas para a área das relações internacionais. Sua produção se destaca não apenas pela problematização consistente das teses mais conhecidas das perspectivas eurocêntricas e/ou neoliberais, mas especialmente pela reavaliação e contestação rigorosas de ortodoxias pertencentes à própria matriz teórica a que se filiam os autores: o marxismo.

Essas características se apresentam de maneira acentuada em sua última obra, How the West came to rule: the geopolitical origins of capitalism, publicada pela Pluto Press em 2015, em Londres. O objetivo central do livro é analisar como os povos não-europeus contribuíram para o desenvolvimento do modo de produção capitalista na Europa Ocidental e sua expansão planetária, por meio de uma perspectiva de long durée que tem como ponto de partida o fortalecimento do Império Mongol no século XIII e se encerra na Revolução Francesa de 1789, passando pela expansão do Império Otomano, pela chegada dos europeus à América, pelas chamadas revoluções burguesas clássicas e pela colonização holandesa no sudeste asiático. Anievas e Nisancioglu procuram mostrar como esses elementos aparentemente desconexos se inter-relacionam e formam processos nos quais os não-europeus aparecem não apenas como colonizados, mas como forças ativas e essenciais para a constituição da economia capitalista europeia.

Os autores partem do pressuposto de que é necessário levar em conta as dimensões internacionais e geopolíticas da origem do capitalismo para entendê-lo plenamente. É uma indicação aparentemente simples e óbvia, mas poucos estudiosos conseguiram apreendê-la, em grande medida porque o eurocentrismo implícito na maioria das análises estabelece uma ruptura ontológica entre a Europa Ocidental e os “outros”. Ao contrário do que se possa pensar, essa tendência também se apresenta nas análises de esquerda. Segundo Anievas e Nisancioglu (2015), podemos considerar a teorização da transição para o capitalismo dentro da tradição marxista em duas vertentes: os internalistas, representados por Maurice Dobb, Ellen Wood e Richard Bremmer; e os externalistas, dos quais se destacam Immanuel Wallerstein e Paul Sweezy. Os primeiros consideram o capitalismo como algo endógeno ao “Ocidente”, imanente apenas às contradições de classe no interior da Europa, com destaque para a Inglaterra; consequentemente, os povos não-europeus sequer aparecem em suas explicações. Para os segundos, o crescimento dos mercados na Europa a partir do século XVI foi a força motriz do novo modo de produção; por isso, embora os não-ocidentais estejam presentes nesse tipo de análise, geralmente são colocados em posição meramente passiva.

Contestando ambas as vertentes, Anievas e Nisancioglu apresentam a história do capitalismo como múltipla e polivalente, e mapeiam diversos processos de formações sociais não europeias que influenciaram decisivamente na gênese do capitalismo. Para tal empreitada, amparam-se em muitas das mais recentes pesquisas historiográficas e sociológicas, e utilizam como chave de reflexão o conceito de desenvolvimento desigual e combinado, elaborado pelo militante marxista russo Leon Trotsky no final da década de 1920, nas obras História da Revolução Russa e A revolução permanente. Tomando os devidos cuidados ao utilizar uma noção concebida em um contexto e com um objetivo diferentes dos de sua pesquisa, os autores destacam, por meio desse conceito, que múltiplas sociedades não coexistem lado a lado de forma hermética. Ao contrário, interagem e se influenciam mutuamente — em todas as dimensões, não apenas naquilo que costumamos chamar de “esfera econômica” —, o que necessariamente determina o desenvolvimento social e geopolítico coletivo, em graus variáveis. Dessa forma, são dispensadas quaisquer noções anti-históricas e lineares de sociedades “incompletas”, “desviantes” ou “aberrantes”.

Nesse sentido, o livro apresenta a análise do desenvolvimento de várias sociedades nas Américas, na região ocidental da África e na Ásia, sempre destacando como esses processos, em contato com os europeus, desencadearam mudanças profundas em uma Europa Ocidental que também passava por profundas metamorfoses internas. Os leitores e pesquisadores brasileiros têm acesso razoável a pesquisas sobre os povos americanos, as sociedades do oeste africano e os colonizadores europeus, todos ligados, a partir do século XVI, pelos circuitos comerciais do Atlântico. Também não é difícil encontrar material acerca da colonização europeia no sudeste asiático. Por isso, consideramos os capítulos que examinam como os impérios Mongol e Otomano influenciaram na gênese da sociedade do capital as partes mais interessantes e inovadoras do livro. Vejamos algumas das teses dos autores a esse respeito.

O Império Mongol surgiu no início do século XIII, quando o guerreiro Temudjin — que veio a ser conhecido como Gengis Khan (imperador universal) — conquistou e unificou as diversas tribos nômades da região da Mongólia. Os mongóis se organizavam em um nomadismo pastoril e, consequentemente, pelo baixo nível de forças produtivas, o que os levou a um excepcional desenvolvimento do militarismo (na tecnologia militar e nas elaborações estratégicas) como meio para anexar outros povos de quem extrair tributos. Entre 1210 e 1350, o Império Mongol unificou grande parte dos territórios da Eurásia, facilitando o contato entre as extremidades da Europa e da Ásia. Isso levou à intensificação dos intercâmbios mercantis e culturais entre essas regiões, em uma época em que as formações sociais do que hoje conhecemos como Europa não se destacavam por nenhum tipo de avanço tecnológico e comercial, e se beneficiaram de vários princípios de matemática, estratégia militar e navegação vindos da Ásia. Esse intercâmbio se dava por meio das rotas comerciais criadas pelos mongóis, com o objetivo de estabelecer comunicações entre seus súditos, separados por grandes espaços geográficos, e estimular o comércio de longa distância como um meio de aumentar a arrecadação de impostos. Na longa duração, o Império Mongol criou as condições para relações de interdependência social, material e cultural entre os povos da Eurásia, levou ao crescimento da divisão técnica do trabalho — algo essencial para o desenvolvimento das forças produtivas — e abriu mercados consumidores que incentivaram vários setores produtivos europeus, dos quais vale a pena citar a indústria têxtil dos Países Baixos. Quando o Império de desintegrou, os comerciantes europeus aproveitaram as rotas de comércio mongóis, facilitando a circulação de suas mercadorias (ANIEVAS, NISANCIOGLU, 2015).

O Império Otomano, presença e ameaça constantes nas portas da Cristandade desde o século XV, teve peso fundamental nas transformações geopolíticas da região do Mediterrâneo durante o século XVI. A conquista de Constantinopla em 1453 dificultou o intercâmbio comercial entre os europeus e os povos orientais, e estimulou os principais grupos mercantes (com destaque para os genoveses) a buscar novas rotas de comércio no Oceano Atlântico, colocando-se como importante elemento no contexto da chegada dos europeus à América. Além disso, com seus limites próximos a Viena, os otomanos foram um formidável rival para a dinastia europeia mais poderosa da época, os Habsburgo. As tensões entre Viena e Constantinopla contribuíram para o fracasso das pretensões imperiais dos Habsburgo, que, obrigados a concentrar forças a leste de seus domínios, deixaram de exercer sua força sobre o noroeste europeu — o que deu às classes dominantes dessa região margem de ação o suficiente para empreender um desenvolvimento no sentido capitalista. O sultanato fazia várias alianças comerciais e diplomáticas com outros governos europeus — como o francês, holandês e inglês —, que desejavam permanecer fora do alcance de Viena. Essas alianças integraram, no século XVII, a região do Levante às rotas atlânticas de comércio comandadas principalmente por ingleses e holandeses. As pressões exercidas pelo Império Otomano foram, portanto, importante elemento que levou à transferência da centralidade geopolítica do Mediterrâneo para o Atlântico, contribuindo assim para o que Marx chamava de acumulação primitiva de capital (ANIEVAS, NISANCIOGLU, 2015).

Por último, é importante notar que Anievas e Nisancioglu conseguem evitar, na medida do possível, um problema muito comum em análises com recortes temporais e geográficos muito amplos: a diluição da agência humana diante das chamadas estruturas sociais. O cuidado do livro quanto a essa questão fica claro em várias passagens, como, por exemplo, na análise dos danos causados pela Peste Negra na Europa. Diante dos altos níveis de mortalidade entre os camponeses, as classes dominantes procuraram intensificar a exploração do trabalho como uma forma de compensar a queda na produção. Todavia, fica muito claro no texto que o resultado dessa intenção foi determinado em grande parte não por movimentos econômicos abstratos, mas pelas lutas de resistência ao aumento da exploração, das quais a mais famosa talvez seja a Grande Jacquerie na França (ANIEVAS; NISANCIOGLU, 2015, p.115). Nas palavras dos próprios autores:

A ênfase colocada, neste trabalho, nas restrições estruturais e nas possibilidades criadas pelo desenvolvimento desigual e combinado […] não pretende apagar o papel crítico dos agentes humanos e sua práxis em processos de transformação social em larga escala. Muito pelo contrário: […] nosso propósito é fazer emergir a “história perdida” da multidão de processos agenciais que — sejam eles intencionais ou, como na maioria das vezes, não intencionais — levaram à ascensão das relações de produção capitalista no início do período moderno. (ANIEVAS, NISANCIOGLU, 2015, p.81)

Trata-se, enfim, de um trabalho de perspectiva inovadora, que oferece uma análise renovada das origens do capitalismo, abordando elementos que, via de regra, são esquecidos. Seu principal mérito reside na análise de long durée que consegue ultrapassar as representações sociais que criaram as figuras de Ocidente e Oriente como categorias imanentes ao mundo dos homens, radicalmente distintas e sempre opostas, com os “ocidentais” sempre no papel de protagonistas históricos, em contraste com a passividade e atraso dos “orientais”. Anievas e Nisancioglu oferecem, ao invés, a visão de vários povos distintos — mas não hierarquizados — em constante interação e transformação, graças a suas próprias ações. Dado seu escopo ambicioso, o livro se faz leitura de interesse não apenas para os interessados em uma revisão das análises marxistas do capitalismo, mas também para pesquisadores de todas as vertentes das áreas de História Moderna, Relações Internacionais e Economia Política.


Resenhista

Felipe Alexandre Silva de Souza Correio – Mestre em Ciências Sociais. Doutorando no Programa de Pós-graduação em História – Universidade Federal Fluminense – UFF/PPGH – Brasil. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

ANIEVAS, Alexander; NISANCIOGLU, Karem. How the West came to rule: the geopolitical origins of capitalism. London: Pluto Press, 2015. Resenha de: CORREIO, Felipe Alexandre Silva de Souza. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 12, n. 23, p.379-383, jan./jun. 2018. Acessar publicação original [DR]

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