Impressos periódicos: debates e perspectivas / Faces da História / 2014

O lançamento de uma revista é sempre um acontecimento auspicioso, tendo em vista a relevância assumida por esse tipo de veículo na divulgação dos resultados das pesquisas concluídas ou em curso. Faces da História apresenta-se com importante particularidade, pois se trata de publicação concebida e organizada sob a responsabilidade dos alunos de mestrado e doutorado em História, do curso de Pós-graduação da Unesp, campus de Assis. Retomam-se assim os fios da tradição instituída pela revista Pós-História, que circulou entre 1993 e 2006 e somou catorze números.

Atualmente, o Qualis da Capes determina, de maneira bem explícita, os quesitos mínimos para que uma publicação seja considerada científica, o que inclui editor responsável, conselho editorial e consultivo, com a devida afiliação institucional, ISSN, linha editorial explícita, normas de submissão, avaliação por pares, mínimo de catorze artigos para as de periodicidade anual, resumos e descritores em duas línguas, data de recebimento e aceitação de cada artigo, além do cumprimento rigoroso da regularidade das datas de publicação. Para a atribuição da qualificação em extratos, a esses critérios obrigatórios somam-se as indexações em bases de dados e o pertencimento a portais, o aporte financeiro de agências de fomento, a ausência de endogenia, a composição dos conselhos, frequência de publicação (anual, semestral quadrimestral), ao lado da necessária qualidade do que se estampa nas páginas – em outros termos, o reconhecimento da publicação pelos pares.

A simples enumeração bem evidencia que a fatura de uma revista acadêmica não é tarefa simples e o domínio de suas etapas, bem como o esforço em colocar-se nos extratos superiores, requer um saber específico e de grande valia para os profissionais da área, razão pela qual deve ser saudada a disposição dos alunos de assumirem tal empreitada.

O dossiê desse número inaugural é dedicado aos impressos periódicos, tipo de documentação que ocupa lugar de destaque nos trabalhos historiográficos contemporâneos, que elegem temáticas e orientações metodológicas diversificadas, aliás, como se verifica nos oito artigos aqui reunidos.

Para começar, a contribuição de Mauro César Silveira que, em perspectiva comparativa, analisa a imprensa no Cone Sul. Passa em revista aspectos da trajetória dos jornais na região com destaque para o grupo argentino Clarín, além de deter-se nos estudos recentes sobre os jornais e revistas levados a cabo nesses países, com seu novo rol de indagações e sugestões de abordagem.

O Rio de Janeiro do século XIX e suas revistas humorísticas são objeto de reflexão de Renan Rivaben Pereira, que fornece um panorama das principais publicações lançadas a partir de 1850, seus responsáveis, objetivos e fontes de inspiração. O autor detém-se de forma mais pormenorizada nos projetos de Henrique Fleiuss e Angelo Agostini, evidenciando as possibilidades analíticas e os debates suscitados pela Semana Ilustrada e Revista da Semana. Camila Soares López, por sua vez, apresenta a fervilhante vida intelectual da Paris de fins do século XIX que se tem a oportunidade de adentrar por meio do Mercure de France, periódico de destaque no cenário francês e a partir do qual se acompanham os debates literários e culturais daquele tempo.

No que respeita às questões de gênero, não restam dúvidas quanto à importância dos periódicos para revelar valores, hábitos e prescrições que cercavam as mulheres, como bem evidencia o artigo de Tânia Regina Zimmermann e Ana Carolina Oliveira Carlos, que retoma o jornal A Cruz, em circulação em Cuiabá entre os anos 1910 e 1915. O título do periódico explicita sua a vinculação com a Igreja Católica, cuja intenção era a de definir papéis bem claros e distintos para homens e mulheres, confinando às últimas ao espaço doméstico e às obrigações para com os filhos, o marido e o lar, tal como se observa no exemplo estudado.

A imprensa periódica é um produto híbrido, de caráter transnacional cujos modelos e gêneros circulam para além das fronteiras nacionais, aspecto patente nos artigos já citados, mas que se assume o centro da cena no texto de Flavio Ribeiro Francisco. Este trata das apropriações entre o jornal da imprensa negra paulista Clarim da alvorada (1924-1926) e o norte-americano Negro World, que divulgava as atividades políticas do líder radical negro Marcus Garvey, o que acabou por alterar a linha editorial inicialmente adotada e reservar outro lugar à África.

Em contexto e registro diversos, é também a questão da linha política adotada na contribuição de Raquel Oliveira Silva, cujo tema é o posicionamento da imprensa baiana durante a Segunda Guerra Mundial frente ao tenso desenrolar dos acontecimentos daqueles anos, registrado nos jornais do estado. Se, antes de 1942, era possível a circulação de um periódico simpático aos regimes totalitários, a exemplo do que se observava no Rio de Janeiro com o diário Meio Dia, de Joaquim Inojosa, a situação alterou-se em 1942, com a entrada para a ordem do dia do esforço de guerra e a presença marcante dos EUA e sua política da Boa Vizinhança, como se observa no exemplo apresentado.

É também o contexto político que pode impor a decisão de abandonar o país de nascimento e partir em busca de refúgio, a exemplo do ocorrido por conta dos regimes de exceção que assolaram a América Latina no século passado, que resultou numa efetiva diáspora. O artigo de Raphael Coelho Neto e Thiago Henrique O. Prates analisa duas revistas: Araucaria de Chile (1978-1990), fundada em Paris por exilados do regime de Pinochet, e Encuentro de la Cultura Cubana (1996-2006), com sede em Madri, criada por um polêmico dissidente do regime. Espaços de agregação e de debates de ideias, essas publicações resultam do engajamento em prol da alteração da ordem vigente.

Os primeiros anos da revista Annales são objeto de análise de Andrew Lima, que retoma o percurso dos fundadores, Lucien Febvre e Marc Bloch, mas também Paul Leuilliot, nem sempre devidamente mencionado. O autor acompanha a publicação, tão simbólica para os historiadores, até o início da direção de Fernand Braudel.

O dossiê encerra-se com a entrevista de Marie-Éve Thérenty, renomada estudiosa das relações entre literatura e imprensa, professora da Universidade de Montpellier III, que tem a oportunidade de discutir sua trajetória intelectual e os seus temas de pesquisa.

Assis, 22 de junho de 2014.

Tania Regina de Luca – Unesp / CNPq


LUCA, Tania Regina de. Apresentação. Faces da História, Assis, v.1, n.1, jan / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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