Introdução aos Estudos Culturais – MATTELART; NEVEU (PL)

Os franceses Armand Mattelart (professor de ciências da informação e da comunicação da Universidade Paris VIII) e Érik Neveu (professor de ciência política) se propõem em sua obra, Introdução aos Estudos Culturais a trazer o leitor ao cenário de discussão sobre os “Estudos Culturais”, analisando o conceito de cultura e suas diferenciações e transformações ocorridas desde a segunda metade do século XX até a atualidade. Considerada pelos franceses como “disciplina marginal”, uma vez que dissocia-se da análise da cultura letrada, os “Estudos Culturais” trazem uma proposta de visão crítica da cultura, percebida como instrumento de reorganização da sociedade. Para os autores: “(…) a questão central é compreender em que a cultura de um povo, e inicialmente, a das classes populares, funciona como contestação da ordem social ou, contraditoriamente, como modo de adesão às relações de poder” (MATTELART, 2004, p. 14).

A obra se divide em cinco capítulos. No primeiro capítulo, os escritores apresentam uma análise do surgimento dos “estudos culturais” na Inglaterra, como uma proposta ligada às ciências sociais, com um forte caráter interdisciplinar. Nesse mesmo contexto, amplia-se o território de suas pesquisas e seus pesquisadores iniciam um processo de reavaliação de suas temáticas e abordagens.

Ainda nesta seção, os escritores fazem um conjunto de resenhas dos principais estudiosos do período, responsáveis não só pela criação da nova disciplina, mas também por dar a ela seriedade e um caráter envolvido com as questões sociais vigentes. As contribuições de intelectuais como Arnolds, Morris, Carlyle, Leavis, Hoggart, Thompson, Williams e Hall são apresentadas aos leitores, não só do ponto de vista acadêmico, mas em termos de suas atividades nos movimentos sociais, sendo responsáveis pela emergência de uma tradição do pensamento humanista romântico, conhecido como “Cultura e Sociedade”, que criou as bases para o nascimento dos Estudos Culturais na Grã-Bretanha.

No segundo capítulo, é analisado o surgimento do CCCS (Centro de Estudos Culturais Contemporâneos) na Universidade de Birmingham na década de 1960 (1964) até os anos 1980, período de auge dos Estudos Culturais. Apesar de abordar as origens do CCCS como convergência de idéias e pesquisas, os autores apontam como característica primordial do centro o fato de abarcarem pesquisadores com: “(…) preocupações e referências heterogêneas (…)” (MATTELART, 2004, p. 55). O Centro vai ser, portanto, um grande laboratório de novas temáticas e pesquisas, “(…) uma rara combinação de comprometimento social e político e de ambição intelectual (…)” (MATTELART, 2004, p. 56).

No terceiro capítulo é analisada a chamada “virada etnográfica”, ocorrida a partir dos anos 80, com o enfoque dos pesquisadores às temáticas ligadas aos estudos de recepção da mídia, destacando os programas de televisão. Esta virada insere-se num contexto político de caráter conservador, com a chegada ao poder na Grã-Bretanha de Margareth Thatcher, como também do surgimento de uma nova geração de pesquisadores na Escola de Birmingham, dando lugar às novas temáticas e a uma consciência da necessidade de uma nova sensibilidade diante das mudanças.

O quarto capítulo vai examinar o processo de internacionalização e crise dos estudos culturais. A partir da década de 1980, ocorre uma expansão dos Estudos Culturais para fora da Grã-Bretanha. Porém, essa difusão trouxe aos “cultural studies” problemas como a perda de identidade, de rigor e fecundidade, ocasionando um momento de crise, a que estes estudiosos chamam de “efeito Babel”, com a hiperfragmentação dos estudos e suas temáticas.

No quinto e último capítulo são estudadas as possibilidades de renovação dos estudos culturais. Para Mattelart & Neveu, seria necessário aprofundar os estudos de recepção, explorando sua dinamicidade; perceber os estudos pós-coloniais como vasto campo de pesquisa; ampliar as inter-disciplinaridades. Eles criticam a preocupação com a chamada “banalidade das pequenas histórias” ou os estudos exaustivos de personalidades, como Madonna e Diana, algo considerado paradoxal, pois tais pesquisas deixaram de lado categorias de análise importantes como a indústria cultural e as políticas públicas, por exemplo.

Fica claro que a crítica atual se dá pela falta de consistência nos estudos apresentados, nos quais foram esquecidas questões essenciais, abordadas pela sociologia da cultura, pelas ciências políticas, pelas ciências da comunicação, mas que têm sido uma lacuna preocupante nos estudos culturais.

Devemos destacar o fato de que, apesar das dificuldades apontadas pelos autores para inserção da disciplina nos centros acadêmicos franceses, a própria publicação deste livro por intelectuais franceses, mesmo que em um trabalho de crítica, é um bom sintoma de que os Estudos Culturais encontram seu espaço.

Introdução aos Estudos Culturais possibilita, portanto, um exame detalhado desta disciplina, percebendo seu caráter interdisciplinar e dinâmico, porém percebendo que as fragmentações e a excessiva difusão dos estudos tornaram a disciplina, na maioria dos casos, cada vez mais indefinida e cercada de desconfiança pelos seus críticos contundentes, como ocorreu na França.

Embora os Estudos Culturais estejam longe de reviver seus tempos áureos, sua difusão é notória. Contudo, faz-se necessário rever os próprios conceitos, de modo a não se insistir num retorno às origens que jamais ocorrerá.

Andréa Patrícia Santos Melo –  Pós-graduanda em História Cultural pela Universidade Federal de Sergipe.

MATTELART, Armand; NEVEU, Érik. Introdução aos Estudos Culturais. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. Resenha de: MELO, Andréa Patrícia Santos. Introdução aos estudos culturais. Ponta de Lança, São Cristóvão v.1, n. 2, p. 137-139, abr. /out., 2008. Acessar publicação original [DR]

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