La biblia del proletariado: traductores y edictores de El capital en el mundo hispanohablante | Horacio Tarcus
Essas são algumas das questões que encontram respostas consubstanciadas no trabalho do historiador argentino Horacio Tarcus. Organizado em cinco capítulos, o livro trata especialmente das edições em espanhol, em particular as que ocorreram na Espanha e na Argentina. Uma das mais conhecidas dos leitores brasileiros é a que foi editada por Signos, na Argentina em 1971, com apresentação de José Aricó. Diz o autor: “es imposible separar la difusión española de la latino-americana”, ou seja, “antes que estamos en frente a una historia española o latino-americana, estamos ante un caso de historia transatlántica (TARCUS, 2018, p.39, grifo nosso). Apesar de Marx ter escrito o livro na Inglaterra, a primeira versão em inglês somente ocorreu em 1887. A primeira tradução de O Capital foi para o russo, em 1872, com 3.000 exemplares, projeto liderado pela juventude populista. German Lopatin, físico e matemático, conversou com Marx, diretamente, e garantiu uma publicação de qualidade. Dessa tradução participou Bakunin, que já havia traduzido para o russo o Manifesto Comunista. A segunda tradução foi a francesa, feita por outro editor libertário (Joseph Roy), c0m supervisão de Marx, que ajudou a simplificar o texto. Foi editada entre 1872 e 1875, teve 10.000 exemplares e prólogo de Marx:
Aplaudo la idea de publicar por entregas periódicas la traducción de Das Kapital. En esa forma la obra será más acesible a la clase obrera, consideración que para mi prevalece sobre cualquier otra. (TARCUS, 2018, p. 31)
A publicação de uma obra literária ou científica em partes era uma prática bastante comum até meados do século XX, seja em fascículos específicos e por encomendas, ou através de trechos em revistas e jornais, muitas vezes antecipando a edição da obra completa. A preocupação com as versões populares se mantém ao longo dos anos, desde a edição popular de Gabriel Deville, no século XIX, ou a de Wenceslau Roces, na década de 1930, na Espanha. Foi assim que, rapidamente, O Capital ficou conhecido como “a bíblia do proletariado”, expressão usada originalmente por Jean-Phillipe Backer, durante congresso da Primeira Internacional realizado em Bruxelas, em 1868.
Na trajetória de publicação de El capital encontram-se as chaves de vários desentendimentos conceituais que, até hoje, alimentam os debates no campo marxista. Tarcus analisa conceitos-, entre os quais mais valor e mais valia, modo de produção e/ou sistema de produção, cujas interpretações diversas repousam em diferentes traduções, gerando dissensos. Apresenta ainda a questão da participação de “coautores”, cuja presença na obra influenciou leituras diferentes dos escritos originais. Isso inclui desde “a interferência autorizada” de Engels até a versão preparada por Kautsky, que foi modificada pelo regime stalinista, em 1950. Tarcus assinala que as diferenças presentes nas versões e traduções têm sido alvo de reparação pela equipe do projeto MEGA, levado a cabo pelo Internationalen Marx-Engels Stitftung desde 1990, na tentativa de redimensionar o trabalho realizado anteriormente, em bases menos comprometidas com o stalinismo, a recuperação da complexa trajetória da obra escrita de Marx e de Engels.1
O título do livro alude não apenas à referência histórica, anteriormente citada, mas expressa ironicamente a crítica a perspectivas “ideologizadas”, que sacralizavam os escritos de Marx e pretendiam controlar as diferentes leituras e adequações de sua obra ao contexto contemporâneo. A forma pela qual o próprio Marx realizou seu trabalho expressa o quanto ele era ciente da complexidade de seu trabalho e ao mesmo tempo, sua auto-exigência no sentido de analisar com perfeição o Capital.
Trata-se de un autor-artesano siempre inconforme con los resultados de más de dos décadas de labor, que hace y rehace sucesivos borradores que luego desecha para volver a comenzar una nueva redacción, que pospone una y otra vez la entrega de los originales prometidos a sus editores. (TARCUS, 2018, p. 100)
Sobre o autor é importante destacar que desenvolve há décadas um sólido trabalho sobre a história do pensamento marxista na América Latina, tendo publicado vários livros sobre esse assunto. Além deste consistente trabalho, Tarcus é um dos idealizadores e coordenador do Centro de Documentación e Información sobre la cultura de las Izquierdas, em Buenos Aires, que contém um precioso acervo de materiais e documentos produzidos no âmbito do movimentos socialista na nossa região. Advém deste as ilustrações do livro, nas quais podemos apreciar as diferentes capas de praticamente todas as edições de O Capital referidas ao longo do livro.
Nota
1 MARXHAUSER, Thomas. História Crítica das Obras Completas de Marx e Engels (MEGA). Crítica Marxista 39, 2014, p. 95-104.
Resenhista
Carmen Susana Tornquist – Doutora em Antropologia e Mestre em Sociologia pela UFSC. Professora do Programa de Pós-graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Sócio Ambiental e do Departamento de Geografia da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. E-mail: [email protected]
Referências desta Resenha
TARCUS, Horacio. La biblia del proletariado: traductores y edictores de El capital en el mundo hispanohablante. Buenos Aires: Siglo Veinteuno, 2018. Resenha de: TORNQUIST, Carmen Susana. PerCursos. Florianópolis, v. 20, n. 44, p. 310 – 314, set./dez. 2019. Acessar publicação original [DR]