Lords of Finance: The Bankers Who Broke the World | Liaquat Ahamed

Durante a crise asiática, Liaquat Ahamed olhou com apreensão uma capa da revista Time com fotografias de autoridades econômicas com o título “o comitê para salvar o mundo”. Economista formado em Harvard e Cambridge, com longa carreira como banqueiro de investimentos, Ahamed pensou no fracasso dos titulares dos bancos centrais dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha em enfrentar a Grande Depressão da década de 1930. Do desconforto nasceu o excelente livro “Lords of Finance: The Bankers Who Broke the World”.

As biografias dos quatro protagonistas se entrelaçam com os dilemas de seus países. Montagu Norman, da Grã-Bretanha, era um aristocrata herói da guerra dos bôeres. Émile Moreau, da França, tecnocrata da prestigiosa Inspetoria de Finanças. Benjamin Strong, dos Estados Unidos, executivo de Wall Street que participara da organização tardia do Fed, após a sucessão de crises que afligiu “o primitivo, fragmentado e instável sistema bancário” (p.52) do país. O personagem mais interessante é Hjalmar Schacht, raro exemplo de self-made man da Alemanha imperial. Brilhante, mas de ambição desmedida, que o levou à aliança com os nazistas. O economista John Maynard Keynes foi o contraponto ao quarteto, na qualidade de intelectual em ascensão cujas opiniões críticas desafiavam a ortodoxia com a qual os banqueiros tentaram lidar com a Grande Depressão.

Ahamed começa a narrativa com a crise financeira decorrente da Primeira Guerra Mundial. O conflito causou sérios distúrbios ao comércio internacional e ao funcionamento das economias européias. Para financiar gastos militares, os governos recorreram a aumentos de impostos, empréstimos (“O mais pernicioso e insidioso legado econômico da guerra foi a montanha da dívida na Europa”, p.100) ou simplesmente emissão monetária. A inflação disparou: os preços se multiplicaram por dois na Grã-Bretanha, três na França e quatro na Alemanha, abrindo caminho à catastrófica hiperinflação da década de 1920.

Outro problema: as excessivas reparações que os vencedores impuseram à Alemanha no Tratado de Versalhes. A impossibilidade de honrá-las levou a uma série de conflitos políticos, como a ocupação francesa da Renânia, fomentando o extremismo político. Tentativas internacionais de limitar as reparações – os Planos Dawes (1924) e Young (1929) – tiveram impacto positivo, mas criaram na Alemanha uma perigosa dependência ao capital estrangeiro. A fonte secou após a quebra da bolsa de Nova York e o medo de novo colapso da economia contribuiu para a vitória de Hitler.

Um tema que perpassa a obra é a dificuldade das autoridades financeiras em se adaptar às novas realidades. Ahamed examina de maneira magistral como os esforços para retomar o padrão-ouro (símbolo de confiança e estabilidade) após a I Guerra Mundial resultaram em erros e problemas de coordenação internacional. Uma das melhores anedotas do livro é a bronca que o ator Charles Chaplin deu no então secretário do Tesouro britânico, Winston Churchill, pela decisão de retornar ao ouro com um câmbio sobrevalorizado.

Porém, Ahamed presta homenagem a Benjamin Strong, que “mais do que qualquer um, inventou o moderno banqueiro central” (p.171), criando diversos dos métodos usados para tentar estabilizar economias, e o fez no contexto de um Fed ainda bastante frágil, cindido por conflitos internos. A história sobre como Schacht derrotou a hiperinflação alemã, por meio da criação de uma moeda indexada (o Rentenmark) é bastante conhecida, e narrada com competência pelo autor, bem como o posterior serviço de Schacht sob os nazistas, no qual conseguiu conciliar o combate ao desemprego com controle da inflação, mesmo em meio à Grande Depressão.

Ahamed é crítico do modo fechado pelo qual os banqueiros centrais – “o clube mais exclusivo do mundo” – operavam, e de como seus procedimentos estavam cada vez mais fora de sintonia com as pressões democráticas por transparência e prestação de contas à opinião pública. Tais fracassos ficaram evidentes na incapacidade de prevenir a crise de 1929 e na absoluta desordem e falta de cooperação que se seguiu, com os EUA, cada vez mais isolacionistas, culminando na conferência de Londres (1931) que “provou ser um completo fiasco, o último daquela longa lista de cúpulas desastrosas que começaram em Paris em 1919” (p. 466).

Nesse sentido, Keynes é de fato o herói do livro, com sua atuação aberta por meio da imprensa e dos livros, construindo as idéias que resultaram na cúpula de Bretton Woods, em 1944, e na criação de instituições econômicas internacionais que colaboraram para a prosperidade sem precedentes do mundo do pós-guerra.


Resenhista

Maurício Santoro Rocha – Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ e Especialista em Políticas Públicas e Gestão. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

AHAMED, Liaquat. Lords of Finance: The Bankers Who Broke the World. Nova York: Penguin, 2009. Resenha de: ROCHA, Maurício Santoro. Meridiano 47, v.10, n.110, p.31-32, set. 2009. Acessar publicação original [DR]

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