Macroeconomia da Estagnação | Luiz Carlos Bresser

Luiz Carlos Bresser Pereira lançou neste ano, pela Editora 34, a obra Macroeconomia da Estagnação, que versa sobre a política macroeconômica vigente no Brasil desde a implantação do Plano Real. Com subtítulo de “Crítica da ortodoxia convencional no Brasil pós-1994”, a obra pretende engrossar o coro da chamada escola “novo-desenvolvimentista”.

A obra está dividida em onze capítulos; nos dois primeiros – “Quase-estagnação” e “Nação e desigualdade” – faz-se um balanço da economia brasileira desde os anos trinta, basicamente endossando as idéias já presentes em outras obras suas, comentando também o ambiente econômico recente. Os capítulos restantes formam densa análise de aspectos da política macroeconômica que constituem o eixo fundamental da discussão moderna. Comentemos alguns capítulos:

“Câmbio e poupança externa” aborda os motivos que têm levado à apreciação cambial no Brasil. Discute-se ali o que chama de “doença holandesa”: a permissividade à taxa de câmbio apreciada, quanto às exportações, pela presença de fatores compensatórios como a abundância de recursos naturais. A taxa de câmbio apreciada, resultado da mobilidade de capitais para os países periféricos, tende a apreciar a taxa de câmbio porque cada país “representa uma pequena parcela da economia mundial” (p.115). Além disso, ela interessa ao comércio dos países ricos e às empresas instaladas na periferia, já que convertem seus lucros em moeda local em relativamente mais dólares.

No capítulo “Taxas de juros”, pode-se ver toda a contundência de Bresser, que expressa sua independência intelectual e escrutínio certeiro na análise da dívida pública, mostrando que por detrás da suposta neutralidade da determinação da taxa de juros, há interesses econômicos bastante claros e específicos ao capital financeiro:

[…] parece claro que a ortodoxia convencional e os dirigentes econômicos no Banco Central e no Ministério da Fazenda não têm interesse em baixar a taxa de juros de curto prazo porque esta diminuição contraria diretamente os interesses dos rentistas e do setor financeiro, que lucram com os juros altos, e das empresas multinacionais e dos concorrentes estrangeiros, que se beneficiam do câmbio baixo (p.208).

O capítulo “Desequilíbrio fiscal” é possivelmente a melhor crítica feita sobre o problema fiscal brasileiro atual e pode ser tomado como ilustrativo da obra como um todo. Basicamente, explora-se o aparente paradoxo de os juros serem altos porque a dívida pública federal é alta, ao passo que a dívida é alta porque os juros são elevados. Bresser defende que a raiz dos altos juros pagos pelo Estado é de natureza política: o Estado foi captado pelos rentistas, para os quais a queda da taxa de juros significa uma perda de ganhos em relação ao “único agente que realmente deve no Brasil” (o Estado). Assim, a taxa de juros de curto prazo é a primeira responsável pelo desequilíbrio fiscal, e não os gastos correntes do governo, como querem os adeptos da “ortodoxia convencional”. De modo bastante inteligente, indica que “os custos das emendas parlamentares” e dos “escândalos políticos” são irrisórios quando comparados a esta captura em forma de rent seeking pelo Estado brasileiro.

Bresser realiza na obra uma notável junção de apontamentos brilhantes e grande conhecimento da macroeconomia, mas não escapa de um e outro comentário bisonho, ou de obviedades e noções distorcidas. Ora fala em “conversão das elites periféricas ao pensamento emanado de Washington”, ora em “perda da idéia de Nação” – como se por vezes fosse a burguesia brasileira não tivesse monopolizado sozinha o poder político e econômico no Brasil recente, dividindo o poder com os trabalhadores, que, em conjunto, por vezes “optam” por abandoná-lo em favor de interesses externos. Ora as elites se desfazem do nacionalismo, ora a suposta “Nação”. De fato, é estranho que escreva em termos de nação e país quando deveria falar de classes e a influência da classe dominante sobre a maioria. Ao mesmo tempo, a idéia de “perda da idéia de nação” pode dar a entender que não são fatores objetivos e históricos que explicam o modo de relação entre o centro e a periferia, mas sim fatores aleatórios, como um “esquecimento” disto ou daquilo. Neste sentido, é inevitável que a confusão descambe para obscuridades do tipo “será preciso que o Brasil volte a contar com uma Nação” (p.33).

Por sua vez, ao mencionar a potencial “ameaça” dos países de “renda média” aos países desenvolvidos, faz questão de ressaltar que fala dos países de renda média, “já que os países pobres não têm condições de competir com os países ricos” (p.18). É uma característica de Bresser que não haja um rigor de análise social e política similar à sua capacidade analítica da macroeconomia. Neste sentido, é inoperante o recurso constante à auto-citação. Ainda, Bresser retoma o velho comparativo das taxas de crescimento brasileiro com as do Japão e outras economias industrializadas, afirmando que “enquanto entre 1930 e 1980 nenhum país crescia mais rapidamente que o Brasil, desde 1980 ou 1994 é um dos países cuja economia menos cresce” (p.26). Neste saudosismo por uma industrialização que se revelaria inacabada e excludente, caberia então explicar – o que o autor não faz – que tipo de crescimento verificou-se durante este período, e porque ele não logrou colocar o Brasil dentre as economias desenvolvidas.

Porém, sejamos justos com Bresser. Ele tem a qualidade, por vezes rara entre os economistas, de explicitar o componente político na análise econômica, esclarecendo que a economia é uma ciência social. Assim, não obstante os quiproquós ressaltados, é capaz de ver como as elites periféricas acatam o pensamento vindo dos centros, adotando em seus países o papel de meros administradores dos interesses externos. Comentando a hegemonia da macroeconomia monetarista, escreve que…

“A retórica do pensamento hegemônico é sempre a retórica da racionalidade perfeita, da identificação dos seus postulados e conclusões com o bom senso, a objetividade científica e a moral vigente; é a retórica da única alternativa legítima. O pensamento hegemônico se vê como perfeito porque legitimado pela ciência econômica desenvolvida nas melhores universidades do mundo – as suas universidades – e porque todo império se vê como o portador do esclarecimento e da civilização, da paz e do progresso, da liberdade e da democracia (p.18).”

Não há espaço aqui para comentar a obra como um todo. O que se deve ressaltar é que se trata de um texto fundamental para o debate atual, pelo caráter crítico, de densidade, rigor e independência do pensamento de Bresser. Neste sentido, é uma contribuição verdadeira para o diálogo com os fundamentalistas do monetarismo, que ainda exercem influência direta nas esferas altas da administração do Estado.

Dois comentários técnicos finais: o nome de Michal Kalecki aparece grafado erroneamente várias vezes, como “Kalecky”. E se desconhece o que seria um imposto sobre a “expação” dos bens causadores da doença holandesa, à página 64.


Resenhista

Vitor Eduardo Schincariol – Mestre e Doutorando em História Econômica – Universidade de São Paulo. Professor da Ufscar.


Referências desta Resenha

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Macroeconomia da Estagnação. São Paulo: Editora 34, 2007. Resenha de: SCHINCARIOL, Vitor Eduardo. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 04, n. 09, p. 139-142, dezembro, 2007. Acessar publicação original [DR]

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