Mobilidade Social e Formação de Hierarquias | Revista Latino-Americana de História | 2014

Os artigos reunidos neste dossiê foram inicialmente selecionados para serem apresentados no Fórum de Pós-graduandos durante o Colóquio Internacional Mobilidade Social e formação de hierarquias: subsídios para a história da população, ocorrido nas dependências da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) entre os dias 28 e 30 de outubro de 2013. O evento foi uma iniciativa de pesquisadores vinculados ao Programa de Pós-graduação em História da UNISINOS (PPGH/UNISINOS) e ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS/UFRJ) e contou com diversos apoiadores: CAPES, CNPq, FAPERGS, GT População e História/ABEP, Grupo de Pesquisa CNPq Demografia & História e Grupo de Pesquisa CNPq Antigo Regime nos Trópicos.

Foram submetidos à Comissão científica do evento, trabalhos de pesquisadores brasileiros e argentinos vinculados a programas de pós-graduação em história de diferentes instituições: UNISINOS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal do Paraná (UFPR), UFRJ e Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires (UNCPBA).

Entre as motivações que deram origem ao Colóquio, destaca-se o interesse em renovar o diálogo entre a história demográfica e os demais campos historiográficos em um momento de renovação metodológica. A temática escolhida – mobilidade e hierarquias sociais – é um tema particularmente caro aos pesquisadores dos países sul-americanos interessados no seu complexo processo histórico e na sua heterogeneidade socioeconômica, política, cultural e étnica.

Nos trabalhos apresentados no Fórum de Pós-graduandos, tem-se contato com algumas das possibilidades de abordagem a respeito do tema proposto. Neste sentido, o objetivo de oportunizar um espaço para a integração dos estudantes de pós-graduação estrangeiros e de diferentes universidades brasileiras, foi plenamente atingido.

As comunicações que deram origem aos artigos aqui reunidos foram apresentadas em duas sessões simultâneas e contaram com dois comentadores em cada uma delas. O primeiro bloco de trabalhos foi comentado por Gabriel Santos Berute (PPGH/ UNISINOS/PDJ-CNPq) e Antônio Carlos Jucá de Sampaio (PPGHIS/UFRJ). Fábio Kühn, do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGH/UFRGS) e Martha Daisson Hameister, do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Paraná (PPGH/UFPR) comentaram o segundo bloco de comunicações.

O dossiê inicia com dois trabalhos que tratam da freguesia da Madre de Deus de Porto Alegre, na então capitania província do Rio Grande de São Pedro. No seu artigo, “Assim como vive o Rei, vivem os vassalos”: as práticas de Antigo Regime de Manoel José de Freitas Travassos na Madre de Deus de Porto Alegre, Denize Terezinha Leal Freitas (PPGH/UFRGS) analisou a atuação de uma importante figura da sociedade porto-alegrense do século XIX, em um contexto de transformação das características da sociedade de Antigo Regime.

Jonathan Fachini da Silva (PPGH/UNISINOS), aborda e desenvolve uma contribuição original para o estudo das crianças expostas no texto Os criadores de expostos nas hierarquias sociais do Antigo Regime: Freguesia Madre de Deus Porto Alegre (1772- 1822). O período analisado pelo autor anterior a criação da Roda dos expostos nas Santas Casas de Misericórdia. Além disso, destaca-se a participação das Câmaras de Vereadores na administração da criação destas crianças, o que incluía a designação das famílias receptoras e o pagamento de um salário para o sustento delas.

Em Capitães, comendadores e compadres de pardos, Jonas Moreira Vargas (PPGH/UFRGS) trata de aspectos de certa forma conhecidos sobre a elite rio-grandense dos séculos XVIII-XIX, tais como a origem mercantil dos investimentos utilizados na montagem do complexo charqueador, os vínculos de parte dos charqueadores com a atividade mercantil, os laços de parentesco existentes entre eles e a presença significativa de imigrantes minhotos. Todavia, merece destaque a qualidade e a profundidade com a qual o autor aborda estes aspectos e apresenta contribuições originais sobre os temas tratados. Observam-se ainda indícios de que não devemos negligenciar os vínculos existentes com a região nordeste do Brasil, apesar dos históricos e fortes laços sociais, políticos e econômicos que o Rio Grande de São Pedro mantinha com o Rio de Janeiro. Salvador e Recife também eram importantes mercados consumidores do charque rio-grandense e contribuíam para o equilíbrio da sua balança comercial. Sublinha-se, neste sentido, que mesmo após transferirem-se para o extremo sul, os charqueadores José Pinto Martins e seu sócio Ignácio José Bernardes mantiveram vínculos com aquela a região.

André do Nascimento Corrêa (PPGH/UNISINOS), ao analisar a estrutura de posse de escravos entre os produtores pecuários de Caçapava/RS, estabelece um profícuo debate com trabalhos de outros investigadores interessados na estrutura agrária de outras localidades do Rio Grande de São Pedro. A leitura de Criadores de gado vacum e seus escravos: a posse de escravos entre os pecuaristas (primeira metade do século XIX) permite perceber os traços estruturais de uma hierarquia existente na região abordada e fica-se instigado em conhecer de forma mais aprofundada e qualitativa a estratificação econômica e social existente entre os criadores da localidade de análise.

O tema relativo às populações indígenas também foi tratado no Fórum, a partir dos trabalhos de Leandro Goya Fontella (PPGHIS/UFRJ) e Max Roberto Pereira Ribeiro (PPGH/UNISINOS). Em Troncos missioneiros: guaranis e mobilidade social na região das Missões (Rio Grande de São Pedro, primeira metade do século XIX, notas de pesquisa), Fontella chama atenção e demonstra a inserção e mobilidade social dos guaranis no extremo sul da América portuguesa. Enfatiza-se a importância da atuação militar e dos laços de compadrio ascendentes e descendentes na mobilidade social dos guaranis demonstradas pelo autor. A trajetória do sargento Hilário Aray, assim como a do tenente José Patrício Ibamimby, aponta de forma mais detalhada para as possibilidades de mobilidade social observadas naquela sociedade.

No seu artigo Mestiçagem e os Regimes de Classificação da População nos Registros Batismais (Capela de Santa Maria, 1798-1834), Max Ribeiro, por sua vez, investe em um tema de grande importância e de difícil abordagem: as classificações e hierarquias de cor e condição social. O autor estabelece um diálogo qualificado com a historiografia referente ao tema e propõe uma contribuição original para a temática. Destaca-se a confrontação dos dados do Censo de 1872 e os registros batismais de Santa Maria.

Milagros Gallardo (Centro de EstudiosSociales de América Latina (CESAL/ UNCPBA) e Carina Martiny (PPGH/UFRGS), ao contrário dos demais artigos deste bloco avançam para as primeiras décadas do século XX. Em La movilidad del clero in migrante en el espacio diocesano de Córdoba 1877-1927, Gallardo chama a atenção para a inversão das expectativas em relação a figura idealizada do europeu e a valorização do clero nativo. Destaca-se igualmente, o envio dos clérigos estrangeiros para as “paróquias” mais modestas e as dificuldades que os estrangeiros enfrentavam para acessar postos mais elevados na hierarquia e carreiras eclesiásticas.

Encerrando o bloco temos o trabalho de Carina Martiny. Em Entre chefe e correligionários: negociação, hierarquia e mobilidade social na Primeira República (Rio Grande do Sul, 1889-1900), a autora aborda os primeiros anos da república no Rio Grande do Sul e as estratégias adotadas pelos correligionários do Partido Republicano Rio-grandense (PRR) para serem atendidos em suas demandas pelo líder republicano Júlio Prates de Castilhos e na busca por uma inserção privilegiada na hierarquia vigente na sociedade local. A autora nos leva a refletir a respeito das eventuais mudanças e permanências em relação ao período anterior ao abordado em sua investigação. Embora o a conjuntura abordada seja distinta daquela tratada na maior parte dos trabalhos apresentados, é possível identificar alguns traços de continuidade no que se refere à atuação dos personagens analisadas: a constituição das redes de poder e influência e as formas de construção de prestígio social.

O segundo bloco de artigos inicia com os trabalhos de Júlia Ribeiro Aguiar e Victor Luiz Alvares Oliveira, alunos de mestrado do PPGHIS/UFRJ. Em Por entre as frestas das normas: elites senhoriais e estratégias de ascendência social, Rio de Janeiro, séc. XVIII, tomando como fio condutor o caso do coronel Miguel Arias Maldonado, Júlia Aguiar investiga as alianças políticas e as redes clientelares envolvidas na formação e a reprodução das elites senhorias do Rio de Janeiro no século XVIII. Em Algumas notas sobre demografia e elites no recôncavo da Guanabara do século XVIII, o autor também volta-se para o tema das elites do período colonial no Brasil. Victor Oliveira toma como base informações pertinentes à população da freguesia de Jacarepaguá, no recôncavo do Rio de Janeiro, para refletir a respeito das relações estabelecidas entre a elite (destacadamente a família Sampaio e Almeida) e o restante da população da região, permeadas pela construção e manutenção do prestígio social daquele grupo social, bem como pelas formas de acesso à organização das atividades produtivas e econômicas na freguesia em questão.

Os demais trabalhos apresentados neste bloco trataram de temas relativos ao Rio Grande de São Pedro. A imigração italiana é o tema desenvolvido por Maíra Ines Vendrame (PPGH/UFSM), do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria. A autora chama a atenção para a importância das redes de relações sociais no processo de transferência e estabelecimento de dois imigrantes de diferentes ocupações no extremo sul do Brasil no final do século XIX.

O artigo seguinte é o Rachel dos Santos Marques (PPGH/UFPR), intitulado De Inácios e Antônios: práticas de nomeação e estratégias sociais de duas famílias de elite do Rio Grande de São Pedro (c. 1750 – c. 1820). A autora dedica-se a analisar práticas de nomeação de duas proeminentes famílias estabelecidas no sul do Rio Grande de São Pedro entre meados do século XVIII e as primeiras décadas do seguinte. Enfatiza-se o papel da transmissão do nome na manutenção de seus posicionamentos em uma hierarquia social marcada pelas características de uma sociedade definida como de Antigo Regime, bem como sua importância no exercício do poder e no desenvolvimento de suas atividades econômicas.

Finalmente, o dossiê encerra com a investigação de Ricardo Schmachtenberg (PPGH/UNISINOS). Em Aqueles que deveriam disciplinar a sociedade e normatizar o espaço urbano: o perfil dos juízes almotacés na vila de Rio Pardo, Província do Rio Grande de São Pedro, 1811 – 1828, Schmachtenberg insere-se nos estudos a respeito das redes de poder e das relações familiares envolvidas no acesso e a ocupação dos cargos nas câmaras municipais do Brasil. Seu foco são os chamados cargos de segundo escalão da Câmara de uma das principais localidades da província rio-grandense, a vila de Rio Pardo. Mais especificamente, o autor traçou o perfil dos ocupantes do cargo de juiz de almotacé nas primeiras décadas do século XIX e enfatizou o papel do exercício deste cargo nas relações de poder e na estratificação social daquela sociedade.

Como um dos comentadores do Fórum e organizador deste dossiê, faço votos de que os trabalhos que compõem este dossiê sirvam de incentivo para novas pesquisas e permitam o estabelecimento de um espaço de debate iniciado com o Colóquio Internacional Mobilidade Social e formação de hierarquias: subsídios para a história da população.


Organizador

Gabriel Santos Berute – Bolsista de pós-doutoramento do Programa de Pós-graduação em História da UNISINOS (PDJ-CNPq).

BERUTE Gabriel Santos (Org d), RLAH (RLd)


Referências desta apresentação

BERUTE, Gabriel Santos. Apresentação. Revista Latino-Americana de História. São Leopoldo, v.3, n.11, p. 4-8, 2014. Acessar publicação original [DR]

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