Museus, sujeitos e itinerários | Anais do Museu Histórico Nacional | 2018

O dossiê “Museus, sujeitos e itinerários” reúne estudos que investigam as relações entre sujeitos, seus itinerários biográficos e profissionais e os museus, especialmente em perspectiva histórica. Campo, intelectual, mediador e rede de sociabilidade são algumas das categorias operacionais utilizadas na bibliografia brasileira e internacional sobre museus e Museologia, oferecendo oportunidades de conhecer as ideias e práticas de indivíduos no âmbito da formação de coleções, do funcionamento dos museus e na conformação disciplinar da Museologia.

Naturalistas, artistas, historiadores, arquitetos, conservadores de museus, educadores, escritores, advogados, entre outros povoam esse universo no Brasil. Entretanto, alguns personagens são constantemente visitados pelos pesquisadores, a ponto de haver identificação entre as instituições museológicas e seus gestores. Isso decorre de uma história dos museus que privilegia a atuação de seus diretores, majoritariamente homens. E como é característico das operações da memória, na visibilidade de determinados sujeitos, outros são deixados na penumbra.

Portanto, este dossiê traz um duplo desafio: propor novas abordagens sobre personagens cujas atuações já foram investigadas; e dar visibilidade a sujeitos, homens, mulheres, LGBT+, ainda parcamente conhecidos no âmbito da Museologia e da história dos museus.

Abrem o dossiê dois artigos que miram um espaço de interações específicas vinculadas à Museologia e aos museus. Essa abordagem permite compreender, por um lado, a conformação de um campo particular de atuação e, por outro, a invisibilidade de profissionais que atuam em determinado ofício.

Assim, o artigo “O campo dos museus no Brasil: indícios das relações instituídas em meados do século XX”, de autoria das organizadoras deste número especial, propõe caracterizar a configuração de um campo dos museus no Brasil entre as décadas de 1930 e 1950. Nesse campo homens, mulheres e organizações compartilhavam um espaço de disputas e negociações relacionadas às questões museológicas, entre os quais foram identificados naturalistas, conservadores de museus, artistas, entre outros. Para as autoras, no contexto em estudo o conceito de campo apresentou-se como adequado para abordar processos marcados por relações entre inúmeros sujeitos, em vez de uma abordagem que privilegia a ação solitária de determinadas personalidades.

No mesmo sentido, o artigo “Sujeitos ocultos dos museus: os profissionais dos Laboratórios de Conservação e Restauração do Museu Imperial e do Museu de Astronomia e Ciências Afins”, de Marcus Granato, Eliane Marchesini Zanatta e Cláudia Penha dos Santos, aborda os profissionais vinculados a aspectos específicos da cadeia operatória museológica e que dividem um espaço de atuação relativo a práticas e saberes compartilhados. Como o título sugere, o estudo focaliza os profissionais ligados especialmente à conservação nos laboratórios do Museu Imperial e do Museu de Astronomia e Ciências Afins. Os autores almejam valorizar esses sujeitos invisíveis, por considerarem seus ofícios e atuação inestimáveis para a existência dos acervos e para o cumprimento da missão dos museus. Ao comparar dois museus com características diversas, os autores concluem que a “invisibilidade” desses profissionais se manifesta independentemente dessas diferenças.

Pesquisar o itinerário de determinados indivíduos implica no esforço de buscar e cruzar documentos e arquivos localizados em países diversos, como é o caso do artigo “Domingos Vandelli: mediador de dois mundos”, de Letícia Julião, Marta Eloísa Melgaço Neves e Verona Campos Segantini. As autoras analisam a trajetória de Domingos Vandelli, compreendendo-a como estruturante e referencial de práticas colecionistas engendradas no império luso-brasileiro. Por meio de uma mirada cruzada entre documentos provenientes do velho e do novo continente e ainda pouco explorados pela historiografia, as autoras propõem considerar Vandelli como mediador entre dois mundos, por ter proporcionado o intercâmbio entre o centro colecionador português e os domínios colonizados a serem explorados. No pensamento museológico do naturalista, a filosofia natural iluminista articulava-se ao projeto político pombalino.

Para além do período colonial, o desenvolvimento científico e a consolidação das instituições museológicas no Brasil foram marcados pela presença de inúmeros pesquisadores estrangeiros. Em “O legado de Betty Meggers na constituição de acervos museológicos no Brasil”, Camilo de Mello Vasconcellos e Mariana Moraes de Oliveira Sombrio lançam um olhar sobre as coleções reunidas pela arqueóloga norte-americana Betty Jane Meggers (1921-2012), provenientes das expedições arqueológicas realizadas por ela e seu esposo, Clifford Evans, na região do Baixo Amazonas, entre os anos de 1948 e 1949. Os autores analisam os critérios de divisão, documentação, organização e trabalho com essas coleções no Museu Nacional e no Museu Paraense Emílio Goeldi, e Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, vol. enfatizam os trânsitos, itinerários e relações envoltas na circulação desses objetos. A análise dos artefatos coletados por Meggers e Evans proporcionou interpretações sobre o modo de vida de grupos já extintos que habitaram a antiga Amazônia e continuam sendo referências fundamentais dos conhecimentos arqueológicos sobre a região.

O artigo de Vasconcellos e Sombrio também dá a ver a presença e atuação das mulheres nos museus, podendo ser inserido nas recentes abordagens com foco em relações de gênero na Museologia brasileira. Diferente de pesquisar as representações da mulher nas coleções, abordagem necessária para compreender o lugar da mulher na sociedade brasileira, neste dossiê as mulheres são consideradas protagonistas, seja como cientistas, seja como gestoras dos museus, e compartilham um espaço de interações predominantemente masculino.

Essa perspectiva é adotada por Ana Lúcia de Abreu Gomes e Maria Margaret Lopes no artigo “Agentes e agências na proteção do patrimônio antes do Patrimônio: Heloisa Alberto Torres e o Museu Nacional”, no qual abordam o protagonismo de Heloisa Alberto Torres, primeira mulher a ingressar como professora no Museu Nacional e a assumir a direção daquela instituição, cargo que ocupou entre 1938 e 1955. As autoras analisam a resposta de Heloisa Alberto Torres à consulta solicitada por Rodrigo Melo Franco sobre o anteprojeto elaborado por Mário de Andrade para a criação do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional (Span). Em carta 9 de maio de 1936, Heloisa expõe sua discordância em relação à proposta apresentada por desmembrar as coleções científicas do Museu Nacional, ameaçando sua integralidade. Para as autoras, compreender determinados itinerários biográficos exige conhecer as questões práticas das ações de homens e mulheres. Por outro lado, nas palavras de Gomes e Lopes “(…) retomar aqui o protagonismo de Heloisa Alberto Torres na construção do Sphan busca reforçar que também as construções sobre o patrimônio no país dependeram muito mais das ações, disputas e contradições entre diversos agentes e agências do que foram obras de algum homem-monumento”.

Além das mulheres, o dossiê abre espaço para a presença LGBT+ nos museus e na Museologia, por meio do artigo “Clóvis Bornay: memória de um centenário esquecido!”, de Ivan Coelho de Sá, Anna Laudicea Itaborai Echternacht e Raquel Villagrán Reimão Mello Seoane. Os autores procuram valorizar a memória do carnavalesco e museólogo Clóvis Bornay, explorando a contradição entre uma imagem pública perpetuada por intensa atuação no carnaval brasileiro e o apagamento de sua importante trajetória como museólogo. Além disso, os autores buscam valorizar a memória LGBT+ presente na Museologia e muito pouco conhecida.

Essa pequena amostra de estudos aqui apresentados sobre os sujeitos que habitaram e habitam nossos museus e a Museologia no Brasil não pretende constituir um inventário, nem esgotar as possibilidades de pesquisa. Ao contrário, almeja inspirar e suscitar novos olhares para documentos e museus constantemente visitados ou ainda a serem descobertos, a partir dos quais a ação de homens e mulheres possa ser conhecida.


Organizadores

Ana Carolina Gelmini de Faria – Graduada em Museologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Docente do curso de Museologia da UFRGS. E-mail: [email protected]

Zita Rosane Possamai – Graduada, mestre e doutora em História pela UFRGS. Docente do curso de Museologia, do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, todos da UFRGS. E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

FARIA, Ana Carolina Gelmini de; POSSAMAI, Zita Rosane. Apresentação. Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v.50, p.8-12, 2018. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.