Negotiating national identity: immigrants/ minorities/ and the strugle for ethnicity in Brazil | Jeffrey Lesser

Negotiating national identity é o mais recente livro de Jeffrey Lesser, historiador norte-americano que construiu uma justificada reputação como especialista no tema da imigração, ocorrida entre finais do século XIX e primeira metade do XX, para o Brasil. Nesse livro, Lesser examina como imigrantes não-europeus e seus descendentes negociaram publicamente suas identidades como brasileiros. Examinando suas posições, expressas em língua portuguesa, Lesser mostra de que maneira e com que objetivos esses imigrantes e seus descendentes debateram com políticos e intelectuais brasileiros.

Assim, os agentes engajados neste debate são lideranças políticas e intelectuais, tanto brasileiras quanto imigrantes, que se debruçaram sobre uma variedade de temas e problemas. Os primeiros perguntavam-se sobre o quanto era desejável a imigração de determinadas populações para o Brasil, refletiam sobre a capacidade de assimilar determinadas populações, julgavam-nas do ponto de vista de raça e civilização etc. Para os últimos, esteve em jogo a defesa de um lugar positivo para si na economia e na sociedade brasileiras, as reformulações das noções de “brasilidade”, a valorização dos laços, reais ou imaginários, estabelecidos com o Brasil etc.

A ligação que o autor estabelece entre estes diferentes temas de debate se justifica pelo fato de que neles colocava-se em questão o lugar que os imigrantes, com suas especificidades culturais e laços nacionais, poderiam ocupar na identidade nacional brasileira. Esse lugar era estabelecido tanto a partir do modo como os imigrantes eram classificados pelas elites nacionais, quanto pelo modo como estes reelaboravam aquelas classificações.

O livro possui um pequeno prefácio, onde é exposto seu objetivo central, e sete capítulos, de sugestivos títulos, alguns dos quais passo a comentar.

O primeiro capítulo, ‘The hidden hyphen’, funciona como uma espécie de introdução teórica onde o autor expõe seus objetivos mais gerais e explicita sua oposição a certas maneiras de conceber a relação entre identidade nacional e as diferenças culturais entre populações na sociedade brasileira.

O primeiro alvo da crítica do autor é a idéia de que a “mestiçagem”, entendida aí como fusão e eliminação das diferenças, teria produzido uma população culturalmente homogênea ou que, ao menos, se imagina como tal. Esta imagem do Brasil mestiço, construída pelo menos desde o século XIX e transformada em ideologia oficial na primeira metade do século XX, vem sendo alvo de críticas, desde a década de 1950, a partir de uma de suas fragilidades mais evidentes: a negação da presença do racismo na sociedade brasileira. E o conjunto de textos que Jeffrey Lesser dedicou à análise das representações e ações das elites brasileiras frente os imigrantes se inscreve nesta literatura crítica que tornou visível, no debate científico, o racismo no Brasil.

O segundo alvo, contudo, é um dos resultados deste percurso crítico, construído por um sem-número de cientistas sociais e militantes, sobretudo do movimento negro. O foco é um conjunto de textos, escritos nas décadas de 1970 e 1980, que, ao sublinharem o fato de que as vítimas mais visíveis e penalizadas do racismo no Brasil são os negros, acabaram por tematizar, de maneira quase exclusiva, a questão do racismo na sociedade brasileira em torno da idéia de um grande confronto que opõe dois segmentos extremos: negros e brancos. Esta idéia está claramente expressa na proliferação de títulos de obras científicas nos quais o binômio negro/branco aparece com destaque.

Segundo Lesser, esta literatura construiu a imagem de um “continuum bipolar” ao longo do qual o conjunto de populações intermediárias deveria se situar, ou ser situado. Em oposição a esta imagem, o autor explora a idéia de que existem inúmeras populações que não se classificam facilmente ao longo deste continuum, e que, ao contrário, se esforçaram por garantir a preservação das suas próprias identidades comunitárias. Este é o caso das populações oriundas da imigração para o Brasil entre 1850 e 1950.

E é no esforço por demonstrar, ao longo do livro, que estas populações operaram para preservar suas identidades comunitárias que Lesser mira seu terceiro alvo: a idéia de que as elites brasileiras foram capazes de transformar seu notório racismo em uma definição monolítica e efetivamente excludente do que significa ser “brasileiro”. O alvo aqui é a idéia de que efetivamente funcionou aquilo que alguns autores chamaram de “nacionalismo por exclusão”. Lesser, ao contrário, propõe que as representações das elites brasileiras eram bastante contraditórias no que diz respeito à classificação das populações imigradas. Mostra, ao mesmo tempo, que as lideranças comunitárias destas não eram passivas diante daquelas classificações acerca do nacional e dos imigrantes. Elas se envolviam no debate público e buscavam retrabalhar as representações mais esquemáticas produzidas pelas elites brasileiras de modo a construir e a legitimar representações positivas de suas comunidades, e do lugar destas comunidades na identidade nacional brasileira.

O livro é, em grande medida, dedicado à exposição deste embate de classificações que colocou em campos, nem sempre opostos, as elites brasileiras e as elites das comunidades nascidas da imigração.

Esta me parece ser a maior contribuição do presente texto: expor a complexidade do processo de construção das identidades coletivas das populações oriundas da imigração. Processo que supõe imposições, negociações, reelaborações e que, sobretudo, não termina jamais.

É neste capítulo que Lesser introduz o conceito de etnicidade para se referir aos mecanismos de construção e preservação de identidades coletivas postos em ação pelos imigrantes, ao mesmo tempo em que propõe que os embates em torno destas identidades são, ao mesmo tempo, embates sobre a identidade nacional brasileira. Assim, identidade nacional e identidade étnica interagem como num jogo de espelhos, que estes embates permitem revelar.

Contudo, é aqui também que se revela um dos limites da abordagem do autor, aquilo que vou chamar de “a obsessão pelo hífen”. Sua hipótese é que imigrantes e seus descendentes buscavam maximizar seus ganhos abraçando, ao mesmo tempo, “uma nacionalidade brasileira imaginada como uniforme e novas etnicidades pós-imigratórias”. Isto exigia o engajamento no debate público sobre o que significava ser brasileiro. E, segundo o autor, a solução encontrada para tornar possível esta dupla adesão identitária foi a constituição de identidades hifenizadas, onde estivessem presentes o étnico e o nacional, como se tornou corrente nos Estados Unidos. Para Lesser, os imigrantes entrados no Brasil formavam comunidades que possuíam identidades coletivas próprias, e que, sobretudo no caso dos imigrantes não-europeus, não podiam ser facilmente assimiladas pelas representações racistas a partir das quais as elites brasileiras definiam a identidade nacional. Assim, a solução destas comunidades teria sido produzir, através de mecanismos de negociação, identidades hifenizadas, tais como japonês-brasileiro, libanês-brasileiro etc. No entender de Lesser, este hífen seria intrínseco às identidades comunitárias imigrantes, e, nos dias de hoje, estaria sendo cada vez mais aceito no Brasil. O “hífen” de escondido passaria a ser cada vez mais explícito.

A tese agrada pela simplicidade, mas algumas perguntas podem ser colocadas: o esforço dos imigrantes por construir identidades coletivas esteve voltado exclusivamente, ou mesmo preferencialmente, para a articulação da sua origem nacional com o pertencimento à sociedade brasileira? E mesmo nos casos em que a resposta a esta pergunta é positiva, seria o “hífen” a única solução encontrada para a construção destas identidades étnicas?

Um dos problemas desta “obsessão” é que, mesmo o autor apresentando seus dados de forma rica e complexa, a tentativa de demonstrar a onipresença do “hífen” reduz a riqueza das conclusões que se poderia extrair desses dados trabalhados.

Porém, para que possamos desenvolver estas observações, é necessário que analisemos o modo pelo qual o autor procurou desenvolver seu ponto de vista ao longo do livro. Em virtude das limitações desta resenha, analisaremos mais detidamente três capítulos onde foram investigados os debates sobre três diferentes populações.

‘Chinese labor and the debate over ethnic integration’, segundo capítulo do livro, é dedicado ao debate que se desenrolou ao longo de todo o século XIX, concomitantemente ao processo de abolição da escravidão, sobre a possibilidade de imigração chinesa para o Brasil, enquanto alternativa ao trabalho escravo. Este debate, que culminou com a rejeição da imigração chinesa, transformando-a numa possibilidade jamais plenamente realizada, construiu um conjunto de referências negativas a partir do qual as elites brasileiras passaram a julgar os futuros imigrantes não-europeus.

Apesar de fracassada, a imigração chinesa chegou a ser objeto de negociação entre autoridades brasileiras e chinesas como parte de acordos mais gerais de comércio, nos quais o trabalho dos imigrantes seria mais um dos itens de troca – junto com o chá, o café, o tabaco etc. – entre os dois países. E assim como as brasileiras, as autoridades chinesas também se perguntavam se era desejável a emigração de seus súditos, isto porque acreditavam que o Brasil era um país selvagem. Eis um dos jogos de espelhos da imigração.

Sobre o lugar deste capítulo na argumentação do livro, há algumas considerações a fazer. A primeira delas diz respeito ao acerto do autor em articular em sua análise posições assumidas pelas elites brasileiras em relação a diferentes grupos de imigrantes. A importância desta démarche, que o autor vem colocando em prática no conjunto de suas pesquisas sobre imigração no Brasil, consiste no fato de que, efetivamente, as populações imigradas eram classificadas umas em relação às outras, de modo que as ações e representações sobre umas tinham impacto sobre as demais, o que torna algo artificial a prática de muitos pesquisadores de tomarem isoladamente as representações sobre tal e tal grupo de imigrantes.

Um segundo aspecto a se ressaltar é que, já a partir deste capítulo, o autor integra em sua análise uma dimensão primordial dos fenômenos imigratórios: a dimensão das relações internacionais. Afinal, nunca é demais lembrar que o destino dos imigrantes não se joga apenas nas suas ações individuais ou mesmo coletivas, ele é jogado também entre Estados que fazem do e/imigrante um objeto primordial das relações de força internacionais. E a análise de Lesser demonstra isso claramente, ao analisar, neste capítulo, as negociações entre diplomatas brasileiros, chineses, e até mesmo ingleses, as quais tiveram um grande peso na decisão sobre a vinda ou não dos imigrantes.

Um terceiro e último aspecto se revela no próprio título do capítulo: a idéia de que o debate sobre a imigração chinesa pode ser lido como um debate sobre a “integração étnica”. Uma vez que raça, cultura e nacionalidade freqüentemente se confundiam nos discursos da elite brasileira, o autor acredita que este debate revela o modo como as elites começaram a construir parâmetros para lidarem com a etnicidade das populações não-européias. Assim, termos como “inassimilável”, “degenerados”, “fusão”, “amalgamação” etc. traduziriam um certo padrão de atitudes diante da etnicidade destas populações.

Este argumento, me parece, tem um problema de origem: como falar de etnicidade chinesa se não existiam agentes que portassem esta identidade étnica no Brasil? Como falar de um debate sobre a integração étnica sem identificar as comunidades que se reconheciam e eram reconhecidas como portadoras de uma diferença étnica no Brasil e o modo como elas interagiam com as elites brasileiras? Afinal, etnicidade é um conceito que identifica identidades coletivas produzidas na interação entre populações, e não simplesmente a produção de representações sobre o Outro, seja real ou imaginário. Em vez de um confronto entre populações que se desejava “integrar”, encontramos neste debate algo mais parecido com representações que a elite brasileira produz sobre este Outro qualificado, que era o “amarelo” – termo pelo qual eram identificados os imigrantes orientais –, e através das quais falava-se de um Brasil que se imaginava construir. E se nestas representações, efetivamente, se confundem nacionalidade, raça e cultura, me parece delicado tentar englobar estes vários termos no conceito de etnicidade. O que é exposto aqui, na verdade, é um conjunto de representações com as quais as comunidades oriundas da imigração tiveram que lidar, mas a questão da etnicidade só vai ser realmente abordada nos capítulos seguintes.

Efetivamente, no terceiro capítulo, intitulado ‘Constructing ethnic space’, o autor se propõe a demonstrar “como imigrantes sírios e libaneses manipularam os discursos da elite sobre etnicidade para criar um espaço hifenizado para si próprios”.

O capítulo começa com a constatação de que, antes mesmo da chegada dos primeiros imigrantes de origem árabe, as elites brasileiras possuíam um “arquivo” preexistente de representações sobre o “árabe” que remontam à luta contra os “mouros” pela “reconquista ibérica”. Estes estereótipos, porém, não impediram a chegada de milhares destes imigrantes desde fins do século XIX até as primeiras três décadas do século XX.

Em contraposição à imigração européia, sírios e libaneses vinham por conta própria e trabalhavam autonomamente. Se concentraram no comércio e não na agricultura e ficaram fortemente associados à figura do mascate. Eram ao mesmo tempo insiders – a maioria era de cristãos – e outsiders – não eram considerados nem negros, nem brancos ou amarelos. Fisicamente indistinguíveis dos outros “brasileiros”, eles eram imaginados como exóticos e diferentes.

O momento em que o debate acerca da “assimilação”, não apenas destes imigrantes mas também de outros grupos, se inicia com força é a década de 1920. E isto não ocorre por acaso. Apesar do autor não explorar este dado em sua análise, a principal marca deste período é a guerra de 1914-18, que repercutiu pesadamente nos destinos dos imigrantes. Grande parte da literatura internacional sobre o tema mostra que, mais do que nunca, os imigrantes passaram a ser vistos, tanto por parte dos governos dos países de imigração quanto por parte dos países de emigração, como extensões dos Estados de que se originavam, logo como instrumento das lutas internacionais. Se a preocupação com a assimilação dos imigrantes, a preocupação em manter e romper laços entre populações e Estados nacionais não era nova, estes laços passaram a ser vistos como parte crucial de estratégias de luta e dominação entre potências.

Este contexto fortaleceu e incentivou, em todo o mundo, manifestações nacionalistas e xenófobas. O texto de Lesser nos mostra bem como, no Brasil, intensificou-se, neste período, o debate sobre a assimilação dos imigrantes, com ênfase no ataque àqueles sobre os quais recaíam as representações mais negativas, caso dos sírios, libaneses e japoneses.

Ocorre que, diferentemente do debate sobre a imigração chinesa, as lideranças comunitárias sírias, libanesas e japonesas tomaram parte ativa nesta discussão. Neste capítulo, dedicado aos imigrantes de origem árabe, Lesser mostra como, em 1922, suas lideranças aproveitaram as comemorações do centenário da independência, nas quais tomaram parte, para rechaçar as críticas que sofriam e lutar por sua inclusão nas definições de “brasilidade”.

Para isso, e aqui a idéia de “identidades negociadas” ganha sua melhor expressão no livro, estas lideranças produziram um discurso, que se revela em poemas, livros e até numa estátua, intitulada Amizade sírio-libanesa, oferecida como presente às comemorações da independência, no qual estabelecia-se uma relação de continuidade no tempo e no espaço entre brasileiros e sírios. Por meio de uma releitura da “história da civilização”, brasileiros e sírio-libaneses tornavam-se “irmãos”, e, na leitura de Lesser, as lideranças comunitárias legitimavam a etnicidade sírio-libanesa como parte da nacionalidade brasileira.

Um aspecto a ser criticado na argumentação de Lesser é o fato de que se ele é feliz em mostrar como estes imigrantes, que eram tratados pelas elites brasileiras como portadores de uma diferença intrínseca, se esforçaram por reconectar esta “diferença” ao “Brasil”, ele não mostra, em nenhum momento do texto, estes imigrantes usando explicitamente uma identidade hifenizada que articulasse estas identidades, como sírio-brasileiro, por exemplo. E o problema é que a autodefinição é um atributo fundamental da identidade étnica. Assim, é plenamente possível lermos o discurso das comemorações como construindo continuidades entre sírios e brasileiros, ao reduzir as “diferenças” entre ambos, mais do que como um movimento de justaposição de identidades rígidas.

No capítulo intitulado ‘Searching for a hyphen’, o autor examina a constituição das comunidades de imigrantes japoneses no Brasil e o modo como elas reagiram aos ataques xenófobos de uma parcela das elites brasileiras.

Segundo Lesser, diferente dos imigrantes de origem árabe que, por suas características físicas e culturais, podiam ser mais facilmente aceitos como “brasileiros”, os imigrantes japoneses possuíam uma “diferença” mais marcante e menos assimilável pelos padrões das elites brasileiras. A exposição do autor revela, porém, um outro elemento complicador na assimilação destes imigrantes. A imigração japonesa para o Brasil, iniciada em 1908 e tornada massiva nas décadas de 1920 e 1930, foi produto da combinação das necessidades brasileiras por imigrantes que suplementassem a entrada de imigrantes europeus, e da necessidade do governo japonês de buscar novos destinos para reduzir suas pressões demográficas – em 1907, o governo americano proibiu novas entradas massivas de imigrantes japoneses. Esta combinação de necessidades pôs em relação direta os governos dos dois países. Assim, desde seu começo, esta imigração foi mais obra de ações estatais, com o governo japonês pagando as passagens dos emigrantes, do que iniciativa individual ou comunitária, caso, por exemplo, dos imigrantes sírios.

Um outro dado enfatizado pelo autor é que os recém-chegados japoneses tinham por trás uma potência militar e econômica que fazia questão de manter seus laços com eles e que acompanhava, o mais de perto possível, o tratamento que lhes era dado no Brasil. Isto tornava os japoneses um alvo fácil para aqueles que argumentavam que os imigrantes eram instrumento das pretensões hegemônicas das potências imperialistas. Também por esta razão, a imigração japonesa foi mais visível e mais apaixonadamente discutida, em especial depois da Primeira Guerra Mundial.

Um dos aspectos desta presença do governo japonês foi o esforço por influenciar os rumos do debate sobre imigração japonesa no Brasil, agindo junto a parlamentares, intelectuais e jornalistas de modo a estimular a produção de visões positivas sobre o Japão e os japoneses. Tratou-se mesmo, em alguns casos, de sublinhar a proximidade entre Japão modernizado e civilização ocidental, de modo a reconfigurar os súditos japoneses como “brancos”. Esta ação encontrou terreno fértil em parte das elites que viam na imigração japonesa um “fator de progresso” para o país. Mas ao mesmo tempo, para aqueles que temiam a presença japonesa, esta ação foi vista como interferência na autonomia do país.

Na mesma direção, Lesser mostra que, quando fracassaram os primeiros contratos entre colonos japoneses e fazendeiros, representantes do governo japonês entraram em ação para buscar uma alternativa, que acabou sendo o estabelecimento de colônias de pequenos proprietários. Estas colônias obtiveram grande sucesso na produção de alimentos e foram responsáveis pela ascensão social dos imigrantes japoneses nos anos seguintes.

Na década de 1920, os japoneses formavam uma das mais volumosas correntes de imigrantes entrados no país e, graças ao sucesso dos empreendimentos coloniais, alcançavam uma maior visibilidade na sociedade e na economia brasileiras. Este é o momento em que se intensificam o discurso xenófobo, como no caso de outros grupos de imigrantes, e o debate sobre a assimilação dos imigrantes japoneses e de seus descendentes.

A meu ver, este é o mais importante debate sobre imigração no período. A análise deste debate que dividiu apaixonadamente as elites brasileiras, em geral ignorado pelos pesquisadores brasileiros, à exceção do livro fundamental de Valdemar Carneiro Leão, A crise da imigração japonesa para o Brasil, é mais uma das contribuições do livro de Jeffrey Lesser.

As estratégias que o governo japonês e as lideranças imigrantes usaram para tomar parte neste debate lembram aquelas utilizadas pelos demais grupos. Defendia-se, por exemplo, a idéia de um parentesco longínquo entre índios americanos e populações orientais, baseado nas similaridades físicas de ambos. Enfatizavam-se proximidades religiosas, argumentando-se que muitos dos imigrantes eram católicos. Jornais eram publicados em português e japonês. Mais importante ainda foi a divulgação dada aos casamentos exogâmicos dos imigrantes japoneses e à geração de filhos mestiços, o que comprovaria que os japoneses se miscigenavam com os brasileiros e descendentes de europeus.

Estas práticas configuravam, segundo Lesser, “esforços criativos para definir uma etnicidade nipo-brasileira”. Esta conclusão, assim como o título do capítulo, me parecem dificilmente sustentáveis pelos ricos dados expostos ao longo do livro. Afinal, a maior parte do texto é dedicada às ações do governo japonês, mais do que às ações da comunidade de imigrantes. O que nos coloca a questão: Quem estava em busca do hífen? O governo japonês? Neste caso, trata-se de identidade étnica ou do controle de um Estado sobre o destino de uma população a ele ligada? Em seguida, temos a ausência de qualquer referência explícita à expressão “nipo-brasileiro”, o que nos remete aos comentários já feitos a propósito dos imigrantes sírio-libaneses. Evidentemente, estamos diante de negociações identitárias, como no que diz respeito às práticas anteriormente citadas, através das quais tentava-se estabelecer continuidades imaginárias entre japoneses e brasileiros alargando o sentido da categoria “brasileiro”. De resto, o próprio nacionalismo das elites brasileiras tinha o mesmo objetivo de produzir uma comunidade imaginada, mas ao preço de excluir as populações imigradas.

Os dois capítulos seguintes, intitulados ‘Negotiations and new identities’ e ‘Turning japanese’, dedicados ainda à imigração japonesa, retomam algo deste estilo narrativo que combina a apresentação de uma realidade complexa de negociação de identidades com a tentativa de compreender estas negociações dentro do quadro conceitual, a meu ver limitado, das identidades étnicas hifenizadas.

E o limite desta abordagem é considerar as identidades não como artefatos simbólicos permanentemente reelaborados na interação entre os grupos sociais, interação que os institui como tais, mas como algo intrínseco à natureza de grupos que existiriam previamente à própria interação. É esta forma, algo reificadora, de pensar grupos e identidades, que faz com que a valiosa idéia de “negociação de identidades”, que é central à argumentação de Lesser, assuma, por vezes, a aparência de uma barganha entre grupos solidamente instituídos, imigrantes de um lado, nacionalistas do outro, que se esforçam por maximizar seus ganhos, sem que o confronto transforme, realmente, suas identidades e eles mesmos. Nesta visão, o hífen, por permitir um compromisso entre duas identidades solidamente construídas, nada mais é do que a expressão de uma barganha.

Contudo, é na bela conclusão do livro, intitulada ‘A sugestive epilogue’, que o autor retoma uma visão mais aberta e complexa deste processo de “negociação de identidades”, a altura dos embates descritos em seu livro. Ali ele se pergunta: a identidade nacional brasileira inclui aqueles que descendem de não-europeus? Para responder em seguida que, de certa forma, a resposta era afirmativa. Isto porque, frente a um discurso racista, porém contraditório e bastante flexível, defendido pelas elites brasileiras, os grupos de imigrantes e seus descendentes puseram em jogo suas próprias definições de “brasilidade”, definições estas suficientemente plásticas para conterem espaços para a valorização e afirmação de suas identidades e diferenças. Estes embates produziram o paradoxo de uma política imigratória concebida para reconstruir o Brasil como país homogeneamente branco e europeu e que, para desespero de alguns, gerou um país mais mestiço e ainda mais heterogêneo do ponto de vista cultural – um país “multicultural”, na definição de Lesser. Estes grupos de imigrantes foram capazes de introduzir questões ao debate sobre a identidade nacional que rompiam com a pretensão dogmática do discurso racista. Nas palavras do autor: “asiáticos e árabes são brancos? Podem muçulmanos tornarem-se católicos num golpe de pena? Se imigrantes japoneses e árabes são biologicamente descendentes dos ancestrais amazônicos, eles são mais brasileiros que os membros da elite? Na terra que é multicultural mas sem hífen, as negociações sobre a identidade nacional continuam.” Sem dúvida, continuam.


Resenhista

Jair Ramos – Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutorando em antropologia (PPGAS/Museu Nacional).


Referências desta Resenha

LESSER, Jeffrey. Negotiating national identity: immigrants, minorities, and the strugle for ethnicity in Brazil. Durham/Londres: Duke University Press, 1999. Resenha de: RAMOS, Jair. Afinal, o que é preciso para ser “brasileiro”? Leitura de um texto que fala sobre as lutas por esta e outras identidades. História, Ciência, Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro, v.7, n.1, mar./jun. 2000. Acessar publicação original [DR]

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