Norma Culta Brasileira: desatando alguns nós | C. A. Faraco

Este livro trata de questões relativas à norma linguística e de problemas derivados do conservadorismo exagerado, em relação à Língua Portuguesa, presente na cultura nacional. O autor destaca, de forma clara, que o ensino de língua materna não considera a diversidade linguística, pois, ainda hoje, a maioria dos educadores desprivilegia a existência de uma língua formada por várias normas, e assim tentam impor apenas uma como legítima. Este é o ponto de partida para a presente obra, pois nele, Faraco busca argumentar sobre a relevância de se repensar a língua e os preconceitos intrínsecos a ela. Para tal, o autor apresenta um feliz panorama que engloba desde questões referentes às distintas denominações existentes em relação ao português, como: norma culta, norma gramatical, gramática da língua culta, língua padrão, língua certa, língua cuidada e língua literária; até questões que envolvem o histórico da Gramática e a relação entre a variação linguística e a escola.

O estudo divide-se em cinco capítulos, nos quais, ao final, objetiva levar a um questionamento sobre a forma de ensino-aprendizagem da língua portuguesa presente no atual sistema de educação, e propõe uma pedagogia variacionista, na qual a língua é vista de forma heterogênea, que relaciona-se diretamente com questões culturais e políticas.

No Capítulo 1, Afinando Conceitos, o autor esclarece que os diferentes modos sociais de realizar grandes esquemas de relações da língua configuram-se em diferentes comunidades de fala, o que quer dizer que uma comunidade de fala não possui apenas uma norma, pois o fator contextual a determina. É importante esclarecer que Faraco faz uso do termo “norma” como uma maneira particular que cada comunidade usa a fala.

Desta forma, o autor mostra a necessidade indispensável de se distinguir norma culta falada de norma culta escrita, afirmando que a fala está bem mais próxima da linguagem urbana comum e que em uma situação monitorada, usa-se uma variedade escrita diferente da usada na fala.

No momento de tal distinção, o autor enfoca cuidadosamente que o adjetivo culto foi utilizado para definir uma das normas, dando origem a grandes preconceitos linguísticos que afetam profundamente a sociedade. Faraco aponta o efetivo limite do qualificativo culto, o qual refere-se a uma certa dimensão da cultura, isto é, à cultura escrita.

O autor apresenta sabiamente um tipo de norma que prevalece no discurso escolar, no senso comum e na mídia: a norma curta. Esta, que por sua vez, desqualifica o indivíduo por meio de um pequeno manual que separa o certo do errado, interpretando a língua como um sistema pronto, acabado e o que é ainda pior: invariável. Deste modo, entram o papel dos bons instrumentos normativos, que devem apresentar a diferença entre preferência e obrigatoriedade.

Durante o capítulo, o autor relata que as denominações das normas advêm da necessidade de se alcançar uma unidade linguística, devido ao grande caráter social da língua. Percebeu-se então que um padrão de língua seria um instrumento de política linguística capaz de amenizar uma diversidade linguística e social. Surge, então, a norma padrão. É relevante enfatizar que o autor, de maneira objetiva, distingue norma culta de norma padrão, sendo a primeira uma expressão viva de segmentos sociais (usada pelos letrados em práticas mais monitoradas de fala e escrita); e a segunda uma codificação abstrata, sendo que ambas se assemelham quanto aos usuários: pertencem a classes sociais privilegiadas.

Nos Capítulo 2 e 3, A Questão da Língua: Revisitando Alencar, Machado de Assis e Cercanias e A Questão Gramatical e o Ensino do Português, respectivamente, Faraco aponta ao leitor um ideal gramatical, que deve ser um equilibrado misto entre a norma-padrão (e seus caprichos) e as descrições sistemáticas da norma culta/comum/standard. O autor busca, então, explicações para o fosso existente entre a norma padrão e a norma culta/comum/standard. Para tal, ele recorre a dois fatores: primeiramente, o período pós- independência e segundo, a origem da gramática. A finalidade de se recorrer a esses dois fatores é a tentativa de explicitar que aquele fosso existente envolve não só preconceito linguístico, mas social e político.

Assim, o autor aponta que no período pós-independência, existiu a tentativa da elite letrada do Brasil em querer se espelhar em uma cultura superior, que era indício de civilização, os escritores portugueses. O objetivo era criar uma nação branca e europeizada, o que significava distanciar-se e diferenciar-se do vulgo (a população etnicamente mista e de ascendência africana).

O segundo fator apontado é a origem da gramática, cuja definição, como menciona Faraco, segundo Varrão, o primeiro criador da gramática latina, é “a arte de escrever e falar corretamente, e de compreender poetas”. O importante era imitar a língua dos autores clássicos, esse era o ideal linguístico das pessoas cultas.

O que se constata, então, é que desde os fins do século XIX, está difundida uma espécie de cultura que diz o que é errado na língua, sem nenhuma crítica, a norma curta, cujo modelo de língua é não só anacrônico, como excessivamente artificial.

No Capítulo 5, O Ensino de Português no Brasil: Alguns Paradoxos e Desafios, o autor chega a triste conclusão de que o modelo deu certo, pois arraigou o pensamento de que a língua “certa” é aquela que é falada e escrita segundo um modelo congelado e invariável no tempo, contribuindo assim, para o pensamento de que o falante não sabe falar a sua própria língua, apenas porque não segue tal modelo arcaico, por assim dizer, pois a gramática não considera o uso, mas escritores clássicos do passado.

O que se observa, então, é que, após a democratização do ensino, os alunos provenientes das classes mais desfavorecidas encontram na escola um modelo de língua distante do seu, e talvez aí esteja não só a causa do fracasso escolar, mas também a contribuição para que este mesmo aluno ache que realmente fala errado a língua que é sua por direito.

Assim, o trabalho de Carlos Alberto Faraco faz-se necessário aos profissionais da educação que ainda seguem o pensamento de que existe apenas uma norma certa e que desconsideram o que é, na realidade, variação linguística, e assim se tornem educadores mais conscientes para realizarem um trabalho na escola não pautado no preconceito, mas na valorização das diferenças.


Resenhistas

Débora Ribeiro de Almeida – Graduada em Letras (UFJF). E-mail: [email protected]

Julia Loures Nunes – Graduanda em Letras (UFJF). E-mail: [email protected]


Referências desta resenha

FARACO, C. A. Norma Culta Brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. Resenha de: ALMEIDA, Débora Ribeiro de; NUNES, Julia Loures. Revista Práticas de Linguagem. Juiz de Fora, v.2, n. 1, p.166-169, jan./ jul. 2012. Acessar publicação original [DR]

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