Nova história em perspectiva. Propostas e desdobramentos (v. 1) | Fernando A. Novais e Rogério Forastieri Silva

Pensar os caminhos e desdobramentos da Nova História, suas implicações teóricas em meio aos discursos dos historiadores e situá-la no contexto geral da historiografia são algumas das propostas que norteiam este denso e instigante trabalho.

Organizado por Fernando Novais e Rogério Forastieri da Silva, professores de brilhante trajetória em universidades como a Universidade de São Paulo, Instituto de Economia da Unicamp e participação internacional em universidades como Louvain, Coimbra e Lisboa, este vem a ser o primeiro volume de uma coletânea de dois volumes: o primeiro intitulado “Propostas e desdobramento” e o segundo “Debates”.

Dividido em 19 capítulos, o conjunto da obra apresenta uma antologia de ensaios, a maioria inéditos em português, que buscam debater os caminhos da Nova História desde o surgimento dos Annales e seus desdobramentos ao longo do século XX, em suas diversas fases, observando seus postulados, as críticas estabelecidas assim como se situa no interior da historiografia moderna. Por meio de uma densa introdução, os autores destacam como a Nova História apresenta-se como uma das principais tendências dominantes na historiografia moderna, destacando suas “temporalidades” e mesmo tensões no desenrolar do tempo. Ressaltam que a necessidade é examinar estas novas formulações e desdobramentos em meio à história geral da historiografia.

Desta forma, na busca de contribuir na construção desta “antologia” sobre a Nova História, dentro do que os autores pontuam como “escola” de grande influência no século XX, reúnem na primeira parte do trabalho um diálogo com autores que procuram apresentar as principais rupturas que esta nova abordagem histórica trouxe ante outras tendências consideradas pelos autores como “tradicionais”, elencando assim as principais diferenças teóricas e metodológicas no fazer da história. Destacam-se trabalhos como o de Pierre Nora, Jacques Le Goff, Fernad Braudel e Lucien Febvre, autor este que inaugura a obra com o texto “Contra o vento: manifesto dos novos Annales”, no qual se observa a defesa da necessidade de continuidade da revista no pós-Segunda Guerra Mundial. Publicado originalmente em 1952, em “Combats pour la histoire”, reflete como as transformações ocorridas no próprio desenvolvimento da revista ligam-se as da própria Ciências Sociais, pois “os annales mudam porque tudo muda ao redor deles: os homens, as coisas, em uma palavra, o mundo” (p. 76).

Este diálogo continua em foco com o texto de Braudel, em que a “longa duração” torna-se elemento central de sua análise. O autor pontua que para este diálogo das Ciências Sociais se tornar cada vez mais efetivo as dimensões da temporalidade são necessárias, para que o montante de novos conhecimentos que cada vez mais se apresentam em cena tornem-se convergência a uma ciência “totalizante”. Entre os embates que esta leitura pode trazer, destaca a figura de Claude Lévi-Strauss e a importância do autor ao levar a antropologia “estrutural” ao diálogo com elementos da Linguística, Economia, Política, o que é para o autor indispensável na construção metodológica das Ciências Sociais.

De relevância similar, dois últimos textos completam a primeira parte. Jacques Le Goff e Pierre Nora, em dois trabalhos clássicos publicados originalmente em “Faire de la historie”, de 1974 e “La Nouvelle Historie” de 1978, apresentam as possibilidades e caminhos abertos pelos campos da Nova História, elencando como por meio do recorte temporal do objeto de estudo, processa-se o fazer da pesquisa, revendo a aplicação do que seria a “totalidade” da história. Quase clamando para observarmos as possibilidades que se apresentam aos novos historiadores, os autores possuem a ambição de “esclarecer” questões e tensionamentos da história que está em construção. E é neste mesmo caminhar que Le Goff problematiza sobre a afirmação das ciências históricas junto à proposta da interdisciplinaridade e à renovação que perpassa o ensino e a pesquisa histórica. Qual o lugar da história? Como pensar a amplitude da documentação a partir desta nova relação que a história possui com as outras ciências sociais? Quais as tarefas da Nova História? São questões que abrem no desenvolver do capítulo.

Apresentado as possibilidades, ou como pontua o texto “propostas” da Nova História, os autores entrelaçam uma segunda parte dedicada aos desdobramentos inerentes deste novo olhar histórico, elencando as principais problemáticas que surgem, seu caráter multifacetário assim como a amplitude de instrumentos teóricos e metodológicos que agora norteiam o trabalho dos historiadores. Destaca uma refinada leitura sobre os diálogos que se construíram com as outras Ciências Sociais, que se tornaram instrumentos essenciais ao longo da construção da historiografia.

Neste ínterim, os autores destacam que a intenção é de observar como ao longo das três fases de desdobramento dos Annales apresentam-se novos pressupostos teóricos e metodológicos que caracterizam a Nova História, sendo compreendida como parte de uma série de transformações que culminaram em seu postulado. Tal fato fica evidente no capítulo de Stuart Clark, que destaca como trabalhos de Braudel, como “O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II” e de outros como Emmanuel Le Roy Ladurie e Le Goff trouxeram novas perspectivas para a construção e estabelecimento da Nova História.

Esta mesma contribuição pode ser observada no capítulo seguinte, no qual Emmanuel Le Roy Ladurie destaca a problemática do uso das novas tecnologias, suas tensões e transformações como instrumento e objeto de pesquisa na Nova História. Do mesmo autor, encontramos também um capítulo destinado à análise dos “chouans”, interessante construção sobre sociedades agrárias na França.

A história econômica e suas relações dentro da Nova História não são deixadas de lado pelos autores Pierre Chaunu e Maurice Aymard que estabelecem um balanço historiográfico dos limites e perigos traçados pelo pensamento econômico desde os anos 1930 até as novas possibilidades abertas no pós-1970. Publicado originalmente em 1978, em “La Nouvelle Historie”, Aymard destaca como, de maneira eficaz, a história econômica fez de sua posição secundária uma possibilidade de criar novas conjunturas de pesquisa e novas relações para além de esquematismos.

Em outro célebre artigo, Philippe Ariés destaca como a história das mentalidades ao longo de sua trajetória ganhou espaço notável para interpretação de transformações históricas e sociais. Ressalta como desde seu pioneirismo no pós-Primeira Guerra Mundial, com autores como Febvre e Bloch, passando pelas tensões com a história econômica, tornou-se fundante na “dilatação do território do historiador” e possibilitou ampliar a leitura de temporalidades históricas e relações sociais a um território onde tudo é perceptível pelo observador social, segundo o próprio autor.

As relações entre História e Antropologia ganham destaque com os trabalhos de André Burguière e Natali Zemon Davis, ponto fundamental para compreender como a Nova História está diretamente ligada às recentes transformações teóricas e metodológicas enriquecidas com os constantes contatos com a antropologia; pontuam que o trabalho com elementos como costumes, hábitos, gestos e mesmo o corpo conduzem a análises significativas para compreensão histórica de grupos e sociedades e, da mesma forma que o “etnólogo que utiliza a distância que percebe entre sua própria cultura e a de seu terreno de observação (…) o historiador pode tirar proveito para reencontrar os mecanismos que explicam uma dada conjuntura” (p. 304).

Os procedimentos, pistas ou como denomina Carlo Ginzburg, “evidências” apresentam-se como fundamentais para o trabalho do historiador e são foco de análise no capítulo 13. Na sequência, a historiografia estadunidense se apresenta com o trabalho das autoras Joyce Appleby, Lynn Hunt e Margaret Jacob, em um trabalho questionador sobre a objetividade no discurso histórico, elencando tensionamentos a partir da busca de uma verdade e as controvérsias na produção do conhecimento e de suas ligações a diferentes projetos históricos.

Em uma abordagem dedicada aos caminhos teóricos da Nova História, Massimo Mastrogregori realiza um balanço sobre a vitalidade dos Annales na historiografia e tenciona os escritos de Bloch e Febvre evocando a possibilidade de encontramos não uma, mas várias formulações teóricas e seus trabalhos. Nesta perspectiva teórica, Paul Veyne aborda os caminhos da cientificidade história e como esta se liga à noção de contextualização, culminando em uma interessante leitura para pensarmos sobre a construção da história.

E já em fins da obra, apresentam-se os trabalhos de Michel Vovelle e Hayden White que debatem, respectivamente, a noção de “longa duração” na obra de Braudel, destacando a concepção de tempo na longa duração e como os diferentes tempos históricos encontram-se presentes e, em segundo, por meio de um debate historiográfico como a narrativa encontra-se emaranhada em muitos trabalhos na contemporaneidade.

Enfim, os artigos apresentados na obra buscam, a partir de excelente aparato teórico, por meio de instigantes tencionamentos e problematizações, observadas até mesmo no apêndice que encerra a obra, de autoria de Harvey Robinson, evidenciar a necessidade da realização deste debate teórico, não para tomarmos como uma fundamentação fechada e acabada, mas para observação de suas transformações com a finalidade de repensar muitas das visões que se consolidaram sobre a construção da Nova História.


Resenhista

Andrey Minin Martin – Mestre em História pela UEM, Maringá/PR, Brasil. Doutorando em História pela Unesp, Assis/SP, Brasil. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

NOVAIS, Fernando A; SILVA, Rogério F. (Org.). Nova história em perspectiva. Propostas e desdobramentos (v. 1). São Paulo: Cosac Naify, 2011. Resenha de: MARTIN Andrey Minin. Diálogos. Maringá, v.16, n.3, p. 1289-1294, set./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]

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