O canal televisivo e as possíveis acomodações de sua taxonomia narrativa na ambiência constituída na Web: o caso da TV Câmara | Edleide E. F. Alves

A dissertação “O canal televisivo e as possíveis acomodações de sua taxonomia narrativa na ambiência constituída na Web: o caso da TV Câmara” consiste numa pesquisa, de Edleide Epaminondas de Freitas Alves, apresentada ao programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação da Universidade Católica de Brasília para obtenção do título de Mestre em Comunicação, sob orientação do prof. Dr. Alexandre Schirmer Kieling.

Diante do cenário de transformação que as mídias tradicionais e de massa vêm passando, em especial a TV, por conta da digitalização de seu conteúdo, impactando no modo de planejamento, produção e distribuição dessa mídia na web, a autora questiona: “Existe uma nova televisão?” Ou seja, “o texto televisivo, ao ser transmitido e consumido na web, sofre alterações significativas ao ponto de provocar uma ruptura paradigmática do meio?” (ALVES, 2013, p. 14).

Para isso, a autora põe-se a identificar as características distintivas da televisão, “com base na sua estrutura macronarrativa – conteúdo e expressão –, e o comportamento do texto quando disponibilizado para consumo na Web como componente de uma ambiência midiática, considerando as ofertas interativas e os processos de interação” (ALVES, 2013, p. 14), admitindo-se o conceito de midiosfera proposto por Kieling (2009). Põe-se, ainda, a identificar os diversos conceitos propostos à mídia televisiva e a analisar os conteúdos e a estrutura de produção da TV Câmara, com base no conceito de taxonomia narrativa proposto por Jiménez (1996).

Para responder à questão, a autora pressupõe três hipóteses, que são verificadas ao final da pesquisa. A primeira hipótese compreende a ambiência midiática na web. Nesse caso, considera-se que há uma intercontaminação entre um texto que é televisivo e um suporte de transmissão, que é a web. Dessa forma, a produção textual da TV seria direcionada a um novo modo de transmissão, a web. De outra parte, o suporte, nesse caso a internet, deveria se adequar à demanda de transmissão televisiva desenvolvendo recursos capazes de trafegar conteúdos próprios do canal televisivo.

A segunda hipótese compreende que técnica e sentido contaminam-se mutuamente. Ou seja, tanto o texto televisivo quanto o suporte, que é a web, são produtores de sentido. Logo, “a tecnologia não pode subsumir com o sentido da comunicação” (ALVES, 2013, p. 15).

A terceira hipótese considera que “possíveis ajustes, se efetivamente verificáveis em relação ao texto televisivo para o consumo na web, tenderiam a modificar características que são pilares da televisão em sua concepção original, quais sejam as formas de produção, transmissão e consumo” (ALVES, 2013, p. 15).

Segundo a autora:

Nesse caso, dentre as variações de formato, poderíamos aferir pistas de uma ruptura do paradigma da TV de fluxo contínuo e amplitude de recepção. Lembremos que, mesmo com programações segmentadas, a menor audiência em TV ainda pode ser considerada como sendo de massa, e na web, a priori, sabe-se que a própria tecnologia de suporte modifica essa característica, já que aqui as condições de transmissão limitariam o número de acesso. (ALVES, 2013, p. 15)

Para testar tais hipóteses, a autora organizou a pesquisa em três etapas. A primeira etapa compreendeu uma pesquisa bibliográfica exploratória que apresenta e descreve a evolução dos estudos sobre televisão e seus movimentos desde sua criação até a atualidade, identificando suas características distintivas.

A segunda etapa compreendeu uma análise da estrutura de produção e conteúdo da mídia televisiva com base no conceito de narrativa audiovisual proposto por Jimenez (1996), a partir de uma experiência de televisão convencional, identificando sua taxonomia narrativa.

A terceira etapa abrangeu a análise documental dos ambientes ou páginas criados na world wide web, para averiguar a estrutura, o conteúdo e a produção de sentido da experiência de consumo do texto televisivo na web. A experiência de consumo foi observada por meio das ofertas interativas disponíveis: “nível de participação dos usuários (canais de retorno), formatos de conteúdo e possibilidades de consumo explicitadas na ambiência” (ALVES, 2013, p. 32). Nesta etapa tomou-se como base o conceito de Midiosfera (KIELING, 2009), para observar a interseção entre os sistemas de produção e de recepção nas ambiências midiáticas que ocorrem trocas, tensionamentos e construções de valores (ALVES, 2013).

E como objeto de estudo, a autora selecionou a TV Câmara, por sua estrutura como canal de TV aberta e como canal de TV na web, possibilitando identificar as características distintivas da experiência de consumo do texto televisivo na web.

Quanto à forma de conteúdo, a autora observou que a TV Câmara constitui uma canal genérico, segmentado por tema, considerando que maior parte de sua programação gira em torno da atividade da Câmara dos Deputados. Observou também que a TV Câmara

[…] trabalha com temporalidades distintas, utilizando como centro o tempo presente e o tempo real na transmissão de suas sessões plenárias e sessões solenes que são complementadas com micronarrativas em tempo fílmico, como os telejornais que resumem as atividades diárias e semanais da casa, entre outros programas. (ALVES, 2013, p. 64)

Quanto à variação de personagens na macronarrativa do canal, tem-se a figura dos deputados, representantes do povo na assembleia legislativa, e a figura de indivíduos anônimos, o próprio povo, sendo retratadas nas narrativas dos programas.

Considerando que o tom do macrodiscurso da TV Câmara é de forma majoritária um tom institucional, a autora observa que esse tom é suavizado para que sua linguagem esteja mais próxima do povo, tornando o conteúdo de seus programas mais acessíveis.

Em relação à substância da expressão de sua macronarrativa, “representada pelas diferentes linguagens visuais e sonoras utilizadas na construção de sua grade e pela organização e ‘amarração’ dos diversos objetos semióticos que a compõem e garantem a sua coesão textual” (ALVES, 2013, p. 66), a autora observou que o grafismo utilizado pela TV Câmara, como as vinhetas, por exemplo, fogem um pouco do conceito de espetáculo, próprio da TV comercial. São vinhetas que abrem programas, que anunciam o início de um novo programa e datas e horários de exibição futura de programas e vinhetas institucionais simples.

Com relação à disposição do conteúdo da TV Câmara na web, esta optou por transmitir integralmente o conteúdo do Canal Televisivo, utilizando a web como suporte, além de servir como repositório e suporte paratextual ao Canal Televisivo, como as demais emissoras comerciais. Dessa forma, o fluxo do canal TV Câmara é transmitido na web da mesma forma e “ao mesmo” tempo em que é exibido, quando transmitido no canal de TV aberta.

Quanto à oferta interativa, o site da TV Câmara disponibiliza como dispositivo de recepção o streaming de vídeo e programas gravados em dois formato de vídeo diferentes disponíveis para download. Com mais de 30 mil vídeos organizados hipertextualmente em categorias de gêneros, ou ordem alfabética, a TV Câmara na web permite autonomia de escolha dos conteúdos pelo consumidor. “Ou seja, o utilizador tem total autonomia na escolha dos programas que deseja assistir se considerada a base de repositório de conteúdo” (ALVES, 2013, p. 82). Há ainda a opção de consumo simultâneo à exibição da TV Câmara no canal da TV aberta. Porém, nesse caso, o usuário perde sua autonomia e passa a acompanhar o fluxo. Dessa forma, como observou a autora,

[…] podemos identificar dois modos de consumo, sendo o primeiro a reprodução do palimpsesto televiso e o segundo como um repositório de micronarrativas soltas, que poderão ser consumidas aleatoriamente sem o fio condutor imaginário, que agora será traçado pelo próprio utilizador. (ALVES, 2013, p. 82)

Com relação aos processos de interação, a autora verificou que:

[…] a interação reativa, aquela relação entre a instância de recepção e o texto somente por meio das possibilidades disponíveis na máquina (KIELING, 2009), acontecerá apenas no consumo do canal principal, conservando sempre as características da televisão em seu processo comunicacional, já que o texto nas micronarrativas dos programas conserva-se inalterado. (ALVES, 2013, p. 83)

Texto Já na interação mútua reativa,

A ambiência da TV Câmara na web oferece como canal interativo o direcionamento do utilizador para redes sociais – Twitter e Facebook – e uma opção de contato por meio do envio de mensagens que são elaboradas a partir de formulário eletrônico. (ALVES, 2013, p. 83)

Texto Com base no objeto analisado, a autora chega à seguinte constatação:

O cenário que se apresenta, ao contrário, demonstra que uma possível forma de preservação e de sobrevivência dos meios tradicionais é a sua capacidade de produção de conteúdo e também de produção de sentido. O conteúdo é a essência do meio, o seu ‘código genético’, aquilo que permanece e que o caracteriza independentemente da ambiência em que circula ou da interferência por novos atores sociais. Em nossa proposta metodológica, acerca da TV, verificamos que o conteúdo está intrinsecamente ligado à promessa do Canal Televisivo. E é com esse olhar que passaremos a revisitar as nossas hipóteses iniciais. (ALVES, 2013, p. 86)

E ao retomar as hipóteses iniciais, a autora verifica que o Canal Televisivo, TV Câmara, não sofreu adaptação significativa ao ser transmitido na web. Nesse caso, o suporte é a internet e a ambiência constituída na web estabelece uma extensão paratextual do Canal Televisivo. A autora verifica também que a TV Câmara não parece esforçar-se para diminuir a duração de seus programas para que o suporte possa transmiti-los.

Se os materiais produzidos para a web são normalmente mais curtos, para evitar a evasão do receptor, os conteúdos das micronarrativas dos programas da TV Câmara não sofrem adaptações para que sigam esse padrão instituído pelas condições técnicas do suporte, nem tampouco para adaptar-se às condições de recepção. (ALVES, 2013, p. 87)

Contudo, “a web, atenta ao aumento do consumo de conteúdos audiovisuais utilizando-a como suporte, segue buscando adaptar-se para receber e disponibilizar os conteúdos televisivos” (ALVES, 2013, p. 87). Da mesma forma, considerando que na web as condições técnicas de recepção são diversas, a autora infere que “as emissoras de televisão que se propõem a transmitir seus conteúdos na web devem investir também em tecnologias diversas para que possam alcançar a maior audiência possível” e conquistar e manter um público sujeito a uma oferta multimidiática (ALVES, 2013, p. 87).

Dessa forma, considerando o tempo reduzido para o consumo de conteúdos, sobretudo o audiovisual, “a web começa a apresentar propostas de canais que oferecem conteúdos audiovisuais com características peculiares que surgem a partir da hibridação de formatos originários da televisão e que sofrem adaptações para serem consumidas na web” (ALVES, 2013, p. 89). A despeito disso, a autora apresenta como exemplo o canal Porta dos Fundos, que, diferentemente do portal da TV Câmara, utiliza a página na web como suporte, tecnologia de transmissão e ambiência midiática, sem uma grade vertical de fluxo contínuo. E desse processo surge uma inversão interessante, em que “elementos paratextuais [como as esquetes] migram para canais televisivos sendo originados em um canal que nasce na web” (ALVES, 2013, p. 90).

Com relação à segunda hipótese, a autora percebe que a tecnologia, “ao invés de subsumir com o sentido da comunicação, amplia esse processo cíclico, que compreende a produção, reconhecimento e circulação de sentido (VERÓN, 2004). Ou seja, aproxima ainda mais indivíduos que buscam sentido na informação” (ALVES, 2013, p. 91).

Segundo a autora,

Esse sentido, que cada vez se forma coletivamente, é o que provoca o efeito de onda na midiosfera […], onde o processo de produção de sentido se expande para ambiências formadas em mídias diversas, buscando sempre o coletivo, e retornam realimentando o Canal Televisivo. (ALVES, 2013, p. 91)

Texto Já com relação à terceira hipótese, a autora confere que “ainda é muito cedo para se falar em adaptações significativas no sistema de produção do texto televisivo” (ALVES, 2013, p. 91). Ela encontra pistas para a manutenção da estrutura paradigmática do texto televisivo, uma vez que o canal televisivo estabelece vínculo afetivo com a instância de recepção e forma o hábito de consumo. Já o suporte tende a sofrer alterações, pois a web é a que mais sofre pressão por atualização.

Parece-nos […] que a demanda de consumo de textos audiovisuais, sobretudo do cinema e da televisão, utilizando-a [a web] como suporte, estimula esse meio a uma adaptação tecnológica com vistas a torná-la, igualmente, em um meio massivo. A web, dessa maneira, se transformaria em suporte e espaço para a constituição de ambiências midiáticas, como verificamos na análise do caso TV Câmara. Enquanto isso, o palimpsesto ou Canal Televisivo admitindo-se as adaptações e considerando sua amplitude de recepção, tenderia a se fortalecer. No entanto, essas são apenas pistas observadas na fotografia aqui apresentada, admitindo-se sempre a possibilidade de surgimento de novos movimentos e novas acomodações. (ALVES, 2013, p. 92)

Por fim, a autora, na tentativa de compreender a mudança na experiência de consumo provocada pelo acesso a textos televisivos em outros suportes, recorre a uma metáfora, a qual compara a promessa que permeia o Canal Televisivo ao ritual de oração do terço católico, e chega à seguinte conclusão:

O Canal Televisivo também representa uma promessa que antecede o consumo dos textos de suas micronarrativas, assim como o terço constitui esse fio imaginário que orienta o fluxo televisivo, que suavemente organiza sua grade, que sutilmente conduz o telespectador a um hábito de consumo. Essa promessa é materializada por meio de micronarrativas de programas, as contas, que são organizadas de maneira que possam formar um fluxo onde a ordem, a duração e a frequência hierarquizam o processo, a sua taxonomia. Da mesma forma, a reorganização desse fluxo em diversos formatos, a partir de concepções individuais, estabelecerá uma experiência de consumo diferenciada. Por outro lado, admite-se que essa reorganização poderá estabelecer uma renovação da promessa e o estabelecimento de um novo contrato de leitura por adesão. (ALVES, 2013, p. 93)

Quanto as aspectos positivos avaliados na dissertação, a autora aplicou de forma coerente a metodologia e a proposição de um conceito atualizado do Canal Televisivo, como sendo uma estrutura paradigmática que garante a sobrevivência dos meios, mesmo considerando a digitalização e a atualização de textos em sua estrutura. A proposição contribui para avançar na compreensão dos movimentos e atualizações dos meios massivos analógicos a partir de sua digitalização e consumo nos diversos suportes. A autora poderia, ainda, avançar sua pesquisa, no intuito de mensurar a circulação de sentido por meio da abordagem amostral da recepção. Os mecanismos utilizados para mensuração – conversação visualizada em comentários e compartilhamento nas redes abertas – podem não ser o suficiente para elucidar essa questão.


Resenhista

Márcia Regina de Oliveira Lima – Pós-graduada em Educação a Distância pela Universidade Católica de Brasília. Editora de Conteúdo na Produção de Material Didático da Universidade Católica de Brasília Virtual. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

ALVES, Edleide E. F. O canal televisivo e as possíveis acomodações de sua taxonomia narrativa na ambiência constituída na Web: o caso da TV Câmara. Brasília: Universidade Católica de Brasília – UCB, 2013. Resenha de: LIMA, Márcia Regina de Oliveira. O canal televisivo e as possíveis acomodações de sua taxonomia narrativa na ambiência constituída na Web: o caso da TV Câmara. Revista Aprendizagem em EAD. Taguatinga, v.2, n.1, novembro, 2013. Acessar publicação original [DR]

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