O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil | A. G. Mendonça

As questões propostas pelo autor para serem respondidas são claramente colocadas: por que a significativa presença dos protestantes nas diversas áreas da cultura brasileira não se manifesta claramente em uma participação ideológica, cultural e política e por que não manteve o ritmo de crescimento das primeiras décadas de sua implantação, além de perder fiéis para formas mais novas de práticas religiosas?

Para fundamentar a resposta, o autor esboça um histórico dos protestantes do Brasil, descrevendo a frustrada tentativa de inserção da fé calvinista, com a chegada da expedição de Vilegaignon, em 1555; as tentativas no Nordeste pelos holandeses, especialmente em Pernambuco e Paraíba, entre 1630 e 1645, interrompidas pela restauração do domínio português em 1649; a tentativa dos calvinistas franceses, huguenotes, na primeira década do século XVII, especialmente no Maranhão, que desvaneceu com a curta existência da França equinocial.

Mudanças começaram a surgir com a vinda da Família Real Portuguesa em 1808, verificada no ato de abertura dos portos às “nações amigas”.

No Brasil Império, o enfraquecimento do padroado e o espírito liberal contribuíram para a abertura de brechas para a inserção protestante, como, por exemplo, a distribuição de Bíblias por parte de agentes das sociedades estrangeiras. Não restou outra saída à Constituição Republicana a não ser abrir mão da religião oficial.

Feitas as concessões em 1964, os alemães atenderam os constantes pedidos feitos pelas igrejas protestantes alemãs no Brasil quanto ao envio de pastores; entre 1835 e 1836 chegaram missionários metodistas; em 1876, diversos empreendimentos foram feitos pelos metodistas; em 1855, chegou Robert Kalley; e, em 1858, organizou-se a Igreja Congregacional.

Em 1859, desembarcou o pastor presbiteriano Ashbel Green Simonton, que, juntamente com Alexandre Blackford e F. J. C. Scneider, contribuiu significativamente para a inserção do protestantismo presbiteriano no Brasil, organizando igrejas inicialmente no Rio de Janeiro, São Paulo, Brotas e Lorena.

Em 1891, o número de membros comungantes era de 2.947, contando com 31 pastores, 12 nacionais e 19 missionários. Esse tema foi abordado também no Capítulo 3, em que, além de Simonton, o autor descreve a obra de José Manuel da Conceição, padre protestante, e de Eduardo Carlos Pereira e Álvaro Reis, destacando a concepção desses homens na tarefa de evangelizar também os católicos.

No Capítulo 2, o autor tenta rastrear a teologia dos missionários presbiterianos a partir de questões políticas que envolveram a Inglaterra, com Henrique VII, passando para aquilo que ele chama de evolução da teologia calvinista, a qual foi amenizada no Sinodo de Dort, em decorrência das controvérsias com os arminianos. Afirma ainda que o pensamento antimonárquico e as divergências contra o absolutismo encontraram campo fértil no ideal de liberdade e individualidade preconizado pelos protestantes.

O aspecto da participação humana em resposta à graça de Deus, considerada pelo autor como participação na graça, é mencionado destacando que esse aspecto que valoriza o indivíduo independe de sua extração social. Destaca como contribuição calvinista os aspectos inerentes à doutrina da eleição e ao modo de governo, que atendia às aspirações vigentes de liberdade, ao mesmo tempo em que preservava a individualidade.

Nesse capítulo, o puritanismo é abordado destacando a importância da chamada “Teologia do Pacto”, que acrescentou ou sublinhou o ascetismo religioso que refletia a valorização do homem e da pessoa. O autor destaca que, do fim do século XVI até o princípio do século XVIII, o antigo calvinismo foi cedendo lugar ao arminianismo; “a igreja continuava fiel à lei, mas seus ministros, assim como o laicato, já eram ar minianos na prática” (MENDONÇA, 1984, p. 69); esses reflexos foram identificados com os avivamentos dos irmãos Wesley e o legado deles: o misticismo e o pietismo.

O protestantismo americano, origem do brasileiro, é avaliado a partir de 1579, com sua égide, o livro de oração comum, marcado pela rígida disciplina puritana, que resultou em efervescência do movimento. No princípio do século XVIII, com a guerra da independência, o avanço do secularismo e as crises eclesiológicas, houve o arrefecimento.

Um novo despertamento aconteceu sob a influência de Jonathan Edwards, na terceira década do século XVIII, e George Whitefield. Após a morte de Edwards, em 1758, o metodismo penetra oficialmente na América, com a ênfase de que a certeza da conversão se dava pela capacidade de renúncias pessoais e de que a salvação se dava por uma fé via obras de justiça, ou seja, ênfase na capacidade humana e em seu desempenho, contrastando com a teologia calvinista; teologia que deu o tom dos avivamentos e da moralidade que influenciaram as concepções protestantes na América e em suas áreas de missões.

Outro importante aspecto que regrou o pensamento protestante americano foi o chamado “destino manifesto”. Uma civilização cristã, segundo o protestante, era a meta, o que para muitos apontava para o milênio.

Um importante destaque é dado às chamadas “empresas missionárias”, motivadas pelo desejo de salvar os “pagãos”, entre os quais estavam incluídos os católicos (MENDONÇA, 1984, p. 97). A expansão da fé era uma espécie de redenção dos americanos em virtude de suas guerras, a ponto que, no final do século XVIII e início do século XIX, mais de vinte sociedades missionárias foram organizadas, objetivando a evangelização dos índios e a assistência religiosa às frentes pioneiras.

As resistências por parte daqueles que tinham uma mentalidade conservadora, desenvolvidas a partir do final do século XIX, foram assinaladas: preservação do espírito de autoridade; escolasticismo teológico, marcado pela construção da sistemática; absorção do pietismo, combinado com o apocalipsismo, evidenciado pela formulação pré-milenarista.

O Capítulo 4 disserta quanto à estratégia missionária, tendo como foco a educação. Isso se dava porque o protestantismo constituía um modo de vida, e aceitá-lo em seus princípios e crenças implicava mudança de padrões de cultura.

O veículo intencional para a mudança foram os grandes colégios, que foram produtos das escolas paroquiais que acompanhavam a organização das primeiras igrejas. A estratégia educacional, evangelização indireta, era necessária em virtude da simbologia protestante, formal e escrita.

A educação não foi uma contribuição da religião de um povo mais evoluído para um mais atrasado, mas uma causa tão importante como a propaganda religiosa […] mas é fora de dúvida que a educação nos colégios protestantes reproduzia os padrões da ideologia norte-americana do individualismo, do liberalismo e do pragmatismo (MENDONÇA, 1984, p. 155 e 161).

A religião no mundo rural é o assunto do Capítulo 5. O clima para com a nova religião era de interesse, curiosidade e indiferença. A classe dominante brasileira nutriu grande simpatia pela nova fé, como Rui Barbosa e Romeu Lima, mas não há registro de grandes adesões, exceto de mulheres que compunham famílias da elite. Entre os imigrantes, a mensagem era pouco permeável, dado o catolicismo arraigado entre os italianos, espanhóis e portugueses, os quais deram consistência e apoio à antiga religião oficial quando esta mais precisava.

A ocupação protestante começou pelos centros urbanos, como Rio de Janeiro e a cidade de São Paulo, mas também teve grande adesão nas zonas rurais, especialmente de São Paulo e Minas Gerais. A hipótese é a de que os presbiterianos aproveitaram a expansão cafeeira e acompanharam o domínio rural na trilha do café, expansão essa que ocorreu no terceiro quarto do século XIX, partindo da baixada fluminense, tomando o rumo de São Paulo, do Vale do Paraíba, Embaú, Minas Gerais, Campinas, Jauru etc. (MENDONÇA, 1984, p. 233-239), o que facilitou a expansão, dada a ausência da Igreja católica.

Outro fator são as características do homem caipira, rural, que formava núcleos de sitiantes, os quais tinham como marcas a independência e a liberdade, a simplicidade econômica e a independência política.

A pregação missionária direcionada a esses “caipiras”, com suas marcas distintivas, era adornada pela ênfase à liberdade do indivíduo quanto à sua salvação, que foi um corolário na novidade da valorização do indivíduo. Outro ponto é o igualitarismo, que afirma serem todos iguais perante Deus. Contudo, é-se desafiado à guerra contra o mal, uma vez que sua permanência na Terra é penosa e efêmera em comparação com a feliz eternidade futura.

Portanto, segundo o autor, “a mensagem protestante encontrou um espaço religioso rarefeito”, a população pobre do mundo rural, formando núcleos distantes uns dos outros, tornando-os autossuficientes, e a presença do padre, representante do poder dominante, ora ele mesmo senhor de terras, ora como expropriador do simbólico, não era simpática ao sitiante” (MENDONÇA, 1984, p. 221).

Não obstante, “o protestantismo, apesar de esforçar-se por penetrar numa camada da sociedade brasileira caracterizada pelo analfabetismo, em momento algum abriu mão de seu intelectualismo” (MENDONÇA, 1984, p. 226), o que dificultou um crescimento maior e promoveu a reação por parte da sociedade mais ampla, uma vez que a adesão à nova fé implicava o rompimento com o lúdico, expresso na convivência daquela população rarefeita aos domingos e dias santos.

Em contraposição à ética do “crente caipira”, suas normas de vida, que fizeram do protestantismo uma contracultura, deixava-se de criar problemas com o não envolvimento em vícios e com praticantes de violência; pelo contrário, eram conhecidos como um povo ordeiro, pacífico, confiável e não afeito à ociosidade.

No Capítulo 6 o autor aborda a mensagem institucional da nova fé, tratando apologeticamente de um tema central de seu livro, o distanciamento do ensino dos missionários dos pressupostos genuinamente calvinistas, centrado, em seu entender, em uma “ética fortemente individualista e ascética, negadora do mundo e apolítica” (MENDONÇA, 1984, p. 265).

Segundo ele, a mensagem da nova fé traz sua marca e o colorido do wesleyanismo metodista, expresso no amor universalista de Deus, na possibilidade da perda da salvação, o que produz a necessidade de constante vigilância e trabalho, em um constante esforço de purificação e santificação (MENDONÇA, 1984, p. 267). O autor tenta provar sua hipótese, inicialmente, destacando as figuras de Kalley e a publicação patrocinada pelo Correio Mercantil do clássico O peregrino, de João Bunyan; os hinos compostos e difundidos pelo casal Kalley.

Após tentar demonstrar a teologia arminiana dos Kalley, o autor avança e toma como exemplo Ashbel Green Simonton; sugere que o ambiente em que o pioneiro presbiteriano no Brasil foi criado o levou a considerar acerca dos pressupostos arminianos/metodistas; pontua acerca do pensamento de Simonton, sobre a chamada Teologia da Igreja Espiritual, a qual preconizava o não envolvimento da Igreja com os negócios deste mundo, que ocasionaria um distanciamento da Igreja dos graves problemas da sociedade abrangente; estabelece a vinculação do missionário com a chamada “Velha Escola” nos Estados Unidos, notavelmente conservadora, o que sugere certa ambiguidade, que é explicada pela maneira metodista da conversão do missionário.

O resultado desse background é que ele traz para o Brasil a marca do conservadorismo dos puritanos calvinistas, mas a influência religiosa dos avivamentos é o que se tenta provar a partir de uma análise de parte de seus sermões.

Seguindo-a, o autor menciona o trabalho de José Manuel da Conceição e afirma que havia uma unidade teológica dos protestantes no Brasil, a do metodismo americano (MENDONÇA, 1984, p. 292), cujo reflexo foi o uso de um único livro de hinos sagrados que serviu às denominações do Brasil pelo menos até os fins do século XIX (MENDONÇA, 1984, p. 289), o que explica a grande colaboração entre os protestantes.

Todo o trabalho do autor tem como foco mostrar que a teologia trazida pelos missionários presbiterianos ao Brasil diferia em muito dos antigos pressupostos calvinistas do século XVI, mas era um “equilíbrio entre o calvinismo e o arminianismo” (MENDONÇA, 1984, p. 232). Somente depois de afirmar repetidas vezes sua hipótese – a meu ver com argumentos circunstanciais e superficiais –, o autor faz inescapáveis considerações acerca da teologia dos presbiterianos, as quais se destacam aqui.

A adoção da Confissão de Fé de Westminster e seus catecismos como fiel expressão do entendimento das Escrituras. As circunstâncias e superficialidades dos argumentos podem inicialmente ser aqui refutadas. Seria a teologia da Confissão de Fé divergente do pensamento de Calvino? Existem assertivas arminianas nessa Confissão de Fé? O Capítulo X dessa Confissão que aborda a Vocação Eficaz deixa alguma margem para que o fiel entenda que ele é responsável pela construção de salvação? O Capítulo XII, quando trata da santificação, não deixa claro que a santificação é um resultado da salvação, e não uma forma para alcançá-la? O Capítulo XVII, da perseverança dos santos, não estabelece a razão da perseverança; ela não se deve a coisa nenhuma feita pelo fiel, mas seria fruto da imutabilidade do decreto da eleição? Essas coisas não estão claras nos catecismos que foram usados como material de instrução religiosa pela Igreja Presbiteriana do Brasil em seus primórdios?

É necessário lembrar que Simonton se converteu ouvindo um sermão do Dr. Charles Hodge, seu professor de Teologia, da velha escola, um notável calvinista. Afirmar que sua conversão ocorreu segundo uma perspectiva teológico-arminiana deve ser objeto de melhores considerações. Seria interessante mensurar se os sermões de Simonton de fato revelam traços de arminianismo ou se ele pregou as doutrinas da graça observando a realidade de seus ouvintes.

Certamente Calvino, os puritanos, Simonton consideraram em seus sermões as implicações da Vocação Eficaz, na qual é passível, “até que, vivificados e renovados pelo Espírito Santo, seja desse modo capacitado a responder a esta vocação e a abraçar a graça oferecida e comunicada nela” (CALVINO, 1991, p. 60). Não é este o ensino implícito de Simonton em seus sermões, como o “Entrai pela porta Estreita” (ARAÚJO, 1993, p. 12); “Deus é caridade” (ARAÚJO, 1993, p. 31) e “Sem Efusão de Sangue não há remissão de pecados”? (ARAÚJO, 1993, p. 39) Os cânticos examinados pelo autor, que, segundo ele, são transmissores da teologia arminiana, não seriam situados conforme essa teologia?

A obra, não obstante, é de grande relevância, observada não somente por resgates de fatos tão importantes na inserção do protestantismo no Brasil, como também pela interpretação dada. A leitura será deveras apreciada por aqueles que pretendem estudar a hipótese outrora levantada por Max Weber acerca do distanciando do protestantismo do século XIX das doutrinas genuinamente calvinistas.

Recomendo a leitura dessa importante obra, que propõe interessantes hipóteses as quais devem ser objeto de interesse e pesquisa sobre os possíveis elementos arminianos na teologia puritana e a influência do pietismo e misticismo nos missionários que trabalharam para a inserção do protestantismo no Brasil.

Referências

ARAÚJO, S. C. Sermões escolhidos. Belo Horizonte: Editora Betânia, 1993. p. 12, 31 e 39.

A CONFISSÃO DE FÉ, edição especial. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1991. p. 60.

LOPES, E. Trabalho científico: teorias e aplicações. São Paulo: Reflexão, 2009.


Resenhista

César Guimarães do Carmo – Mestrando em Ciências da Religião na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

MENDONÇA, A. G. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: Paulinas, 1984. Resenha de: CARMO, César Guimarães do. Ciências da Religião – História e Sociedade. São Paulo, v.8, n.2, p. 163-171, 2010. Acessar publicação original [DR]

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