O Itinerário de Benjamin de Tudela

Traduzido por J. Guinsburg (2017), O Itinerário de Benjamin de Tudela, faz parte do gênero conhecido como literatura de viagens. Em geral é a própria experiência que motiva o ato da escrita. Este relato oferece aos leitores informações essenciais sobre cidades, costumes, personagens e especialmente sobre a quantidade de pessoas que faziam parte da comunidade judaica, em cada região visitada. “Em muitas cidades ele menciona os líderes e professores pelo nome, servido assim amiúde para preservar a sua memória” (GUINSBURG, 2017). O texto foi escrito originalmente em hebraico, sendo posteriormente traduzido ao latim. É preciso ter em mente que a rota foi empreendida entre a segunda e terceira cruzadas, no momento em que Jerusalém ainda estava em posse da cristandade. A cidade santa esteve nas mãos dos cruzados de 1099 a 1187, sendo depois recuperada aos muçulmanos sob a liderança de Saladino. Partindo de Tudela (1160), sua cidade natal, Benjamin inicialmente visitou Saragoça e Barcelona. Após percorrer algumas cidades da Hispania, esteve no reino da França. Nesta região destacou as cidades de Montpellier, Lunel e Marselha; “que é uma cidade de opulentos e doutos cidadãos, possuindo duas congregações com cerca de 300 judeus… eles formam uma grande academia de homens eruditos” (GUINSBURG, 2017, p. 46). O destaque à erudição de seu povo é fator recorrente na narrativa.

Nas cidades da Península Itálica o viajante passou por Gênova e Pisa, observando sua forma de governo; “Pisa é uma cidade muito grande, com cerca de 10 mil casas torreadas para a batalha em tempos de contenda. Todos seus habitantes são homens poderosos. Eles não possuem nem rei, nem príncipes para governa-los, mas unicamente juízes” (GUINSBURG, 2017, p. 46-7). Em Roma, considerada a cabeça dos reinos da cristandade, descreveu a existência de importantes eruditos judeus, das igrejas cristãs, e das riquezas arquitetônicas espalhadas por toda a urbe. “Em Roma também há o palácio de Vespasiano, uma grande e sólida construção, além disso, o Coliseu, edifício em que há 365 seções, de acordo com os dias do ano solar” (GUINSBURG, 2017, p. 50). Desta região foi à Grécia; sobre a cidade de Salonica/ Tessalônica, em que contou 500 judeus, assinalou a opressão sofrida por seu povo. Em Constantinopla disse; “é uma cidade movimentada e mercadores de todos os países ali chegam por mar e por terra, e não há outra como ela no mundo, exceto Bagdá, a grande cidade do Islã” (GUINSBURG, 2017, p. 61). A riqueza da cidade e de seus habitantes foi destaque no texto; “Os habitantes gregos são muitos ricos em ouro e pedras preciosas, andam trajados de vestimentas de seda com bordados de ouro, montam cavalos e parecem príncipes. De fato, o país é muito rico em todos os tipos de tecidos, e em pão, carne e vinho” (GUINSBURG, 2017, p. 63).

De Chipre, visitou cidades importantes como Antioquia, Tiro, Acre e Cesaréia. Ponto alto da narrativa, e que fascina viajantes e peregrinos é a cidade de Jerusalém. Considerada centro do mundo a cidade é berço dos antepassados de Benjamin. Nela assinalou monumentos sagrados como o Muro Ocidental (um dos muros do Santo dos Santos), a Cúpula do Rochedo, a Igreja do Santo Sepulcro e a tumba do rei Uzias. Destaca-se na narrativa o interesse por visitar o sepulcro dos patriarcas e reis. Em Hebron, localizou a Igreja denominada santo Abram, sendo antigamente este lugar local de culto religioso judaico, antes da cidade de Hebron ter sido sucessivamente dominada. (Nascimento, 2018). Após conhecer vários lugares bíblicos a autor foi a grande cidade de Damasco, oferecendo informações sobre os rios Abana e Farpar. Também costumes e lugares religiosos são descritos; “Há ali uma mesquita dos árabes denominada Gami de Damasco; não há construção como essa em todo o mundo, e eles dizem que era um palácio de Ben Hadad” (GUINSBURG, 2017, p. 86). Três mil judeus viviam nesta cidade, muitos segundo relatou, eram cultos e ricos. Várias cidades da Síria foram visitadas. Sobre as montanhas de Ararat, Benjamin escreveu; “É de quatro milhas a distância até o lugar onde a Arca de Noé parou, mas Omar bem Al Khataab tirou a Arca de entre as duas montanhas e a converteu em uma mesquita para os maometanos” (GUINSBURG, 2017, p. 91). A mistura entre o real e o fantástico é recorrente nas narrativas de viagem medievais. Lugares memoráveis como Mossul, Bagdá e a Babilônia são incluídos demoradamente no relato. Expressando um conhecimento sobre a vida e costumes islâmicos, o viajante nos oferece uma fonte fundamental para a compreensão da política e da religião muçulmanas. Outro momento narrativo, que merece destaque, é o que se refere à existência da Torre de Babel; “Dali são quatro milhas até a Torre de Babel, que a geração, cuja linhagem foi confundida, construiu com tijolos denominados Agur. O cumprimento de sua fundação é de cerca de duas milhas… Ali caiu o fogo do céu”.1 Sendo um homem de seu tempo, a influência da cultura bíblica e de prodígios maravilhosos foram inseridos no texto. O Itinerário ainda inclui informações sobre a Pérsia, Egito2 e regiões ainda mais longínquas como os reinos da China e Índia, mesmo que estas informações sejam atualmente consideradas relativamente vagas. 3 A nova edição e tradução em português do diário de viagem de Benjamin de Tudela é uma dádiva a todos os pesquisadores que se interessam por outros mundos, culturas e desejam saber mais sobre o mundo medieval e suas interações religiosas e humanas.

Notas

1 O Itinerário de Benjamin de Tudela. Idem. p 103.

2 Neste país se detêm por um tempo considerável.

3 Conforme aponta o tradutor (em nota) às recordações de Benjamin a respeito da Índia e da China, são por certo muito vagas, mas devemos lembrar que ele foi o primeiro europeu a ao menos mencionar a China. Ver O Itinerário de Benjamin de Tudela. Idem p 130 ( nota 85).

Referências

NASCIMENTO, Renata Cristina de S. Viagens Reais e Imaginadas: dois olhares sobre a terra santa. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 08-20, 2018.

GUINSBURG, J. (Org.). O Itinerário de Benjamin de Tudela. Tradução e notas de J. Guinsburg. SP: Perspectiva, 2017.


Resenhista

Renata Cristina de Sousa Nascimento – Doutora em História pela UFPR. Docente efetiva na Universidade Federal de Goiás, Universidade Estadual de Goiás e na Pontifícia Universidade Católica (PUC Goiás). E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

GUINSBURG, J. (Org.). O Itinerário de Benjamin de Tudela. Tradução e notas de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2017. Resenha de: NASCIMENTO, Renata Cristina de Sousa. Do Ocidente ao Oriente: o itinerário de Benjamin de Tudela. Revista Mosaico. Goiânia, v. 11, p. 265-266, 2018. DOI 10.18224/mos.v11i2.6614. Acessar publicação original [DR]

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