O Rio de Janeiro nas notícias da Gazeta de Lisboa/1751-1800 | Carlos Francisco Moura

Desde a década de 1990, a história do Rio de Janeiro foi renovada pela exploração de fontes de época que noutros tempos se mantinham inexploradas na historiografia carioca e fluminense. Em relação aos estudos do período colonial, não há dúvida de que o Projeto Resgate Barão do Rio Branco, iniciado pela Biblioteca Nacional brasileira no contexto das iniciativas comemorativas do quinto centenário do Descobrimento do Brasil, foi decisivo para tornar acessível as fontes da administração colonial lusitana referentes ao Brasil, por meio da sua microfilmagem, digitalização e difusão por meio eletrônico. Nesse conjunto, interessa destacar especialmente que a difusão dos numerosos documentos manuscritos referentes à capitania do Rio de Janeiro permitiu que a pesquisa histórica renovasse seus temas e aprofundasse a suas análises. Esse quadro geral evidenciou como a história colonial do Rio de Janeiro não pode prescindir do conhecimento dos acervos de origem portuguesa.

A publicação de O Rio de Janeiro nas notícias da Gazeta de Lisboa, de autoria de Carlos Francisco Moura é outra iniciativa importante para divulgar e dar acesso a um conjunto documental valioso de origem portuguesa para o conhecimento da história colonial do Rio de Janeiro. Trata-se de material de referência valioso que reúne uma compilação temática de notícias sobre o Rio de Janeiro do periódico lisboeta, que esteve em circulação entre 1715 e 1820.

O livro é organizado em duas partes, seguido de uma sessão de índices correspondentes a cada uma das partes do livro que servem de instrumentos de pesquisa. A primeira parte, intitulada “Comentários”, apresenta aos leitores informações gerais que se encontram na Gazeta de Lisboa sobre o governo e legislação da capitania e da cidade, economia e comércio, vida literária, festejos e notícias várias. A segunda parte consiste da “Transcrição das notícias da Gazeta de Lisboa” em ordem cronológica por ano e dia, divididas em épocas correspondentes a fases da história do órgão de imprensa. Conforme indica o autor em sua apresentação, a pesquisa seguiu o modelo de Notícias históricas de Portugal e do Brasil, obra editada em 1964, organizada por Manuel Lopes de Almeida, antigo diretor da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. A obra que serviu de modelo, serviu igualmente como fonte documental, complementada pela pesquisa e conferência na coleção da Gazeta de Lisboa existente na coleção da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Os dois volumes de O Rio de Janeiro nas notícias da Gazeta de Lisboa interessam especialmente por revelar que por meio da imprensa metropolitana é possível acompanhar a história da cidade do Rio de Janeiro. Sabe-se que antes da transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, a imprensa no mundo colonial era interditada, de modo que não havia imprensa local. Foi apenas sob os auspícios da imprensa régia portuguesa que se inaugurou a imprensa carioca com a Gazeta do Rio de Janeiro, seguindo o modelo metropolitano da Gazeta de Lisboa. Importa destacar que o estudo da Gazeta de Lisboa evidencia que a folha lisboeta, como publicação régia, era mais do que um veículo de notícias locais, definindo-se como um canal de expressão do universo do império colonial português, o que fazia com que a cidade do Rio de Janeiro se tornasse motivo de notícia. Essa evidência revela uma fonte valiosa para a história da cidade e do governo da capitania do Rio de Janeiro.

A recente publicação do segundo volume de O Rio de Janeiro nas notícias da Gazeta de Lisboa completa o projeto editorial, iniciado, em 2016, com o patrocínio do Real Gabinete Português de Leitura. Trata-se de obra de Carlos Francisco Moura, autor engajado na valorização da história luso-brasileira, que se tornou conhecido pelos seus estudos pioneiros e de referência obrigatória sobre a história da arte no Mato Grosso do século XVIII, que antecederam seus livros mais recentes como Teatro a bordo de naus portuguesas (2000) e Chineses e chá no Brasil (2012). A originalidade de seus estudos, que tratam de temas pouco presentes na historiografia e que se sustentam no uso de fontes pouco exploradas, justifica sua distinção como sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, entre outras entidades congêneres estaduais brasileiras, além da Academia Portuguesa da História e da Academia das Ciências de Lisboa.

Certo é que o novo livro de Carlos Francisco Moura valoriza a imprensa como fonte para o estudo da história do Rio de Janeiro, inserindo-se numa tendência moderna da historiografia carioca que teve na obra de Delso Renault sua referência pioneira ao publicar, em 1969, O Rio Antigo nos anúncios de jornais (1808-1850), livro que antecedeu Rio de Janeiro, a vida da cidade refletida nos jornais (1850-1870), de 1978, e O dia-a-dia do Rio de Janeiro segundo os jornais – 1870-1889, lançado em 1982. Os livros do jornalista, sócio do IHGRJ e do IHGB, foram inovadores à sua época por deixar para trás a tradição do gênero da crônica histórica, que tinha no texto jornalístico seu modelo narrativo e na imprensa diária a sua principal plataforma de divulgação, transformando a relação da historiografia com a imprensa ao tomar o noticiário como fonte para caracterizar o cotidiano da vida urbana. Os contornos acadêmicos do estudo da imprensa como fonte para a história urbana foram confirmados com o livro As queixas do povo, de autoria de Eduardo Silva, lançado em 1988, que analisa o contexto das reformas urbanas do início do século XX a partir de manifestações dos habitantes da cidade publicadas em coluna de leitores do Jornal do Brasil. Mais recentemente, em 2007, Maria Beatriz Nizza da Silva publicou Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822): cultura e sociedade, em que trata a vida material e cultural do Rio de Janeiro no tempo de d. João. Com a publicação de O Rio de Janeiro nas notícias da Gazeta de Lisboa, de Carlos Francisco Moura, a historiografia carioca passa a contar com mais um título sobre as relações entre imprensa e cidade, constituindo-se em material de referência obrigatória para todos os interessados em conhecer e pesquisar a vida e a sociedade do Rio de Janeiro colonial.


Resenhista

Paulo Knauss – Professor da Universidade Federal Fluminense e sócio efetivo do Instituto Histórico do Rio de Janeiro.


Referências desta Resenha

MOURA, Carlos Francisco. O Rio de Janeiro nas notícias da Gazeta de Lisboa, 1751-1800. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura, 2021. Resenha de: KNAUSS, Paulo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n.29, p. 167-169, 2022. Acessar publicação original [DR/JF]

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