O teatro e o popular / Contraponto / 2019

As categorias cultura popular e arte popular possuem entendimentos diversos e muitas vezes dissonantes. Ricardo Gomes Lima em Arte popular (2010) faz a seguinte pergunta: “Se o próprio termo arte desperta polêmica e discussões infindáveis sobre sua natureza, sentido e condição, imagine somar a isso a questão do popular! Afinal o que é o popular?” (LIMA, 2010, s / p). Não é apenas em relação ao que se deve circunscrever na categoria popular que existe ambiguidade e imprecisão mas também na multiplicidade de entendimentos sobre aquilo que consideramos cultura popular.

A noção de teatro popular é igualmente complexa e acaba reunindo práticas teatrais distintas entre si e de momentos históricos muito diversos. Podemos citar alguns exemplos frequentemente mencionados e que dão a ver esta diversidade. A commedia dell’arte italiana, com suas representações em espaços públicos, narrativa cômica popular sem um rígido texto escrito e tendo forte caráter improvisacional. O trabalho de dramaturgos como Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho e Benjamim Santos, que incorporaram temas e personagens de manifestações populares em sua escrita dramatúrgica. O mamulengo, ou Teatro de Bonecos popular do Nordeste, onde este gênero de teatro de bonecos é mais presente e é realizado por homens e mulheres de classe trabalhadora especialmente na Zona da Mata pernambucana. Dramaturgos como Augusto Boal, movimentos culturais como o CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes) que viram o teatro como uma forma de luta política.

Almeida Jr, José Simões e Ingrid Koudela em Léxico de pedagogia do teatro (2015) afirmam que a “a ideia de teatro popular sempre esteve em franca contraposição àquelas associadas ao teatro literário, ao teatro destinado às classes dominantes, […], à arquitetura do espaço teatral” (p. 189). Estas características podem ser encontradas nas formas teatrais mencionadas e muitas delas estão presentes nas discussões levantadas nos artigos deste dossiê “Teatro e o Popular”.

O dossiê “Teatro e o Popular” através de seus dez artigos dá a ver essa multiplicidade de formas teatrais que a ideia de teatro popular é capaz de abarcar. Para classificar como tal seus objetos em estudo, os diferentes pesquisadores estão considerando critérios como o modo de produção de um artista, grupo ou movimento, a relação com um circuito específico ou a temática encenada.

Em “Eles da Vila Vintém: relato etnográfico sobre teatro da favela” (João Gabriel Cunha) discute-se as categorias cultura, território e racismo a partir da companhia Talentos da Vila Vintém. No artigo “O teatro popular em Moçambique: representações e leituras do método do teatro do oprimido em terras africanas” (Flavio da Conceição) é apresentada historiografia do teatro popular moçambicano, o qual é relacionado com o teatro engajado e com o desenvolvimento do Teatro do Oprimido no país. No trabalho “Gênese popular do teatro nordestino” (Magela Lima) temos um comentário sobre como o Nordeste brasileiro é frequentemente visto como o lugar de origem das formas populares brasileiras. Em “O auto da Compadecida e autotelismo literário: João Grilo e a reivindicação de si” (Everaldo dos Santos Almeida) é levantada discussão sobre as ideias de linguagem, língua e discurso a partir da célebre peça de Ariano Suassuna. No artigo “Movimento Escambo: Teatro e Cultura Popular” (Marcio Silveira dos Santos) são compartilhadas experiências em encontros do Movimento Popular Escambo Livre de Rua no ano de 2013 em Janduís e Caicó, Rio Grande do Norte.

Em “O Judas em sábado de aleluia: no mínimo gesto, o valor artístico nas comédias de costumes de Martins Pena” (Marcia Geralda Almeida) é abordado o gênero comédia de costumes partindo da dramaturgia de Martins Pena, dramaturgo que teria de distanciado de padrões estéticos europeus. No trabalho “A pedra do meio do caminho: relações entre homens de letras e o teatro popular na Primeira República” (Phelippe Celestino) faz-se um contraponto entre autores como Machado de Assis, Arthur Azevedo e o teatro cômico musicado, de caráter popular. Em “O Buraco de Otília, um sucesso do teatro de revista pernambucano” (Leidson Ferraz) é apresentada a revista carnavalesca O Buraco de Otília (1958) realizada pela companhia pernambucana Companhia Portátil de Revistas Valença Filho em diálogo com reflexões sobre o teatro de revista. No artigo “A criação dramatúrgica de Oswald de Andrade: diálogo entre estética vanguardista e teatro de revista” (Nanci de Freitas) discute-se o teatro de Oswald de Andrade, buscando mencionar sua aproximação das vanguardas europeias e também seu interesse pela cultura popular brasileira. Por fim, em “Double sens: teatro de revista e as suscetibilidades sociais em Teresina nas primeiras décadas do século XX” (Ronyere Ferreira) são analisados os debates acerca do teatro de revista em Teresina nas primeiras décadas do século XX.

Também faz parte do dossiê entrevista produzida junto ao dramaturgo e historiador Ací Campelo em Teresina, capital piauiense, no dia 20 de janeiro de 2017. O foco da conversa foram montagens teatrais realizadas por dramaturgos e diretores piauienses que incorporam temáticas e personagens de manifestações populares em suas dramaturgias e encenações. Assim, com o dossiê “Teatro e o Popular” esperamos reforçar que a ideia de teatro popular pode e deve ser vista não como algo cristalizado, mas como uma categoria aberta, flexível, em permanente debate e disputa.

Rio de Janeiro (RJ), setembro de 2019.

Me. Weslley Fontenele

Organizador


FONTENELE, Weslley. Apresentação. Contraponto, Teresina, v. 8, n. 1, jan / jun, 2019. Acessar publicação original [DR]

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