O tênis no Brasil: de Maria Esther Bueno a Gustavo Kuerten | Gianni Carta e Roberto Marcher

A resenha é do livro “O tênis no Brasil – de Maria Esther Bueno a Gustavo Kuerten”, de autoria de Gianni Carta e Roberto Marcher, publicado pela editora Códex em 2004, com 399 páginas. Marcher (1946) é porto alegrense, estudou e cursou mestrado em literatura na Florida State University, foi jogador de tênis, é um dos mais renomados técnicos do país, durante anos assinou uma coluna de tênis no jornal Folha de São Paulo, na Revista Tênis e colaborou na Revista IstoÉ. Carta (1963) é paulistano, estudou na University of California, mestre em Ciências Políticas pela University of Boston, foi professor de tênis no Brasil e nos Estados Unidos, trabalhou ao lado de Marcher como técnico/assistente, foi correspondente da rede de televisão norte-americana CBS, da Revista Europeia GQ e da Revista IstoÉ, atualmente é repórter da Revista CartaCapital e consultor internacional do site da Revista.

Os autores propõem uma história do tênis no Brasil contada pelos jogadores de destaque profissional. Foi traçado um perfil dos jogadores que figuraram entre os 50 do ranking da Association of Tennis Professionals (ATP) e da Women’s Tennis Association (WTA) e foram citados os que entraram para os 100 melhores do mundo. Visto que até 1973 não existia um ranking de tenistas profissionais, os autores recorreram à classificação tabulada pela revista americana World Tennis. Assim, “demos destaque aos melhores” tenistas brasileiros (CARTA & MARCHER, 2004, p. 14).

Além de entrevistas com esses jogadores outras fontes foram consultadas, entre elas, revistas e livros de tênis publicados no Brasil e no exterior; o acervo do Clube Athletico Paulistano que possibilitou o resgate de fotos e entrevistas com ex-tenistas; o acervo Carta/Marcher que contém entrevistas com diversos tenistas registradas em fita cassete e disquete; e alguns sites.

Outro acervo consultado foi o da Biblioteca do Wimbledon Law Tennis Museum. Destaca-se que Wimbledon é um dos quatro principais torneios de tênis no cenário internacional. Também, foram citados nomes de tenistas de reconhecimento internacional que concederam entrevistas em revistas de tênis europeias comentando o jogo de tenistas brasileiros.

Por meio das fontes, os autores dão enfoque nos rankings e resultados dos tenistas brasileiros, nas conquistas e nos jogos disputados. Ao mesmo tempo traçam um perfil dos jogadores que juntamente com as entrevistas irão situar momentos históricos do tênis. Nesse movimento é estabelecida uma periodização histórica do tênis no Brasil, subdividida em quatro momentos: Primeiros passos nos anos de 1940 e 1950; Anos dourados na década de 1960; A modernização do tênis nos anos de1970 e 1980; Apogeu do tênis brasileiro masculino na década de 1990 e na sua transição para os anos 2000. O tênis no Brasil na década de 1940 e 1950 era tido como um esporte de “gente fresca”, como citam os autores. Em geral, porque o esporte era praticado nos clubes principalmente de tradição inglesa e alemã, e quadras públicas praticamente não existiam. Destaca-se que apesar de uma minoria ser praticante nos clubes, o tênis já se organizava. Os palcos dos torneios eram os clubes, e alguns jogadores já se destacavam, entre eles Armando Vieira, Alcides Procópio e Manoel Fernandes. Em 1955 criou-se a Confederação Brasileira de Tênis (CBT), através de esforços, principalmente de Milton Motta, Paulo da Silva Costa e Alcides Procópio.

Assim os autores retratam as décadas de 1940 e 1950 como “primeiros passos” do tênis brasileiro. Mesmo com alguns jogadores de destaque e instituições nascendo, o tênis nacional ainda era incipiente. Alcides Procópio, um tenista entrevistado da década de 1930, conta que o nível dos jogadores brasileiros era inferior ao dos europeus e quando jogavam no exterior dificilmente ganhavam alguma partida. Desse modo, seguir carreira de tenista profissional não era fácil no Brasil.

A década de 1960 é apontada como o período dos “Anos dourados” do tênis brasileiro. Foi o momento em que o Brasil ganhou destaque no cenário do tênis mundial. Maria Esther Bueno e outros jogadores receberam holofotes em razão dos êxitos nos torneios internacionais. Carta e Marcher (2004, p. 96) ressaltam que os anos 60 foram de fato promissores, porém tiveram a base construída nas décadas anteriores.

Na realidade brasileira, por sua vez, houve maior propagação do tênis tanto na formação de novos praticantes quanto na de expectadores, explicada por dois motivos. Primeiro, Maria Esther Bueno sagrou-se campeã em Wimbledon resultando em um acompanhamento da imprensa brasileira. Ela chegou, pela primeira vez, ao posto de número 1 do ranking em 1959, feito conseguido por outro brasileiro, Gustavo Kuerten, somente nos anos 2000. O segundo motivo, as atuações brasileiras na Copa Davis, que na década de 1970 lotaram quadras brasileiras no embate entre o Brasil e outros países.

Até o final da década de 1960 o tênis brasileiro se portava como amador. Em entrevista, os tenistas relatam que para disputar partidas no exterior demandavam expressivas quantias financeiras, por isso quando saiam do Brasil eles se hospedavam em casas de famílias, atuavam como professores de tênis para angariar fundos e estavam frequentemente contando o dinheiro para as viagens. Entretanto, essa realidade era para uma fração dos competidores, já que nos clubes, como revela o livro, a maior parte dos praticantes de tênis representava a alta sociedade.

Destaca-se que muitos tenistas brasileiros passaram temporadas em universidades americanas e alguns após encerrar carreira de atleta, ou mesmo ainda em atividade, tornaram-se professores de tênis nos Estados Unidos. Considerando que dos EUA os tenistas brasileiros mantinham contato com outros no Brasil ou até voltavam para ser técnicos da modalidade, pode-se entender que o ensino de tênis em nosso país foi influenciado nos anos 1960 e 1970 pelo tênis americano considerado como uma vitrine mundial.

Nem todos os jogadores tornaram-se professores/técnicos. Luiz Felipe Tavares, um dos entrevistados, transformou-se em empreendedor. Ele recorda que as dificuldades enfrentadas em sua carreira acabaram levando-o para o setor empresarial. Na década de 1970, Luiz Felipe Tavares firmou parceria com Thomaz Koch. Os dois foram responsáveis pela criação da empresa de marketing esportivo Koch Tavares, que organizara, entre outras ações, torneios internacionais no Brasil. A Koch Tavares, de acordo com os comentários de Juliano Tavares, sócio da empresa e irmão de Luiz Felipe Tavares, oportunizou aos jogadores brasileiros disputarem torneios que contabilizassem pontos para o ranking mundial.

A Koch Tavares pode ser considerada, segundo Carta e Marcher (2004), uma representante da modernização do tênis brasileiro na década de 1970 e 1980. Este período é representativo pelo aumento da realização de grandes torneios no Brasil, pela maior preocupação dos veículos midiáticos na divulgação da modalidade e pela criação da Revista Tênis, editada pela Koch Tavares. Ainda, nesse período a prática do tênis se profissionalizou.

A modernização abriu as portas para o tênis enquanto negócio e rendimento esportivo. Em muitas competições o jogo deixara de ter “brilho” porque os belos golpes produzidos por talentosos tenistas passaram a visar, sobretudo, o lucro.

Em meio à modernização houve o aparecimento de mulheres nos circuitos de tênis. Até então Maria Esther Bueno era a brasileira de maior expressão no cenário internacional. Nos anos de 1970 e 1980 o Brasil também conheceu Niege Peliano Dias e Patrícia Medrado.

Patrícia Medrado jogou profissionalmente e atuou como técnica. Ela relata aos autores do livro que a escassez do público feminino na condição de praticante de tênis, em geral, era em razão das mulheres serem menos ligadas ao esporte do que os homens. Considerando sua experiência como técnica, ela pôde perceber que tal problema era também cultural, pois no Brasil as meninas demoravam a ter independência em suas vidas, e para jogar tênis era preciso ousadia, vontade de jogar e treinar, condições que levaram muitas atletas a desistirem.

Nos anos de 1990 o tênis no Brasil já dispunha de diversos praticantes e alguns jogadores destacavam-se como profissionais, o caso de Fernando Meligeni, Jaime Oncins, Flavio Saretta, Gustavo Kuerten, entre outros. Contudo, para Carta e Marcher (2004), muito teria de avançar para ser um esporte popular.

A marca de sua não popularização diz respeito à falta de excelência na organização da modalidade por parte da Confederação Brasileira de Tênis (CBT) e dos poderes públicos e privados. Porém, tomar esta explicação como única, em um país apaixonado por futebol e influenciado por diversas tradições populares, seria um equivoco.

O fato é que o tênis continuara sendo jogo elitista e praticado principalmente em clubes e academias particulares. O livro surpreende pela riqueza e diversidade das fontes e pela escrita da história proposta pelos autores que não se limitaram ao memorialismo típico de ex-atletas, que comumente escrevem sobre o passado das modalidades esportivas de maneira saudosista. As argumentações se desenvolvem a partir de evidências e de análises, por vezes críticas.

O envolvimento dos autores no universo do tênis certamente contribuiu na localização e na produção das fontes históricas, que privilegiaram os acontecimentos envolvendo os principais tenistas ranqueados no cenário brasileiro e internacional. Trata-se de uma história do tênis no Brasil contada a partir da elite da modalidade.

Por outro lado, o livro desafia os pesquisadores a produzirem memórias e histórias do tênis brasileiro a partir de diferentes fontes que privilegiem acontecimentos cotidianos em clubes, academias, campeonatos, enfim, em quadras, e em torno delas, ocupadas por praticantes de diferentes cidades. Portanto, trazer novos fatos e experiências, não só de tenistas profissionais, mas também de outros praticantes e de diversas localidades, são necessidades para maior compreensão da história do tênis no Brasil.

Referência

CARTA, Gianni; MARCHER, Roberto. O tênis no Brasil: de Maria Esther Bueno a Gustavo Kuerten. São Paulo: Códex, 2004.


Resenhistas

Michel Pompolini Paiva – Bacharel em Educação Física pela Universidade Estadual de Londrina. Professor de tênis no Country Clube Londrina. E-mail: [email protected]

Edivaldo Góis Junior – Doutor em Educação Física pela Universidade Gama Filho (UGF). Professor adjunto na Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campina (UNICAMP). E-mail: [email protected]

Tony Honorato – Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista (FCL/UNESP). Professor adjunto no Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

CARTA, Gianni; MARCHER, Roberto. O tênis no Brasil: de Maria Esther Bueno a Gustavo Kuerten. São Paulo: Códex, 2004. Resenha de: PAIVA, Michel Pompolini; GÓIS JUNIOR, Edivaldo; HONORATO, Tony. Recorde: Revista de História do Esporte, v.7, n.1, jan./jun. 2014. Acessar publicação original [DR]

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