Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo | Anita Leocadia Prestes

Publicado em abril de 2017, quando completam 75 anos da morte de Olga Benário, o livro Olga Benário Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo não é o primeiro trabalho em que a historiadora Anita Leocadia Prestes se dedica ao reconhecimento da história de luta que é herdeira, possuindo sólida bibliografia publicada sobre o trabalho e a vida política de Luiz Carlos Prestes, com quem dividiu por décadas, para além dos laços de sangue, a trajetória de luta pela causa comunista.

Nesse novo trabalho a autora se dedica à história de sua mãe, Olga Benário, militante comunista assassinada pelo governo nazista, após sofrer anos de prisão e trabalho forçado em campos de concentração. Anita Prestes nos apresenta a história de luta e resistência da jovem Olga, acessível por meio da documentação organizada em oito dossiês da Gestapo, que somam cerca de duas mil páginas sobre a prisioneira Olga Benario (Processo Benario). O dossiê em questão abarca o período de cerca de seis anos em que Olga esteve sob custódia da Polícia Secreta Alemã. A obra de Anita Prestes é resultado da pesquisa a essa documentação, digitalizada e disponibilizada para consulta pública desde 2015 por meio do Projeto Russo-Alemão para digitalização de documentos alemães nos arquivos da Federação Russa.

Para dialogar com essa documentação, que inclui relatórios oficiais, correspondências internas da polícia secreta alemã e correspondências pessoais da prisioneira, a autora chama ao debate o trabalho biográfico de Fernando Novais sobre Olga (1985), o pesquisador alemão do tema Robert Cohen, a jornalista Sarah Helm em sua aclamada obra Se isto é uma mulher e a publicação de Lygia Prestes, Anos tormentosos, que reúne as correspondências de Luiz Carlos Prestes em seu período na prisão.

Ao pesquisar e escrever sobre Olga Benario a historiadora inescapavelmente pesquisa e escreve sobre si mesma. Anita Prestes é personagem importante na história de Olga e está mencionada por diversas vezes nos documentos. Embora seja uma história pessoal, é também o resultado de pesquisa historiográfica. Na obra é a pesquisadora Anita Prestes que se refere a si na primeira pessoa, a personagem histórica Anita Prestes, filha de Olga Benario, é apresentada no texto, no contexto dos fatos, em terceira pessoa (Cf. p. 25).

O volume é dividido em oito capítulos, abordando cronologicamente a trajetória de Olga Benario no cenário político, desde a sua atuação de destaque na Juventude Comunista e o ingresso no Partido Comunista da Alemanha (KPD), até o seu assassinato na câmara de gás em Dessau. Ao final do texto da autora, são reproduzidas algumas fotografias de Olga Benário, Luiz Carlos Prestes, a Anita Prestes criança com sua avó Leocadia, além de imagem do documento de identidade de Anita Leocadia Prestes fornecido pelo governo alemão.

Na sequência das imagens, cinco anexos ainda compõem a obra, sendo estes, respectivamente: transcrição de correspondência inédita entre Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes; passaporte que o Consulado da Alemanha concedeu a Olga Benario no Rio de Janeiro, em setembro de 1936; documentação referente a Erma Kruger (nome adotado por Olga em algumas de suas atividades clandestinas) obtida na polícia da França; reprodução do original da primeira carta de Olga Benario Prestes a Luiz Carlos Prestes, redigida em francês em dezembro de 1936; reprodução do original de carta de Luiz Carlos Prestes para Olga Benario, escrita em alemão em julho de 1940. Por último, a obra conta ainda com uma cronologia da vida de Olga Benario Prestes.

O primeiro capítulo, Olga Benario: uma jovem comunista na luta pela revolução mundial, introduz a história de Olga, sua relação com a revolução comunista e seu breve relacionamento com Otto Braun, dirigente do KPD. Aborda a circunstância em que Benario e Prestes se conhecem e se tornam “marido e mulher de verdade” (p.18), como enfrentam o período de clandestinidade no Brasil, as perseguições e a prisão, em 1936, pouco antes de Olga descobrir que estava grávida. Destaca ainda o empenho do governo brasileiro, representado pelo então presidente Getúlio Vargas e seu chefe de polícia Filinto Müller, em realizar a extradição de Olga Benario para a Alemanha nazista ainda grávida, contrariando as leis brasileiras em vigor. Embora breve, esse primeiro capítulo versa sobre quem foi Olga Benario, seu comprometimento com a causa do comunismo e a revolução, seu relacionamento com Luiz Prestes e a participação no enfrentamento ao fascismo no Brasil.

O capítulo seguinte, A extradição de Olga para a Alemanha nazista, apresenta os cuidados que foram tomados para que a prisioneira política, grávida de sete meses na ocasião, chegasse ao seu destino evitando possíveis tentativas de resgate. Trata ainda das condições precárias da viagem de extradição, realizada no navio cargueiro La Coruña, e a recepção de Olga Benario e Elise Ewert (também extraditada) ao chegarem a Hamburgo em outubro de 1936. A dura atuação da Gestapo e o tratamento rígido aplicado a Olga na prisão feminina onde fora detida, era publicamente justificada por ser a prisioneira judia e “comunista perigosa”. O nascimento de Anita Leocadia ocorre pouco mais de um mês após a chegada de Olga a Alemanha, na enfermaria da prisão de Barnimstrasse, onde Olga foi mantida inicialmente em prisão preventiva.

O terceiro capítulo versa sobre A Campanha Prestes, empreendida por Leocadia Prestes, mãe de Luiz Carlos Prestes, em prol da libertação de Olga e Elise, que mobilizou setores da sociedade e imprensa por várias partes do mundo. Leocadia e diversas personalidades destacadas se pronunciaram enfrentando a rigidez da SS, exigindo tratamento adequado a Olga e Elise, a imediata libertação das mesmas, ou mesmo a divulgação de notícias sobre a situação das prisioneiras e o nascimento do bebê de Olga, informações tratadas com sigilo pela SS durante meses após a extradição.

O capítulo seguinte aborda o período de Olga na prisão de Barnimstrasse, isolada por meses em “prisão preventiva”, mesmo após o nascimento da filha, e constantemente interrogada pela Gestapo. A autora aprofunda a análise da documentação desse período para mostrar as estratégias utilizadas pela polícia nazista na tentativa de obter de Olga sua confissão pelas atividades com o comunismo. Sob a alegação de ser uma prisioneira “inteligente e perigosa”, a Gestapo restringiu ao máximo o contato de Olga com o mundo fora da prisão, proibindo visitas e censurando correspondências. Além disso, Olga vivia sob constante ameaça de ser separada de sua filha. Todas as tentativas de comprovar cidadania brasileira por casamento com Luiz Carlos Prestes foram sendo constantemente frustradas. A questão da comprovação do casamento é apresentada pela autora como argumento central nos processos que buscaram a libertação de Olga. Mesmo tendo Leocadia e Lygia Prestes buscado em Moscou e Paris, o documento jamais foi encontrado.

Outra complicação provocada pela inexistência da certidão de casamento foi no processo para A libertação de Anita, tema explorado no quinto capítulo. A Gestapo criou empecilhos que dificultavam a comprovação da paternidade de Anita e o parentesco desta com Leocadia Prestes. Em determinado momento do processo a Gestapo chega a reconhecer Luiz Carlos Prestes como genitor de Anita, mas os relatórios deixam claro que não havia nenhuma intenção de validar o casamento, visto que todas as possibilidades apresentadas para tal reconhecimento eram rebatidas com argumentações em contrário. A entrega de Anita para a avó Leocadia foi condicionada a uma série de medidas e exigências da Gestapo, incluindo a expedição de um atestado médico comprovando que a criança estava em perfeitas condições de saúde. As medidas tinham o intuito de resguardar a polícia nazista de eventuais futuras acusações de que a criança não havia recebido a devida assistência enquanto esteve sob custódia da instituição. A autora considera que a libertação de Anita Prestes só ocorreu por força das mobilizações e campanhas que atingiram grande repercussão na imprensa internacional, conforme demonstra em diversos momentos na obra.

Logo após ter sido separada de sua filha, Olga foi transferida para o campo de concentração de Lichtenburg, em fevereiro de 1938 (onde recusou-se a aceitar o prenome Sarah, obrigatório a todas as mulheres judias por exigência de lei), e posteriormente enviada para Ravensbrück, em maio de 1939. Estes períodos são abordados no sexto capítulo, A transferência de Olga para o campo de concentração de Lichtenburg, e no sétimo capítulo, Olga no campo de concentração de Ravensbrück. Nesses dois tópicos a autora apresenta, de um lado, as tentativas de Olga em comprovar o casamento com Luiz Carlos Prestes visando o reconhecimento da cidadania brasileira e uma possível libertação, e do outro, a insistência da Gestapo de extrair uma ampla confissão de Olga sobre sua participação no Comintern.

As investidas de Olga Benario por sua libertação, com apoio de Leocadia e Lygia Prestes, resultam em autorização de passaporte pelo Escritório Britânico em junho de 1939, além de uma resposta do Consulado do México permitindo a entrada de Olga no país, em agosto do mesmo ano. O asilo político era uma condição exigida pela Gestapo em casos de libertação de prisioneiros, o que chegou a ocorrer em vários outros casos contemporâneos ao Processo Benario. Todavia, os relatórios da polícia nazista demonstram que conceder liberdade a Olga Benario estava fora de questão. A esperança de Leocadia Prestes em obter a libertação de Olga é minada quando as correspondências com a Europa são interrompidas, na ocasião do início da Segunda Guerra, e a documentação de asilo enviada para a Alemanha retorna ao México.

Esses dois capítulos expõem ainda a atuação de Olga Benario nos campos de concentração onde foi mantida, tendo sido por diversas vezes interrogada com uso de tortura, além de ter sofrido punições com restrições alimentares e castigos corporais por resistir aos trabalhos forçados com rebeldia e por ter sido solidária na defesa das companheiras mais fracas.

O oitavo e último capítulo, O assassinato de Olga, traz o desfecho da história de vida de Olga Benario, por intermédio de seu assassinato em abril de 1942. A autora recorre aos relatos resgatados pela jornalista britânica Sarah Helm (Se isto é uma mulher, publicado em 2015), que apresentam as condições das prisioneiras do campo de concentração de Ravensbrück. Entre as impressionantes revelações que resultaram da investigação de Helm, é destaque a atribuição dada às prisioneiras secretárias. Elas eram responsáveis por redigir as certidões e óbito das vítimas da câmara de gás de Bernburg e escrever as cartas aos parentes das vítimas comunicando as mortes, cujas causas eram registradas oficialmente por alguma doença inventada.

A morte de Olga Benario foi registrada na documentação de óbito forjada como resultado de “insuficiência cardíaca causada por oclusão intestinal e peritonite” (p. 72). Mesmo após ter sido assassinada pelo regime nazista, ainda houve discussão acerca do destino que se daria aos seus objetos. Descartando a possibilidade de encaminhá-los para algum parente, os pertences de Olga acabaram sendo registrados como “espólio de uma prisioneira judia falecida” e entregues ao Departamento Central do Reich para “distribuição aos mais necessitados de nosso povo” (p.79). Apenas a mãe de Olga, Eugenie Benario, com quem Olga já havia rompido relações há anos, foi informada oficialmente de sua morte. Leocadia e Luiz Carlos Prestes só tomaram conhecimento da confirmação da morte de Olga em 1945, com o término da guerra.

Nos últimos parágrafos do texto de Anita Leocadia Prestes, pesquisadora e pesquisada parecem finalmente se encontrar. A autora dedica algumas linhas para destacar as marcas que a perda de Olga Benario Prestes deixou em sua família e que seu pai, Luiz Carlos Prestes, durante sua vida sempre buscou honrar a memória de Olga, recordando o seu martírio como uma das tantas vítimas dos horrores produzidos pelo fascismo. Entre os trabalhos já publicados sobre a história de Olga Benario, incluindo uma biografia (1985) e um filme de produção brasileira (lançado em 2004 como adaptação cinematográfica da biografia), o livro de Anita L. Prestes é especialmente relevante, tanto por trazer uma análise de documentação inédita produzida pelo regime nazista sobre uma prisioneira e inimiga política, como também por ser a obra da filha, renomada pesquisadora, em memória de sua mãe, a quem a autora dedica sua obra juntamente a todos os que tombaram na luta contra o fascismo.


Resenhista

Giseli Origuela Umbelino – Mestre em Ensino de História pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de História (ProfHistória) UFMT (2018), licenciada em História pela mesma instituição (2014). Professora da rede estadual de educação básica do Estado de Mato Grosso (2015-atualmente).


Referências desta Resenha

PRESTES, Anita Leocadia. Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo. São Paulo: Boitempo, 2017. Resenha de: UMBELINO, Giseli Origuela. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 13, n. 25, p. 93-98, Jan./Jun. 2019. Acessar publicação original [DR]

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