Os arquitetos da política externa norte-americana | Reginaldo Mattar

Como entender o papel dos EUA no sistema internacional? A política externa do país seria expressão da busca de poder? Em que medida os operadores da política externa determinam a inserção internacional do país? Essas são questões sempre importantes, ainda mais em momentos de alternância na presidência, como no caso de Bush e Obama. Como avaliar e o que esperar da política externa dos EUA? O livro de Reginaldo Nasser aborda essas questões em um momento especialmente relevante: os anos entre a guerra contra a Espanha, em 1898 e o estabelecimento da Liga das Nações, em 1919. Esse é um período riquíssimo da história norte-americana, em que o país desponta como grande potência e passa a participar de forma decisiva dos assuntos relativos à ordem internacional. Muitas das raízes da política externa dos EUA encontram-se nesse intervalo e seu exame demonstra que análises que desprezem ideias e percepções de seus principais atores em troca de modelos teóricos mais abstratos podem ficar seriamente limitadas.

O livro é constituído de 194 páginas, divididas em 5 partes. A primeira parte é a apresentação e talvez ela pudesse ser mais esquemática ao apresentar a estrutura, o objetivo e as conclusões do livro. A segunda parte traz uma interessante discussão sobre teoria e história em Relações Internacionais, e é sobre ela que se ampara a parte forte do livro: uma constante discussão entre Realismo e Idealismo, e as decisões tomadas em termos de política externa. A teoria Realista, por exemplo, pressupõe que o Estado busque a maximização do poder, procurando obter maiores ganhos relativos frente aos seus contendores e, quanto maior for o seu sucesso nessa empreitada, maior será sua influência nos assuntos relativos à ordem internacional. Assim, de modo geral, a entrada dos EUA como ator decisivo na arena global seria consequência natural do seu crescente acúmulo de poder. Sem desprezar a teoria, Nasser aponta os dilemas e os embates enfrentados por políticos, acadêmicos, burocratas, homens de negócios, entre outros, na escolha das diretrizes da inserção internacional dos EUA: em que medida se expandir? Anexar? Dominar? Fazer alianças? Ao discutir o Idealismo, que previa a possibilidade de se chegar à Paz Internacional por meio de arranjos cooperativos calcados no respeito ao Direito e, particularmente, à soberania e à autodeterminação dos povos, Nasser expõe que os formuladores norte-americanos não deixaram de usar o poder e a violência em casos particulares e que a distinção entre povos civilizados e não-civilizados era tida como importante para o sucesso da cooperação internacional.

Com isso, Nasser argumenta que nada há de automático na crescente participação do país no centro das decisões políticas internacionais e que, mesmo aquela participação era resultado de disputas sobre concepções diferentes a respeito das relações internacionais e do papel que os EUA poderiam e/ou deveriam assumir. A terceira e a quarta partes do livro são dedicadas ao desenvolvimento do argumento a partir da reconstituição do período.

A terceira parte vai da Guerra contra a Espanha à Grande Guerra. Nela, Nasser reconstitui os argumentos e os interesses que justificaram a atuação intervencionista dos EUA no hemisfério ocidental, considerada sua zona de influência. O autor perpassa a Doutrina Monroe e o Corolário de Roosevelt, assim como a máxima de não se envolver em alianças com os europeus. Deve-se destacar como a noção de “civilização” foi fundamental para sustentar a ideia de Responsabilidades Especiais sobre a América Latina, e que o argumento racista contribuiu para a não anexação de Cuba. Discute-se o momento em que o país decidiu se iria ou não se tornar uma potência colonizadora ou um império, após derrotar a Espanha e assumir o domínio de Guam, Porto Rico, Cuba e Filipinas, assim como a expansão dos interesses e da política de poder dos EUA para o Pacífico e para a Ásia. Destaca-se também a figura de Theodore Roosevelt como o primeiro presidente norte-americano – valendo-se de argumentos civilizatórios e da superioridade moral dos EUA por conta de seu sistema democrático, assim como pela percepção de oportunidades materiais – a buscar intensamente direcionar os EUA para uma política mais ativa, e até imperialista, para além do hemisfério.

A quarta parte traz o período em que os EUA entraram definitivamente no centro de decisão mundial em decorrência de sua participação na I Guerra Mundial e, principalmente, do seu papel na articulação da ordem pós-conflito. O destaque fica por conta das ideias do presidente Woodrow Wilson que imprimiram um novo tom às relações internacionais, como a autodeterminação dos povos e a segurança coletiva. Embora esses sejam temas estudados com frequência, o texto salienta a importância das ideias do presidente para apontar que a política externa e o comportamento dos Estados nada têm de dados.

A quinta parte fecha o livro retomando uma crítica feita ao longo do texto sobre os estereótipos atribuídos à Roosevelt (o Realista) e Wilson (o Idealista). Tais atribuições dificilmente se sustentam mediante o exame histórico das políticas e posições defendidas pelos dois presidentes. Roosevelt defendera a criação de uma espécie de organização das nações civilizadas porque previa a diminuição da necessidade da manutenção de grandes marinhas e exércitos para criar ordem no mundo. Wilson, por outro lado, afirmava a necessidade de se ter um grande exército de prontidão para qualquer eventualidade. O que Nasser aponta com isso é que a rotulação incauta elimina da análise comportamentos que parecem contraditórios, mas que, na realidade, são fundamentais para entender mais profundamente a política externa dos EUA.

O texto é baseado em autores clássicos para o tema e não tem a pretensão de reportar pesquisa original. Seu valor está justamente na reconstituição do momento histórico, discutindo teorias de Relações Internacionais e análise de política externa, tendo como base empírica um período fundamental para o desenrolar da história das Relações Internacionais nos séculos XX e XXI. Nomear o livro Os arquitetos da política externa norte-americana, aliás, foi muito pertinente, já que a arquitetura deve sempre considerar a criatividade do ser humano e as possibilidades concretas de construção.


Resenhista

Thiago Lima – Professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba – UFPB e pesquisador do INCT – Instituto Nacional sobre Estados Unidos. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

NASSER, Reginaldo Mattar. Os arquitetos da política externa norte-americana. São Paulo: Educ, 2010. Resenha de: LIMA, Thiago. Meridiano 47, v.11, n.122, p.44-45, nov./dez. 2010. Acessar publicação original [DR]

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