Parcerias Almejadas: Política Externa/ segurança/ defesa e história na Europa | Estevão C. de Rezende Martins

Parte da série Parcerias Estratégicas do Brasil, publicada pela editora Fino Traço, Parcerias Almejadas: Política Externa, Segurança, Defesa e História na Europa, de Estevão Chaves de Rezende Martins, professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), apresenta uma versão atualizada das políticas externa, de segurança e de defesa gestadas sob a égide da União Europeia (UE), sem silenciar o peso das dinâmicas históricas do continente no desenvolvimento da integração europeia.

O livro divide-se em duas partes. Em um primeiro momento, uma análise do ponto de vista das Relações Internacionais, com ênfase nos temas de integração regional, em que se discute de modo profundo o desenvolvimento da integração europeia, iniciado na década de 1950, nos campos da política externa, segurança e defesa. Na segunda parte, a influência do historiador Estevão Martins fala mais alto por meio da construção de um panorama histórico do continente europeu, desde 1840 (período de intensas transformações econômicas, políticas e sociais na Europa) até a atualidade, perspectiva sem a qual não é possível compreender as reais motivações e limitações da construção da Europa, que deixa de ser uma ficção política, emanada por pensadores como Saint-Simon, Kant e Mazzini, para se tornar uma realidade parcialmente cumprida. Diferentemente do que é atualmente concebido, primeiro apresenta-se o desenvolvimento da Política Externa e de Defesa europeia e depois é ilustrado o quadro histórico que compõe e complementa o entendimento das causas estruturais dos caminhos trilhados pela integração europeia.

Após uma contextualização do lugar da Europa no mundo pós-Guerra Fria e pós-11 de setembro, na qual são enfatizados os elementos de mudança e de continuidade dentro das temáticas de segurança internacional, apresenta-se a evolução -sem suprimir tanto sucessos como fracassos- da estrutura da política externa e de defesa europeia. Esta já havia sido imaginada nos anos 1950 (com a proposta de uma Comunidade Europeia de Defesa, rejeitada), mas que só começa a ser gestada a partir dos anos 1970, com a institucionalização da Cooperação Política Europeia, em uma roupagem mais intergovernamental. A aprovação do Tratado de Maastricht, que institui a União Europeia, e a recente incorporação do Tratado de Lisboa dão a formatação atual da estrutura de política externa, de segurança e defesa europeia, ao estabelecer uma Política Externa de Segurança Comum e posteriormente um Serviço Europeu para a Ação Externa, braço diplomático da Europa nos negócios estrangeiros. Só após 60 anos de existência é possível identificar um esqueleto institucional mais sólido no que diz respeito à política externa da União Europeia. A construção europeia deve ser compreendida como um fenômeno de longo prazo, haja vista, segundo Habermas (2012), as dificuldades na constituição de uma comunidade política supranacional, que supere as bases políticas estabelecidas pelo Estado-nação desde o início da Modernidade.

A relação da Europa com atores extrarregionais é também destacada. O relacionamento da UE com os Estados Unidos, em temas de defesa, por meio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), mantém-se interdependente, tendo em vista a histórica inserção do continente europeu sob o guarda-chuva da OTAN, no contexto da Guerra Fria, e a diferenciação das capacidades político-militares da superpotência americana em relação a seus parceiros europeus. A manutenção de parcerias tradicionais caminha ao lado do estabelecimento de novas parcerias estratégicas com atores emergentes no cenário internacional. Nesse contexto, são apresentadas as Parcerias Almejadas, que dão título ao livro, as quais podem tanto complementar quanto concorrer com as parcerias tradicionalmente cunhadas. Segundo o autor, “faz parte das ambições da União projetar sua via alternativa para regiões ‘promissoras’ do mundo.” A parceria Brasil-União Europeia é exemplo dessa busca, por parte da UE, de se aproximar de países de projeção internacional ascendente. A negociação de acordo de livre comércio Mercosul-UE, desde 1999, e o estabelecimento de Parceria Estratégica com o Brasil, em 2007, representam essa aproximação econômica e política da Europa Comunitária com o Brasil.

A evolução da integração europeia não está desvencilhada dos processos históricos do continente europeu. A apresentação da história europeia contemporânea, remontando-se a meados do século XIX, insere a Europa em um contexto mais complexo, no qual as “forças profundas”, de Renouvin (1994), complementam a compreensão das variadas motivações as quais levaram os países europeus, provenientes de um passado de guerras traumáticas, a constituírem um projeto de integração ambicioso.

As dinâmicas identificadas na Europa do século XIX modificaram significativamente as estruturas política, econômica e social europeia. Entre essas, destacam-se a eclosão de movimentos liberais e democráticos pelo continente, que ensejaram em 1848 na Primavera dos Povos; o avanço do capitalismo industrial; a revolução tecnológica nos transportes e nas comunicações; a urbanização dos centros europeus; o desenvolvimento e/ou a consolidação de ideários nacionalistas. Esses processos tiveram como conseqüência uma nova onda colonizadora (imperialista) e o afloramento de rivalidades históricas entre os atores europeus, que levariam anos depois a conflitos de proporções inimaginadas.

Ao longo do século XX diversas “Europas” são visíveis, de acordo com o autor. Com os dois conflitos mundiais, o continente viveu uma situação de Europa Fragmentada, por meio das exclusões e estranhamentos entre os atores europeus. Após esse período de guerras traumáticas, várias “Europas” passam a conviver ao longo da conjuntura de polarização ideológica da Guerra Fria: uma Europa Americana, o lado ocidental da Cortina de Ferro, financiado pelo Plano Marshall; uma Europa Soviética, que passa a ser absorvida direta ou indiretamente como satélites pela União Soviética; e uma Europa Europeia, ainda embrionária, mas que levaria ao final da Guerra Fria à formação de facto da União Europeia. Nesse contexto histórico, Estevão Martins apresenta as discussões políticas envolvidas na construção do projeto europeu e as disputas e jogos políticos inseridos nas políticas de alargamento e aprofundamento da integração da Europa.

A combinação de uma análise política e internacionalista com uma abordagem histórica é uma das maiores contribuições tiradas da leitura de Parcerias Almejadas. O autor insere-se em uma visão otimista, porém não idealista, acerca da integração europeia, haja vista a crítica à fundação de estruturas jurídicas e políticas “fictícias” no âmbito da integração. Essa obra também é relevante como contribuição atualizada em relação ao projeto europeu, ao contemplar uma análise vasta sobre as alterações trazidas pela incorporação do Tratado de Lisboa. Ademais, apresenta uma visão brasileira de uma integração tão distante geograficamente, mas tão presente nas discussões acadêmicas da integração no MERCOSUL e na América do Sul.


Referências

HABERMAS, Jurgen. The crisis of the European Union: a response. Cambridge: Polity Press, 2012.

RENOUVIN, Pierre. Histoire des Relations Internationales. Paris: Hachette, 1994.

Resenhista

Bruno Theodoro Luciano – Bacharel e Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB, bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e Membro do Grupo de Pesquisa Teoria das Relações Internacionais, Brasil e América Latina – TRIBAL-UnB. E-mail:  [email protected]


Referências desta Resenha

MARTINS, Estevão C. de Rezende. Parcerias Almejadas: Política Externa, segurança, defesa e história na Europa. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. Resenha de: LUCIANO, Bruno Theodoro. Meridiano 47, v.14, n.137, p.43-45, maio/jun. 2013. Acessar publicação original [DR]

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