Produzindo projetos de pesquisa histórica com Inteligência Artificial: da questão aos objetivos específicos

A mistica do mestrado 1 Imagem IFIAMidjourney 2023 Inteligência Artificial
A mística do mestrado 1 | Imagem: IF/IA/Midjourney (2023)

 

Introdução

Colegas, bem-vindos à primeira sessão da oficina “Produzindo projetos de pesquisa histórica com Inteligência Artificial.” Hoje, vamos explorar os três primeiros elementos básicos da estrutura de um projeto de pesquisa: questão, hipótese e objetivos.

Espero que, ao final desta seção, você esteja capacitado a criar e ordenar logicamente uma questão, uma hipótese e objetivos geral e específicos para o seu anteprojeto de pesquisa.

Para que a meta seja atingida, é necessário muita predisposição da sua parte, no sentido de inventar e experimentar a partir dos seus interesses e carências, sem olhar para os lados (livre do preconceito).

Este encontro tem a duração de 120 minutos e exige o livre acesso ao Novo Bing e/ou ao Chat GPT. Exige também que você leia as descrições das duas linhas de pesquisa do PPGEAFIN, que podem ser acessadas neste link.


O problema é a questão

Toda pesquisa histórico acadêmica, independentemente do seu estado (exploratória, em andamento ou concluída) se inicia (ou se iniciou) com um plano ou projeto de pesquisa. Este plano ou projeto começa necessariamente com um problema.

O problema não é passo original da História. A formulação de uma questão orientadora para o trabalho do historiador é uma herança pouco reconhecida de Francis Bacon, que ao distanciar-se do silogismo aristotélico, costumava afirmar: se você quer produzir conhecimento novo, faça boas perguntas à natureza.

Nesta etapa do trabalho (o projeto), a pergunta não é objeto de crítica. Ela pode ser ingênua, pode já ter sido respondida por outros pesquisadores. Isso tudo será descoberto na revisão inicial da literatura.

Neste momento, importa apenas que você formule uma pergunta dentro dos padrões da língua portuguesa, ou seja, “frase com que se interroga”, iniciada com um pronome interrogativo ou, simplesmente, encerrada com um sinal gráfico de interrogação.

É fácil identificar este problema em projetos, mas vamos observar a sua sobrevivência em pesquisas concluídas. Este exercício reforça a nossa convicção sobre o seu caráter estrutural e deflagrador do problema de pesquisa.

Leia a introdução do livro Sobre o autoritarismo brasileiro, de Lilia Schwarz. Ali, você vai encontrar de modo implícito (e logo no título) as seguintes questões: “Quais as raízes do autoritarismo brasileiro?” “Quais as consequências da permanência do caráter autoritário da sociedade brasileira para a maioria da população?”

Agora, tente formular você mesmo uma questão, partindo de uma carência na vida prática (um incômodo, um desacerto no seu entorno).

Se você formulou uma questão, como fez Schwarcz, necessária e implicitamente você já tem um objetivo, ou seja, já tem um “resultado ou meta que se quer atingir numa ação”, “alvo, fim, finalidade, objeto, propósito”. Diferentemente da questão, caracterizada por um pronome interrogativo, o objetivo é nucleado por um verbo: é uma ação.

É o que podemos observar no trabalho de Schwarcz. Para a pergunta “Quais as raízes do autoritarismo brasileiro?”, a autora apresenta um objetivo: “reconhecer algumas das raízes do autoritarismo no Brasil, que têm aflorado no tempo presente, mas que, não obstante, encontram-se emaranhadas nesta nossa história de pouco mais de cinco séculos” (Schwarcz, 2019).

Tente você fazer o mesmo. Pense na ação necessária para responder à questão formulada e enuncie o seu objetivo nucleado por um verbo.

Se você já formulou uma questão de pesquisa, que gerou necessariamente um objetivo de pesquisa, você tem respostas provisórias que podem ou não estar implícitas no enunciado da questão e/ou do objetivo.

No caso de Schwarcz, que não usa a palavra “hipótese” em parte alguma do livro, a primeira “afirmação ou relação especulativa entre duas ou mais variáveis” é a de que a consolidação centenária dos mitos sobre o país e sobre a sociedade brasileira podem ser causas da sobrevivência do autoritarismo no Brasil recente. Estes mitos são: a existência de uma convivência harmônica (“sem conflitos”), a aversão a “qualquer forma de hierarquia” e a convivência em “democracia plena” entre raças, religiões e gêneros.

Uma segunda hipótese implícita no texto de Schwarcz é a de que sobrevivência secular de tais mitos que naturalizam a “desigualdade” – típicos de “governos autoritários” – geram consequências nefastas e duradoras para a maior parte da população brasileira: racismo, mandonismo, patrimonialismo, corrupção, desigualdade social, violência, preconceito racial e de gênero e intolerância, sobretudo religiosa.

Observem que o objetivo central permanece: “reconhecer algumas das raízes do autoritarismo no Brasil”. Mas esta meta ganha traduções menos abstratas, pois já se trata de demonstrar que a marca autoritária da sociedade brasileira está, por exemplo, no racismo manifesto, desde o século XVI. Assim nascem os objetivos específicos.

Se Schwarcz fosse uma espécie de vidente, no ato de formular o projeto de pesquisa organizaria questão, hipóteses e objetivos à maneira do quadro 1:

 

Quadro 1.
Questão: Quais as raízes do autoritarismo brasileiro?
Hipótese: O autoritarismo brasileiro provém da criação e consolidação de mitos sintetizados na expressão “democracia racial”.
Objetivo geral: Demonstrar que a naturalização da desigualdade por meio da invenção e consolidação de mitos como a “democracia racial” são características de “governos autoritários”.
Objetivos específicos:
Demonstrar a relação entre o racismo secular da sociedade brasileira e as tentativas de renovação do mito da democracia racial.
Demonstrar a relação entre o “mandonismo” secular da sociedade brasileira e as tentativas de renovação do mito da democracia racial.
Demonstrar a relação (…)

 

Se você chegou até aqui, já deve estar se questionando: “Onde entra a Inteligência Artificial?” Eu respondo sem rodeios. Toda ferramenta baseada em IA, obviamente, configura-se como um instrumento, ou seja, uma extensão do pensamento humano. Ela é um auxiliar ao trabalho do futuro historiador na elaboração do projeto de pesquisa.

Esse auxílio pode se dar em diferentes níveis de complexidade. Quanto mais você domina os conceitos, habilidades e valores aprendidos analogicamente no curso de graduação, mais autonomia gozará diante das ferramentas de IA.

A primeira possibilidade de uso é a que eu menos admito: inspirar a construção de problemas de pesquisa a partir de temas de pesquisa. Admito com desprazer porque entendo que a questão de pesquisa deve refletir uma carência na vida prática, orientada por valores ou princípios ideológicos experimentados pelo projetista. A realidade dos graduados, porém, supera esse meu princípio e desejo, como exemplificado no exemplo caricato que se segue


Eu sou Bento

Bento é filho de remanescente quilombola. Conhece muito sobre a memória da sua comunidade e já leu dois livros sobre quilombolas no Brasil. Ele quer entrar para o mestrado em História do PPGEAFIN da Uneb. Contudo, não há sinal de internet onde ele mora e o humano especialista em quilombolas está a 100km de distância. Bento pode, assim, conversar com a máquina e pedir uma lista de questões para deflagrar o seu projeto. Esse diálogo é reproduzido no quadro 2:

Quadro 2.
Bento: Liste dez questões sobre a experiência de quilombolas na região da grande Jacobina que me possibilitem iniciar a elaboração de um projeto de Mestrado.
Chat GPT:
1.      Como se deu a formação e desenvolvimento dos quilombos na região da Grande Jacobina ao longo do tempo, considerando os contextos históricos, políticos e sociais?
2.      Quais são as principais tradições culturais e práticas preservadas pelos quilombolas na região da Grande Jacobina, e como elas evoluíram ao longo das gerações?
3.      Como as comunidades quilombolas da Grande Jacobina se relacionam com o meio ambiente e os recursos naturais, e quais são as práticas sustentáveis que podem ser identificadas nesses grupos?
4.      Quais são as principais lutas e desafios enfrentados pelas comunidades quilombolas na região da Grande Jacobina em relação à garantia de direitos, acesso à terra e reconhecimento?
5.      Como se dá a organização política e social das comunidades quilombolas na Grande Jacobina e quais são as estratégias de resistência adotadas por esses grupos?
6.      De que forma a educação formal e não formal é desenvolvida nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, e quais são os principais desafios enfrentados na promoção da educação de qualidade e culturalmente relevante?
7.      Como a identidade quilombola é vivenciada e transmitida nas comunidades da Grande Jacobina, considerando as dinâmicas de gênero, geração e intercâmbio cultural?
8.      Como a saúde e o bem-estar são compreendidos e promovidos nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, levando em conta as práticas tradicionais e a relação com o sistema de saúde formal?
9.      De que forma as comunidades quilombolas da Grande Jacobina interagem com outras comunidades tradicionais, povos indígenas e o restante da sociedade, considerando as relações de cooperação e conflito?
10.   Quais são as principais narrativas e histórias de vida dos quilombolas na Grande Jacobina, e como essas experiências individuais e coletivas contribuem para a compreensão do passado e do presente dessas comunidades?

 

Aviso importante: não tente lutar contra a máquina. Lembre: bots são “máquinas”. Não inicie o seu pela busca dos defeitos da máquina. Tente localizar ideias executáveis, em primeiro lugar.

Se agir dessa forma proativa, perceberá que a máquina fornece respostas com alto grau de plausibilidade entre as habilidades e conhecimentos – historiar formação comunitária (1), identificar percepções de identidade (7) ou identificar interações sociais com povos indígenas (9).

Vai perceber ainda que a máquina fornece respostas com alto grau de plausibilidade entre habilidades, conhecimentos e valores. Observe que a maioria das questões (quadro 2) possui orientação progressista em relação ao princípio de igualdade.

Isso ocorre porque a sua base de dados das máquinas, até onde sabemos, reúne uma vulgata formada de segmentos de textos previsíveis, constituída ao longo de décadas por pesquisadores especialistas que publicaram suas ideias sobre aquele tema.

Vejamos, agora, outro auxílio importante para o companheiro Bento, que está longe da internet e dos especialistas: a geração de objetivos e hipóteses a partir de uma questão fornecida pela própria máquina. Tire proveito da vulgata replicada pela máquina e as virtudes apresentadas acima se repetirão. Observe o quadro 3.

 

Quadro 3.
Bento: Gere cinco hipóteses coerentes com este problema de pesquisa: “De que forma a educação formal e não formal é desenvolvida nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, e quais são os principais desafios enfrentados na promoção da educação de qualidade e culturalmente relevante?”
Chat GPT:
1.      Hipótese: A educação formal nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina pode ser insuficiente em termos de infraestrutura e recursos, dificultando o acesso dos estudantes quilombolas à educação de qualidade e adequada às suas realidades culturais.
2.      Hipótese: A educação não formal nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, como a transmissão de conhecimentos e práticas culturais, pode ser fundamental na preservação da identidade quilombola e na construção de um senso de pertencimento, complementando a educação formal.
3.      Hipótese: A formação e capacitação de professores quilombolas na Grande Jacobina pode ser um fator crucial para garantir uma educação culturalmente relevante, mas enfrenta obstáculos como a falta de oportunidades de formação específica e o reconhecimento de sua importância.
4.      Hipótese: A implementação de políticas públicas e ações afirmativas voltadas para a educação nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina pode enfrentar barreiras devido à falta de articulação entre os órgãos governamentais, a comunidade e as lideranças quilombolas.
5.      Hipótese: O uso de tecnologias de informação e comunicação nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina pode ter um impacto significativo no acesso à educação formal e não formal, porém, a falta de infraestrutura e acesso à internet de qualidade pode limitar essas oportunidades.

 

Suponhamos, por fim que o nosso Bento tenha simpatizado com a primeira hipótese. Ele pode pedir que o Chat GPT elabore objetivos geral e específico com base nas escolhas efetuada até agora. Combinando a questão e a hipótese escolhida (acima) e as respostas sobre objetivos, ele terá finalizado a estrutura mínima do projeto, como descrito no quadro 4.

 

Quadro 4.
Problema:
De que forma a educação formal e não formal é desenvolvida nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, e quais são os principais desafios enfrentados na promoção da educação de qualidade e culturalmente relevante?
Hipótese:
A educação formal nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina pode ser insuficiente em termos de infraestrutura e recursos, dificultando o acesso dos estudantes quilombolas à educação de qualidade e adequada às suas realidades culturais.
Objetivo Geral:
Analisar a educação formal e não formal nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, identificando os principais desafios e fatores que dificultam o acesso à educação de qualidade e culturalmente relevante para os estudantes quilombolas.
Objetivos Específicos:
1.      Investigar as condições de infraestrutura e recursos das escolas nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, a fim de identificar possíveis limitações que afetam a qualidade da educação formal.
2.      Examinar as práticas pedagógicas utilizadas na educação formal nessas comunidades, avaliando se são adequadas às realidades culturais dos estudantes quilombolas e se contemplam aspectos importantes de sua identidade.
3.      Estudar a relação entre a educação formal e a educação não formal nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, analisando como a transmissão de conhecimentos e práticas culturais ocorre e se complementa à educação formal.
4.      Avaliar as políticas públicas e programas existentes voltados para a educação nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, identificando possíveis lacunas e áreas de melhoria para garantir o acesso dos estudantes quilombolas à educação de qualidade e culturalmente relevante.

 

Nós já sabemos que Bento é um noviço na pesquisa sobre quilombolas. Mas isso não o impede de avaliar as respostas da máquina. Com calma e atenção, ele pode estimar o grau de plausibilidade da relação entre as habilidades e os conhecimentos de cada objetivo específico – Investigar “infraestrutura e recursos” da escola (1), conhecer a “relação entre educação formal e educação não formal” (3).

Bento pode avaliar o grau de plausibilidade entre as habilidades entre os objetos do conhecimento de todos os objetivos específicos – “infraestrutura e recursos” (1), “políticas públicas e programas” (4), “limitações que afetam a qualidade” (1) e “lacunas e áreas de melhoria” (4).

Bento pode, por fim, observar o movimento do mais abstrato ao menos abstrato em termos de objeto do conhecimento – a relação entre “educação formal e educação não formal (objetivo geral) e as formas de “transmissão de conhecimentos e práticas” (3) e a qualidade das “políticas públicas e programas (4) – e em termos de habilidades – “analisar” (objetivo geral) e “identificar” (1) e “avaliar” (4). Efetivamente, os objetivos específicos traduzem o objetivo geral, ou seja, tornam o objetivo geral realizável, porque o detalham.

Lembrem que Bento não conhecia a lógica que envolvia o esquema inicial do projeto: a questão que determina o objetivo e a hipótese e o objetivo que é traduzido em objetivos detalhados (os objetivos específicos).

Bento, contudo, não é tábula rasa. Ele aprendeu a raciocinar com ordem e segundo princípios de causa/consequência, coerência e coesão. Avaliando minimamente as respostas da máquina, ele aprendeu a relacionar os elementos básicos da primeira parte de um projeto de pesquisa. Se fizer isso várias, vezes, Bento poderá aprender com a máquina e ampliar a sua autonomia em relação à máquina e ao especialista. 


Eu não sou Bento

Vimos o uso da máquina por um leigo. Mas suponhamos que você esteja a pensar: “Este sujeito não me representa. Onde entra o auxílio GPT para os não Bento?”

Desconheço os limites de uso das ferramentas para os iniciados, mas vou citar alguns usos de ocasião. Se você possui algum tipo de orientação humana especializada, já leu bastante sobre o objeto de interesse, ensaiou algum tipo de investigação, na forma de monografia ou comunicação científica, você pode incorporar alguns padrões de qualidade, como aqueles apresentados acima, sem a muleta do Chat GPT.

Assim, você age com autonomia quando transforma uma carência da vida prática em questão; quando formula esta questão dentro das normas da língua portuguesa; quando deriva desta questão uma hipótese; quando deriva desta hipótese um objetivo (e vice-versa), quando traduz este objetivo geral mais abstrato em vários objetivos específicos menos abstratos (organizando as habilidades das mais simples às mais complexas); quando produz enunciados de objetivos específicos plausíveis entre habilidades e conhecimentos; entre habilidades, conhecimentos e valores; quando produz enunciados de objetivos específicos distintos e complementares entre si no que diz respeito às habilidades e aos objetos de conhecimento.

Além dos modelos apresentados pelas respostas da máquina, você pode tirar partido de algumas estratégias de simulação que abreviam ruídos entre o que você pensa e o que escreve no projeto, entre o que você pensa e o que o orientador fala e entre o que o orientador fala e efetivamente quer, como exemplificado nos quadros 5, 6 e 7.

Testando a coerência entre o seu pensamento e o que você representa por escrito.

 

Quadro 5.
Eu não sou Bento:
Entendo a mudança histórica determinada por conflitos de classe. Este problema de pesquisa explicita meu posicionamento teórico/político em História? “De que forma a educação formal e não formal é desenvolvida nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, e quais são os principais desafios enfrentados na promoção da educação de qualidade e culturalmente relevante?”
Chat GPT:
A questão central proposta – “De que forma a educação formal e não formal é desenvolvida nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, e quais são os principais desafios enfrentados na promoção da educação de qualidade e culturalmente relevante?” – não explicita diretamente seu posicionamento teórico/político em História baseado na mudança histórica determinada por conflitos de classe. No entanto, é possível abordar essa perspectiva em sua pesquisa ao analisar os desafios e dinâmicas da educação nas comunidades quilombolas.
Para incluir seu posicionamento teórico/político, você pode reformular a questão central, de modo a refletir a perspectiva dos conflitos de classe e seu impacto na educação quilombola. Por exemplo:
“Como os conflitos de classe e as desigualdades socioeconômicas afetam o desenvolvimento da educação formal e não formal nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, e quais são os principais desafios enfrentados na promoção da educação de qualidade e culturalmente relevante?”
Dessa forma, a questão central passa a incorporar a perspectiva dos conflitos de classe e permite que você explore as implicações dessa abordagem teórica na análise da educação quilombola.

 

Testando a coerência entre o que eu represento por escrito e o que o meu orientador fala.

 

Quadro 6.
Eu não sou Bento:
Meu provável orientador obriga a inserir a categoria “decolonialidade” em todos os projetos que orienta. Como posso adequar esta questão de pesquisa ao fundamento teórico que ele abona? Questão de pesquisa: “De que forma a educação formal e não formal é desenvolvida nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, e quais são os principais desafios enfrentados na promoção da educação de qualidade e culturalmente relevante?”
Chat GPT:
Para adequar a questão de pesquisa ao fundamento teórico da “decolonialidade” abonado pelo seu provável orientador, você pode reformular a questão central, incorporando o enfoque decolonial. A perspectiva decolonial busca questionar e desconstruir as narrativas e estruturas coloniais, valorizando saberes, práticas e perspectivas locais e não ocidentais. Nesse sentido, a educação decolonial visa promover uma abordagem educacional que respeite e incorpore a diversidade cultural e histórica das comunidades quilombolas.
A questão de pesquisa reformulada pode ser:
“De que forma a educação formal e não formal nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina incorpora a perspectiva decolonial, e quais são os principais desafios enfrentados na promoção de uma educação de qualidade, culturalmente relevante e decolonial?”
Essa reformulação permite explorar como a educação formal e não formal nas comunidades quilombolas está alinhada com a decolonialidade e analisar os desafios enfrentados para implementar uma educação decolonial.

 

Testando a coerência entre o que o meu orientador fala e o que ele pode efetivamente querer que eu faça, ou seja, adequando o meu projeto às injunções políticas da academia.

 

Quadro 7.
 Eu não sou Bento:
Meu provável orientador obriga a inserir a categoria “decolonialidade” em todos os projetos que orienta, mas eu já li que os usuários desta categoria divergem quanto ao seu significado, desde os mais conciliadores com a epistemologia da ciência moderna/europeia e os mais radicais que pregam o não uso de qualquer epistemologia de origem europeia? Questão de pesquisa: “De que forma a educação formal e não formal é desenvolvida nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina, e quais são os principais desafios enfrentados na promoção da educação de qualidade e culturalmente relevante?”
Chat GPT:
Entendo suas preocupações em relação à categoria “decolonialidade”. No entanto, é possível integrar a decolonialidade em sua pesquisa de maneira que seja relevante e respeite a diversidade de perspectivas sobre o tema. No contexto da sua questão de pesquisa, você pode abordar a decolonialidade ao analisar a educação formal e não formal nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina.
1.      Como os currículos e práticas pedagógicas nas escolas e instituições de ensino formais e não formais reproduzem ou resistem às epistemologias e práticas coloniais nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina?
2.      Qual é a presença e a importância dos conhecimentos e saberes locais das comunidades quilombolas no processo educacional, e como esses conhecimentos podem ser valorizados e integrados à educação formal e não formal?
3.      Como as relações de poder dentro das instituições educacionais e entre os diferentes atores envolvidos (educadores, alunos, comunidades e políticas públicas) influenciam o desenvolvimento da educação decolonial nas comunidades quilombolas da Grande Jacobina?
4.      De que maneira a educação nas comunidades quilombolas promove o diálogo intercultural e o respeito à diversidade, abordando questões de identidade, cultura e história das comunidades em questão?
5.      Quais são os principais desafios enfrentados pelas comunidades quilombolas na promoção da educação de qualidade e culturalmente relevante, e quais são as possíveis soluções e estratégias para superar esses desafios, considerando as diferentes perspectivas sobre a decolonialidade?

Além das simulações em termos políticos/epistêmicos, você pode submeter o seu esquema inicial de projeto a uma avaliação sobre a presença de falácias. Como desconheço o seu problema de pesquisa, seu objetivo e suas hipóteses, vou submeter o suposto esquema empregado por Lilia Schwarcz à crítica do Chat GPT. Veja o resultado no quadro 6.

 

Quadro 8.
Itamar:
Quais falácias você encontra neste esquema inicial de projeto?
Questão: Quais as raízes do autoritarismo brasileiro.
Hipótese: O autoritarismo brasileiro provém da criação e consolidação de mitos sintetizados na expressão “democracia racial”.
Objetivo geral: Demonstrar que a naturalização da desigualdade por meio da invenção e consolidação de mitos como a “democracia racial” são características de “governos autoritários”.
Objetivos específicos:
Demonstrar a relação entre o racismo secular da sociedade brasileira e as tentativas de renovação do mito da democracia racial.
Demonstrar a relação entre o “mandonismo” secular da sociedade brasileira e as tentativas de renovação do mito da democracia racial.
Chat GPT:
Ao analisar o esquema inicial do projeto apresentado, é possível identificar alguns problemas e inconsistências que podem ser considerados falácias ou questões a serem aprimoradas:
·        Falácia da falsa causa: A hipótese sugere que o autoritarismo brasileiro provém exclusivamente da criação e consolidação de mitos como a “democracia racial”. No entanto, essa relação causal pode ser simplista e negligenciar outras possíveis raízes e fatores que contribuem para o autoritarismo brasileiro.
·        Falácia do espantalho: O objetivo geral busca demonstrar que a naturalização da desigualdade por meio de mitos como a “democracia racial” são características de “governos autoritários”. No entanto, essa afirmação pode distorcer a complexidade do tema ao focar apenas em governos autoritários e ao relacionar o mito da democracia racial somente a esse tipo de governo.
·        Repetição nos objetivos específicos: Os objetivos específicos parecem focar na relação entre diferentes aspectos da sociedade brasileira (racismo secular e “mandonismo”) e as tentativas de renovação do mito da democracia racial. No entanto, a repetição da estrutura desses objetivos pode limitar a profundidade e abrangência da análise proposta.
Para aprimorar o esquema inicial do projeto, considere:
·        Revisar a hipótese, de modo a abordar outras possíveis causas ou fatores que contribuem para o autoritarismo brasileiro, evitando a simplificação da relação causal.
·        Refinar o objetivo geral, contemplando uma abordagem mais ampla e complexa do tema, sem reduzi-lo apenas aos governos autoritários.
·        Diversificar os objetivos específicos, explorando diferentes aspectos e conexões entre o autoritarismo, a democracia racial e outros fatores históricos, políticos e sociais relevantes.

 

Observe as respostas da máquina. Onde estão os acertos? Onde estão os exageros da máquina? Lembre-se do princípio de funcionamento: a previsibilidade das frases capturada numa vulgata construída por especialistas.

Depois de lembrar, tente avaliar o grau de eficiência da máquina, comparando comando e respostas. Com vários exercícios deste tipo você perceberá repetições de respostas que o levarão a concluir que, em termos de crítica de falácias, a máquina é bastante generalista (como são a maioria dos especialistas que evitam se indispor com os colegas). Em resumo, você aprenderá a fazer crítica de falácias e a não repetir a generalidade dos especialistas.


Conclusões

Nesta primeira sessão, tentei convencê-lo de que a construção do projeto de pesquisa histórica pode se iniciar com três elementos básicos: questão, hipóteses e objetivos. Reiterei que o funcionamento lógico depende prioritariamente do enunciado de uma questão.

Tentei também convencê-lo de que a máquina pode oferecer diferentes tipos de auxílio, a depender da sua familiaridade com a matéria ou a sua experiência na construção de outros exemplares do gênero projeto de pesquisa.

Por fim, deixei claro que podemos aprender longe dos especialistas, se estivermos, efetivamente, predispostos a adquirir autonomia intelectual.

Na próxima seção, experimentaremos o uso da máquina para listar e descrever fontes, métodos de leitura das fontes e categorias-chave preliminares para a interpretação dos resultados.


Para citar este texto

FREITAS, Itamar. Produzindo projetos de pesquisa histórica com Inteligência Artificial: da questão aos objetivos específicos Resenha Crítica. Aracaju/Crato, 17 maio, 2023. Disponível em <https://www.resenhacritica.com.br/todas-as-categorias/produzindo-projetos-de-pesquisa-historica-com-inteligencia-artificial-da-questao-aos-objetivos-especificos/>.

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