Província, região e metrópole:  o interior nos projetos de modernização nacional na América Latina | Antíteses | 2021

É amplamente reconhecido que ao longo do século XX se aceleraram os processos de migração do campo para as cidades, fenômeno iniciado com a revolução industrial e que em alguns países latino-americanos já estava presente nas primeiras décadas do século passado. Nessa direção, a partir, principalmente, do segundo pós-guerra, os termos “cidade, modernização e desenvolvimento”, que na América Latina começaram a se entrelaçar a partir da década de 1930, fundiram-se em um vetor dinâmico que, mesmo sem fazer parte de programas completamente explícitos, promoveu ainda mais a tendência, com consequências não intencionais ou não de todo controladas, como, entre outras, a do aprofundamento dos desequilíbrios regionais.

Na contramão desta tendência geral ao redor da “cidade, modernização e desenvolvimento” ou mais propriamente da associação entre “metrópoles, modernização e desenvolvimento”, pensadores como Bernardo Canal Feijóo, na Argentina, e Gilberto Freyre, no Brasil, desenvolveram posições descentradas frente aos relatos metropolitanos nacionais ou nacionalistas então em voga, quer em direção a um entendimento/ enfrentamento dos problemas regionais (CANAL FEIJÓO, 2018) quer elegendo uma região e sua cultura (o Nordeste brasileiro) como “ferramenta metodológica” de interpretação nacional (FREYRE, 2001).

O presente dossiê, portanto, está dedicado aos processos de modernização na América Latina do século XX, tendo como uma de suas premissas propor, como ponto de partida de suas reflexões, a tese da historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias (DIAS, 2005a) sobre a “interiorização da Metrópole”, processo que “referia-se ao fato de que a partir da Independência nós passamos a ser a Metrópole de nós mesmos. A construção do Estado [brasileiro] foi uma recolonização a partir do Rio [de Janeiro]” (DIAS, 2005b, p.1).

Modernização ou “desenvolvimento”, estamos falando do contínuo processo de ocupação do território através da expansão econômica. Em outras palavras, a expansão econômica na base dos processos de modernização ou desenvolvimento nacionais apoia-se amplamente na incorporação de regiões ainda não exploradas – caso da “marcha para o oeste” brasileira em suas expressões mais cabais, a Goiânia comentada no artigo de Cássio Santos Melo, e Brasília abordada por Maria Fernanda Derntl; e também da Patagônia analisada por Cecilia Parera.

De qualquer modo, os artigos aqui presentes ultrapassam o “censo” e o “mapa” (ANDERSON, 2016 – ver adiante), avançando ainda mais ao descreverem fenômenos que “redesenharam”3 os suportes de um e outro, com a criação de novas “metrópoles”, suas populações e regiões de influência. Em outras palavras, colocando-se em um plano de continuidade histórica os processos de modernização desde Getúlio Vargas até Juscelino Kubitschek – e este último com paralelo no desenvolvimentismo do governo argentino de Arturo Frondizi (1958-1962).

Fundação de metrópoles (mitos) e propaganda, portanto, seja em Goiânia ou em Brasília, e a incorporação das “regiões inexploradas” às economias nacionais, como no caso da Patagônia. Parece evidente que estas transformações territoriais determinaram alterações nos campos de forças estabelecidos em cada país. A criação de uma nova capital estadual ou nacional, ou a ocupação efetiva de região relegada, geraram alterações significativas nas dinâmicas de fluxos – pessoas, mercadorias, capitais, poder – no território. Nesse sentido, o texto de Ricardo Rocha procura flagrar tais dinâmicas tomando como partida a ideia de região: o deslocamento de centros de poder político e econômico no território gerando alterações profundas nas relações entre regiões; e como a ideologia do planejamento surge para supostamente gerir os conflitos regionais derivados deste processo.

O conjunto de estudos aqui apresentados, portanto, engloba um amplo número de preocupações que perpassam alguns campos ou tradições de estudos, as representações culturais associadas aos processos de modernização4 / desenvolvimento nacional na América Latina; o protagonismo estatal nestes mesmos processos de modernização; a história das instituições associadas ao “desenvolvimentismo”; e a história do planejamento (urbano e) regional.

Como mencionado antes, a associação dos termos “cidade, modernização e desenvolvimento” e ou “metrópole, modernização e desenvolvimento” ocupou uma centralidade destacada nos debates e no imaginário social, configurando um campo de estudos que, estendendo-se até aproximadamente a década de 1980, deu origem a grupos de pesquisa e gabinetes de planejamento entre outras organizações que, sejam de órgãos técnicos estaduais, nacionais ou de universidades, envolveram arquitetos, urbanistas, planejadores, sociólogos, economistas, entre outros profissionais que focaram nas relações entre as cidades e o território (ALTAMIRANO, 1999).

As cidades, por sua vez, tornaram-se uma plataforma ativa de ensaios de caráter científico, que perpassam a política e a opinião pública, bem como a relação dos grandes centros urbanos (principalmente capitais) com o “interior” (GORELIK, 1999 – ver tradução neste dossiê)5. Também significativo é o fato de que isso deu origem à inter-relação entre diferentes centros de pesquisa, redes de intercâmbio e debates abertos, que instalou o problema da “cidade latino-americana” assumida como um tema que cruzou o continente, produzindo um corpo teórico e bibliográfico como nunca antes. E, ao mesmo tempo, a América Latina se institucionaliza como região e como “problema” (CHIQUITO, 2021, p. 80).

Este ciclo norteador de cidades latino-americanas, a partir das ciências sociais, foi impregnado pelas teorias da dependência (FURTADO, 2017) e pelas perspectivas revolucionárias que, acenderam a centelha de Cuba, percorreram o continente, enquanto as políticas de desenvolvimento promoveram a abertura dos mercados nacionais aos padrões internacionais e a utilização de instrumentos válidos para serem aplicados a partir de uma interpretação universalista, que via o desenvolvimento como uma meta a ser alcançada por todos os países, seguindo os modelos daqueles que já o haviam alcançado. Com relação a este último aspecto, aliado a uma boa dose de otimismo, o crescimento explosivo das cidades latino-americanas era visto como uma oportunidade e não um problema.

Nestas arenas teóricas (sociais, políticas, econômicas), parafraseando Richard Morse6, a relação dos Estados Unidos com a região tensionou ainda mais os debates – altamente politizados – muitos deles emergindo de dentro da Sociedade Interamericana de Planificação (SIAP, criada em 1956), organização na qual planejadores e teóricos norte-americanos tinham forte atuação. A literatura produzida por esta organização construiu uma base bibliográfica com forte presença em programas universitários e ambientes do funcionalismo público, constituindo uma primeira e essencial biblioteca de planejamento urbano e territorial na América Latina.

Não obstante, as crises ocorridas a partir da década de 1970, principalmente relacionadas ao problema energético, modificaram tanto a dinâmica regional quanto sua relação com o restante das nações do mundo desenvolvido. Com o otimismo desenvolvimentista esmaecido e os impulsos revolucionários silenciados, muitas vezes devido aos golpes militares que assolaram a região, a agenda em torno das cidades latino-americanas mudou o prisma da observação, dando lugar a tendências ambientais emergentes voltadas para a questão planetária, entre outras, e a vida urbana deu origem a análises desde outras abordagens, muitas delas elaboradas a partir dos também incipientes “estudos culturais”, que ganharam espaço no meio acadêmico nas décadas subsequentes (SEVCENKO, 1992).

Recuando novamente para o período aqui abordado, que, grosso modo, refere- se ao intervalo entre as décadas de 1930-1970, se as cidades tornaram-se palco para a ensaística do período, perpassando temas que iam da política ao debate e a opinião pública sobre assuntos e temas variados, como, por exemplo, a relação dos grandes centros metropolitanos e o “interior”, paralelamente desenvolve-se uma agenda governamental de grandes investimentos em infraestrutura visando neutralizar os desequilíbrios regionais: usinas, terminais e nós de transporte, portos, silos, aeroportos, pontes, obras rodoviárias, que procuravam não só ativar redes econômicas com as obras concluídas, mas também gerar empregos e mobilizar a produção de insumos durante sua construção.

Centros e polos de crescimento de um lado, regiões “ativadas” através de grandes investimentos e grandes obras de infraestrutura, com vistas a estender uma rede de “desenvolvimento” sobre, no limite, a totalidade do território, na expectativa de, ao menos, criar o que a teoria francesa entendia como “regiões polarizadas” ou dinamizadas por polos de crescimento. O crescimento explosivo das cidades latino-americanas passa a ser interpretado, como dito, como uma grande oportunidade e não um problema sem solução, dando origem a estratégias que em muitos os casos acabaram consolidando assimetrias ao concentrar os investimentos nas regiões metropolitanas.

Em meio a esse processo, a história das instituições fornece ponto de vista privilegiado para observar o conjunto dos fenômenos aqui focalizados. Como propõe Jacques Revel “as instituições são categorias do espaço social e objeto privilegiado para o estudo do ‘novelo das relações entretecidas entre os agentes individuais, entre esses agentes e o grupo [social]” (apud CHIQUITO, 2021, p. 83). Nesse direção, o recente livro organizado por Sarah Feldman, “Instituições de urbanismo no Brasil 1930-1979”7 , com seu capítulo sobre “Um ciclo de institucionalização do urbanismo no Brasil”, o de Elisangela Chiquito sobre “A CIBPU8 e a disputa pelo desenvolvimento regional – ideias, agentes e institucionalidades”, bem como o de Jeferson Tavares sobre o “Planejamento Federal dos anos 1930-1970 – funções regionais das cidades e a organização do território nacional”, entre outros, montam um quadro da institucionalização do planejamento urbano e regional no país, destrinchando algo da trama entre determinados personagens, as instituições nas quais se inseriram ou com as quais dialogaram, suas ideias e a transposição das mesmas para o território.

Dentre esse conjunto de temas e questões, destacam-se, de acordo com a temática deste dossiê, a institucionalização do planejamento urbano e regional em meio à disputa (territorial) pelo “desenvolvimento”, sinônimo atualizado, segundo o termômetro e a bússola da época, para os processos de modernização. Esta disputa pelo desenvolvimento se estrutura na dinâmica entre metrópoles, capitais e “polos” e suas respectivas regiões de influência9 . Nesse caminho, poderíamos dizer, parafraseando a colocação de Jeferson Tavares, sobre “a importância da compreensão da cidade pelas suas funções regionais na constituição de um projeto nacional de desenvolvimento baseado na industrialização e efetivado no planejamento” (TAVARES, 2021, p. 147), compreensão que de algum modo aparece aqui nas contribuições de Derntl e Melo, que o presente dossier propõe como visão complementar a importância da compreensão da noção de região, e sua institucionalização, pelas suas funções dinâmicas como aglutinadora dos “polos de crescimento” (ver adiante) na constituição de um projeto nacional de modernização/ desenvolvimento amparado no planejamento e visando principalmente a industrialização.

Em Imagined Communities, Benedict Anderson (2016) propõe três grandes eixos de preocupações – três “instituições de poder” – através das quais os impérios metropolitanos europeus geriram a dominação de suas colônias: o censo, o mapa e o museu. Estas “instituições”, juntas, “definiram profundamente o modo pelo qual o estado colonial imaginou seu domínio – a natureza dos seres humanos governados, a geografia de seus domínios, a legitimidade da ancestralidade” (ANDERSON, 2016). Nessa direção, torna-se possível parafrasear a proposição de Anderson, lembrando que o próprio autor propõe estender suas considerações aos “Estados nacionais que emergiram das ex-colônias europeias” (LIPPI apud MAIA, 2012), associando o “museu” à “propaganda” – no presente dossier quer em Melo quer em Derntl.

Se o Império havia assistido à criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), ainda em 1838, durante a era Vargas seriam criados, entre outros, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1934, e o Serviço do Patrimônio Histórico e Nacional (SPHAN), em 193710. Censo e mapa (IBGE) e “museu” (SPHAN) foram fundamentais para o governo de Getúlio Vargas, ao ensaiar o aprofundamento da modernização do país. Nessa perspectiva,

nas décadas de 1940 e 1950, organizaram-se instituições que introduziram um conjunto de questões, como a superação do limite político-administrativo para a demarcação de áreas de planejamento e a necessidade de considerar determinantes geográficos e econômicos, potencialidades de recursos regionais, assim como avanços da técnica no processo de planejamento. No mesmo período, da inserção do Brasil no circuito dos experts internacionais por meio de programas de cooperação com países da AL, emergiu a problematização da metrópole latino-americana. (…) podemos inserir esse processo no que Adrián Gorelik… interpreta como a formação de ‘uma rede de pensamento latino-americano no campo do planejamento urbano e regional, em conexão direta com as ideias e práticas norte-americanas e instituições pan-americanas’(FELDMAN, 2021, p. 17).

No panorama latino-americano, surge em 1956, como consequência de duas reuniões realizadas em Porto Rico e em Bogotá (Colômbia), a Sociedade Interamericana de Planejamento (SIAP), formada sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos (OEA) e posteriormente reconhecida pelo Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU) como organização não governamental (ONG), dando início à consolidação e institucionalização do Planejamento como instrumento de desenvolvimento regional. Podemos dizer, então, que essas décadas assumiram o planejamento como condição central das estratégias de desenvolvimento, apoiadas, por sua vez, por organismos internacionais entre os quais a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) ocupou um lugar hegemônico na produção teórica.

Antes da criação das comissões de bacias hidrográficas baseadas no modelo da Tennessee Valley Authority (TVA), como a Comissão do Vale do Rio São Francisco, atual CODEVAS – ver o artigo de Rocha no presente dossier e também Boudeville (1961) e Chiquito (2021) – ainda no início dos anos 1940, mais precisamente em 1941, ocorre a “paradigmática” vinda da Missão Cooke que introduziu, justamente, “no planejamento governamental federal o modelo de instituições regionais do New Deal fundadas na concepção de uso múltiplo de bacias hidrográficas” (CHIQUITO, 2021, p. 79-80).

Assim, entre 1930-1960 na América Latina, são criadas mais de meia centena de instituições, planos e programas de desenvolvimento regional: no Chile aparece a Corporación de Fomento a Producción (1939); no Peru é realizado o Plano para o Rio Santa (1943); na Venezuela surgem a Corporación Venezolana del Fomento (1946) e a Corporación Venezolana de Guayana (1960); na Colômbia cria-se a Corporación Autónoma Regional del Valle del Cauca; na Argentina, em 1946, funda-se a Corporación Hídrica del Noroeste Argentino (CHIQUITO, 2021, p. 80). No caso argentino, como mostra Parera no presente dossier, em 1960 será criado pelo governo de Arturo Frondizi, através da Lei Nacional n° 15.336 de Energia Elétrica, o Consejo Federal de Energía Eléctrica (CFEE), que, não obstante uma instância federal, “entre sus primeras medidas… dividió el país en regiones para poder realizar análisis más precisos sobre las posibilidades y potencialidades de cada zona”.

Desse modo, como propõe a própria obra de Jacques Revel, referência para a história das instituições aplicada ao “caso” do urbanismo e do planejamento no Brasil, nos trabalhos comentados acima de Feldman (2021), Chiquito (2021) e Tavares (2021), uma visão complementar é fornecida exatamente pela epistemologia do “pensar por casos” (PASSERON, REVEL, 2005):

um caso não é somente um fato excepcional… ele problematiza; ele demanda uma solução, isto é, a instauração de um quadro novo de raciocínio, onde o senso da exceção possa ser, senão definido em razão das regras estabelecidas das quais se desvia, ao menos estabelecendo relação com outros casos, reais ou fictícios, suscetíveis de redefinir um outra formulação da normalidade e de suas exceções (PASSERON, REVEL, 2005, p. 10-11). Para os autores, o “Mediterrâneo de Braudel se constitui como um caso tanto quanto os objetos dos micro-historiadores” (PASSERON, REVEL, 2005, p. 11).

Desse modo, três artigos do dossier são “estudos de caso” típicos, sobre Goiânia, Brasília e a Patagônia, ao passo que o trabalho de Rocha pode ser entendido como, guardadas as devidas proporções, em um paralelismo com o Mediterrâneo de Braudel, um estudo de caso sobre o(s) uso(s) da noção de região no nascente campo do planejamento regional ou territorial na América Latina e suas consequências nos processos de modernização/ desenvolvimento envolvendo as disputas estendidas sobre os territórios nacionais.

Se Adrián Gorelik e Sarah Feldman11 apontam nesse período a emergência da “problematização da metrópole latino-americana”, em meio a formação de um pensamento latino-americano para o planejamento urbano e regional, em contato com as ideias e práticas norte-americanas, poderíamos admitir que, como indica o trabalho de Elisangela Chiquito, paralelamente ocorre a institucionalização da ideia de região no planejamento, a partir, por exemplo, da presença da Missão Cooke no Brasil, divulgando o mencionado modelo de instituições regionais do New Deal, baseado na exploração de bacias hidrográficas. Como apontado antes, começam a surgir nestes anos as comissões, planos e corporações de bacias hidrográficas baseadas no modelo da Tennessee Valley Athority (TVA): o Plano para o Rio Santa no Peru (1943); a Corporación Autónoma Regional del Valle del Cauca na Colômbia; a Corporación Hídrica del Noroeste Argentino (1946); e a Comissão do Vale do Rio São Francisco no Brasil (1948). Em outras palavras, é possível afirmar que uma das origens históricas do planejamento regional, como algo extrapolando divisões administrativas, são exatamente tais comissões, planos e corporações baseadas na ideia de gestão e exploração dos recursos naturais, principalmente energia hidrelétrica, em uma bacia hidrográfica e sua região de influência.

Nessa direção, da institucionalização da ideia de região no planejamento, apesar do protagonismo norte-americano, ocorre, entretanto, também o contato e a troca com pensadores franceses, para além do amplamente discutido caso do padre (Louis-Joseph) Lebret e da SAGMACS12. Assim, procurando contribuir para a “pluralidade de contextos necessários para a compreensão dos comportamentos [de indivíduos e grupos sociais]” (apud FELDMAN, 2021, p. 14) posto que “o que dá sentido às instituições são as práticas sociais de seus atores” (FELDMAN, 2021, p. 15), a seguir serão comentados o surgimento da Ciência Regional e alguns aspectos ainda não de todos explorados a respeito da contribuição francesa nos estudos sobre polos de crescimento ou desenvolvimento no Brasil, desde os anos 1950.

As bases da Ciência Regional, como disciplina, foram lançadas pelo economista americano Walter Isard e seus colaboradores, ainda nos anos 1940, institucionalizando-se a partir da criação, em 1954, da Regional Science Association (RSA), em atividade até hoje como Regional Science Association International. Já a partir de 1955, aparecem os instrumentos para o início de sua campanha editorial, com a publicação do primeiro volume de seus Papers and ProceedingsRSA (atualmente Papers in Regional Science). Na sequência, em 1958, surge o Journal of Regional Science. Em 1956, através da militância de Walter Isard, é criado o Departamento de Ciência Regional da Universidade da Pensilvânia. Seu primeiro graduado foi o argentino de nascimento William Alonso13, considerado um promissor continuador de Isard.

Voltando-se para os aspectos espaciais da economia, como o estudo dos vetores da concentração industrial ou o impacto dos padrões de migração, a Ciência Regional remonta às pesquisas de Johann Heinrich von Thünen, ainda no século XIX, por suas contribuições para a economia espacial e a geografia econômica. Outro precursor sempre lembrado é Walter Christaller, por sua famosa “Teoria dos Lugares Centrais”, cujos princípios básicos foram tratados em Die Zentralen Orte in Sűddeutschland (Os Lugares Centrais da Alemanha Meridional), publicado em 1933. A teoria dos lugares centrais é uma das bases, portanto, da preocupação da Ciência Regional com o desenvolvimento de uma “teoria da localização”.

Procurando rastrear a extensão da rede institucional da Ciência Regional e da RSA no Brasil, foi possível identificar no artigo de David Boyce (2004), A short history of the field of regional science, a informação de que, em maio de 1967, foi aprovado pelo conselho da associação americana uma seção brasileira da mesma14, cuja formação era liderada por Antenor Silva Negrini, professor na Universidade de São Paulo. Cabe destacar que Negrini havia sido escolhido pelo então governador do estado, Ademar de Barros, em seu segundo mandato15, entre 1963-1966, para presidir a comissão que elaborou o plano de governo, processo no qual se destacou a figura do então jovem economista Delfim Neto (LOVATO, 2014). Em abril de 1964, Ademar de Barros lançou a “Aliança Brasileira para o Progresso”, parafraseando o programa de John Kennedy, que visava o desenvolvimento econômico através de investimentos no planejamento e em ciência e tecnologia. Seu mandato voltou-se para obras e medidas administrativas como: o projeto básico do Metrô, com liberação de verbas para o início das obras em 1963; a criação da Secretaria de Estado dos Negócios de Economia e Planejamento, em 1964; a elaboração do “Plano de Desenvolvimento Integrado”; a criação das regiões administrativas do estado de São Paulo; e a construção das usinas hidrelétricas da Ilha Solteira e de Jupiá, em 1965.

Encontramos aí, como ações realizadas pelo Estado, várias das temáticas entrelaçadas que vimos discutindo, como as relações entre Economia e Planejamento, a criação das regiões administrativas, o gargalo energético e a construção de usinas hidrelétricas. Se no “polo metropolitano nacional”, São Paulo, é possível detectar a presença da rede de influências da RSA, ela parece ter alcançado escalas superiores através do economista Delfim Neto. Segundo Elisangela Chiquito, coincidindo com as considerações de Rocha no presente dossier,

No Brasil, a emergência do planejamento regional vem… acompanhada da configuração do quadro conceitual dos ‘desequilíbrios regionais’ e da inserção do Norte e do Nordeste brasileiros como ‘regiões-problema’, o que constitui para [Amélia] Cohn…, elemento fundamental para acirrar as disputas regionais, sobretudo entre o Norte e o Nordeste, ditos ‘atrasados’, e a região Centro-Sul[16], considerada ‘adiantada’. Nesse contexto e como expressa contestação à política federal que direcionava investimentos ao Norte e ao Nordeste, foi criada em 1951, (…), a Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai (CIBPU), uma instituição de planejamento regional formalizada por meio de um convênio… entre sete estados brasileiros – Minas Gerais, Goiás, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, São Paulo e Rio Grande do Sul (CHIQUITO, 2021, p. 81).

A CIBPU parece mesclar a experiência norte-americana da TVA, já filtrada no Brasil pela atuação, entre outras, da Comissão do Vale do Rio São Francisco, através da definição de regiões de planejamento através de bacias hidrográficas, com o pensamento francês sobre os polos de crescimento (BOUDEVILLE, 1968) – “traduzidos” como polos de desenvolvimento. Para Jeferson Tavares, o histórico de influência da geografia francesa sobre o IBGE, até o final dos anos 1960, “correspondeu aos vínculos teóricos [estabelecidos] por meio da propagação do modelo de regiões funcionais ou nodais marcadas pelas relações e pelos fluxos entre as cidades em uma área de influência, como preconizado pelos estudos de W. Christaller” (TAVARES, 2021, p. 168). Tavares irá destacar a atuação de Michel Rochefort, ao passo que nossa intenção é reforçar a eventual presença de Jacques Boudeville.

Votando à figura de Delfim Neto, como a CIBPU,

Afinado com o avanço da teoria de crescimento e desenvolvimento polarizado [de, entre outros, Perroux e Boudeville] e defensor de sua aplicação e difusão no Brasil, Delfim Neto levou para o interior da CIBPU essa concepção. Em 1966, promoveu o Curso de Planejamento Regional, por meio de um convênio entre a [Faculdade de Economia e Administração], o Ministério do Planejamento e o Regional Science Research Institute da University of Pennsylvania, com apoio da United States Agency for International Development (USAID) e o financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A partir desse curso, Delfim Neto coordenou no [Departamento de Estudos e Projetos] a elaboração do estudo ‘Análise do Centro-Sul como região’, em colaboração com o… atual Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) –, o qual introduz nos trabalhos da CIBPU a ideia de rede de cidades e desenvolvimento polarizado (CHIQUITO, 2021, p. 95).

Assinalemos, o Curso de Planejamento Regional promovido por Delfim Neto em 1966, envolvia um convênio com o Regional Science Research Institute (RSRI) da University of Pennsylvania, isto é, com a Ciência Regional disseminada por Walter Isard e seus colaboradores, desde a década de 1940. Lembremos que, como assinalado acima, em maio de 1967 foi aprovado pelo conselho da RSA uma seção brasileira da mesma, que era liderada pelo Antenor Silva Negrini, e também seu contato já comentado com o jovem Delfim Neto. Neto, como a CIBPU, portanto, constitui uma espécie de ponto nodal na trama institucional das redes de contato internacionais sobre planejamento e desenvolvimento no período, acompanhando as discussões no panorama norte-americano e no ambiente francês. Nessa direção, seria interessante averiguar a penetração das ideias no país – e na Argentina, através, eventualmente, de William Alonso – de Walter Isard17 e da RSA.

E em caminho similar, aprofundar, para além de Michel Rochefort, as contribuições de Jacques Boudeville18 com relação às noções de polos de crescimento e de “espaços de integração” (BOUDEVILLE, 1968). Sabe-se que Boudeville publicou um estudo bastante citado, inclusive na bibliografia francesa da época (PAELINCK, 1968, p. 96) sobre Minas Gerais – Contribution à l’étude des pôles de croissance brésilien: une industrie motrice, la sidérurgie du Minas Gerais (1957) – mas não só. Conhecemos pelo menos três outros estudos do autor sobre o Brasil, dois deles mais especificamente, sobre o estado do Rio Grande do Sul: a) Croissance polarisée du Rio Grande do Sul (BOUDEVILLE, 1964), publicado na revista francesa Caravelle, n°3, de 1964, e que se referia a um colóquio sobre o problema das capitais na América Latina (Actes du colloque sur le problème des capitales en Amérique latine)19; b) Un modèle de croissance polarisée fondé sur le complexe agricole du Rio Grande do Sul (BOUDEVILLE, 1965), na mesma revista Caravelle, um ano depois, em 1965, em um número especial dedicado ao Brasil20. Ambos os textos tratando, portanto, de “crescimento polarizado” no Rio Grande do Sul. Do trabalho sobre Minas Gerais, até os dois sobre o Rio Grande do Sul, são quase dez anos de interesse – e dois números seguidos da revista Caravelle21 em dois anos, 1964 sobre a América Latina e 1965 sobre o Brasil. Em 1969, o interesse desse “grupo” de pensadores franceses pela América Latina e o Brasil permanecia. J. Paelinck falando sobre o “espaço e os polos de crescimento”, propunha um “modelo concreto para o caso da Guiana” (p. 96). Anos antes, de acordo com informação do próprio autor, havia proposto a escolha de “regiões-programa” para nada menos que “a solução dos problemas econômicos regionais na Venezuela” (PAELINCK, 1968, p. 96).

Nesse sentido, antes de passarmos para a apresentação dos textos que compõem o presente dossier, parece que fica clara, pelo conjunto de reflexões exposto acima, a necessidade de continuidade e aprofundamento dos estudos sobre as redes intelectuais e institucionais ao redor do surgimento do planejamento regional, nesse período, no circuito entre os hemisférios norte e sul.

Finalmente, os autores gostariam de agradecer a Adrián Gorelik sua contribuição para o presente dossier, tendo gentilmente cedido seu texto, inédito em português, “Buenos Aires e o país: figurações de uma fratura” (GORELIK, 1999).

Apresentação dos artigos do dossier

Dois artigos aqui incluídos, os de Cecilia Parera e Ricardo Rocha, refletem sobre a relação entre as regiões e os projetos de modernização nacional na América Latina, propondo um entendimento das relações históricas entre “províncias e metrópoles” nacionais em meio aos combates territoriais pelo desenvolvimento, com relação ao protagonismo desempenhado pelas capitais estaduais ou nacionais.

Dois outros artigos, de Maria Fernanda Derntl e de Cássio Santos Melo, situam-se em um eixo de preocupações complementar, ao abordar o papel principal ou protagonismo desempenhado pelas capitais e metrópoles no engendramento dos processos de modernização nacionais, subentendendo a mobilização de todo um território, de extensas “regiões” sob sua influência.

Começaremos pelos artigos que tratam da dinâmica entre regiões e os projetos de modernização nacional, seja através do entendimento das relações históricas entre províncias e metrópoles nacionais (Parera) ou entre um conjunto de regiões e um “conjunto de metrópoles”, centros do poder político e econômico que se sucedem no tempo e no espaço (Rocha). A “elástica” noção de região22 opera, assim, como algo para além dos limites estaduais ou provinciais, referindo, desde bacias hidrográficas ou conjuntos de cidades do interior, em sua atuação subsidiária ou de enfrentamento do protagonismo desempenhado por capitais ou metrópoles (Derntl e Melo) e seus hinterlands nos embates travados no território.

Em “Do velho ao novo Nordeste: região, cultura e planejamento de Gilberto Freyre a Franklin de Oliveira”, Ricardo Rocha procura flagrar a dinâmica territorial do processo histórico de modernização no Brasil, tomando como referência o deslocamento dos centros de poder político e econômico – Salvador, Rio de Janeiro, (São Paulo), Brasília – e as consequentes alterações nas relações ou papéis entre os distintos entes federativos. Para tanto, apoiado na noção de região, tal como aparece na obra de pensadores chave desde Gilberto Freyre, propõe um percurso desde o “velho” ao “novo” Nordeste, isto é, de como a região Nordeste passou de centro a periferia, ao mesmo tempo em que a crise do Rio Grande do Sul, na virada das décadas de 1950-1960, torna possível ao jornalista Franklin de Oliveira (1961) propor o estado como “região-problema” ou o “novo Nordeste”. Nessa direção, além de aludir ao processo de institucionalização da noção de região, o autor trata da questão de como a ideologia do planejamento surge para supostamente gerir os conflitos derivados dessas dinâmicas territoriais, com destaque para a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Paralelamente, o trabalho propõe uma breve comparação com o caso argentino, posto que no país vizinho a “Questão Regional” também surge como resposta às demandas do “interior”, em meio ao desenvolvimento da ideologia do planejamento.

O artigo de Cecilia Parera – “Obras de generación de energía eléctrica como política modernizadora del Estado Desarrollista en la región patagónica argentina” – concentra-se cronologicamente na década de 1960 e espacialmente na Argentina, um país em que políticas de desenvolvimento foram iniciadas nos anos anteriores, ganhando um forte impulso na década mencionada. No período analisado ocorreram ações de melhoria para atividades produtivas entre as quais era de vital importância aumentar o fornecimento de energia elétrica e a instalação de hidrelétricas no sul do país. Seu principal objetivo era abastecer a Grande Buenos Aires, região de concentração industrial que se tornou um dos mais importantes polos de desenvolvimento, apoiando-se, principalmente, em estratégias de planejamento. Esses esforços – juntamente a políticas altamente direcionadas, com a criação de agências específicas para pesquisa em diferentes campos, a gestão e a programação de projetos para prover a produção, a promoção industrial, ações de interligação do território, entre outras – marcaram um período significativamente atravessado por governos democráticos interrompidos por golpes de estado e governos militares, nos quais, como o texto refere, o setor público manteve uma presença forte e contínua, para além da traumática alternância de governos.

Ao tratar o protagonismo desempenhado pelo projeto de construção da nova capital brasileira no governo do presidente Juscelino Kubitschek, no sentido da constituição de um projeto nacional de desenvolvimento baseado na industrialização e efetivado no planejamento, “Brasília: empreendimento imobiliário de fins dos anos 1950”, de Maria Fernanda Derntl, aborda a cidade menos da perspectiva convencional do plano urbanístico de Lucio Costa e da arquitetura de Oscar Niemeyer, e mais entendendo-a e analisando-a como um grande empreendimento imobiliário, executado pelo governo desenvolvimentista de JK, como gigantesco ensaio de modernização na escala do território. A continuação da “marcha para oeste”, enquanto estratégia “consagrada” de desenvolvimento econômico, com a fundação de uma nova capital nacional no “interior” do país, pressupõe, não obstante, a utilização de expedientes “práticos” para sua viabilização. O trabalho trata, assim, dos métodos usados para a cessão de lotes e terrenos no futuro Distrito Federal, concentrando-se na ação da Novacap, autarquia estatal que agirá entre 1956- 1960, basicamente, como uma incorporadora imobiliária.

Já o caso da “Revista Oeste – ensaio de modernização no sertão goiano da era Vargas” – é abordado, por Cássio Santos Melo, a partir de uma análise de sua produção intelectual em um tom político, ao mesmo tempo que destaca sua funcionalidade como dispositivo de disseminação do projeto modernizador de Goiás e de sua nova capital, Goiânia, no período do Estado Novo varguista, governo ao qual a revista adere de forma manifesta por meio das matérias publicadas, conforme pode ser verificado em gráfico de balanço detalhado feito pelo autor. A tensão nacionalismo / cosmopolitismo, característica das décadas de 1930 e 1940 nos processos de modernização em muitos países latino-americanos, se refletirá em grupos que pretendem encontrar a “brasilidade” na cultura camponesa ou do “interior” diante daquelas que promovem as expressões do modernismo, francamente internacionalistas, presentes sobretudo na cultura paulista. A Revista Oeste passará a ser o órgão oficial do interventor federal de Goiás (Pedro Ludovico), resultando num elogio programado e constante à nova capital do estado e o que ela representa. Seu conteúdo, portanto, é geopolítico, por trás do que é anunciado como um projeto cultural, esconde-se a intensão sustentada de desenvolver as grandes extensões do interior (oeste) para contrabalançar o desequilíbrio imposto pela hegemonia do litoral desenvolvido. Em sendo assim, a “marcha para o oeste”, como projeto sociocultural, encontra na revista seu canal de comunicação adequado.

Notas

3 Um outro nível de redesenho do mapa/ território no Brasil seriam justamente as propostas, no período, de novas divisões regionais – ver, por exemplo, GUIMARÃES, 1942.

4 Sobre o tema da “metropolização cultural” consultar ARRUDA, 2001.

5 E ainda, sobre o caso de Bogotá, SUÁREZ MAYORGA, 2020.

6 Sobre a obra de Morse ver o recente “Um Americano na Metrópole Latino-americana” (CASTRO, 2021).

7 Cabe destacar que o diálogo aqui proposto com a publicação em questão só se tornou possível no momento de redação desta apresentação, em dezembro de 2021, um ano depois da proposta do dossiê e com as versões finais dos artigos já encaminhadas.

8 Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai.

9 Perspectiva abordada também pela tradição marxista recente, em sua vertente “ecológica” (cf. CRONON, 1991).

10 A Academia Imperial de Belas-Artes pode ser vista como a instituição de poder similar ao SPHAN para a criação de uma mitologia nacional durante o Império ver SCHWARCS, 2003.

11 Feldman (2021, p. 28), por sua vez, também aponta, a partir dos anos 1940, a emergência dos “estudos de regionalização”.

12 Sociedade para Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais.

13 Nesse sentido, talvez fosse interessante averiguar se há alguma presença dessas teorias na Argentina através da obra de Alonso. Algumas fontes indicam (p. ex. CHIQUITO, 2021) que, já em 1955, surgia em Buenos Aires uma publicação de Perroux e Friedman – Los pólos de desarollo y la planificación nacional, urbana y regional – pela editora Nueva Visión, mas a data parece muito “temprana”. Friedman e Alonso publicariam um livro juntos Regional Development and Planning – a Reader (1965).

14 E também, em outubro, uma seção argentina.

15 Ademar de Barros ganhou a eleição para governador sobre Jânio Quadros, elegendo-se pela segunda vez, em função dos votos obtidos em cidades do interior, as quais Jânio se recusou a visitar, em atitude típica de seu histrionismo, alegando que não precisava de seus votos – indício indireto do lugar do interior na mentalidade de parte da elite política brasileira. Embora tenha apoiado a posse de João Goulart na presidência, para sabotar seu rival Jânio Quadros, Ademar participou ativamente do golpe militar de 1964, liderando a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, em São Paulo. O que não impediu que, dois anos depois, tivesse seus direitos políticos cassados.

16 E, como mostra Rocha, apoiando-se em Franklin de Oliveira (1961), mesmo entre os estados do dito Centro-Sul. Nesse sentido, é interessante flagrar a recepção de Oliveira em um urbanista gaúcho atuante como Edvaldo Pereira Paiva (1959, p. 81).

17 Um exemplar de Introduction to Regional Science de Isard, na biblioteca de um dos autores, possui o carimbo de Luiz Carlos Merege, professor na Fundação Getúlio Vargas entre 1972-2010, com várias anotações. Sobre exemplares anotados e historiografia consultar Rocha (2020).

18 De acordo com Breno Pedrosa (PEDROSA, 2017, p.9) “um outro vetor de entrada da teoria dos polos no Brasil se deu por meio do geógrafo Manuel Correia de Andrade, que estava na França estudando o tema… ele foi aluno de Boudeville no estrangeiro e… ressaltava o fato de a SUDENE ter aplicado a teoria dos polos entre 1966-1968. (…) Andrade … [organiza] um importante seminário sobre o assunto na SUDENE que congregou… Ministério do Planejamento, Conselho Nacional de Geografia, CIBPU, dentre outros, no ano de 1966”.

19 Com contribuições, entre outros, de Pierre Monbeig, Michel Rochefort, Roger Bastide, Jacques Lambert, além de um simpósio sobre Brasília do qual participou Milton Santos.

20 Do qual, mais uma vez, participou Milton Santos.

21 Com o subtítulo de Cahiers du monde hispanique et luso-brésilien, Caravelle foi fundada em 1963 por Frédéric Mauro, Paul Mérimée e Jean Roche. Mauro, como se sabe, foi orientando de Braudel com a tese “Portugal e o Atlântico no século XVII (1510-1670), uma História Econômica”, tendo residido no Brasil. Outra publicação de interesse é a longeva revista Tiers-Monde (1960-2016) do Institut d’Étude du Développement Économique et Social (IEDS), do qual François Perroux foi diretor. O número 19, dirigido por Pierre Mombeig e publicado no mesmo ano de 1964, foi dedicado às relações entre a Europa e a América Latina; um ano depois, Gustavo Lagos seria o responsável pelo número 23, sobre a integração latinoamericana. Boudeville comparece com um estudo comparativo sobre o planejamento de bacias hidrográficas no Brasil e na França, no qual lembra a experiência americana da TVA (BOUDEVILLE, 1961). Até Josué de Castro (ver artigo de Rocha no presente dossiê) contribui com a revista, falando dos obstáculos e virtualidades do desenvolvimento (CASTRO, 1964).

22 Gilberto Freyre, tal como analisado por Rocha, irá procurar transformar a “região-problema” do Nordeste, em região centro da cultural tropical, indiretamente apontando para a dinâmica entre regiões tropicais em desenvolvimento e regiões temperadas desenvolvidas. Em outras palavras, se a SUDENE tinha a intenção de aumentar o peso do Nordeste nas disputas nacionais, é como se Freyre levasse até as últimas consequências tal linha de raciocínio transformado o Nordeste em “polo” inter-nacional dos Trópicos, sugerindo uma forma de organização (instituição?) transnacional aumentando a força do “mundo tropical”. Sobre o assunto consultar também o artigo de Seck Assane (1965), Introduction à l’étude des villes tropicales, na revista Tiers-Monde, comentada na nota anterior.

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Organizadores

Ricardo Rocha – Professor Associado na UFSM, atuando na graduação em arquitetura (Campus Cachoeira do Sul) e no Mestrado em Patrimônio Cultural (PPGPC, Campus Sta Maria). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7291-2557.

Luis Müller – Docente na Universidade Nacional do Litoral, Argentina, na graduação e no Mestrado em Arquitetura, do qual é Diretor. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5811-6899


Referências desta apresentação

ROCHA, Ricardo; MÜLLER, Luis. Apresentação: América Latina: Metrópoles e Regiões, desenvolvimento e planejamento. Antíteses. Londrina, v.14, n. 28, p. 48-69, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

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