Roundtable Review do livro “Juca Paranhos: o Barão do Rio Branco”, de Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos | Meridiano 47 | 2019

O periódico Meridiano 47 (Journal of Global Studies) foi um dos primeiros periódicos científicos completamente digitais na área de humanas no Brasil. Criada em 2000 pelo Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – IBRI, Meridiano 47 complementava a missão editorial da sua irmã mais velha, a consolidada Revista Brasileira de Política Internacional, estabelecida em 1958. Nos seus anos iniciais, a publicação funcionou como um boletim para a divulgação de peças de opinião, publicando também resenhas de livros e artigos de resenhas.

A revista fez parte de uma geração de experimentos editoriais digitais que floresceram no projeto RelNet (Rede Brasileira de Relações Internacionais), um grande projeto de divulgação científica estabelecido na Universidade de Brasília em 1998, nos primórdios da internet no Brasil. Meridiano 47 é a sobrevivente de uma geração de experimentos de publicação científica auspiciosa, pensada para veiculação exclusivamente on line e em RelNet, lançada anos antes da multiplicação de revista que foi facilitada e impulsionada pelo modelo de publicação do acesso aberto. Faziam parte desse conjunto de experimentos editoriais nascidos no contexto do RelNet a Revista Cena Internacional e o Boletim Via Mundi, ambas editadas no então Departamento de Relações Internacionais da UnB, e já extintas.

O primeiro número de Meridiano 47 data de julho de 2000. Na carta dos editores, se declarava que o objetivo do periódico era “informar nossos leitores a respeito de fenômenos importantes, quase urgentes, para a inserção de nosso país”. Além disso, buscava-se “despertar-lhes a atenção para processos que ocorrem em áreas temáticas e geográficas aparentemente distantes de nossos interesses no plano internacional”. No mesmo documento, é apresentada a orientação dada aos que contribuíram para o primeiro número:

Aos autores da presente edição foi oferecido o desafio de ultrapassarem a simples exposição dos argumentos favoráveis e desfavoráveis a aspectos específicos a esses fenômenos. Pedimos-lhes que levantassem questões, que provocassem o debate e que acaso apontassem soluções para problemas relacionados direta ou indiretamente à inserção internacional do Brasil.

A ambiciosa missão era “congregar a comunidade brasileira de relações internacionais em torno da oferta pública e gratuita de serviços de informação e de pesquisa”, apresentando análises de conjuntura sobre temas candentes das relações internacionais, servindo para estimular e difundir o debate contemporâneo sob múltiplas perspectivas analíticas e metodológicas (Rocha e Lessa: 2000, 2).

Por sua natureza vanguardista, Meridiano 47 tornou-se laboratório editorial para experimentação, posicionando-se em espaço privilegiado do nascente da disciplina no Brasil. Ela desde cedo serviu de solução para um dos principais dilemas da atividade acadêmica: como transformar artigos de opinião apresentados no debate público em produto acadêmico citável. Ao publicar tais fontes em uma plataforma na internet e, ao mesmo tempo, consolidá-los em um volume digital com ISSN, a revista agregou ganhos expressivos a trabalhos que antes não encontravam espaço nos meios tradicionais, especialmente na mídia impressa.Com o passar dos anos, o formato das peças de opinião foi abandonado para dar lugar a artigos científicos em formato variado, sendo que a Revista foi a primeira na área de Relações Internacionais no Brasil a aceitar peças no formato de short papers, com valor eminentemente científico, e com extensão um pouco menor da característica das revistas científicas tradicionais.

Nos anos seguintes, Meridiano 47 continuou agregando novidades. Uma das primeiras foi abrir espaço para resenhas de livros. A apreciação técnica da produção científica está no cerne do desenvolvimento acadêmico e a editoria sempre avaliou como construtiva tal nicho de contribuição. Em 2016, a revista adotou o modelo de publicação continuada, focado na publicação individual dos artigos, em oposição ao modelo tradicional, baseado em fascículos e edições. O modelo é nativo da era da comunicação científica em acesso aberto, e a sua adoção tem crescido rapidamente entre publicações científicas internacionais de grande impacto. A partir de então, Meridiano 47 abandonou completamente a organização em fascículos, e passou a ser publicada em um único volume. É a primeira publicação da área de humanidades que adotou a publicação em volume único, como expressão da agilidade que procuramos imprimir aos processos de análise e de produção editorial.

Chegamos em 2019 ao vigésimo volume da revista, que transitou do modelo de boletim publicando peças rápidas de opinião ao de revista científica que mescla short papers a artigos científicos de extensão e formatação clássicas. Gostamos muito da ideia de que Meridiano 47 é um laboratório de experimentação na publicação científica e, por isso, estamos abertos sempre a pensar formas de produção editorial inovadoras no Brasil. Acreditamos que o experimento que apresentamos neste número é especialmente valoroso, e recupera a ideia de um veiculo dedicado à repercussão do estado da arte da disciplina no Brasil, que fazíamos desde o início da nossa revista, com a nossa editoria de resenhas de livros. Assim, publicaremos pioneiramente uma Roundtable Review, construída com conjunto de resenhas e artigos de resenhas de um livro que se faz seminal já no seu lançamento. A oportunidade para o experimento veio com a publicação do livro “Juca Paranhos: o Barão do Rio Branco”, do diplomata e historiador Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos. A

biografia do Barão já era esperada por especialistas como um divisor de águas na historiografia da política externa brasileira. Dada a importância da obra para a disciplina, resolvemos testar com ela o modelo de resenha coletiva inspirada no boletim eletrônico da comunidade de história diplomática americana H-Diplo. A rede norte-americana reúne em seu website centenas de Roundtables, que ascultaram o estado da arte sobre a política externa dos Estados Unidos e sobre temas correlatos.1 O modelo da mesa redonda reúne um grupo de especialistas da área para analisar um livro recém publicado e com vocação para se estabelecer no estado da arte, cada um contando com amplo espaço para expressar criticamente as suas opiniões. O autor do livro analisado, por sua vez, interage com essas críticas, oferecendo aos leitores uma resposta detalhada e informada às análises feitas da sua obra.

A inovação da contribuição de Meridiano 47 neste nosso volume 20 é a especialização das contribuições. Assim, cada autor optou não só por uma abordagem distinta como também se fixou em um tema no livro, de modo a prover uma análise mais circunstanciada e aprofundada da obra. Kassius Diniz Pontes examinou como a biografia avança no tema das relações entre o Brasil e os Estados Unidos na Primeira República, em especial o tratamento dado à tese da “Aliança não escrita” de Bradford Burns (Burns: 1966). Helio Franchini Neto (2019) lida com um aspecto pouco estudado da trajetória de Rio Branco: a relação entre a diplomacia e os instrumentos de poder tradicionais do Estado. Maurício Santoro debruçou-se no que considera ser um aspecto subestimado da vida do barão: sua atividade como jornalista durante o Império. Santoro realiza uma ponte desse período de formação com a ação do chanceler, indicando com Villafañe avançou na compreensão dessa relação. Rogério de Souza Farias apresenta a relação complexa do barão com outro segmento pouco estudado: a política doméstica. Gabriela Nunes Ferreira apresenta Rio Branco como caso particularmente relevante de personalidade que transitou da monarquia para a o regime republicano, e a forma como isso agregou uma imagem de “herói relutante” por décadas à figura do diplomata. Paulo Roberto de Almeida inova ao estudar a economia política do Barão – “qual a sua compreensão dos problemas econômicos do Brasil e quais seriam as melhores políticas a serem seguidas pelo Itamaraty, para poder realçar, tanto quanto se podia, as virtudes econômicas de um país devotado basicamente à exportação de sua principal produção, o café”. O número termina com a publicação da resposta do autor do livro.

Essa volume, portanto, é muito distinto da forma tradicional de resenhas, pois permite um debate realmente genuíno e uma recepção mais sistemática de uma obra acadêmica singular do campo de estudos da história da política externa brasileira.

Nota

1 Ver a sessão Roundtables da comunidade H-Diplo – https://networks.h-net.org/node/28443/pages/178324/roundtables. Acesso em 01/03/2019.

Referências

ALMEIDA, Paulo Roberto de. A economia política de Rio Branco. Meridiano 47, 20: e20007, 2019. http://dx.doi.org/10.20889/M47e20007;

BURNS, E. Bradford. The unwritten alliance: Rio-Branco and Brazilian-American relations. New York: Columbia University Press, 1966.

ALSINA JUNIOR, João Paulo. Rio Branco, grande estratégia e poder naval. São Paulo: Editora da FGV, 2015.

FARIAS, Rogério de Souza. A esfinge reexaminada: o Barão do Rio Branco e a política doméstica. Meridiano 47, 20: e20002, 2019. http://dx.doi.org/10.20889/M47e20002

FERREIRA, Gabriela Nunes. (Barão do) Rio Branco, entre a Monarquia e a República. Meridiano 47, 20: e20003, 2019. http://dx.doi.org/10.20889/M47e20003;

FRANCHINI NETO, Helio. Realpolitik e o instrumento militar na vida e na obra do Barão do Rio Branco. Meridiano 47, 20: e20004, 2019. http://dx.doi.org/10.20889/M47e20004;

PONTES, Kassius Diniz da Silva. Fracasso Relativo? A política de Rio Branco para os Estados Unidos. Meridiano 47, 20: e20005, 2019. http://dx.doi.org/10.20889/M47e20005 ;

SANTORO, Maurício. Rio Branco, jornalista. Meridiano 47, 20: e20006, 2019. http://dx.doi.org/10.20889/ M47e20006;

SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. Juca Paranhos: o Barão do Rio Branco. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, 560p.

SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco: os comentários do autor. Meridiano 47, 20: e20008, 2019. http://dx.doi.org/10.20889/M47e20008

ROCHA, Antônio Jorge Ramalho da e Lessa, Antônio Carlos. Meridiano 47: Relações Internacionais sob o prisma de Brasília. Meridiano 47, v. 1, n. 1, p. 1-2. 2000.


Organizadores

Rogério de Souza Farias – Universidade de Brasília. Instituto de Relações Internacionais, Brasília – DF. E-mail: [email protected]  ORCID ID: orcid.org/0000-0001-6678-0984

Antônio Carlos Lessa – Universidade de Brasília. Instituto de Relações Internacionais, Brasília – DF. E-mail: [email protected]  ORCID ID: orcid.org/0000-0001-8593-8708


Referências desta apresentação

FARIAS, Rogério de Souza; LESSA, Antônio Carlos. Introdução ao Roundtable Review do livro “Juca Paranhos: o Barão do Rio Branco”, de Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos. Meridiano 47, 20: e20001, 2019. Acessar publicação original [DR]

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