Russia since 1980 (the world since 1980) | Steen Rosefield e Stefan Hedlund
Conforme sugestão do próprio título – Russia since 1980 – os autores Stefan Hedlund e Steven Rosefield – estendem aos leitores o convite a uma viagem por quase 30 anos de história russa, perpassando por acontecimentos impares como as reformas de Leonild Brezhnev e posteriormente de Gorbachev, mudanças que repercutiram na eclosão da União Soviética (URSS) e a política de mercado de Yeltsin (primeiro presidente da Rússia pós Império). Adicionalmente, o livro traz ao leitor debates e discussões acerca de uma possível democratização ou a permanência de um autoritarismo latente na Rússia, adentrando a era Vladimir Putin. Tal era promove a reinserção e fortalecimento do Estado depois da crise do fim da Guerra Fria e a adesão a um modelo dito ocidental de economia e política, bem como a projeção de uma nova postura no contexto global. As complexidades e contradições de Putin são examinadas, assim como a eleição de seu aliado Dmitri Medvedev que surge às sombras do seu antecessor.
A obra é dividida em seis partes que abrigam os 14 capítulos existentes. A parte I abrange a Rússia antes de 1980, as partes II, III e IV discorrem sobre as Eras Gorbachev, Yeltsin e Putin respectivamente, a V aborda os avanços e retrocessos e, por fim, a última parte trabalha com as Perspectivas da Federação. Em paralelo, os autores tendencialmente se apresentam como pró-ocidente, tecendo sérias críticas ao sistema soviético e depois russo no que se refere a sua organização, sociedade, estruturas, comparando os sistemas e enfatizando as deficiências destes frente correspondentes regimes ocidentais.
Na abertura da obra os autores apresentam o ano de 1980 como o começo de ambos – o fim do comunismo soviético e o momento de turbulência da transformação da Rússia. Esse retrospecto é essencial para se entender a posição que o país toma hoje frente às dinâmicas contemporâneas. A matriz da cultura Moscovita percorre toda a trajetória e leitura de Russia Since 1980, modelo este que prevaleceu por mais de cinco séculos, segundo o qual o governante autocrata tem em mãos toda a produtividade e direção do país, ele está acima da lei, governa para si em nome da nação (este modelo remonta ao governo de Ivan, o grande, fundador do Estado Russo – século XV). Dessa forma, Hedlund e Rosefield entendem que Putin e seus predecessores são apenas outra variação desse autoritarismo moscovita, o que explica, segundo eles, o atraso econômico, político e social do país. O progresso russo atual é visto não como um progresso substancial, mas como produto de ilusões estatísticas e, a democracia, somada a uma ausência de ações, é condecorada a meras palavras.
Gorbachev (1985/1991) é retratado como um homem de muitas faces (alternância de um modelo de crescimento econômico frente à mobilização da Reforma Comunista para um projeto de reformas econômicas liberais). Estas reformas – radicais apenas na retórica – são consideradas ineficazes, uma vez que a estrutura de organização física não sofreu qualquer alteração. Os autores entendem que as intempéries da “terapia de choque” vindas à tona na Era Yeltsin (1991/1999), possuem suas raízes no governo Gorbachev e a oligarquia já emergia aqui como uma profícua jogadora. As ineficiências dessas reformas são colocadas em segundo plano e a administração Gorbachev é percebida como a mola propulsora da queda da União Soviética.
Na seqüência, Yeltsin numa primeira fase de sua gestão, apresenta uma administração de quase total alinhamento com o Ocidente (1993 – encontro com George Bush, 1994 – parceria formal com a OTAN, 1995 – encontro com Bill Clinton). Paralelamente, os oligarcas tornavam-se peças-chaves na manipulação e controle do mercado, aumentando a corrupção e desagregação do Estado russo. Hedlund e Rosefield explicitam que o sistema pós-comunista de Yeltsin não teve domínio sobre todos os aspectos da economia, política e sociedade e não serviu como impulso a um modelo real de livre mercado democrático. Entendem que esse momento pós-soviético foi apenas uma transição formal de um autoritarismo da organização física da Reforma Comunista para um autoritarismo do Mercado moscovita – que emerge às sombras de uma política de abandono das obrigações políticas e sociais do Estado. Como a administração Gorbachev, a presidência Yeltsin sofre críticas referentes ao retrocesso russo, sobretudo no tocante ao desgaste das condições sociais, como a queda da taxa de natalidade, aumento da mortalidade masculina e agravamento da pobreza.
Sob ingerência de Putin (1999/2008), também condicionado ao modelo de administração autoritária moscovita, o Kremlin inicia uma reforma no sistema de governo, fortalece a burocracia, centraliza o poder do Estado e amplia o poder da Polícia Secreta. O objetivo destas medidas? Recuperar o Estado russo, o poder do Kremlin e mesmo o orgulho nacional. Gastos com Defesa reascendem e Putin dá início a um modelo ambicioso de modernização de armas. Alguns elementos contrastam sua gestão com a gestão do seu antecessor Yeltsin: diminuição da pobreza, mercados mais eficientes, aumento da produção e um relativo equilíbrio da economia. Vale ressaltar, entretanto, que a economia russa é dependente da extração e exportação de recursos naturais, sobretudo do petróleo, o que a torna vulnerável aos preços dos bens primários, somada ao fato de que descobertas de novos campos não acompanham a produção desses recursos. Esta situação leva a pensar que a questão energética poderá ser o grande problema do país num futuro próximo gerando novos desequilíbrios. No compasso dessas tendências desfavoráveis, os autores se atendam aos aspectos negativos do Governo Putin, tais como a supressão da mídia independente, autoritarismo consolidado, desrespeito aos direitos humanos, ataques às Organizações não-governamentais (ONGs), perseguições políticas, repressão da oligarquia, dentre outros.
Como herança dessa Era Moscovita, autodenominada por Hedlund e Rosefield como “Patrimônio da Negligência” são lançados à mão um espectro de tendências que se distanciam da discussão acerca de uma ocidentalização sucedida, como a depressão da qualidade de vida, deterioração do capital humano, choque demográfico (crescente mortalidade e queda da fertilidade), degradação ambiental, capital intelectual pouco incentivado. Esses são alguns influxos apresentados ao futuro da Federação guiados por toda essa Era pós Império, conseqüentes – segundo os autores – de uma democracia incipiente quando comparada às regras ocidentais.
Em sua última parte, a obra discorre sobre as prospecções e distúrbios estruturais da Federação Russa, concluindo que o crescimento futuro do país será baixo, somado a fatores como o declínio da força de trabalho, não incentivo à mão-de-obra estrangeira, base cientifica defasada e vulnerabilidades a choques de petróleo. Esses fatores se agravam quando comparados à expansão do país chinês, que apesar de apresentar características semelhantes ao sistema russo – regime de governo autoritário, regras econômicas burocráticas, redes de segurança social ineficientes – vem demonstrando uma relativa superioridade em termos de desenvolvimento econômico, principalmente na junção dos fatores – trabalho, capital e progresso tecnológico. Nesse contexto, o relacionamento russo-chinês torna-se dúbio no âmbito das Relações Internacionais, ao passo que o crescimento econômico chinês se contrasta a um potencial russo que se deprime, conforme explicitado por Hedlund e Rosefielde ao longo de toda a exposição.
Por se tratar de um livro recente (2009) e que expõe de forma precisa as peculiaridades, sobretudo da política interna do país russo, ainda que às voltas de profundas críticas e uma postura relativamente pró-ocidental. A obra pode ser compreendida num contexto de vanguarda da temática, somada ao fato do contato próximo dos autores com as estruturas da sociedade e sistema russo, assim como o acompanhamento privilegiado das transformações sofridas pelo país.
O debate acerca da elaboração de um ideal social e um melhor caminho russo a seguir prepondera nos dias atuais. Ao sabor dessa discussão, a leitura de Russia since 1980, como já mencionado, conduz a uma viagem singular pela história da Federação, assim como a redescoberta de um país que – em sua essência – mistura elementos de uma história milenar com elementos de uma nova trajetória. Em meio a transformações e ajustes, bem como avanços e retrocessos, a Grande Rússia desperta como um ator de saliência no contexto contemporâneo, buscando um novo status no cenário global frente às suas vulnerabilidades internas.
Resenhista
Alessandra Aparecida Luque – Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista – UNESP (campus de Marília) e bolsista de Iniciação Científica FAPESP. E-mail: [email protected]
Referências desta Resenha
ROSEFIELD, Steven; HEDLUND, Stefan. Russia since 1980 (the world since 1980). New York: Cambridge University Press, 2009. Resenha de: LUQUE, Alessandra Aparecida. Meridiano 47, v.10, n.106, p.66-68, maio. 2009. Acessar publicação original [DR]