Saberes jurídicos y experiencias políticas en la Europa de entreguerras: la transformación del Estado en la era de la socialización | Sebastián Martín, Federico Fernández-Crehuet e Alfons Aragoneses

O texto organizado por Sebastián Martín, Federico Fernández-Crehuet e Alfons Aragoneses, a partir do Grupo de Investigação “Edouard Lambert” de História Jurídica Comparada, publicado pela Athenaica (Sevilha) no ano de 2021, apresenta um preciso recorte espacial e temporal, quais sejam, a Europa dos anos 1920-1930 (com as devidas elasticidades próprias à historiografia). O objeto que está no centro do apurado debate é o movimento jurídico-político desse espaço-tempo, mediante análise dos aspectos sobre democracia, totalitarismo, teoria do Estado, teoria do Direito, constitucionalismo, direito público, direito privado, cultura jurídica (ciência do direito), e algo em filosofia do Direito2.

Pietro Costa abre o livro com um “capítulo preliminar”, à guisa de prefácio, intitulado Democracia e totalitarismo na Europa de entreguerras: uma introdução. O texto funciona como epígrafe a tudo o que virá, como inspiração ao conjunto ordenado de capítulos posteriores, trazendo o Zeitgeist do objeto da obra toda. E o “espírito do tempo” pode ser sumulado, de acordo com o autor, numa única palavra: guerra. Eis a atmosfera do tempo, do espaço e do livro que aqui estamos a observar.

A partir dessa preliminar, o livro se desdobra em quatro partes. A parte I, com seis capítulos, trata do Direito Público. A parte II, também com seis capítulos, versa sobre Direito Privado, Corporativo e Social. A parte III, com três capítulos, trabalha o Direito Penal e o Direito Internacional. A parte IV, última, trata de Teoria do Direito, em dois capítulos. Um capítulo final, “transicional”, encerra o volume.

O primeiro texto sobre Direito Público é de Ignacio Gutiérrez, e está assim intitulado: Teoria do Estado e direito constitucional: construção (Weimar) e queda (nacional-socialismo). O autor delimita claro objetivo: traçar um panorama da teoria do Estado e do direito constitucional do entreguerras (especificamente na Alemanha) aptos a adentrar num aspecto historiográfico (metodológico) de “história do pensamento jurídico”. Assim, tanto ao tratar de “Weimar” quanto de “Nacional-Socialismo”, Gutiérrez divide a abordagem em Realidade, Teoria e Academia, para enfim concluir, relacionando esses três elementos, que assim como a hegemonia do positivismo foi compatível com a criação do império alemão, também o debate metodológico de Weimar se relacionou com a crise de legitimação política; nesse sentido, não seria à toa que a institucionalização da disciplina Teoria do Estado consagrou a doutrina de Kelsen, Schmitt, Smend e Heller.

O próximo texto é de José Esteve Pardo, intitulado O pensamento antiparlamentar: origem e influências no direito público. O autor abre o capítulo revelando o debate existente acerca de propostas antiparlamentaristas que já circulam na Europa do entreguerras, proferidas por “eminentes cabeças do direito público”. Mas além da crítica, há moções e alternativas. Discorrendo, pois, sobre o entorno político e social do parlamentarismo nesse dado período e território (especialmente Alemanha, França, Itália e Espanha), também sobre um novo entorno científico e intelectual de fins do século XIX – em crítica ao Iluminismo –, sobre os movimentos de massas e seu impacto na comunidade acadêmica, e sobre as principais frentes de ataque ao parlamentarismo liberal e aos seus pressupostos (teóricos e práticos), o autor propõe que na verdade esse debate abre “um novo direito público”, que redefine sobremaneira o instituto político, do ponto de vista conceitual, e recompõe a correlação de poderes e suas relações com a sociedade.

A seguir, Bernardo Sordi brinda-nos com Interseções, modernizações, tradicionalismos (e derivações autoritárias) no direito administrativo de entreguerras. Em primeiras palavras, já demarca o hibridismo entre o público e o privado (o estatal e o comercial) capaz de determinar novas necessidades de reflexão e abordagem sobre o tema. E bem atesta uma certa dissolução do regime administrativo (a renúncia do Estado administrativo clássico, até ao ponto da dispersão da unidade administrativa), a partir da fragmentação entre o direito público e a economia, especialmente em Weimar. O que nos dá pistas para leitura do próximo capítulo…

Que é de Gilberto Bercovici, que escreve sobre O debate jurídico de Weimar e as origens do direito econômico. Nesse capítulo, fica elucidado que o processo de concepção de um “Direito Econômico” deriva das evidentes transformações sociais vinculadas à industrialização e à urbanização, no século XX. É com a formação da sociedade industrial que vislumbramos a hegemonia do liberalismo econômico, atrelada à ampliação das necessidades públicas (e sua tentativa de satisfação, por inúmeras vias, dando vazão às codificações civis, comerciais e trabalhistas). Na Constituição de Weimar aparecerá, portanto, um capítulo inteiro expressamente dedicado à ordem econômica: matriz para o desenvolvimento de um “Direito Econômico”.

Sebastián Martín apresenta-nos os Modelos teóricos do direito público na Europa (1911- 1935), quais sejam, o modelo positivista, o modelo formalista e o modelo dialético. Tal organização visa a uma “história dos saberes jurídicos”, onde a questão de método se torna imprescindível. Fica perceptível que esses modelos, às vezes sucessivos no tempo paradigmático (cada qual instaurado na crise do paradigma hegemônico), encontram divergências e similitudes no campo de abordagem do direito público. Nesse sentido, a palavra-chave da tese de Martín é: “conciliação”.

E no fim dessa primeira parte, Leticia Vita apresenta o texto intitulado Crise e defesa da Constituição: o caso Prússia contra Reich de 1932. De início, a autora apresenta o conflito Prússia versus Reich no contexto da República de Weimar. E num primoroso estudo de caso, dá conta do caso concreto perante o Tribunal Estatal de Leipzig, desde a apresentação fático-probatória até os argumentos, a sentença, e os comentários de Kelsen a respeito desta última.

Inaugurando a temática sobre Socialização do direito privado, direito corporativo e social (título da parte II), temos Alfons Aragoneses escrevendo o capítulo Do ‘momento 1900’ ao realismo jurídico: o direito civil francês na primeira pós-guerra. O autor parte do direito francês no contexto da guerra, procura compreender as mudanças na legislação e na doutrina jurídica – particularmente quanto à “nova situação” da mulher no âmbito do direito de família, também quanto à responsabilidade civil, ao direito contratual e ao direito de propriedade –, e chega ao fracasso histórico de uma ideia jurídica do século XIX no XX, qual seja, o projeto de Código franco-italiano das obrigações. Trabalha, finalmente, a temática dos “juristas” franceses, os professores de direito civil (notadamente, F. Gény e G. Ripert) frente à intervenção do Estado.

A seguir, Carlos Petit aborda sobre Democracia e direito comercial: texto e contextos de Joaquín Garrigues – Novos fatos, novo Direito de Sociedades Anônimas (1933). Aqui, a palavra de destaque é o “novo”. Novos fatos, novos autores, novos textos, novos métodos, nova vida… Petit busca incessantemente um “derecho mercantil” (que aqui tratamos por direito comercial) nos livros remanescentes, uma espécie de ressignificação das articulações entre direito e economia, não obstante a introdução do Führerprinzip na vida empresarial europeia. O jovem professor Joaquín Garrigues havia publicado, em 1933, a original monografia Novos fatos, novo Direito de Sociedades Anônimas, e com esse trabalho despontou na privatística espanhola rumo à construção de um novo entendimento sobre o direito comercial – consagrado no seu Curso de Direito Comercial (1936-1940).

Após, surge o capítulo O direito de propriedade na República de Weimar e no fascismo, de Thorsten Keiser. O texto parte de uma abordagem sobre a propriedade nas ditaduras e nas democracias (num comparativo entre a República de Weimar e a Itália fascista). Aborda as distinções entre constituição social e codificação liberal, e chega na crítica antiliberal dos anos 1920 em Alemanha e Itália, mediante impressões da Primeira Guerra sobre o direito de propriedade. O desfecho é a análise do direito de propriedade nacional-socialista.

Adiante, de Irene Stolzi, Corporativismo e ciência do direito: interpretações comparadas. Metodologicamente, trata o corporativismo como uma nova fase da pesquisa historiográfica, por conta da introdução de novos elementos e de uma certa complexidade nas análises do campo bem capazes de reconstruir articulações outrora perdidas ou mesmo minimizadas, como os aspectos políticos, institucionais e doutrinários. Assim, a autora aborda a fronteira do totalitarismo e o papel dos juristas na legitimação dos sistemas (políticos), mais claramente o “empenho” de juristas na definição e manutenção de um sistema jurídico-político.

De Carlos M. Herrera, temos O trabalho na Constituição, entre autonomia social e tutela estatal. O ponto de partida do autor é o trabalho no constitucionalismo social e a visão de uma “liberdade de trabalhar” prevista desde a conjuntura da Revolução de 1789. Desse ponto, o autor observa a dinâmica principiológica desse expediente na Espanha dos anos 1930 – apontando os direitos relativos ao trabalho e à sua proteção, agora numa perspectiva social, tais como jornada, descanso semanal, salário-mínimo, direito de associação, licença-maternidade, indenizações por acidente de trabalho e por demissão etc. Pode parecer tudo muito simples e “justo”, porém, a luta pelo sentido de justiça social não deixa de passar, inevitavelmente, pela luta de classes.

Ao fim dessa parte há o capítulo de Josefa Ruiz Resa intitulado A ideia de justiça social, entre repúblicas e fascismos: manifestações na ditadura franquista. Justiça social que se principia nos fins do século XIX enquanto princípio de distintas doutrinas políticas para tentar resolver a chamada “questão social”, uma expressão à qual se alude para tratar da miséria e do desamparo das classes trabalhadoras. A autora, então, aborda a dimensão nacional-católica da justiça social, o tradicionalismo e as mudanças desse catolicismo social, a dimensão nacional-sindicalista da justiça social e finalmente a passagem da justiça social revolucionária para uma justiça social restauradora.

Abrindo a parte III surge o capítulo de Michele Pifferi, Crise do liberalismo penal e ascensão do direito penal autoritário: a cultura penalística do entreguerras. De plano é-nos indicada a profunda alteração do panorama jurídico (normativo e doutrinário) no campo do direito penal na Europa do entreguerras. Então, o autor apresenta-nos a crise do direito penal liberal, o movimento reformador orientado para a defesa social, a constitucionalização da questão criminal, a formulação do paradigma autoritário, a defesa do estado de direito, as principais questões em termos diferenciais entre o sistema penal fascista e o nacional-socialista, e os “ensinamentos” do direito penal autoritário (Alemanha e Itália) em suas diversas manifestações que, por certo, marcam uma ruptura com a tradição constitucional liberal.

Adiante, Bartolomé Clavero escreve Direito sob cerco, 1936: República espanhola e Sociedade das Nações. A partir do resgate da Constituição espanhola de 1936 é de se observar a expressa renúncia da Espanha sobre a guerra como instrumento de política nacional – ratificando, assim, sua adesão à Liga das Nações de 1919 e se comprometendo com o aceite das normas universais de Direito Internacional. É aqui que se encontra a chave do colonialismo entre República espanhola e Sociedade das Nações, atravessada não mais por uma guerra mundial, mas pela local, civil.

Finalizando essa parte, temos o texto de Milos Veç, intitulado Direito internacional na época da tecnificação, o nacionalismo e o militarismo: a luta pela proibição das armas químicas (1899-1925). O autor introduz o texto com um estudo sobre as armas químicas enquanto objeto do direito e da política, e deságua na codificação do direito internacional quanto às técnicas de guerra no entorno do 1900 (aqui, com uma série categórica de normativas restritivas no uso de métodos e instrumentos em guerra). Instrumentaliza o estudo com o caso do uso de gás tóxico entre 1915-1918 e finaliza com a elaboração de uma política de direito internacional sobre crimes de guerra. Aqui reside a esperança do autor num direito internacional público.

Sobre Teoria do Direito (parte IV, a última), Federico Fernández-Crehuet escreve O giro hegeliano na Alemanha do entreguerras. As leituras de Hegel são o alvo para uma compreensão da suposta relação de Hegel (autor) com o nacional-socialismo: em Marcuse, em Topitsch, em Ritter e em Kiesewetter. Em seguida, o autor aborda a célebre “filosofia do direito” de Hegel, destacando as questões da liberdade, do universal, da vida, da escravidão e das relações entre indivíduo e sociedade. Trabalha ainda Hegel (autor) em Weimar, a partir do jurista nacional-socialista Julius Binder, protagonista do ressurgimento hegeliano na Alemanha. Para esse jurista, especialmente em Sistema de Filosofia do Direito (1925), a tensão entre indivíduo e sociedade é melhor sustentada em Hegel, contra o individualismo kantiano.

Antonio Peña Freire escreve Legalidade e justiça: questões jusfilosóficas abertas à luz da experiência nacional-socialista. Nazismo e “direito nazista” são as pedras angulares desse capítulo, a partir do convencimento do autor acerca da relevância da teoria do direito (e da filosofia do direito) para o nacional-socialismo. Em G. Radbruch observa-se o juspositivismo como o responsável por haver propiciado ideologicamente o nazismo – ou, pelo menos, por não haver permitido uma reação da comunidade jurídica frente ao nazismo normativo. Revisando Radbruch, e debatendo Hart com Fuller, Freire conclui pela ambiguidade metodológica e científica dos juízes do nazismo no ato de aplicação da lei, e questiona como seria se eles tivessem se mantido fiéis à sua função. Duas hipóteses, e das duas, uma: teriam sido substituídos, ou as coisas teriam sido diferentes.

O livro fecha com o capítulo de Sebastián Martín intitulado Iluminações sobre Weimar: anotações histórico-culturais num momento de transição e complexidade. Capturando a época e sua atmosfera cultural, o texto de encerramento da obra objetiva identificar a conjuntura político-cultural desse tempo (o entreguerras), a fim de articular as diferentes disciplinas jurídicas que foram estudadas no livro inteiro. Talvez esse capítulo de Martín seja, realmente, a melhor resenha.

Desde a abertura do livro, ainda no campo do direito público, parece ficar evidente o método historiográfico utilizado pelos autores, assim como, especialmente, a articulação coerente entre os temas desenvolvidos.

Tratando de direito constitucional, teoria do Estado, direito administrativo e direito econômico (parte 1), depois de direito civil, comercial, trabalho e justiça social (parte 2), direito penal e internacional (parte 3) e teoria e filosofia do direito (parte 4), o livro encampa boa parte do que chama “saberes jurídicos” no contexto das experiências políticas do período entreguerras na Europa. Com isso, em historiografia jurídica plenamente vinculada à história do pensamento jurídico, torna-se compreensível a transformação do Estado nesse tempo que o título da obra denomina “era da socialização”.

Este capítulo final, de Sebastián Martín, como dito, serve enquanto epílogo da obra. Nele, e expressando o espírito de todos os capítulos pretéritos, o ofício do historiador – e, aqui, do historiador do direito – aparece com realce: “captar a atmosfera cultural” de uma época.

Ora, quando o livro apresenta abordagens sóbrias e rigorosas do ponto de vista metodológico acerca das democracias versus totalitarismos, da delimitação sobre a República de Weimar, do nacional-socialismo, da irrupção das massas na cena pública, da organização das unidades administrativas – desde a política até as ementas em disciplinas jurídicas –, da crise da teoria constitucional, das mudanças na legislação e na doutrina jurídica europeia, das novas codificações, das continuidades e rupturas na perspectiva do direito europeu, dos fundamentos da autonomia social ante o avanço dos sistemas políticos autoritários (incluindo a ascensão de um próprio direito penal autoritário), de todas as implicações no âmbito do direito internacional, do reposicionamento, enfim, da própria teoria do direito e da jusfilosofia (especialmente quanto aos aspectos da legalidade e da justiça), tem-se o manejo de um “fazer história do direito” com domínio pleno de suas ferramentas e instrumentalidades. Tem-se a nova história do direito.

Nota

2 O livro é escrito em espanhol, e todas as traduções, sob responsabilidade deste resenhista, são diretas e livres.


Resenhista

André Peixoto de Souza – Universidade Federal do Paraná e Centro Universitário Uninter. https://orcid.org/0000-0002-6679-7417


Referências desta Resenha

MARTÍN, Sebastián; FERNÁNDEZ-CREHUET, Federico; ARAGONESES, Alfons (Eds). Saberes jurídicos y experiencias políticas en la Europa de entreguerras: la transformación del Estado en la era de la socialización. Sevilla: Athenaica, 2021. Resenha de: SOUZA, André Peixoto de. Saberes jurídicos e experiências políticas na Europa do entreguerras. História do Direito. Curitiba, v.2, n.2, p. 250-255, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [DR}

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