Tensões, disputas e diversidades, 1968-1988-2018 / Projeto História / 2018

Tensões – Disputas – Diversidades: 1968-1988-2018 / Projeto História / 2018

A história dos últimos 50 anos tem se revelado um complexo conjunto de forças políticas, econômicas e culturais em constante tensão. O surgimento de novos atores sociais (jovens, mulheres, negros, trabalhadores, dentre outros) tornou a cena pública um campo de tensão permanente, revelando-se em momentos icônicos, como em maio de 1968. As particularidades daquele tempo não se esgotam nas cenas parisienses. Vislumbramos grandes agitações nas ruas de Praga, em diferentes cidades do México, nos Estados Unidos ou mesmo nas ruas das cidades brasileiras.

O Ato Institucional Número 5, de 1968, inaugura a fase mais violenta e mesmo sanguinária da ditadura brasileira, contra a qual se levanta parte da sociedade civil brasileira. Vinte anos depois, o Brasil era outro. A nova conjuntura culmina na Constituição de 1988. A Carta mais democrática de nossa história não deixa de apresentar forte resistência dos setores mais conservadores.

A legitimidade do historiador para inventariar o passado, num momento em que o acesso aos documentos deixou de ser privilegio de seu ofício, para ser transferido a incontroláveis grupos de “saber” e “interesses” – que buscam construir ou fabricar uma versão oficial da história, a fim de convalidar no presente as atitudes contraditórias e muitas vezes suspeitas do passado – precisa ser retomada e novamente valorizada em suas bases epistemológicas, sob risco de vermos a história ser editada e reeditada em torno apenas de sua já conhecida e “infantil” obsessão pelas origens.

O ano de 2018, compreendido não como ano-calendário, mas como o tempo do agora, apresenta grande agitação política, marcada por discursos conservadores, como o golpe parlamentar de 2016, no Brasil, a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, o Brexit, na Inglaterra. No Brasil, é justamente a Constituição de 1988 que se encontra sob ataque. Os ataques a direitos fundamentais, o descaso com as regras democráticas, invasões de universidades, com censura a cursos e perseguições a professores, indicam que temos o dever de alertar sobre os riscos à jovem democracia brasileira.

O presente dossiê da Revista Projeto História busca justamente abrir espaço para esses três momentos políticos, certamente diversos e tensos, ora conservadores, ora críticos ao status quo. Com este dossiê, a revista do Programa de Estudos Pós-graduados da Universidade Católica de São Paulo almeja contribuir na divulgação de pesquisas de alto nível que enriqueçam o debate contemporâneo.

Nesse sentido é que se optou por abrir o Dossiê com o trabalho de Sheila Alice Gomes da Silva, que, ao se debruçar sobre as experiências e vivências das comunidades africanas na cidade de São Paulo, propôs uma série de reflexões acerca da exclusão e estigmatização das populações negras, resultantes da violência e do racismo. O trabalho de Sheila, a quem prestamos homenagem pelo seu precoce falecimento, busca valorizar os grupos sociais que relembravam a elite paulistana de seu passado escravista.

O segundo artigo, assinado pela professora do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Carla Reis Longhi, analisa a documentação de comunicação SNI-DEOPS / SP buscando refletir acerca do contexto político do ano de 1968 no Brasil. Partindo dos conceitos de política e cultura política, o artigo discute as lógicas autoritárias e estratégias discursivas empregadas pelo regime para a manutenção do poder e do autoritarismo.

Em seguida, o professor de Teoria da História da Universidade Federal do Amazonas, Gláuber Cícero Ferreira Biazo, em diálogo com a hermenêutica de Paul Ricoeur, analisa como documento uma entrevista de história oral de vida acadêmica realizada com a professora Dra. Leyla Perrone-Moisés, na qual sustenta que a teoria do conhecimento em história oral contribui para problematizações em torno da memória narrativa, pois esta é entendida como resultante do engajamento de um sujeito na experiência histórica e em suas relações com o outro e com o tempo.

O próximo artigo do Dossiê é assinado pelo professor de sociologia do Instituto Federal Fluminense, André Pizzeta Altoé, que toma como objeto de suas análises a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), fundada em 26 de julho de 1960. Nesse trabalho, Altoé discute como a manutenção da misoginia nos moldes medievais foi um dos traços marcantes do catolicismo ultraconservador e de direita do período, resultando numa total falta de capacidade de atuar na sociedade, uma vez que negligenciou a adoção de valores modernos como a incorporação de mulheres em seus quadros.

Na sequência, Sérgio Luiz Santos de Oliveira, pós-doutorando em História Social pela FFLCH-USP, busca discutir a formação da Mocidade Trabalhista do PTB (1957-61), conferindo especial destaque à cidade de Belo Horizonte. De lá formou-se uma geração de ativistas que, anos mais tarde, acabaram se engajando em organizações como a ORM-POLOP e a AP, como Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra e Herbert de Souza, o Betinho, todos com destaque na esquerda brasileira na década seguinte.

Da Universidade Estadual de Ponta Grossa, o professor Névio de Campos e o Dr. Eliezer Felix de Souza propõem discutir o Maio de 1968 na Universidade Federal do Paraná. Partindo da documentação arquivada no DOPS e das atas do Conselho Universitário da UFPR, os autores privilegiam a análise do movimento estudantil e sua correlação com acontecimentos antecedentes, bem como as expectativas que agitavam os estudantes. Como resultado explicitam-se as ações levadas à cabo pelos estudantes e as formas repressivas colocadas em prática pelas autoridades universitárias e policiais.

O Dossiê desta edição se encerra com o artigo da professora do Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Léa Guimarães Souki, o qual discute as permanências da cultura libertária de Barcelona – onde se teve a única experiência histórica do anarquismo como governo –, como característica marcante de experiências cooperativas e assembleístas dos bairros numa mescla com a Confederação Nacional do Tralbalho (CNT).

Esta edição conta ainda com três artigos livres. O primeiro, intitulado “Engels e a igualdade jurídica: notas acerca da questão da secularização da visão de mundo teológica no Direito”, o professor Dr. Vitor Bartoletti Sartori trata da questão da igualdade em Friedrich Engels, buscando explicitar as rupturas e permanências entre a visão de mundo teológica e a jurídica na obra do referido autor germânico. Já o segundo artigo, de autoria da professora Dra. Maria Izabel de Azevedo Marques Birolli, analisa os usos [e abusos] que se fez de dispositivos legais para dar suporte à prática, antiquíssima, da tutela de filhos alheios como criados domésticos, propondo uma interpretação de como a rede de criadagem que se formou no Brasil desde o período colonial entrou em crise nos anos 1920. Por fim, o terceiro artigo, assinado pelo professor Dr. Linderval Augusto Monteiro, da Universidade Federal de Grande Dourados, traz uma narrativa do primeiro caso de linchamento ocorrido na Baixada Fluminense após o período que ele denominou de “colonização proletária”, em 1970, no intuito de relacionar esse caso com as formas populares de colonização da Baixada e, também, refletir sobre as representações dos periódicos cariocas acerca dessa região na década de 1970.

Assim, espera-se que os leitores possam apreciar os trabalhos selecionados, levando em conta que os editores buscaram organizar um panorama variado capaz de problematizar questões de nosso passado (e de nosso presente) que apontam para um cotidiano de grande agitação política no Brasil e no mundo, esperando que tais reflexões possam nos servir como um alerta para os riscos à democracia brasileira.

Luiz Antonio Dias – Departamento de História PUC-SP

Alberto Luiz Schneider – Departamento de História PUC-SP


DIAS, Luiz Antonio; SCHNEIDER, Alberto Luiz. Apresentação. Projeto História, São Paulo, v.63, 2018. Acessar publicação original [DR]

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