Teoria da História e Teoria Política / Revista de Teoria da História / 2019

O dossiê que aqui se apresenta está concentrado na relação entre Teoria da História e Teoria Política e, por conseguinte, nas diversas questões que tal relação suscita. Consideradas em suas definições mais abrangentes, história e política se determinam reciprocamente: podese dizer que toda concepção de política traz implicitamente uma determinada concepção de história e historiografia em relação a qual os acontecimentos são engendrados e reconstruídos e que, inversamente, toda concepção de história implica em um determinado posicionamento político frente ao mundo, isto é, em formas específicas de conceber o indivíduo e os modos de sua relação com outros indivíduos sob a organização de uma coletividade como o Estado. Não obstante, ao mesmo tempo que claramente inequívoca, a relação entre ambas é de tal modo complexa que o mais despretensioso olhar logo o percebe ao se defrontar com as diversas formulações que tomaram lugar ao longo da história, sejam aquelas de Platão e Aristóteles, passando por Santo Agostinho e, adentrando-se na Modernidade, de N. Maquiavel, F. Guicciardini, G. Vico, E. Burke, G. W. F. Hegel, W. Humboldt, K. Marx e M. Bakunin, como também, chegando ao último século, as formulações de autores como H. Arendt, G. Lukács, T. Adorno e M. Foucault, dentre inúmeras outras. A esse espectro de autores é acrescida a incorporação de temas como a moral, a teoria do poder e a retórica. Com tal complexidade em mente, a Revista de Teoria da História, com o presente dossiê, pretendeu reunir contribuições originais e relevantes que tratem de parte da multiplicidade de modos em relação aos quais Teoria da História e Teoria Política se associam.

A seção de artigos do dossiê é aberta com duas reflexões a respeito do historiador prussiano Johann Gustav Droysen realizadas por dois de seus maiores especialistas internacionais. Em Notas sobre Croce e Droysen, o professor (Università degli Studi di Napoli) italiano Fulvio Tessitore investiga a presença de Droysen no pensamento de Croce, percorrendo, para isso, uma reflexão epistemológica que culmina no tema da relação entre história, historiografia, ética e moral, bem como na questão da possibilidade de uma “tribunalização da história” no pensamento crociano inspirado em Droysen. Já em “Ser um homem de Estado é ser um historiador na ordem prática”: ação política e historicidade em J. G. Droysen, o pesquisador francês Alexandre Escudier (CEVIPOF / FNSP), a partir de tal proposição de Droysen, examina o modo como a ciência histórica, cujos fundamentos foram elaborados pelo historiador prussiano, pode ser considerada a principal ciência de “toda uma propedêutica política”, o que, ao fim, se refere à fundação de uma “nova cultura política” possibilitada pela teoria da história de Droysen.

Em seguida, o professor Tiago Losso (UFSC), em O Povo e a República: um estudo sobre Salústio e o conflito político no republicanismo romano, analisa a relação entre republicanismo e democracia a partir da historiografia do pensamento político pautada no republican revival e de textos clássicos do escritor romano Salústio, tendo como fio condutor os temas do conflito político e do elemento popular. A doutora Alexandra Aguiar (UERJ), em “Há limite para todas as coisas”: antirreforma e conservadorismo na Assembleia Geral de 1881, vai aos fundamentos do pensamento político conservador para encontrar na Assembleia Geral de 1881 elementos que possibilitem a consideração da predominância do discurso conservador na dinâmica partidária imperial brasileira. Por fim, o artigo de Jaime Fernando dos Santos Junior (UFRGS), cujo título é Do tempo das revoluções às revoluções do tempo. Nele é investigada a mudança de esferas (científica, política e cultural) e de áreas do saber sofrida pela categoria de revolução, bem como a própria validade do uso de tal categoria e suas implicações no que se refere ao tema da temporalidade.

O dossiê é complementado com a tradução de um artigo de R. G. Collingwood denominado Fascismo e Nazismo. Trata-se de um texto escrito no ano de 1940 e que procura compreender o surgimento desses movimentos totalitários. Uma das valiosas contribuições desse pequeno escrito está, sobretudo, na afirmação de que o surgimento e a adesão a tais movimentos não podem ser plenamente compreendidos apenas mediante a eleição de motivos de ordem racional.

Em seguida, iniciamos a seção de artigos livres. Em importante contribuição para os estudos em Micro-História, o professor Daniel Precioso (UEG), com o artigo Edoardo Grendi e Giovanni Levi: da antropologia à microanálise histórica (1977-1985), examina as aproximações entre a antropologia econômica e a antropologia social e os dois teóricos da micro-história italiana referidos no título do texto. Passando pelas aproximações com a antropologia econômica de Witold Kula e Karl Polanyi e pela presença da antropologia social na construção da microanálise de Grendi, Precioso aponta, por último, a apropriação de abordagens e conceitos antropológicos por Grendi e Levi, em publicações entre 1977 e 1985.

No artigo intitulado Pensar o tempo para construir um método: a descontinuidade histórica em Gaston Bachelard, o professor Tiago Santos Almeida (UFG) propõe uma reflexão acerca do que chama de estatuto epistemológico da descontinuidade histórica na obra de Bachelard e o faz ao apresentar as críticas de Bachelard a autores como Auguste Comte e Émile Meyerson, apontando que Bachelard transforma a noção de método em relação à noção que vigorava na historiografia das ciências do século e XIX e início do XX.

Clayton José Ferreira (UFOP) parte da análise do ensaio Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira (1928), de Paulo Prado para refletir acerca das relações com o passado na escrita do autor em questão e apresentar a hipótese de que Prado se aproxima de passados que poderiam potencializar o presente a partir do distanciamento de experiências histórias consideradas contraproducentes. Assim é composto o artigo Pluralidade na relação com o passado em Retrato do Brasil (1928) de Paulo Prado.

A provocação acerca da possibilidade de pensarmos Hegel a partir da tradição historicista é o que norteia o artigo de Renato Paes Rodrigues (UFRJ) intitulado Hegel pode ser um historicista? Tomando por base escritos do próprio Hegel e do que chama de tradição hegeliana do século XX, o autor busca contribuir para o debate, tendo em vista o historicismo como uma visão da história.

Na seção de ensaios, o professor Luiz Sérgio Duarte (UFG) realiza um jogo de palavras em Teses sobre Benjamin e sintetiza um conjunto de aforismas a respeito do filósofo e historiador alemão.

Na seção de entrevistas, o dossiê é plenamente encerrado. Em O tempo longo da pesquisa e o tempo breve da política, o professor italiano Alfonso Maurizio Iacono (Università di Pisa) responde questões (endereçadas por Murilo Gonçalves e Francesco Guerra) relativas à sua trajetória intelectual e sobre a relação entre política e ciência. Ademais, contamos também com o texto História da ciência e linguagem, uma entrevista realizada com o professor Mauro Condé (UFMG) durante o VI Colóquio de História e Filosofia da Ciência: as ciências humanas, evento realizado na Faculdade de História da UFG. Entrevistado por Luiz Sérgio Duarte e Elbio Quinta, o professor responde a questões a respeito de importantes conceitos da filosofia da linguagem para o campo historiográfico, além de tocar no tema de sua fala no referido evento, a ciência da história e a perspectiva wittgensteiniana.

O professor Flávio Dantas Martins (UFOB / UFG) contribui mais uma vez para a nossa seção de resenhas com o texto História da filosofia e história intelectual da filosofia. Nos apresenta agora um livro de Ivan Domingues, atualmente professor da UFMG. O livro se intitula Filosofia no Brasil: legados e perspectivas e foi lançado em 2017 pela UNESP.

Frente ao exposto só nos resta desejar a todos uma proveitosa e crítica leitura.

Francesco Guerra

Murilo Gonçalves

Ulisses do Valle

GUERRA, Francesco; GONÇALVES, Murilo; VALLE, Ulisses do. Apresentação. Revista de Teoria da História, Goiânia, v.21, n.1, julho, 2019. Acessar publicação original [DR]

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