The New Transnational Activism | Siney Tarrow

A internacionalização dos movimentos sociais é um fenômeno que vem sendo crescentemente observado por analistas de Política Internacional. Muitos dos temas relacionados a esses processos ainda não têm, na Academia, um longo histórico de pesquisas, como: a formação de coalizões transnacionais, a relação entre os atores internos e externos ao Estado, a formação de redes, etc.

The New Transnational Activism (não publicado no Brasil), de Sidney Tarrow (professor de Sociologia na Universidade de Cornell), é uma obra que busca, através de uma análise lúcida e abrangente, preencher essas lacunas analíticas, aprofundar temas já abordados e desmistificar outras problemáticas relacionadas à internacionalização dos movimentos sociais. Para tanto, o autor versa sobre questões tão plurais quanto os movimentos trabalhista, ecológico, indígena, feminista e negro, dentre outros. O livro faz parte da coleção de estudos de Cambrigde em Contentious Politics 2, e está organizado em onze capítulos e cinco partes: o primeiro capítulo é a introdução, e cada uma das cinco partes a seguir se compõe de dois capítulos.

Na introdução/primeiro capítulo, Tarrow apresenta três grandes questões, que permearão os estudos direcionados em seu trabalho:

  1. Como e em que medida a expansão do ativismo transnacional muda atores, suas conexões, formas de demandas e estratégias? Em outras palavras, o que há de novo nesses movimentos?
  2. Este ativismo diminui as barreiras que separam os atores internos e externos aos Estados?
  3. Em caso afirmativo, como isso afeta nosso entendimento da autonomia da política interna com relação à externa?

Na primeira parte, Structure, Process and Actors (que compreende os capítulos dois e três: Internationalism and Contention e Rooted Cosmopolitans and Transnational Activism), o autor se dedica à definição de conceitos essenciais para o entendimento do livro. Assim, em Internationalism and Contention, explica a diferença entre globalização e internacionalização, e ilustra quais são as três grandes linhas teóricas das Relações Internacionais (RI) que permearão seu trabalho: o neo-realismo, quando assume que os Estados em relações assimétricas são os principais atores do Sistema Internacional; o construtivismo, ao partir da premissa que as normas e identidades dos Estados afetam seu comportamento; e o (neo)liberalismo institucional, ao considerar que os Estados criam práticas, regimes e instituições internacionais para resolver seus problemas de ação coletiva e monitorar tanto seu comportamento quanto o de outros atores. Também realiza uma revisão bibliográfica sobre as teorias dos movimentos transnacionais para apontar a direção em que segue o livro.

No terceiro capítulo, Rooted Cosmopolitans and Transnational Activism, Tarrow define o que são rooted cosmopolitans 3, relaciona-os ao ativismo transnacional e ilustra alguns estudos de caso (nem sempre ligados à filantropia ou a movimentos visando o bem comum, como, por exemplo, os atos do 11/9).

A segunda parte, The Global in the Local (reunindo os capítulos quatro e cinco: Global Framing e Internalizing Contention), é dedicada à percepção de conexão das demandas locais com a globalização. Global Framing analisa o caso das community gardens, também conhecidas como Green Guerillas e Green Oasis em Nova Iorque. Esse movimento ambiental, ao promover a distribuição gratuita de plantas, obteve apoio da prefeitura da cidade e formou coalizões com movimentos sociais na batalha de Seattle. Sidney Tarrow conclui que, se os movimentos nacionais variam em seu modo de trabalho, é porque os ativistas devem atuar dentro das culturas e estruturas de poder de seus próprios países. Em outras palavras, para o autor, poucos cidadãos locais se engajam naturalmente no “global thinking”, e precisam ser persuadidos para que suas reclamações locais possam ser resolvidas em nível transnacional; a limitação das pessoas em suas comunidades ou países pode até ser um fator indigesto para os ativistas internacionais (p. 75).

No quinto capítulo, Internalizing Contention, Tarrow toma como exemplo a ocasião em que dois jornalistas franceses foram detidos por insurgentes em Najaf, quando da ocupação da cidade por tropas americanas, em protesto contra a proibição dos véus nas escolas pelo Estado francês, para ilustrar como a xenofobia francesa trouxe à tona a capacidade de ingerência de grupos da sociedade civil na legislação da França.

O autor chega a algumas conclusões sobre o movimento do “Global para o Local”: (i) ainda que a globalização tenha recebido atenção da literatura, há sinais de resistência a ela; (ii) as manifestações nem sempre se opõem às instituições, pois as respostas domésticas às pressões externas podem tornar o momento “institucional” o mais crítico; e (iii) quando sofrem pressão externa, os Estados podem responder a demandas de forma positiva e eficaz (p. 95).

A terceira parte, Transitional Processes (englobando os capítulos seis e sete: Diffusion and Modularity e Shifting the Scale of Contention), problematiza a internacionalização dos movimentos sociais. Em Diffusion and Modularity, Tarrow argumenta que a internacionalização de demandas sociais é resultado da oportunidade política vislumbrada por seus ativistas (como no caso dos bombardeios suicidas do 11/9). Para o autor, a segmentação dessas redes horizontais limita o seu alcance, e o encontro de dois movimentos com as mesmas demandas não é suficiente para transformá-los em um único movimento transnacional: para que isso aconteça, é necessário um trabalho baseado em confiança e coordenação (p. 118-119). Essa constatação dará margem à abordagem do que Tarrow chama de scale shift 4, no próximo capítulo.

Shifting the Scale of Contention, descreve, portanto, as questões relacionadas ao processo, que, segundo o autor, possui dois movimentos: ora as ações locais transbordam de seus locais de origem, ora uma prática geral é adotada em um nível menor. Seja qual for o sentido, aponta Tarrow que a Internet desempenha sempre um papel crucial.

A quarta parte, The Local in the Global, abrange os capítulos oito e nove: Externalizing Contention e Building Transnational Coalitions. Aqui, Sidney Tarrow argumenta que os processos pelos quais as reclamações são externalizadas ocorrem através da ação coletiva internacional. A externalização é apenas a primeira etapa do processo para a busca de aliados externos, sendo a formação da coalizão é a maneira pela qual tais demandas são atendidas (p. 179).

Em Externalizing Contention, o autor busca demonstrar a externalização de demandas domésticas. Para ele, esse processo passa por algumas etapas necessárias, como o contexto doméstico (i.e. o déficit democrático interno a um país), a projeção da “causa” no plano internacional, diferentes formas de ação coletiva, monitoramento de informação, acesso às instituições internacionais e ação direta, dentre outras.

No nono capítulo, Building Transnational Coalitions, é desenvolvida uma tipologia das coalizões internacionais, que considera duas variáveis: duração e intensidade do envolvimento. São elas: coalização instrumental (que conta com as duas variáveis baixas), federação (duração alta e envolvimento baixo), a coalizão por evento (alto envolvimento e curta duração) e campanha de coalizão (que possui as variáveis em seus níveis mais altos). Cada tipo de coalizão se encaixa nas necessidades específicas de cada movimento social.

Na quinta e última parte, Transnational Impacts at Home and Abroad (composta dos capítulos dez e onze: Transnational Impacts on Domestic Activism e Transnational Activism and Internalization) são considerados os resultados dos processos que Tarrow aborda ao longo do livro. Em Transnational Impacts on Domestic Activism, o autor busca ilustrar os resultados da Truth and Reconciliation Comission em duas cidades completamente distintas, não fosse a questão racial: Cape Town, na África do Sul, e Greensboro, nos Estados Unidos. O argumento apresentado aqui é que os impactos domésticos do ativismo transnacional dependem de uma combinação de mecanismos que os conectem à política doméstica. Para que isso ocorra, quatro mecanismos são sugeridos: difusão, brokerage, mobilização e certificação.

À guisa de conclusão, Tarrow delineia os prospectos para a fusão dos movimentos internos e externos no capítulo onze, Transnational Activism and Internalization. O autor retoma os processos de transnacionalização dos movimentos sociais (projeção via questões “guarda-chuva”, internalização, difusão, scale shift, formação de coalizão e externalização), para responder às questões formuladas na introdução do livro:

  1. De novidade, há a presença de novas atitudes lideradas principalmente pela juventude, o papel essencial da internet, a mobilidade e sua consequente simpatia às causas/bandeiras.
  2. A resposta à possibilidade de diminuição das barreiras que separam os atores internos e externos aos Estados é, para Tarrow, “talvez” e/ou “em parte”. A diluição das barreiras pode ser vista no colapso da capacidade de resistência das estruturas domésticas, nas mudanças dos repertórios das demandas domésticas e na crescente conexão entre os conflitos domésticos e internacionais.
  3. Por fim, a política interna passa a ter uma nova relação com a externa, ainda que os impactos dessa relação sejam mais visíveis no âmbito interno aos Estados. Assim, instituições, regimes e tratados internacionais continuarão a refletir a relação de poder entre os Estados, mas os ativistas transnacionais passam a ter maior projeção, e seus objetivos, maior alcance.

Sidney Tarrow consolidou sua carreira nos estudos relacionados aos movimentos transnacionais e/ou internacionalizados. Como bom acadêmico, mostra em seu livro paixão pelo objeto de estudo ao mesmo tempo em que o analisa criticamente. The New Transnational Activism é leitura obrigatória para os especialistas do tema e de grande importância para os pesquisadores da política internacional.

Notas

2 As outras obras que compõem a coleção são: Silence and Voice in the Study of Contentious Politics, de Ronald Aminzade et al.; The Marketing of Revolution, de Clifford Bob; Political Movements and Violence in Central America, de Charles Brockett; Social Movements and Organization Theory, de Gerald F. Davis, Doug McAdam, W. Richard Scott e Mayer N. Zald; States, Parties and Social Movements, de Jack. A Goldstone; Dynamics of Contentious, de Doug McAdam, Sidney Tarrow e Charles Tilly; Contention and Democracy in Europe, 1650-2000 e The Politics of Contentious Violence, de Charles Tilly; e Contesting Citizenship in Latin America, de Deborah Yashar.

3 “… are a broad stratum of individuals and groups that exist in the past and among social activistis today. Supported by technological change, economic integration, and cultural conections, the phenomenon expresses itself most dramatically in the ease with which young people participate in demonstrations outside their own borders” (p. 56).

4 Scale shift é o processo de “… começar com entraves de tolerância, espalhar quando as condições são favoráveis, e expandir para a inclusão de um regime mais amplo” (O’Brien apud Tarrow: 120), que inclui “… uma mudança no número e nível de ações coordenadas para um ponto focal diferente, envolvendo novos atores, diferentes objetos e reclamações mais amplas” (McAdam, Tarrow e Tilly apud Tarrow: 121).


Resenhista

Katiuscia Moreno Galhera Espósito – Mestre em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP).


Referências desta Resenha

TARROW, Sidney. The New Transnational Activism. 3a. Edição. New York: Cambridge University Press, 2007. Resenha de: ESPÓSITO, Katiuscia Moreno Galhera. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD. Dourados, v.1, n.1, p.322-327, jan./jun. 2012. Acessar publicação original [DR]

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.