The Oxford Handbook of Names and Naming | Carole Hough

No primeiro semestre de 2016, estudiosos e entusiastas da onomástica tiveram acesso a uma obra ímpar acerca de nomes próprios e de processos de nomeação em geral, The Oxford Handbook of Names and Naming, coletânea que faz parte da série The Oxford Handbook in Linguistics, com 32 volumes já publicados até o fim de 2019. Escrito integralmente em língua inglesa, pode ser adquirido em três formatos: e-book, cujo valor de aquisição é mais econômico; paperback, que se trata de uma versão com capa comum em um valor aproximado do e-book; e hardcover, versão com capa dura, num total de 832 páginas. Esta resenha se constituiu a partir da versão paperback, um manual de 774 páginas cuja excelência editorial da Oxford University Press se destaca.

Esse volume é composto por pesquisas onomásticas, majoritariamente numa perspectiva eurocêntrica, mesmo que se confirmem descrições e análises de línguas e de culturas ao longo da obra, da família indo-europeia a línguas/dialetos e culturas minoritários dos cinco continentes. Isso pode ser atestado com o exame de duas seções pós-textuais: o Index of Languages, que lista um total de 145 línguas ou dialetos – a língua portuguesa é referida em quatro artigos e não há menções específicas a línguas autóctones brasileiras –, e o Subject Index, na qual o item Brasil é mencionado em três artigos. A editoria da obra ficou a cargo da professora britânica Carole Hough, ex-presidente do International Council of Onomastic Sciences (ICOS) e atual docente na Universidade de Glasgow, na Escócia, com a contribuição de Daria Izdebska como sua assistente nessa empreitada.

Quanto aos elementos pré-textuais, além de dedicatória, prefácio, sumário, lista de figuras e de abreviaturas, lista-se uma breve biografia dos 43 autores/as – 18 dos quais mulheres. Coube à editora a escrita da seção de Introdução, resumindo criticamente o conteúdo das sete partes que compõem esse manual e apresentando a urgência de uma obra dessa natureza: uma coletânea de estudos de notáveis onomaticistas que destaca de temas tradicionais a contemporâneos, em termos teóricos e aplicados.

Como mencionado, os 46 capítulos desse manual estão divididos em sete partes. Os três capítulos que compõem a primeira parte, Onomastic Theory, enfocam aspectos relacionados à teoria onomástica, a saber: i) nomes próprios e gramática (Names and Grammar), de Willy Van Langendonck e Mark Van de Velde; ii) nomes próprios e significado (Names and Meaning), de Staffan Nyström; e iii) nomes próprios e discurso (Names and Discourse), de Elwys De Stefani.

A segunda parte, Toponomastics, é composta por oito capítulos e apresenta a diversidade de perspectivas teórico-metodológicas e aplicadas da Toponímia, iniciando-se por um artigo de Simon Taylor de natureza metodológica acerca dos nomes próprios de lugares (Methodologies in Place-name Research). Em seguida, arrolam-se pesquisas específicas dos signos em função toponímica: i) nomes de localidades (Settlement Names), por Carole Hough; ii) nomes de cursos d’água (River Names), por Svante Strandberg; iii) nomes de colinas e de montanhas (Hill and Mountain Names), por Peter Drummond; iv) nomes de ilhas (Island Names), por Peder Gammeltoft; v) nomes rurais (Rural Names), por Julia Kuhn; vi) nomes de rua: uma paisagem urbana em mudança (Street Names: a Changing Urban Landscape), por Bertie Neethling; e vii) um fenômeno onomástico aqui traduzido como ‘nomes próprios transferidos’ (Transferred Names and Analogy in Name-formation), por Stefan Brink. Pelo emprego desse modus nominandi no “Novo Mundo”, esse último tópico se assemelha à ‘saudade portuguesa na toponímia brasileira’, assinalada por Antenor Nascentes, em texto homônimo de 1960.

A Parte III, Anthroponomastics, também abrange oito artigos. O primeiro deles assinala aspectos genéricos da nomeação de pessoas (Personal Naming Systems), de Edwin D. Lawson, seguido pelos trabalhos: os nomes próprios nos sistemas denominativos na Europa (Given Names in European Naming Systems), de Katharina Leibring; nomes de família (Family Names), de Patrick Hanks e Harry Parkin; cognomes/ apelidos (Bynames and Nicknames), de Eva Brylla; etnônimos (Ethnonyms), de Adrian Koopman; estudos que discutem a relação dos nomes pessoais com a Antropologia (Personal Names and Anthropology), de Ellen S. Bramwell; e com a Genealogia (Personal Names and Genealogy), de George Redmonds.

A quarta parte da obra, Literary Onomastics, arrola textos de uma subárea ainda com poucos estudos na onomástica brasileira. Inicia-se com um capítulo de natureza teórica acerca da nomeação em corpora ficcionais – Theoretical Foundations of Literary Onomastics –, do estadunidense Grant W. Smith, seguido por um estudo aplicado a duas canções – We Didn’t Start The Fire e Hot Gates. Esse é o longo título do artigo assinado por Bertie Neethling: Names in Songs: A Comparative Analysis of Billy Joel’s We Didn’t Start The Fire and Christopher Torr’s Hot Gates. Os três capítulos que finalizam a parte IV têm caráter teórico-analítico e analisam os nomes próprios contidos em textos literários de épocas, de gêneros e de origens diversas, a saber: Genre-based Approaches to Names in Literature, de Birgit Falck-Kjällquist; Corpus-based Approaches to Names in Literature, de Karina van Dalen-Oskam; e Language-based Approaches to Names in Literature, de Paul Cavill, que assinalam como estudos dessa natureza são comparativamente recentes em relação à Antroponímia e à Toponímia tradicionais, bem como a discussão de pontos positivos e de limitações na incorporação de corpora digitais.

Os artigos apresentados na Parte V, Socio-onomastics, destacam como os nomes próprios podem ser tomados sob uma abordagem crítica, apresentando interfaces e aplicações em relação a demandas sociopolíticas contemporâneas nos atos denominativos. São exemplos disso os estudos sobre nomes em sociedade (Names in Society), de Terhi Ainiala, e questões identitárias (Names and Identity), de Emilia Aldrin, além de temáticas como: paisagens linguísticas (Linguistic Landscapes), por Guy Puzey; questões acerca da percepção e das atitudes toponímicas (Toponymic Attachment), por Laura Kostanski; questões semântico-pragmáticas relativas a formas de tratamento de pessoas (Forms of Address), por Irma Taavitsainen e Andreas H. Jucker; além de debates acerca de pseudônimos (Pseudonyms), por Katarzyna Aleksiejuk, e de nomes comerciais (Commercial Names), por Paula Sjöblom. Estes temas, produtos da ampliação de princípios teórico-metodológicos e epistemológicos da onomástica a partir da década de 1990, confirma o postulado por Berg e Vuolteenaho (2009), especialmente pela interface com estudos sociolinguísticos, etnográficos e cognitivos que caracterizam uma reviravolta crítica (critical turn) nas pesquisas da área.

Como o caráter interdisciplinar tem sido maciçamente destacado nos estudos onomásticos, não surpreende que uma seção inteira dessa coletânea tenha sido dedicada à interface teórico-metodológica de estudos de nomes próprios com outras disciplinas. Assim, a penúltima parte da obra, Onomastics and Other Disciplines, destaca a relação dos nomes próprios com: a arqueologia (Names and Archaeology), por Richard Jones; a psicologia cognitiva (Names and Cognitive Psychology), por Serge Brédart; a dialetologia (Names and Dialectology), por Margaret Scott; a geografia (Names and Geography), por Peder Gammeltoft; a história (Names and History), por Gillian Fellows-Jensen; a linguística histórica (Names and Historical Linguistics), por Richard Coates; os contatos linguísticos (Names and Language Contact), por Berit Sandnes; o direito (Names and Law), por Andreas Teutsch; a lexicografia (Names and Lexicography), por Alison Grant; e um estudo acerca da toponímia de natureza religiosa (Place-names and Religion: A Study of Early Christian Ireland), por Kay Muhr.

Na sétima e última parte, intitulada ‘Outro tipo de nomes próprios’ (Other Types of Names), estão os capítulos de menor extensão, voltados a uma série de referentes não tradicionais, cujos signos linguísticos não se apresentam como onomásticos prototípicos. Nela, são debatidos aspectos linguísticos e extralinguísticos acerca da denominação: de aeronaves (Aircraft Names), por Guy Puzey; de animais (Animal Names), por Katharina Leibring, de objetos astronômicos (Astronomical Names), por Marc Alexander; de habitações (Names of Dwellings), por Adrian Koopman; de navios (Ship Names), por Malcolm Jones; de locomotivas e trens (Railway Locomotive Names and Train Names), por Richard Coates. Os professores que assinam mais de um artigo na obra são: Katharina Leibring, artigos 14 e 43; Bertie Neethling, artigos 11 e 21; Guy Puzey, artigos 27 e 42; e Adrian Koopman, artigos 17 e 45; além da editora, Carole Hough, que escreveu a seção introdutória e o quinto artigo da obra.

A escolha editorial de listar as referências citadas na Introdução e nos 46 artigos apenas após essa sétima parte se mostrou acertada, sendo que a seção Bibliography configura quase cem páginas do volume, disposta entre as páginas 661 e 756. Identifica-se que os autores que compõem a obra – majoritariamente de origem anglo, nórdica e eslava – e, consequentemente, parte substancial das referências, têm raramente constado na bibliografia das teses e dissertações de toponímia ou de antroponímia brasileira, em parte justificada pela influência dos escritos da professora Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick – especialmente na obra Toponímia e Antroponímia no Brasil (DICK, 1990). Recensões aprofundadas em artigos, livros, teses e dissertações nos programas de pós-graduação e nos dossiês temáticos brasileiros que abordem nomes próprios tendem a confirmar que as referências clássicas da Toponímia e da Antroponímia são de origem portuguesa, a exemplo de Joseph Piel e de Leite de Vasconcellos, e francesa, notadamente Albert Dauzat, de modo que os estudos onomásticos alastrados no Brasil a partir dos anos 1990 apresentam tradição bibliográfica luso-francesa, tomado na obra, como uma abordagem histórico-filológica (TAYLOR, 2016, p. 69s).

Um cotejo às temáticas trabalhadas nas pesquisas contidas no livro e nos estudos onomásticos brasileiros permite atestar que alguns objetos de pesquisa se apresentam carentes de investigação por parte dos estudiosos nacionais – quase que exclusivamente professores (e seus discípulos) da área de Letras/Linguística de universidades públicas. Assim, as discussões e os resultados contidos nessa literatura, bem como em periódicos e em anais de eventos internacionais, até então exclusivos em línguas estrangeiras, como inglês, alemão, húngaro, francês e russo, para citar apenas algumas, constituem leitura necessária para (postulantes a) especialistas brasileiros. Esses devem, por dever e por direito, acessar essa coletânea, não apenas sob pena de desatualização quanto ao estado da arte da área, visto que se configura um importante inventário de questões teórico-metodológicas não abarcadas pela “escola luso-francesa”, mas também pelo aprofundamento e pela atualidade das temáticas apresentadas. Quanto aos não especialistas, certamente podem tomar a obra como referência abalizada para conhecimento dos mais diversos sistemas de nomeação de pessoas, de lugares e de referentes vários, animados ou inanimados.

Referências

BERG, Lawrence D.; VUOLTEENAHO, Jani (Ed.). Critical toponymies: The contested politics of place naming. Ashgate Publishing, Ltd., 2009.

DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. Toponímia e antroponímia do Brasil. Coletânea de Estudos. 2. ed. São Paulo: Serviço de Artes Gráficas da FFLCH/USP, 1990. 224 p.

NASCENTES, Antenor. A saudade portuguesa na toponímia brasileira. Letras. Revista da Faculdade de Filosofia da Universidade do Paraná, n. 11, p. 102-107, 1960.

TAYLOR, Simon. Methodologies in place-name Research. In: HOUGH, Carole (Ed.) The Oxford Handbook of Names and Naming. Series: Oxford handbooks in linguistics. Oxford: Oxford University Press, 2016. p. 69-86.


Resenhista

Cezar Alexandre Neri Santos – Professor do curso de Letras/Língua Portuguesa do Campus do Sertão da Universidade Federal de Alagoas. Doutor em Linguística Histórica pelo Programa de Pós-graduação em Língua e Cultura da Universidade Federal da Bahia. Mestre e Graduado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1021-2459


Referências desta Resenha

HOUGH, Carole (Ed.). The Oxford Handbook of Names and Naming. Oxford: Oxford University Press, 2016. Resenha de: SANTOS, Cezar Alexandre Neri. LaborHistórico. Rio de Janeiro, v.6, n. 3, p. 652-657, set./dez. 2020. Acessar publicação original [DR]

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