Posts com a Tag ‘Oxford University Press (E)’
Making Italy Anglican: Why the Book of Common Prayer Was Translated into Italian | S. Villani
Il volume di Stefano Villani, Making Italy Anglican: Why the Book of Common Prayer Was Translated into Italian, costituisce il risultato finale di una lunga e proficua ricerca, avviata dall’autore quasi venti anni fa, con la presentazione, nel 2003, di un paper intitolato “Baptism in the Book of Common Prayer”. In un certo senso, questa monografia si presenta come una storia di fallimenti, legati ad alcune traduzioni del Book of Common Prayer realizzate tra il XVII e i primi anni del XX secolo, i cui protagonisti furono diplomatici, mercanti, editori e uomini di fede. E nel narrare questa storia, l’Autore fornisce un prezioso contributo alla storia della traduzione e della ricezione italiana dei testi liturgici inglesi. Leia Mais
Pirating and Publishing: The Book Trade in the Age of Enlightment | R. Darnton
Pirating and Publishing: The Book Trade in the Age of Enlightment es la última obra publicada de Robert Darnton, reconocido historiador estadounidense, publicada por Oxford University Press en 2021. El autor se propone, una vez más, demostrar el poder de los libros y determinar qué lugar ocupaban en la Francia de finales del siglo XVIII. Pero en esta ocasión, pondrá la lupa en los actores, particularmente aquellos que ponían la literatura al alcance de los lectores, cumpliendo el rol de intermediarios: los editores. Continuando con la línea de sus ya conocidos aportes a historia del libro y de la lectura, la obra se presenta como un complemento de A Literary Tour de France: The World of Books on the Eve of the French Revolution, su trabajo previo publicado en 2018 bajo el mismo sello editorial y enfocado en analizar el rol de los libreros y la demanda de literatura para la Francia prerrevolucionaria. Leia Mais
The Press and the People: Cheap Print and Society in Scotland/ 1500-1785 | Adam Fox
The Press and the People | Detalhe de capa
Early modern Scotland was awash with cheap print. Adam Fox, in the first dedicated study of the phenomenon in Scotland, gives readers some startling figures. Andro Hart, one of Edinburgh’s leading booksellers, died in 1622. In his possession, according to his inventory, were 42,300 unbound copies of English books printed on his own presses. John Wreittoun, also Edinburgh based, had in stock at his death in 1640 what Fox estimates to be 7,680 ‘waist littell scheittis of paper’, printed up as ‘littell pamphlettis and balladis’, and averaging a sale price of just 3d Scots (pp. 70-2). The inventory of Robert Drummond, drawn up, again in Edinburgh, in 1752, recorded a quantity of printed ‘small phamphlets’ and ‘ballads’ that Fox estimates amounted to 174,000 separate copies ready to go to market (p. 107). While historians of early modern print are well aware that the number of works we know about was once far surpassed by those now no longer extant, Fox’s examination of the inventories of Scotland’s printers and booksellers confirms the scale of the loss. It shows that Scottish printers were not predominantly producers of books and exposes a ‘vastly’ larger market for cheap print ‘than has ever been realised’ (p. 11). Leia Mais
The Crisis of the Meritocracy: Britain’s Transition to Mass Education since the Second World War | Peter Mandler
Peter Mandle | Imagem: Historical Association
Britain has never been a meritocracy. Despite the concept’s widely-evoked vision of a ‘fair’ or ‘just’ social order, one where individuals rise or fall according to their ‘talents’ or ‘efforts’, the rise of the meritocracy has continually been scuppered by the perseverance of inherited privilege or democratic pressure. In part, it is meritocracy’s unrealised status that keeps bringing the nation’s political leaders back to the concept, especially in recent decades. Confounded by growing levels of inequality, successive generations of politicians have sought solace in the popular enthusiasm for education as an arbiter of ‘earned’ social status and a marker of individual responsibility, talent and effort. The contemporary moment feels different, however. It is impossible to browse the shelves in a bookshop or visit a news website without stumbling across several volumes or articles decrying meritocracy’s impact on democracy, its role in the populist backlash of Brexit and Trump, or its collusion with the forces of neoliberalism.(1) Beyond the truism that the word ‘meritocracy’ was coined to describe a dystopia and yet has somehow become a positive vision of a ‘classless’ social hierarchy, these accounts all lack a sense of history. Therefore, Peter Mandler’s latest book, The Crisis of the Meritocracy: Britain’s Transition to Mass Education Since The Second World War, could not be more timely. Leia Mais
Being Born: Birth and Philosophy | Alison Stone
Natalidade | Foto: Wesley Almeida/Canção Nova
Alison Stone é uma filósofa inglesa, professora da Universidade de Lancaster e especialista em filosofia continental com destaque para o idealismo alemão e teoria feminista. Ela é autora de livros como Petrified intelligence: nature in Hegel’s philosophy (2004, SUNY Press), Luce Irigaray and The Philosophy of Sexual Difference (2006, pela Cambridge Press) e An Introduction to Feminist Philosophy (2007, pela Polity Press), e coeditora da coletânea Routledge Companion to Feminist Philosophy (2017, Routledge).
Seu livro de 2019, Being Born: Birth and Philosophy amplia algumas noções contidas no sexto capítulo de An Introduction to Feminist Philosophy (Alison STONE, 2007), tendo como objetivo mostrar que a natalidade é “uma dimensão estruturante de nossa existência”1 (Alison STONE, 2019, p. 231). No volume, Stone nos apresenta sete capítulos, nos quais analisa elementos distintos que decorrem do fato de sermos nascidas. O primeiro capítulo explora como o nascimento foi pensado pelas filósofas feministas Luce Irigaray, Adriana Cavarero e Grace Jantzen; os três capítulos seguintes exploram aspectos da condição humana que estão, segundo a autora, conectados ao fato de nascermos: historicidade, vulnerabilidade, dependência, relacionalidade, o fato de nos emaranharmos em redes de poder e nosso caráter situacional resultante. A autora também inclui nesta lista a contingência radical de ser nascida; os dois capítulos seguintes exploram elementos próximos à filosofia existencialista como a angústia causada pelo nascimento e a conexão entre mortalidade e natalidade. O último capítulo se dedica a pensar o nascimento como dádiva a partir do sentido maussiano do conceito. O livro contribui para uma ontologia do nascimento e da relacionalidade constitutiva da existência humana, discute a interseccionalidade em termos de nossas origens natais e dialoga com as teorias contemporâneas sobre o luto. Leia Mais
The Globe on Paper. Writing Histories of the World in Renaissance Europe and the Americas | Giuseppe Marcocci
En 2015, la historiadora Lynn Hunt presentó una conferencia en la Universidad de Chicago que arrancaba con una premisa que ella misma calificó como objetable: las teorías sociales y culturales que han estimulado la escritura de la historia desde los años cincuenta han perdido su vitalidad.1 Por teorías sociales y culturales, aclaró, se refería al abanico de paradigmas historiográficos que en su momento dinamizaron los estudios del pasado -la historia cultural, el giro lingüístico, los estudios culturales, el postmodernismo, el posestructuralismo e incluso el postcolonialismo. Todas ellas, comentaba Hunt, tienen una relevancia incontestable, evidenciada por el lugar central que tienen en el canon de estudios de posgrado de cualquier programa de historia, pero corren el riesgo de perder su vigencia al mantenerse restringidas al terreno del estado-nación, desatendiendo así la complejidad de realidades transnacionales. Para contrarrestar esta camisa de fuerza, invitaba con insistencia a pensar globalmente el pasado. Es decir, a entender que las más de las veces, las realidades que estudian las historiadoras se caracterizan por intercambios y circunstancias interconectadas e interdependientes. Leia Mais
The Invisible hand?: how market economies have emerged and declined since 500 AD | Bas van Bavel
No ensejo das recentes contribuições da história na discussão sobre a desigualdade, o livro de Bavel aporta com um estudo de fôlego sobre ascensão e declínio das chamadas economias de mercado na longa duração. O tópico da desigualdade econômica e consequente polarização social ganhou a arena pública na década de 2010, em especial com a publicação de The Haves and the Have-Nots: a brief and idyosincratic history of inequality de Branko Milanovic (2010) e logo após o livro de Thomas Piketty Capital in the 21st Century (2013). Ambos os trabalhos de economistas renomados lançaram mão de uma mesma ferramenta para catapultar o debate sobre desigualdade: a história. Para surpresa de muitos historiadores, economistas têm progressivamente utilizado o método histórico na média e longa duração para debater e encontrar origens, nexos causais e idiossincrasias nas desigualdades do capitalismo do século XXI. O livro de Bavel assenta posições do historiador e sua capacidade analítica na longa duração para o debate que então excluía (ou era excluído) por historiadores profissionais.
O argumento do livro de Bavel é simples: 1- Podemos encontrar modelos de economias de mercado ao longo da história, sendo consideradas aquelas que alocam fatores de produção (terra, trabalho e capital) através do sistema abstrato e impessoal do mercado. 2- Economias de mercado de alocam terra, trabalho e capital via mercado alcançam grande e acelerado desenvolvimento econômico; 3- O acelerado crescimento econômico fundado na comercialização dos fatores de produção leva a um aumento das desigualdades, aguda polarização social e declínio das ditas sociedades. Leia Mais
Between the Ottomans and the Entente: The First War in the Syrian and Lebanese Diaspora/1908-1925 | Stacy D. Fahrenthold
A Primeira Guerra Mundial pode ser compreendida utilizando-se distintas perspectivas de análise, que podem privilegiar os conflitos bélicos, as relações diplomáticas entre os países que se envolveram na guerra e o resultado da assinatura de tratados que impactaram na conformação de uma geopolítica. A relevância deste episódio é destacada por diferentes autores. Para o historiador Eric Hobsbawm, ele representou o fim dos Impérios e de uma forma de organização política que perdurou por grande parte do século XIX e início do XX (Hobsbawm, 2009, p. 24)1. Para a filósofa Rosa Luxemburgo, a guerra foi o resultado do desenvolvimento capitalista, que buscava a conquista dos mercados mundiais para assegurar as condições necessárias para a acumulação do capital, sendo “a expressão política do processo de acumulação do capital, em sua luta para conquistar as regiões não capitalistas que não se encontrem ainda dominadas” (Luxemburgo, 1970, p. 392). Leia Mais
History and Morality | Donald Bloxham
Donald Bloxham, historiador e professor da Universidade de Edinburgh, produziu diversas obras referentes aos estudos sobre genocídios, tais como Genocide on Trial: War Crimes Trials and the Formation of Holocaust History and Memory (2001), The Final Solution: A Genocide (2009) e a organização, com Dirk Moses, de The Oxford Handbook of Genocide Studies (2010). Após se consolidar como uma referência em língua inglesa acerca dos crimes de guerra e genocídios históricos, em 2020 Bloxham dedicou-se a reflexões teóricas próprias do fazer historiográfico. Why History? A History (2020) e History and Morality (2020) são dois livros, publicados ao mesmo tempo pela Oxford University Press, que levam em consideração a história de sua própria disciplina e um problema de filosofia da história, o do julgamento histórico. Esta resenha é dedicada ao segundo volume citado. Leia Mais
September 11, 2001 as a Cultural Trauma | Christine Muller || How Nations Remember: a narrative approac | James V. Wertsch
Os livros September 11, 2001 as a Cultural Trauma (2017), de Christine Muller, e How Nations Remember: a narrative approach (2021), de James V. Wertsch, são obras desenvolvidas a partir duma sólida base interdisciplinar (com contribuições vindas da Psicologia, Sociologia, Antropologia, História, Ciência Política, entre outras) que abordam os temas da memória das nações e a importância de eventos traumáticos na respetiva memória. A presente resenha aos dois livros surge num momento oportuno da História Contemporânea, em que várias nações do mundo usam a memória para revisitar o seu passado, impulsionadas por derivas nacionalistas identitárias, por tentações revisionistas, ou por movimentos de contestação como o Black Lives Matter.
Passados vinte anos sobre o atentado terrorista do 11 de setembro, e depois de inúmeros artigos e livros sobre o trauma cultural associado à infame data, foi com muito interesse que analisei a obra de Christine Muller, que aborda o ataque terrorista como um case study de trauma cultural. O livro lançado em 2017 apresenta exemplos de produções culturais populares norte-americanas, em que a típica narrativa otimista e recompensadora do “sonho americano” é substituída por narrativas dominadas por crises existenciais, ambivalência moral e fins trágicos inevitáveis. Leia Mais
The Law of Nations in Global History | Charles Henry Alexandrowicz
Lançada em 2017 pela editora Oxford University Press, a obra The Law of Nations in Global History compreende um compilado de escritos do jurista e historiador polonês Charles Henry Alexandrowicz (1902-1975) publicados no período de 1951 a 1980. A coletânea, organizada por David Armitage e Jennifer Pitts, conta com 432 páginas e faz parte da coleção History and Theory of International Law, de iniciativa de Nehal Bhuta, Anthony Padgen e Benjamin Straumann. A série, que inclui outras publicações relevantes do campo do Direito Internacional Público (DIP), objetiva promover um fórum de debates historiográficos e teóricos, a fim de estimular a consciência histórica, na tentativa de revisitar o passado da matéria para melhor construir seu futuro.
Os organizadores pretenderam, ao publicar a coletânea de escritos de Alexandrowicz, dar maior visibilidade ao trabalho do autor e deixá-lo mais acessível ao público. Esta primeira edição conta com dois prefácios, sendo o primeiro do diretor da série, Benjamin Straumann, e o segundo de B. S. Chimni, professor e jurista de Direito Internacional filiado à escola Third World Approaches to International Law (TWAIL). O texto introdutório, de autoria dos editores da obra, expõe uma visão geral sobre a vida e o pensamento de C. H. Alexandrowicz, no qual o leitor é apresentado a diversos determinantes da biografia do autor que contribuíram para sua postura crítica com relação ao DIP. Leia Mais
Michael Young, Social Science & The British Left, 1945-1970 / Lise Butler
All historical actors ultimately defy our neat labels. Practically speaking however, some are more defiant than others. One such figure is the dynamo ‘social entrepreneur’, Michael Young. (1) It has become a cliché to rattle off the dizzying array of institutions, projects and ideas with which Young was involved in his long and energetic career. But then, it is difficult to resist a list as eye-catching as: the Labour Party’s 1945 manifesto; the foundational sociology text Family and Kinship in East London (1957); the concept of ‘meritocracy’; the Consumer Association and Which? Magazine; and the Open University. While Young’s professional life is tricky to pin down, its diversity–and his archive at Churchill College, Cambridge–offers a promising avenue through which to approach post-war Britain. In this rich, textured, and revelatory book, the historian Lise Butler has seized this opportunity with both hands. Leia Mais
AI Narratives / Stephen Cave, Kanta Dihal e Sarah Dillon
Kanta Dihal / Foto: Media & Press /
Artificial intelligence (AI)’ is a loaded term, rife with connotative contradiction that inspires debate, disagreement, and disillusion. But what is AI, really? How have our expectations of computational capability, and even a robot Armageddon, come to be? Why does it matter how we talk about increasingly sophisticated technology, not just in expository prose, but also in fiction? How might visual and cinematic representations of AI technologies reflect and contribute to particular understandings and potentialities? AI Narratives: A History of Imaginative Thinking about Intelligent Machines is an ambitious effort to prompt widespread critical consideration not of AI itself, but of the stories—particularly fictional stories—surrounding this pervasive but still largely misunderstood technology. Comprising 16 chapters by scholars from various disciplines, AI Narratives offers a panoramic snapshot of a land still largely unexplored: AI humanities. Leia Mais
The Oxford Handbook of Names and Naming | Carole Hough
No primeiro semestre de 2016, estudiosos e entusiastas da onomástica tiveram acesso a uma obra ímpar acerca de nomes próprios e de processos de nomeação em geral, The Oxford Handbook of Names and Naming, coletânea que faz parte da série The Oxford Handbook in Linguistics, com 32 volumes já publicados até o fim de 2019. Escrito integralmente em língua inglesa, pode ser adquirido em três formatos: e-book, cujo valor de aquisição é mais econômico; paperback, que se trata de uma versão com capa comum em um valor aproximado do e-book; e hardcover, versão com capa dura, num total de 832 páginas. Esta resenha se constituiu a partir da versão paperback, um manual de 774 páginas cuja excelência editorial da Oxford University Press se destaca.
Esse volume é composto por pesquisas onomásticas, majoritariamente numa perspectiva eurocêntrica, mesmo que se confirmem descrições e análises de línguas e de culturas ao longo da obra, da família indo-europeia a línguas/dialetos e culturas minoritários dos cinco continentes. Isso pode ser atestado com o exame de duas seções pós-textuais: o Index of Languages, que lista um total de 145 línguas ou dialetos – a língua portuguesa é referida em quatro artigos e não há menções específicas a línguas autóctones brasileiras –, e o Subject Index, na qual o item Brasil é mencionado em três artigos. A editoria da obra ficou a cargo da professora britânica Carole Hough, ex-presidente do International Council of Onomastic Sciences (ICOS) e atual docente na Universidade de Glasgow, na Escócia, com a contribuição de Daria Izdebska como sua assistente nessa empreitada. Leia Mais
Pasteur’s empire: bacteriology and politics in France, its colonies and the world | Aro Velmet
Fruto de tese de doutorado, Pasteur’s empire combina ferramentas analíticas próprias à história da ciência, à história da medicina e à história global a fim de mapear as consequências políticas e científicas do encontro entre a microbiologia e o império francês. Cronologicamente, o livro abarca uma faixa de tempo compreendida entre o início da colonização francesa na Indochina, na última década do século XIX, até a capitulação de 1940, que encerra oficialmente a Terceira República. Geograficamente, embora tenha uma pretensão quase totalizante expressa em seu título, o livro recobre sobretudo a França e as colônias da Indochina (atuais Vietnã, Laos e Camboja), da Tunísia e do Senegal (este último parte integrante da então África Ocidental Francesa).
Aro Velmet trabalha um tema em particular em cada capítulo, indo desde a gestão de doenças epidêmicas como a peste bubônica, a febre amarela e a tuberculose em alguns desses espaços coloniais, passando pela tentativa dos pasteurianos em estabelecer um monopólio sobre a produção e venda de álcool na Indochina ou pela transformação geral dos pasteurianos, “monges ascetas” na metrópole, em grandes capitalistas coloniais. Após essa viagem por pelos menos três continentes ao longo de quase 50 anos, Velmet conclui que essa época pasteuriana na história da medicina possui características muito próximas da era atual: trabalho em rede, conectado ao mercado global e capaz de fornecer soluções orientadas para as causas biológicas e não sociais dos problemas. Em razão dessa similaridade, Velmet afirma que o deslocamento da microbiologia da França para as suas colônias desvela uma possível origem da saúde global. Leia Mais
Exposing Slavery. Photography/Human Bondage/and the Birth of Modern Visual Politics in America | Matthew Fox-Amato
O livro de Matthew Fox-Amato resulta da tese de doutorado defendida no Departamento de História da Universidade do Sul da Califórnia. Composto de introdução, quatro capítulos e um epílogo, possui 92 imagens e parte de duas questões iniciais, colocadas pelo autor: como a descoberta, e subsequente uso, da fotografia “influenciou a cultura e a política da escravidão na América?”. E como, por seu turno, “a escravidão influenciou o desenvolvimento da fotografia – esteticamente e como prática cultural?” (p. 2). Leia Mais
Understanding Scientific Understanding – REGT (P)
REGT, H. W. Understanding Scientific Understanding. New York: Oxford University Press, 2017. Resenha de: POLISELI, Luana. Principia, Florianópolis, v. 24, n.1, p.239–245, 2020.
A discuss.o sobre compreens.o (i.e. entendimento) enquanto objetivo epistêmico da ciência é incipiente na filosofia da ciência1 e pode ser rastreada há algumas décadas principalmente com os trabalhos de Wesley Salmon (1984) e Philip Kitcher (1989). Nas abordagens desses autores a noç.o de compreens.o estava associada à natureza das explicaç.es científicas. Em decorrência desse pensamento, n.o há uma adoç.o generalizada ou tampouco um consenso na filosofia da ciência contemporânea sobre a natureza da compreens.o científica. O livro Understanding Scientific Understanding, escrito por Henk De Regt e publicado pela OUP oferece ao leitor frutíferas e atualizadas informaç.es, além de uma minuciosa discuss.o com quest.es de indiscutível importância a respeito desse tema t.o atual, como por exemplo, o que é compreens.o, quais os tipos de investimentos intelectuais associados e como ela difere da explicaç.o.
Hendrik (Henk) Willem De Regt é epistemólogo, historiador da física e filósofo da ciência. Bacharel em física pela Universidade Técnica de Delft (1983), Mestre em física pela Universidade de Utreque (1988), e Doutor em filosofia pela Universidade Livre de Amsterdam (1993), é hoje professor de Filosofia das Ciências Naturais, no Instituto para Ciência e Sociedade, na Universidade Radboud Nimega, Holanda. De Regt tem se dedicado à temática da relaç.o entre conhecimento e compreens.o há mais de 15 anos. Pode-se dizer que a teoria contextual da compreens.o científica desenvolvida pelo autor e apresentada nesta obra, deriva de seu programa de pesquisa “understanding scientific understanding” desenvolvido no período de 2001-2007, na Universidade Livre de Amsterdam, ademais, é fruto (em parte) de materiais publicados ao longo de sua carreira (i.e. De Regt 1996, 1997, 1999, 2001, 2004, 2006, 2009, 2014; De Regt & Dieks 2005 e tantos outros).
Understanding Scientific Understanding é um livro inteiramente dedicado à introduç.o e defesa da teoria contextual da compreens.o científica (CTSU). A compreens.o científica, nesta obra, é assumida como pluralista e independente de qualquer ⃝ modelo específico de explicaç.o por ser sensível ao contexto. Sendo pluralista, a compreens.o depende fortemente de teorias (hipóteses, argumentos, explicaç.es, etc.) inteligíveis ao cientista, essa inteligibilidade, por sua vez, pode ser aumentada de acordo com determinadas ferramentas conceituais como por exemplo visualizaç.o, causalidade, índex matemáticos, etc. que facilitariam o acesso à compreens.o. Com extensa e atualizada bibliografia, o livro possui oito capítulos dentre os quais tomo a liberdade de sintetizar como segue.
De Regt apresenta sua teoria (capítulo 2) trazendo uma contextualizaç.o filosófica e histórica da relaç.o entre CTSU e as demais teorias de explicaç.o científica (capítulo 3) mostrando as diversas estratégias que podem ser utilizadas para atingir compreens.o, dentre as quais o uso de ferramentas conceituais (capítulo 4) para o aumento da inteligibilidade de uma teoria (capítulo 5). Seguindo, o autor direciona seus leitores a uma vis.o aprofundada e minuciosa de estudos de caso na história da ciência, sobretudo a ciência física, para discorrer sobre como as ferramentas conceituais podem e auxiliam o aumento da inteligibilidade das teorias. Para tanto, utiliza os modelos mecânicos proeminentes no século XIX, sendo fortes representantesWilliam Thomson (Lord Kelvin), James Clerk Maxwell e Ludwig Boltzmann, para examinar como modelos mecânicos podem fornecer compreens.o, focando no caso da teoria kinética dos gases (capítulo 6). Traz também a transiç.o da física clássica para a física quântica no primeiro quarto do século XX, focando nas contribuiç.es e vis.es de Niels Bohr, Wolfgang Pauli, Werner Heisenberg e Erwin Schrödinger. De Regt, ent.o, analisa o debate sobre inteligibilidade da matriz mecânica e da mecânica de ondas para discutir a relaç.o entre visualizabilidade, inteligibilidade e compreens.o à luz do “eletron spin” e do diagrama de Feynman (capítulo 7). Conclui seu livro trazendo uma reflex.o a respeito da CTSU e sua relaç.o com quest.es sobre o relativismo e a normatividade nas práticas científicas (capítulo 8).
A compreens.o científica desenvolvida na teoria contextual da compreens.o científica e apresentada no livro “Understanding Scientific Understanding” é definida por Henk De Regt, como uma habilidade epistêmica e cognitiva alcançada quando o/a cientista é capaz de desenvolver explicaç.es inteligíveis (e por vezes derivar cenários preditivos) sobre o fenômeno que ele/ela está trabalhando2. A quest.o principal dessa obra é a ideia de que para se atingir compreens.o é primeiro necessário compreender as teorias usadas para se explicar os fenômenos, portanto, teorias precisam conter argumentos inteligíveis para que os cientistas as compreendam. Nas palavras do próprio autor “[o]nly intelligible theories allow scientists to construct models through which they can derive explanations of phenomena on the basis of the relevant theory” (p.92). É importante enfatizar duas coisas. Primeiro, De Regt n.o faz uma distinç.o entre teorias, leis, argumentos e hipóteses, pois segundo o autor, tal distinç.o n.o é necessária para esse contexto analítico. E segundo, a inteligibilidade defendida por ele depende do critério para compreens.o de fenômenos (CUP) e do critério de inteligibilidade de uma teoria (CIT), que seguem: CUP:3 um fenômeno P é compreendido cientificamente se, e somente se, existe uma explicaç.o de P baseada em uma teoria inteligível T e se adequa aos valores epistêmicos básicos de adequaç.o empírica e consistência interna.
CIT:4 uma teoria científica T (em uma ou mais de suas representaç.es) é inteligível para os cientistas (no contexto C) se eles conseguem reconhecer características qualitativas decorrentes de T sem desenvolver cálculos exatos.
O critério de inteligibilidade de acordo com a CTSU depende ent.o, n.o somente das qualidades de uma teoria per se, mas também do próprio cientista. A capacidade do cientista julgar a inteligibilidade de um argumento depende de suas habilidades e conhecimentos prévios. Neste cenário, o cientista precisa de ferramentas conceituais associadas à suas habilidades para usar uma teoria científica, seja para desenvolver uma explicaç.o, ou seja, para compreender um fenômeno. O autor ainda ressalta, através de exemplos na história da prática científica, que os cientistas escolhem as ferramentas mais adequadas para atingir seus objetivos, desenvolver explicaç.es e obter compreens.o. Sendo assim, o livro nos mostra coerentemente que existe uma variedade de ferramentas adotadas pelos cientistas as quais variam de acordo com a disciplina e o contexto histórico em quest.o. As ferramentas conceituais apresentadas ao longo do livro s.o visualizaç.o, visualizabilidade, raciocínio causal, unificacionismo, entre outros.
Ainda que essas ferramentas tenham sido citadas e exemplificadas sic passim, De Regt traz uma forte ênfase em duas, o raciocínio causal e a visualizabilidade. O raciocínio causal, segundo o autor, é uma ferramenta que permite o cientista tanto explorar a estrutura subjacente do mundo como aprimorar suas habilidades a respeito da prediç.o de sistemas específicos sobre condiç.es particulares. De Regt assume que essa noç.o está intimamente conectada à teoria manipulacionista da causalidade de Woodward (2003), pois defende que a compreens.o científica pode ser atingida através do sucesso em se responder quest.es sobre o comportamento de um sistema. Outras ferramentas associadas à causalidade seriam a produtividade e continuidade, que s.o claramente derivadas da nova filosofia mecanística5. Neste caso, a produtividade contínua é a capacidade de um sistema, um mecanismo causal, ser inteligível. A inteligibilidade por sua vez, depende da conex.o entre os estágios de um mecanismo, em outras palavras, a continuidade das aç.es entre os componentes. Sendo assim, um mecanismo é mais inteligível quando n.o há gaps ou caixas pretas interferindo na clara exposiç.o das relaç.es entre os componentes (Machamer, Darden & Craver 2000). Já a visualizabilidade e visualizaç.o s.o diferenciadas pelo autor como a primeira sendo a qualidade teórica capaz de aumentar a inteligibilidade, e a segunda como um guia para se atingir compreens.o científica. Para De Regt, teorias visualizáveis s.o comumente tratadas como mais inteligíveis quando comparada a teorias abstratas, isto porque cientistas, geralmente preferem um raciocínio visual na construç.o de explicaç.o de fenômenos, através do uso de representaç.es pictóricas e gráficas. Esse argumento é defendido mostrando casos diversos na história da física onde os cientistas contaram com o aporte visual para fortalecer suas teorias, exemplos incluem Erwin Schrodinger, o “eletron spin” e os diagramas de Richard Feynman.
No entanto, é interessante notar que visualizaç.o para a CTSU n.o é uma condiç.o necessária para compreens.o, mas sim possível. Por fim, o unificacionismo enquanto instrumento sustenta que as ferramentas conceituais n.o est.o isoladas umas das outras, ao contrário, elas podem auxiliar umas às outras para garantir a inteligibilidade necessária de uma hipótese, teoria ou proposiç.o.
Os critérios para compreens.o e inteligibilidade apresentados por Henk De Regt nesta obra formam a base para um framework sobre compreens.o científica na qual explicaç.o, compreens.o e prediç.o s.o objetivos epistêmicos inter-relacionados.
Uma vez que construir modelos e explicar fenômenos s.o as principais práticas em ciência, De Regt aponta claramente que os cientistas usam suas habilidades para compreender cientificamente um sistema em quest.o através da versátil habilidade em se utilizar as ferramentas conceituais apresentadas na obra e que, claramente, s.o sensíveis ao contexto.
Apesar do mérito, a obra deixa várias quest.es que requerem investigaç.es futuras.
Cito aqui alguns pontos. Primeiro, o autor negligencia exemplos de uma prática científica contemporânea para além das ciências físicas. Interessante saber se o critério de inteligibilidade bem como o uso de ferramentas conceituais também se adequam às diversas práticas científicas pertencentes a diferentes disciplinas para além dos estudos de casos históricos. Por exemplo, considerando a heterogeneidade na natureza dos dados aos quais os cientistas se debruçam qu.o adequada seria a teoria contextual da compreens.o científica quando aplicada a dados etnográficos, big data, inteligência artificial, entre outros? Segundo, como a compreens.o científica ocorre nas práticas inter- e transdisciplinares cujo desenvolvimento e construç.o de modelos também s.o práticas frequentes? E, terceiro, qual a relaç.o entre compreens.o científica e compreens.o pública da ciência? Seria possível ampliar o arcabouço metodológico proposto por De Regt de forma a contemplar ciência, tecnologia e sociedade? Todos estes pontos s.o questionamentos que requerem uma atenç.o especial e que de forma alguma coloca em xeque a qualidade da teoria contextual da compreens.o científica desenvolvida na obra.
Uma vez que a noç.o de compreens.o científica tem sido um tópico negligenciado por filósofos da ciência, De Regt nos brinda com Understanding Scientific Understanding.
Um livro ricamente produzido com exemplos da história da física e que conduz seus leitores a uma análise profunda sobre quest.es de indiscutível importância no que tange a natureza da compreens.o científica no contexto da prática científica.
Sendo assim, a teoria contextual da compreens.o científica nos serve n.o somente como arcabouço teórico como também de instrumento analítico. É, sem dúvidas alguma, um grande avanço para a filosofia da ciência, notavelmente reconhecido pela premiaç.o Lakatos Award 2019 (LSE 2019).
References
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Notes 1Apesar dos debates sobre compreens.o serem incipientes em filosofia da ciência, as investigaç.es a respeito da relaç.o entre entendimento e conhecimento n.o s.o novas. Tradicionalmente as investigaç.es epistemológicas refletiam sobre a natureza e possibilidade de conhecimento como crença verdadeira e justificada de acordo com a definiç.o clássica elaborada por Sócrates nos diálogos de Plat.o Thaetetus e Meno (Baumberger, Beisbart & Brun 2017). Este fora o ponto de partida para as discuss.es epistemológicas contemporâneas sobre o problema do conhecimento, na qual o cerne, de uma forma geral, era a distinç.o entre crença e conhecimento verdadeiro. No entanto, o foco dessa discuss.o que permeia o conhecimento proposicional (Silva Filho, Rocha & Dazzani 2013) tem sido recentemente desafiado (Baumberger 2011), existe uma crescente defesa de que entendimento (aqui tratado como compreens.o) ao invés de conhecimento é o nosso principal objetivo cognitivo (Grimm 2006). Defensores dessa vis.o assumem que este posicionamento evita o problema do conhecimento (Kvanvig 2003, Pritchard 2010), identifica virtudes intelectuais (Riggs 2003), acomoda a ciência (Elgin 2007), e defende certa moral (Hills 2010).
2“Scientific understanding is an epistemic and cognitive skill reached when the scientist is capable to develop intelligible explanations (and sometimes derive predictive scenarios) about the phenomenon he/she is working” (p.xx).
3 “CUP: A phenomenon P is understood scientifically if and only if there is and explanation of P that is based on intelligible theory T and conforms to the basic epistemic values of empirical adequacy and internal consistency” (p.92).
4“CIT: A scientific theory T (in one or more of its representation) is intelligible for scientists (in context C) if they can recognize qualitative characteristics consequences of T without performing exact calculations” (p.102).
5Para mais informaç.es sobre a nova filosofia mecanística ver Glennan (1996), Machamer Darden & Craver (2000), Craver (2007), Illari & Williamson (2012), entre outros.
Agradecimentos A autora agradece a CAPES pelo apoio financeiro em forma de bolsa de doutorado (CAPES, código 001) e bolsa de doutorado sanduíche no exterior (PDSE – n. 88881.123457/2016- 01). Esta revis.o foi beneficiada por comentários de Felipe Rocha e em vers.es anteriores por Charbel Niño El-Hani e Federica Russo.
Luana Poliseli – Universidade Federal da Bahia, INCT / INTREE, BRASIL luapoliseliramos@gmail.com
The Political Economy of the Investment Treaty Regim | Jonathan Bonnitcha e Lauge N. Skovgaard Poulsen
Casos emblemáticos como Philip Morris v Austrália e Vattenfall v Alemanha mais uma vez colocam sob escrutínio público os acordos internacionais de investimento, em geral pouco debatidos fora do diminuto conjunto de juristas que os estuda academicamente. A negociação dos chamados acordos megarregionais, como o TPP e o TTIP, e mais recentemente a renegociação do capítulo de investimento do NAFTA reforçam a importância de discutir esse assunto1. Nesse contexto, The Political Economy of the Investment Treaty Regime busca abordar o tema a partir das áreas da Economia e da Política Internacional. A obra foi elaborada em coautoria pelo australiano Jonathan Bonnitcha, professor de Direito na Universidade de Nova Gales do Sul; o sueco Lauge Poulsen, do Departamento de Ciência Política da University College London; e o austríaco Michael Waibel, da Universidade de Viena. Publicado pela editora da Universidade de Oxford, o livro é dividido em nove capítulos que exploram diversos aspectos do emaranhado de tratados de investimento que constituem o elemento central na regulação global do investimento estrangeiro.
Afinal, é possível falar em um regime internacional de investimento? O primeiro capítulo busca caracterizar o acervo normativo formado por tratados de investimento, normas procedimentais e sentenças arbitrais dentro da tipologia de regime criada por Krasner. A resposta é muito mais intricada que mero sim ou não. Não se pode falar em um único regime internacional de investimento, mas em múltiplos que se sobrepõem e resultam em um complexo de regimes. No entanto, o regime formado pelos tratados de investimento continua central, visto que a capacidade de enforcement encontrada nas suas regras procedimentais não encontra paralelo nos outros regimes que compõem o complexo. Leia Mais
Inhuman Traffick: The International Struggle against the Atlantic Slave Trade: A Graphic History – BLAUFAB; CLARKE (TH-JM)
Liz Clarke Foto: NewHouseSports /
Fueled by the success of Trevor Getz’s award-winning Abina and the Important Men, Oxford University Press has signaled its commitment to the genre of “graphic history” by publishing six works in the series bearing that name. In Inhuman Traffick, the eminent French revolutionary and Atlantic historian, Rafe Blaufarb, teamed with the talented illustrator, Liz Clarke, to produce a remarkable example of how graphic history can engage students by combining the undeniable power of images as a form of storytelling with traditional components of a valuable pedagogical tool.
Inhuman Traffick revolves around the Neirsée incident in 1828-29, a complex tale hitherto unknown before Blaufarb’s skillful archival research. A slaving vessel of indeterminate nationality, the Neirsée was captured off the African coast as part of the British Navy’s suppression of the Atlantic slave trade. After retaking the ship, slavers sailed it to the Caribbean islands where they released Europeans at British Dominica and sold African passengers into slavery at French Guadeloupe. Because the latter group included not only the 280 survivors among the 309 original slaves but also several African Krumen (Royal Navy personnel) and Sierra Leoneans (British subjects), authorities in the UK demanded from French officials the freedom of its British African subjects. In return, the French objected to both British violation of French territory on Guadeloupe and the original confiscation of the Neirsée, which (falsely) flew under the French flag and was theoretically off limits to searches by British warships. Thus, the Neirsée incident precipitated a diplomatic imbroglio in 1829. Leia Mais
Việt Nam – A History from Earliest Times to the Present | Bem Kiernan
Os estudos asiáticos no Brasil vêm desenvolvendo nos últimos anos, com algum fôlego, boas produções acadêmicas. Alguns departamentos, com maior frequência aqueles de língua, cultura e civilização estrangeiras, têm se esforçado para criar e manter centros de estudo sobre a Ásia. Os departamentos de História, por sua vez, com esforços igualmente louváveis, vêm já há algumas décadas envidando esforços no sentido de contribuir para uma abordagem mais matizada e vertical dos temas asiáticos, retirando-os assim de um destino quase sempre panorâmico da visada internacionalista interessada, mais imediatamente, nas conjunturas político-econômicas da ordem do dia.
Nesse contexto de abertura e consolidação de uma área de especialização, os estudos asiáticos quase sempre são sinônimo, no volume da produção acadêmica brasileira, de estudos sobre China, Japão e, com menos incidência, Coreia do Sul. As relações históricas mais próximas do Brasil com esses três países acabam, de alguma forma, condicionando e dirigindo o interesse do pesquisador brasileiro por temas ligados àqueles momentos em que estabelecemos relação mais direta com esses três representantes do extremo leste. Leia Mais
Classics in Britain: Scholarship/ Education/ and Publishing 1800-2000 | Christopher Stray
Este libro reúne una serie de artículos de Christopher Stray sobre varios aspectos de la enseñanza de los estudios clásicos y la erudición en los siglos XIX y XX en Gran Bretaña. A excepción de los capítulos 3 y 8, que son publicados aquí por primera vez, los restantes artículos vieron la luz previamente en otros libros y revistas. Sin embargo, en palabras del autor, este libro busca ser más que la suma de las partes. Incluye una bibliografía completa y un útil index nominum, que facilita mucho la tarea de consultar un libro voluminoso con información importante. Leia Mais
A Wolf in the City: Tyranny and the Tyrant in Plato’s Republic – ARRUZZA (RA)
ARRUZZA, C. A Wolf in the City: Tyranny and the Tyrant in Plato’s Republic. Oxford: Oxford University Press, 2019. Resenha de: MAIA, Rosane de Almeida. Revista Archai, Brasília, n.30, p 1-15, 2020
Diante de tudo que foi visto, conclui-se que a natureza filosófica corrupta “é um perigo para a cidade”(Arruzza, 2019, p. 258). Sócrates parece estar advertindo Atenas sobre os riscos que rondam a cidade que se descuida do ambiente adequado para que a filosofia floresça. Portanto, abrir mão do comprometimento político revela-se moralmente indesculpável para a cidade justa. Onde quer que se encontrem as circunstâncias apropriadas, os filósofos devem aproveitar a sorte (kairos) para salvar a cidade.
Assim é encerrado A Wolf in the City: Tyranny and the Tyrant in Plato’s Republic (“Um Lobo na Cidade: Tirania e Tirano na República de Platão”), livro de Cinzia Arruzza, recém-lançado pela Oxford Press. A autora já é conhecida no Brasil, uma vez que publicou, em 2019, “Feminismo para os 99% – um manifesto”em coautoria com Tithi Bhattacharya e Nancy Fraser.
Antes de mais nada, é preciso ressaltar que Arruzza demonstra na investigação, e na exposição, um didatismo indispensável tanto para estudiosos do período grego clássico, como para o público em geral. Toma a mão de leitores para conduzir nesse árduo caminho, não se importando quão complexa possa ser a argumentação e não se perdendo no emaranhado prodigioso de argumentos contraditórios e na polissemia desencadeada pela leitura dos diálogos platônicos. Em especial da República, que, num primeiro momento, pode frustrar a boa vontade e o interesse de estudantes e curiosos recém-chegados no mundo platônico.
I
Já na introdução, Arruzza aponta a principal questão da milenar exegese da República de Platão, obra notável pelo difícil enquadramento em nossas estreitas áreas de conhecimento. O problema consiste na disputa em torno da definição de seu escopo. Os intérpretes apontam ora a virtude da justiça, ora as formas de governo como o principal objetivo da República. Seguindo as pistas de Próclo1 (séc. V d.C.), Arruzza afirma que o método apropriado de interpretação deve levar em conta forma, conteúdo, componentes dramatúrgicos e narrativos que convergem para a articulação em um único escopo. A solução para o dilema consiste em harmonizar os topoi, considerando que a discussão sobre a justiça na alma e a forma justa de governo não permite separação, nem ordenamento hierárquico (entre objetivos primários e acessórios), na medida em que não há distinção entre a justiça no indivíduo, na vida privada ou na cidade. Para Arruzza, a ressalva de Próclo expõe a tradição interpretativa do diálogo, que sempre se notabilizou pelas querelas e adesões ferrenhas aos polos considerados antagônicos. Como Vegetti (2010), a autora considera que a melhor maneira de se vislumbrar a unidade do escopo não é reduzir sua complexidade, mas adquirir uma compreensão plena das conexões entre seus tópicos. A psicologia moral, que recentemente tem se tornado o objeto de investigação preferido da academia, não pode ser facilmente desconectada da política. Para Arruzza, a República nos oferece uma conversa filosófica cuja preocupação não é só com as vicissitudes da alma individual, mas com a alma do povo que vive na comunidade política sob a mesma constituição. A dinâmica estabelecida entre alma e cidade é, portanto, o seu leitmotiv (p. 4). Não se trata apenas de considerar que cidade e alma são análogas, mas que estão inseridas em uma relação recíproca de determinação causal, em que os contextos sociopolítico e cultural moldam tipos específicos de alma e que, vice versa, as virtudes e vícios dos cidadãos definem as feições da cidade. Seria inócuo o esforço de compreender o que anda errado na política da cidade corrupta sem perscrutar sua degeneração moral, como também os efeitos desses desvios sobre a alma do indivíduo.
Na conclusão, Arruzza busca tirar as consequências profundas, que tanto incomodam a sensibilidade moderna, sobre a tirania presente no diálogo República. Até onde diz respeito ao argumento político, a análise de Arruzza reposiciona sutilmente Platão entre aqueles abertamente antidemocráticos no panteão dos teóricos políticos, porém destacando a singularidade e a complexidade de sua análise. Ao mesmo tempo, abstêm-se de caricaturá-lo como um pensador político de um suposto protototalitarismo.
É importante ressaltar que, para Arruzza, a dimensão antidemocrática do logos político de Platão não significa que os leitores democratas contemporâneos não tenham nada a aprender com a crítica platônica da democracia. As lições relevantes podem ser alçadas de uma interpretação totalizante. Se o objetivo da investigação sobre a tirania é evidenciar a corrupção moral dos jovens dotados intelectualmente e inseridos em um contexto democrático, tanto como os riscos de perversão do talento filosófico no âmago da personalidade tirânica, então Platão estaria alertando sobre a tensa relação entre o objetivo de uma vida filosófica frente à realidade política da cidade corrupta, na qual a vida filosófica parece estar destinada a se realizar. Portanto, clama pela necessidade de uma sintonia entre o ideal do governo filosófico (em termos da Kallipolis desenhada no livro V) e a motivação para perseguir o bem comum naqueles que venham adquirir o poder político.
II
Ao combinar a análise histórica contextualizada com o exame dos argumentos filosóficos, Arruzza busca investigar os discursos políticos associados à tirania (e democracia) e à natureza e dinâmica da alma do tirano. Não visa, contudo, traçar um panorama da teoria política nos diálogos platônicos, 2 nem tampouco adentrar nos problemas concernentes às abordagens ditas evolucionistas ou unitaristas do corpus platônico, embora, quando preciso, traga em auxílio passagens do Górgias, Banquete e Fedro para lidar com as
relações entre eros, oratória e política, por exemplo. Arruzza mostra-se interessada no debate contemporâneo sobre a suposta teoria política da democracia em Platão somente ao constatar que, nos anos recentes, um grande número de publicações possibilitaram leituras pouco matizadas. É necessário desafiar a visão comum de que a República articula uma crítica aos princípios e às práticas democráticas do séculos V e IV a.C. em um projeto antidemocrático. À luz de tropos literários que o filósofo mobiliza (e da função que exercem no discurso político democrático), a autora pode concluir que a crítica de Platão não é um mero julgamento dos governantes tirânicos em voga mas, para além disso, é a chave principal para se entender a democracia. O tirano na República é, por seu turno, a figura teorética que corresponde a uma forma específica de liderança democrática desenvolvida em Atenas no último quartel do século quinto do período clássico.
Arruzza se detém, assim, na questão controversa acerca da identidade da “figura histórica”do tirano e do governante, em Platão. Contra a suposição de que a matéria prima para sua representação sejam tiranos famosos da história grega, a autora enfatiza os elementos convencionais da descrição de Platão e mostra a apropriação dessas caracterizações pré-existentes na literatura grega antiga. Considera que a adoção desse tropos literário reflete a estratégia argumentativa de Platão para o desfecho: a tirania é a derivação natural da democracia, ao invés de seu polo oposto (p. 9). Ao investigar a dimensão histórica desse enunciado, advoga que a principal inspiração para a representação do tirano em Platão não é o tirano real, a exemplo do jovem Dionísio de Siracusa, mas sim um tipo específico de líder democrático oportunista. Desse ponto de vista, o diagnóstico platônico do tirano propicia a conspícua intervenção de Platão no debate sobre as transformações em curso na relação do líder político com o demos na crise da democracia nas últimas décadas do séc. V a.C. Esta transformação vista em perspectiva, tal como o faz a República, indica que a democracia “gera”a tirania. Recorrendo à terminologia botânica, Platão pode explicar essa decorrência inexorável vis-à-vis a degeneração dos outros regimes de governo e avançar para um ponto delicado
concernente ao exercício da democracia ateniense: “o demos é o pai da tirania”(p. 117). Assim, chama a atenção para duas questões igualmente polêmicas: 1) os efeitos corruptores dos mecanismos institucionais da democracia e das ações coletivas do demos quando atua como um corpo soberano; 2) a similaridade entre os apetites naturais do demos e de seus líderes políticos, uma vez que a figura do tirano encarna (e individualiza) características fundamentais do demos enquanto corpo coletivo político.
Dadas essas questões gerais, passaremos a destacar alguns pontos específicos, que consideramos pertinentes para a reflexão sobre tirania no debate contemporâneo.
III
Arruzza apresenta o tropos literário que se dedica à ti rania na Antiguidade Clássica. Nesse contexto, examina o papel que a literatura tirânica e antitirânica tivera para o propósito de oferecer ao cidadão democrata um espelho invertido, no qual é possível contemplar a prática democrática. A representação da tirania, odiada e altamente estilizada, passa a ter uma relevância crescente para a autocompreensão democrática da pólis. Nas Vespas, Aristófanes parodia a obsessão da Atenas democrática com a tirania em uma fala mordaz proferida por um Bdelicléon exasperado:
Oh, tudo é “tirania”ou “conspiração”para você, não importa se a acusação é um ato grande ou pequeno! Pelos últimos cinquenta anos eu não havia escutado a palavra “tirania”, e agora ela é mais barata do que peixe salgado, e seu nome é escarrado de boca em boca no mercado. (Ar. V. 488-492; Arruzza, 2019, p. 21)
Nessa representação discursiva, emergem questões inquietantes (p. 9): apropriação privada dos bens comuns da pólis, cerceamento da liberdade 3 desfrutada entre iguais (homoioi), abolição da liberdade de fala e da igualdade perante a lei (isonomia, isegoria e isokratia), falta de moderação, violência excessiva e arbitrária, excessos sexuais, impiedade, e falta generalizada de medida, ou de controle (sophronein) – lembremos do preceito apolíneo em Delfos, “nada em excesso”. Ao constatar os riscos envolvidos, seria suportável para o cidadão ateniense as perdas de conquistas históricas?
De uma maneira paradoxal, concomitante a essa contraposição, o poder crescente do demos ateniense e a dominação imperialista de Atenas sobre as demais pólis gregas seriam ambos tachados como tirânicos, não apenas pela oposição antidemocrática e pela propaganda pró-Esparta, mas também por lideranças democratas e poetas. Considere-se a louvação à igualdade política e à liberdade individual e coletiva nas tragédias de Ésquilo, a prosa de Heródoto e oratória de Péricles, Protágoras e Demóstenes, dentre outros exemplos detalhados pela autora (ver cap. 1). A complexidade da caracterização da tirania e dos tiranos – e sua relevância para a vida institucional e política de Atenas – é o pano de fundo para a intervenção de Platão no debate que se travava, envolvendo poetas, tragediógrafos, comediógrafos, historiadores, oradores e filósofos. O tema da usurpação de direitos e benefícios pertencentes a todos os cidadãos no regime democrático incide sobre a avaliação da tirania. De outro lado, destaca-se simultaneamente a apreciação da hybris ilimitada do tirano, que se eleva acima dos demais cidadãos, agindo de forma possessiva e f ascinante diante do poder absoluto e irrestrito. Como apontado por Arruzza, vislumbram-se traços desse fascínio em Tucídides e Aristófanes, como também na ideia de felicidade nas falas de Polo, Cálicles e Trasímaco no Górgias e na República de Platão, com seus ecos em Xenofonte. Enquanto o tirano é odiado e rejeitado como estranho à pólis democrática e à sua moralidade, a sua representação amalgama desejos ambíguos, refletidos na ideia de suprema felicidade desfrutada em virtude de sua irrestrita liberdade e acesso à riqueza, despertando o comportamento mimético do demos. Ironicamente, a ambivalência arcaica de evasão e devotamento, de pavor e encanto, torna-se reflexiva. 4
As propriedades do tirano descritas nos livros VII a IX da República decorrem dessa discussão pública, em que tal imagem aparece em toda a eloquência de Platão: é ganancioso, licencioso, violento, intemperante e, ainda, um “erotomaníaco sem regras”(p. 14). Além do mais, explora o demos, mata e exila todas as pessoas virtuosas e proeminentes da cidade, rouba a propriedade da cidade e dos cidadãos, constantemente exalta guerras, vive em um isolamento paranoico e eventualmente devora a cidade como um animal selvagem a sua presa. Enquanto se revela enganoso tentar identificar o tirano de Platão com um político ateniense qualquer, alguns de seus traços fazem alusão aos políticos oportunistas conhecidos – em particular Alcibíades, quem, alternadamente, defendeu a democracia, flertou com a oligarquia e aspirou ao poder absoluto, tudo em conjunção com as voláteis circunstâncias. Arruzza indaga se, para os intérpretes, o tratamento de Platão ao tirano seria, sob certa extensão, um mero documento histórico que carrega uma condenação ao tirano real em seu contexto histórico, munido de referências aos textos que circulavam na época. Contudo, para Arruzza, tais leituras terminam por negligenciar o significado da mobilização que Platão promove desse acervo público contra a tirania. Assim, a adoção de tropoi da literatura convencional teria uma intenção argumentativa precisa, voltada para uma função precípua de autocompreensão ateniense. O tratamento dado à tirania não seria um ataque subtextual contra essa liderança histórica, mas uma rigorosa reflexão teorética acerca de sua natureza e, principalmente, uma intromissão no debate concernente à transformação da relação política entre líder e demos em curso.
IV
Qual o sentido de se definir o demos como tirânico? Essa é uma das questões mais instigantes da leitura de Arruzza. Inicialmente, a autora considera que essa identificação expressa, de um lado, a ausência de um governante acima do demos e, de outro, a concentração do poder decisório em poucas mãos – uma concepção expressa, por exemplo, em Isócrates (p. 115). Seria lógico que essa identificação ocorresse no sentido de que a coletividade cidadã compartilha o poder “absoluto”, riqueza e liberdade desfrutados pelo tirano. Obviamente, o aspecto negativo dessa associação (demos-tirano) coexiste com o positivo: na literatura antidemocrática, a tirania do demos é entendida como o setor pobre da população que dominaria a elite democrática. Veja-se como exemplo disso, entre outros, A Constituição dos Atenienses de Pseudo-Xenofonte. Porém, a acusação tomada como parte da propaganda antidemocrática deve ser claramente diferenciada de um mero elogio do despotismo, conforme encontrado em Aristófanes (p. 37). Os aspectos contraditórios não se encerram aqui. Tão polêmica quanto essa questão é a identificação de uma suposta excepcionalidade que legitimaria os atos tirânicos. As representações trágicas do tirano partilham de elementos semelhantes daquelas histórias de Heródoto, cujas descrições como monstros morais são amplamente difundidas pela doxa da cidade. Excesso aparece de forma transversal: excesso de ganância, de licenciosidade, de arrogância, de força, de erotismo. Essa natureza excessiva do tirano seria motivo de uma disrupção na ordem da pólis, revirando as normas de cabeça pra baixo, rompendo as convenções, pervertendo os costumes tradicionais e problematiz ando as fronteiras entre o divino e humano. Sendo o tirano (encenado nas tragédias do séc. V e IV a.C.) aquele que condensava características opostas ao modelo dominante de uma pessoa sábia e livre, ele teria se tornado um bode expiatório (p. 38), ou seja, um ídolo polêmico que incorpora tudo que a pólis rejeita como diferente e negativo. Um homem conciliado com a besta fera – o lobo 5 – e que ameaça devorar a cidade inteira.
Daí, mais outras propriedades dos tiranos são extraídas das narrativas biográficas, em especial nas tragédias: bestialidade, impiedade, hybris, paranomia (transgressão às leis e costumes) e eros excessivo. Antes de se ater ao erotismo enfatizado na República, Arruzza adiciona inúmeras referências literárias. Assim, a conexão entre o pode r tirânico e eros mostra-se mais compreensível à medida que se considera eros, na Grécia Clássica, como a uma categoria política de máxima relevância. Nesse contexto, eros pode evidenciar a origem de uma matriz de diferentes paixões – de ambição até patriotismo – e ser conceituado ao longo de um continuum que se estende do amor à cidade ao amor entre cidadãos, passando pela licenciosidade sexual dos tiranos. As características negativas revelariam a interface com os aspectos valorados positivamente, notadamente a capacidade intelectual (“simply put, the tyrant is no dummy”p. 39), ao que Arruzza irá dedicar muitas páginas no capítulo 6, porém com pouca capacidade persuasiva.
V
Na segunda parte do livro, Arruzza dedica-se à investigação da psique do tirano, considerando, conforme Platão, as três partes da alma: a parte apetitiva (ephithymetikon), a parte espirituosa (thymoeides) – que poderia ser traduzida por impetuosa – e a parte racional (logistikon). A autora destaca que os comentários acadêmicos sobre a psique do tirano têm focado na parte chamada de apetitiva e em eros (cap. 5). Essas são consideradas as principais motivações das comentadas psicopatologias dos tiranos, sendo que pouco se menciona acerca das partes atribuídas à razão e ao espírito e ao pro cesso que conduz a uma “escravização do espírito”(p. 213) no tirano. Sua intenção é problematizar esse foco nos desejos básicos e enfatizar os papéis específicos desempenhados pelas outras duas partes da alma do tirano, para entender a complexa dinâmica psicológica verificada no homem tirânico descrito no livro IX.
Arruzza expõe a lógica, ou seja o racionale, da definição do tirano como um tipo de homem erótico e apetitivo, concentrando-se na “ganância”(p. 148) como seu predicado singular e extravagante. A análise da natureza da parte apetitiva da alma tirânica é situada no âmago do debate sobre a tripartição da alma, com o objetivo de esclarecer o seu desregramento. Vale dizer, a falta de leis é o objeto de desejo típico do tirano (cap. 4). Para Arruzza, esse esforço de análise responde à controversa questão sobre a natureza do eros do tirano, considerado como “sexual”, contudo não igualado ao apetite. Esse ponto será remetido posteriormente à conexão que será estabelecida entre eros e a relação entre o homem tirânico com o poder político, mediante o exame da politização de eros, do uso disseminado de eros como categoria política na literatura grega entre os séculos V e IV a.C.
Resta ainda destacar a explicação para o título do livro de Arruzza, no capítulo 5. Essa concentra-se no papel que o “espírito”(thymoeides) exerce na alma tirânica, cuja irracionalidade impetuosa impele o tirano para atos danosos que desvelam sua necessidade incontrolável de autoafirmação. É descrita a dinâmica em que o espírito desempenha uma função crucial na configuração da psique própria do tirano, à medida que toda a sua alma vai se “inflamando”(p. 186) pela parte apetitiva (ephithymetikon). De fato, o forte e vivaz espírito do tirano, embora escravizado p ela parte apetitiva, é determinante no seu apego ao poder, ódio e violência. As duas seções do capítulo estão enlaçadas pela metáfora animal. O lobo – animal associado com o tirano na República – é a metáfora, por excelência, para o espírito corrupto do tirano.
A reflexão se encerra com o papel da parte racional (logistikon) do tirano. Com base no livro VI da República, Arruzza explora a hipótese de que o tirano pode ser dotado de uma forte capacidade intelectual. Nessa medida, o tirano é um exemplo da completa perversão moral na pessoa dotada de uma inteligência excepcional. Ademais, examina o tópico do tipo de loucura atribuída ao tirano e sua conexão com as suas respectivas crenças negativas com respeito ao “bem”. Chega-se ao final, não sem uma forte sensação de incômodo, à problemática identificação do tirano e a natureza filosófica extraviada ou, diga-se melhor, o que é próprio de um filósofo desnaturado.
VI
Por fim, o tratamento dispendido por Platão ao tirano (nos livros VII e IX) é o ponto culminante da argumentação sobre a natureza da injustiça e sua relação com a felicidade e infelicidade. No diagnóstico de Platão, tirania é uma forma de regime própria de um tipo específico de homem apetitivo, cujo grau de corrupção da moral é difícil (senão impossível) de estimar dentro de um processo de reforma moral. Sua psicopatologia (p. 142) é exacerbada pelos impactos corruptores que os mecanismos de poder absoluto acarretam sobre a alma. A acusação de Platão à tirania dá-se em duas vertentes: 1) é o regime mais apto para a liderança de um homem dominado pelos mais básicos apetites da alma; e 2) é um regime nutrido por uma doença psíquica específica que afeta o tirano, pressionando-o a realizar as ações mais terríveis. Vê-se aqui a influência recíproca e o efeito da imposição deletéria do “espírito”sobre a alma e a cidade. Para Arruzza, o cenário dramático e algumas referências históricas encontradas no diálogo sugerem que Platão considerava o período como sendo decisivo para a crise política e ética, com consequências duradouras para a Atenas do século IV. A figura do tirano platônico, como um tipo de líder político oportunista capaz de cultivar uma relação instrumental com o demos e de aspirar um poder absoluto visando satisfazer seu hedonismo poderia ser nefasta para a pólis. Aqui cumpre lembrar o paradigmático fato recente da política brasileira, em que a tomada do poder pelo presidente em 2018 foi o desfecho propiciado pela prisão do principal adversário e sua exclusão das eleições majoritárias, com o recurso à chamada Lawfare.
Arruzza destaca que o segundo nível de sua análise é o “político-filosófico”. Nesse âmbito, o diagnóstico do processo de corrupção política e moral articula uma complexa interpretação sobre a natureza do poder político e seus abusos, além da relação entre as condições políticas e sociais e a formação dos tipos de caráteres dos cidadãos. Nesse sentido, o tirano de Platão é o “filho”da democracia ateniense. Como vimos anteriormente, os mecanismos institucionais próprios da democracia conferem uma autoridade suprema ao demos e suas opiniões, em nome da igualdade política. Isso torna os líderes políticos subalternos ao ethos democrático (apetitivo e hedonista, segundo Platão), forçando-os a serem assimilados por estes mecanismos ao invés de assumirem um papel educativo das massas.
Em síntese, o tratamento dado à tirania por Platão combina uma dimensão “contextual”6 e outra “político-filosófica”, que transcendem o contexto histórico propriamente dito. No plano político, Platão equipara a desunião (p. 170) – típica de uma guerra civil que faz combalir a cidade – a uma doença, descrevendo a gênese de cada regime e a natureza conflituosa dos interesses entre as partes da cidade. No plano moral e psicológico, é articulada uma taxonomia “sociopsicológica”(livro VIII) e uma crítica aos princípios morais que regem cada tipo de governo (aristocracia, oligarquia, democracia, tirania), para demonstrar suas insuficiências e revelar a correspondência entre corrupção moral da alma individual e doença política e moral da cidade. A degeneração sociopolítica de cada tipo de regime contribui para moldar os respectivos tipos de personalidade e formas de corrupção moral que, por sua vez, afetam a natureza e a dinâmica dos regimes, em um processo circular. Para Ar ruzza, esse é o porquê de o logos sobre a moral psicológica em Platão não poder ser desatrelada do político, nem vice-versa.
Não seria justo encerrar essa resenha sem aplaudir as qualidades da pesquisadora Arruzza, pelo árduo trabalho de esgrimir contra e a favor das mais diversas interpretações da República e de levantar uma miríade de argumentos de grande envergadura; tudo em prol do rigor acadêmico e da mais genuína honestidade intelectual.
Nota
1 Procl. Rem. Pub. 7.5-11.4.
2 Note-se que pesquisadores contemporâneos estariam especialmente interessad(e)s no debate emoldurado pelas teorias políticas liberais, liberalpluralistas, comunitaristas, marxistas, da justiça, da democracia, de gênero, teoria crítica, dentre tantas outras que refletem sobre o poder nas relações humanas.
3 Liberdade é aqui entendida tanto como estar livre da sujeição a um governo despótico, como livre para exercer o igual direito de participação no governo da cidade.
4 O comportamento mimético despertado nas massas, com toda a sua ambivalência, foi analisado por Horkheimer & Adorno (2002), para decifrar o falso retrato da terrível mímesis no nazismo hitlerista, em que o impulso mimético traz a promessa de felicidade sem poder (p. 157 e 161).
5 “The tyrant is often associated with wild beasts-often with wolves and to a lesser extent with lions – to emphasize his savagery, which turns all his subjects into possible prey. This association is an ancient one: we can find an early example of it in Alcaeus’ anti-tyrannical poetry, where the poet depicts Pittacus of Mytilene as intent on dev ouring the city. This description echoes the Homeric Achilles’ derogatory reference to Agamemnon as a δημοβόρος (a devourer of his own people). In Aeschylus’ Agamemnon, Cassandra calls Aegisthus a “wolf”: Aegisthus personifies a set of tyrannical traits, a s he is a hubristic figure, sleeps in a bed that does not belong to him, and aspires to rule over Argos without having any religious or dynastic justification for his rule (Ag. 1258-1260). Moreover, immediately after the assassination of Agamemnon, the cho rus mentions tyranny twice: first to denounce Aegisthus’ and Clytemnestra’s tyrannical plot, and then to emphatically declare that death is preferable to tyranny (1354-1355 and 1364-1365). The trope of the wolf reappears much later, in Diodorus Siculus’ ac count of an episode from Gelon of Syracuse’s childhood (Diod. Sic. 10.29)”. Arruzza, 2019, p. 39.
6 Para Arruzza, não é precisamente histórica. Note-se, porém, que pode articular um debate específico estimulado por um conjunto de eventos históricos
Referência
HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. (2002). Dialectic of Enl ightenment. Philosophical Fragments. Ed. by Gunzelin Schmid Noerr. Trans. by Edmund Jephcott. Stanford, Stanford University Press.
VEGETTI, M. (2010). Um Paradigma no Céu: Platão político de Aristóteles ao século XX. Trad. Maria da Graça Gomes de Pina. São Paulo, Annablume.
Rosane de Almeida Maia – Universidade de Brasília – Brasília – DF – Brasil. E-mail: rosanealmaia@gmail.com.br
Knowing Emotions: Truthfulness and Recognition in Affective Experience – FURTAK (RFA)
FURTAK, R. A. Knowing Emotions: Truthfulness and Recognition in Affective Experience. New York: Oxford University Press, 2018. Resenha de: BACKENDORF, Jonas. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v.31, n.54, p.972-978, set./dez, 2019.
The discussion about the role of emotions in human life, despite the obvious antiquity of the theme, is quite recent in terms of systematic and autonomous philosophical inquiry. Until very recently, emotions have been viewed, save a few notable exceptions, as mere obstructions to the objective and realistic understanding of the world as it is. Addressing a similar issue, in the middle of the last century, Erich Fromm, for example, ironically describes the curious status of this “realism,” especially in a world where we “have a special word for each type of automobile, but only the one word “love” to express the most varied kinds of affective experience” (2013, p.11). A few years later, arguing for the relevance of deepening our approaches to emotions in order to strike a balance against intellectualist models, Michael Stocker (1958) pointed to the schizophrenic conception of ourselves we were nourishing. His criticism was addressed to those who claim that there should be a division between an impersonal and impartial world of “reasons” that can guide us and the world of affective and personal aspects – which should be hushed up so as not to contaminate the former.
These instances reflect a reality that is constantly being challenged by theorists who, like Stocker, defend and highlight the fundamental role that emotions play in our lives. Rick Anthony Furtak’s Knowing Emotions: Truthfulness and Recognition in Affective Experience is a fine and stimulating example of this recent trend. More than arguing that emotions have a place in the moral construction of a meaningful personal life, the author emphatically maintains the epistemic centrality of emotions in the very revelation of the “external” world as it appears to us. Above all, Furtak seeks to break with a still persistent view of “all or nothing” held by cognitivists and non-cognitivists, arguing that emotions are both viscerally constituted and cognitively instructive.
The author is associate professor of philosophy at Colorado College. Knowing Emotions is his fifth book, the second to specifically address the issue of emotions – the first is “Wisdom in Love: Kierkegaard and the Ancient Quest for Emotional Integrity”, published in 2005.
Knowing Emotions: Truthfulness and Recognition in Affective Experience is structured in seven chapters, divided into three large parts, as summarized below.
Chapters one (“The Intelligence of Emotions: Differing Schools of Thought”) and two (“What the Empirical Evidence Suggests”), which constitute the first part of the text (THE RATIONAL AND THE PASSIONATE), provide an overview of the debate between cognitivists and non-cognitivists about emotions – a debate that delimits the central aspects of all subsequent arguments of the book – using both conceptual clarifications and empirical evidence. According to Furtak, cognitivist theories of emotion are those which defend that intentionality has a decisive role in the composition of our affective expressions (p. 7): an emotion such as anger, in this sense, can only be understood as such to the extent that it is “anger of” something, someone, and so on (pp. 7-8). This “intrinsically intentional” component (p. 75) leads to the idea that emotions have their own intelligence and are epistemically fundamental: “our affective experience is our mode of access to significant truths about what concerns us” (p. 14). Non-cognitivist theories, in turn, conceive emotions primarily as somatic or physiological components for which intentionality is merely a contingent aspect, so it would be unwise on our part to rely on emotions (pp. 16-7).
The author highlights the mistake of assuming a closed attitude on either side. But it does not mean that seeking a “middle path” capable of reconciling the two positions is the most appropriate posture (p. 21). He argues instead that the affective experience concerns two aspects that are only “conceptually separable” in so far as they concretely concern a type of “unified response” (pp. 19-20). The author’s main effort, however, is to oppose, from the outset, non-cognitive postures, which he considers more distant from his ideal, particularly because of the non-cognitivist’s tendency to regard emotions as no more than “physiological disturbances” ( p. 1). In contrast, Furtak suggests that emotions are at the same time “necessarily” composed of “certain feelings of physiological or bodily activity” and “necessarily” composed of “a cognitive impression – which may be accurate or inaccurate” (p. 18).
In the discussion about empirical support, especially neuroscience, António Damásio’s and Joseph LeDoux’s works are presented as emblematic postures of cognitivism and noncognitivism, respectively. Noteworthy in this discussion is Furtak’s critical and contrary stance in relation to fragmented and reductionist science models, such as the neurological works that seek to reduce our experience to this or that brain space (or even to equate our emotional reactions with those of rats, as does LeDoux) (pp. 29-30), as well as in relation to the hasty generalizations that many philosophers, in wanting to empirically sustain their theories, draw from these very limited scientific works (pp. 30-1). A negative aspect of this first part of the book is the lack of depth in the author’s presentation of the non-cognitivist version he aims to oppose, reducing it to some remarks about one or two passages by William James (p. 15-7).
The second part (ON REASONABLE FEELINGS AND EMBODIED COGNITION), wich comprises chapters three (“Feeling Apprehensive”) and four (“Emotions as Felt Recognitions”), discusses the arguments that favor the detached cognitive and epistemic role of our emotions in establishing salient and significant aspects of our experiences with the world: a model that the author defines as “a modified cognitivism” (p. 90). Here the author’s criticism of non-cognitivists is stronger, suggesting that their positions eventually trivialize emotions “and encourage us not to take their content seriously”, “just because they are not reflective judgments, not impersonal, not subject to voluntary control” (p. 97-8). Against this flawed model, Furtak argues that our affective life is deeply responsible for our sense of reality as a whole (p. 98). Without emotions, he argues, we would not be able to perceive a wide range of truths and distinctions that are fundamental to our life and our understanding of things. “A ‘dispassionate thought’ of loss or danger, without any feeling of grief or fear, is cognitively defective” (p. 74). To understand this, we must first of all reject the idea that the world can be understood by us with neutrality (p. 94); insofar as we are made of a specific organism, what we learn from the world is inseparable from the characteristics of that organism, and our affective reality is a fundamental part of who we are.
Noteworthy in part 2 is the author’s discussion of emotions conceived as irrational affective responses, as in cases of phobia and so-called “recalcitrant emotions” (e.g. the person who is afraid of public speaking even though he or she knows that there is no reason for it) (p. 54). Non-cognitivists argue that these cases demonstrate the irrationality of emotions, since in “each of these cases, a person’s felt emotions are at odds with the beliefs that he or she consciously affirms” (p 55). From a series of considerations about the real meaning of “knowing” something, Furtak argues that, in fact, the problem in these cases is not that emotions are at odds with cognition, but that cognition itself, which must be seen in a gradual sense (and not “binary one-or-zero matter” (p. 60; 62)), has not yet reached a satisfactory degree of reflexive clarity. In this sense, though a person who is afraid of public speaking may not believe that the public threatens her, she may still believe that she can have problems in her speech (and she cares about it). That is, as much as she verbalizes that she is convinced that there is no cause for concern, she nonetheless maintains cognitive components contrary to this assertion (p. 56).
In support of this thesis, Furtak presents some of the most interesting passages of the book, like when he discusses the case of Proust’s protagonist. Here, even though the protagonist had long known of his grandmother’s death, he only acknowledges this situation when he visits the house where he had lived with her for a long time, he realized, in fact, that she was no longer there.
Although in one sense the narrator already knew of his grandmother’s death, he did not know it perfectly well. The full significance of her death does not register in his awareness until this later moment. It is only now, “a year after her burial,” that “he learns that she is dead,” as Samuel Beckett comments. “For the first time since her death he knows that she is dead, [and] he knows who is dead.” (p. 70)
The third, longest, and last part of the book (THE REASONS OF THE HEART) consists of chapters five (“On the Emotional A Priori”), six (“Love’s Knowledge; or, The Significance of What We Care About”) and seven (“Attunement and Perspectival Truth”), and details the author’s personal positions on the wisdom of our affective constitution. In the first chapter, the author argues in favor of what he called “emotional a priori”, the “affective dispositions”, which would constitute the background (the most enduring and persistent affective component), the sine qua non condition, which enables the manifestation of episodic emotions (pp. 105-6) discussed throughout the first two parts of the book (p. 107).
In this same chapter, he also discusses “how” these affective dispositions foster episodic emotions. The “emotional a priori”, according to Furtak, is basically constituted by “love, care, and concern” (p. 105). According to him, these basic concepts are relevant because it is through them that we engage, not just with this or that activity, person or thing, but with the world as a whole. Quoting Max Scheler, Furtak states that “love provides the foundation for every sort of knowing” (p. 108).
This third part may contain the greatest virtues and, at the same time, the greatest problems of the book. On the one hand, Furtak makes us realize how limited or even empty our conscious rationality is when not substantiated or embodied. He argues that even activities allegedly free from any affective interference, such as the empirical sciences (p. 177), are also charged with prior valuation, which in turn depends not on rationality itself, but on the visceral, affective importance that certain things (at the exclusion of endless others) have for us as beings endowed with a specific and corporeal nature. Without this visceral component, quoting James, “no one portion of the universe would then have importance beyond another; and the whole collection of things and series of its events would be without significance” (p. 141). Therefore, if we were guided solely by this idea of a neutral and abstract reason, not only would our subjective life lack any significance and meaning, but also the very understanding of reality external to us. We do not address the world “outside” with neutrality. Whenever we
engage with it, we select certain things that have some special value to us by virtue of our preferences, and this selection is itself a break with the supposed neutrality.
One of the problems of this part, if I see correctly, has to do with the ease with which the author starts from this visceral conception, moves through affective aspects and arrives at very abstract instances such as the interest in my neighbor’s interests (p. 130), all this without clearly showing how these instances are implicated. I fully agree with the view that rationality itself is incapable of giving meaning and flavor to life and to relations with the world. But I am not convinced that this other component, capable of filling the gap left by reason, is the triad that makes up the author’s “emotional a priori”. His basic argument, in fact, insofar as it rests on notions such as being “sentient beings” (p 142) endowed with a certain bodily constitution (p. 167) or a certain organism (p. 36), could more easily authorize a naturalistic theory based on crude concepts such as selfish biological needs (which may also fulfill the criteria presented by Furtak as essential so that the world does not seem to us completely indifferent).
For instance, the author tells us: “underlying affective dispositions function as the lenses through which we view the world: without them, we could not discern the meaning or value of anything whatsoever” (p. 113) and adds: “If we find the world to be charged with value, this is because we are ‘always already’ loving or caring beings” (p. 124). Now, that the world has “meaning” or “value” for beings like us, it does not follow that, as a condition, we love the world. An overly greedy person will see, through her distorted lenses, value in material things, but that does not mean she loves them. Likewise, an explanation tied to a certain kind of evolutionary theory might say that things are valuable to us simply in that they facilitate, for example, the perpetuation of our genes.
Furthermore, even if we accept, as Furtak claims, that it is indeed emotions that guide us and reveal to us the truths that disembodied reason cannot, we would still lack a careful explanation of what separates true or genuine emotion from a false or treacherous one. Furtak certainly does not ignore that such a distinction exists, but his exposition in Knowing Emotions does not address this important issue. He rightly tells us that “if we could validate our emotional responses only by appealing to universal consensus, then it would follow that my
grief upon the death of someone whom I knew and appreciated as no one else did would qualify as irrational” (p. 180- 1). But this is only true for a specific set of emotional responses, and certainly not for cases in which the same argument is used to validate neurotic feelings and emotions of all kinds. The very idea of love is perhaps one of the most mistreated by this lack of discrimination, and is usually confused with less noble manifestations such as affective dependence, sexual desire and possessive fixations. In holding that our emotions occupy such a central place in our lives and that we must trust them, it is necessary to present a consistent criterion, or set of criteria, capable of showing why the affections and emotions of a sadistic or a neurotic person are distinct from those we consider worthy of affirmation and trust.
This, however, does not detract from the brightness and vigor of Furtak’s text. Above all, I find his basic proposal to break with dichotomous attitudes toward emotions quite potent, as well as his argumentation for the incapacity of (supposedly) neutral rationality to guide us wherever we are.
Referências
FROMM, E. The Forgotten Language. An Introduction to the Understanding of Dreams, Fairy Tales, and Myths. New York: Open Road Media, 2013
STOCKER, M. The Schizophrenia of Modern Ethical Theories. The Journal of Philosophy, Vol. 73, No. 14 (Aug. 12, 1976), pp. 453-466
Jonas Backendorf – Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil. Doutorando em Filosofia pela UFSM. E-mail: jonasb90@hotmail.com
[DE]
The Metaphysics of Truth – EDWARDS (SY)
EDWARDS, D. The Metaphysics of Truth. New York: Oxford University Press, 2018. Resenha de: PACHECO, Gionatan Carlos. Synesis, Petrópolis, v. 10, n. 2, p. 251-254, ago./dez., 2019.
Em The Metaphysics of Truth (2018), Douglas Edwards traz uma defesa de uma metafísica da verdade e um amplo ataque aos seus algozes, nomeadamente, os deflacionistas e primitivistas. Por um lado, os deflacionistas concedem à verdade um papel lógico e de forma de expressão, mas, para além disso, pouco teríamos a falar sobre a verdade. Por outro lado, os primitivistas, com efeito, afirmam que a verdade não é um conceito aberto para definição, de modo que não caberia investigá-la. Não obstante, Edwards defende uma teoria acerca da natureza da verdade que a caracteriza como substantiva, pluralista e fundamentada em propriedades.
Os desafios para uma metafísica da verdade são postos de tal modo pelas teorias deflacionárias, que os três primeiros capítulos deste livro se ocupam de uma resposta a elas. O primeiro capítulo trata de três visões “ultra deflacionárias”, a saber, teoria da redundância, teoria performativa e prosentencialismo. Com efeito, teorias da verdade geralmente estão interessados na relação entre os domínios da linguagem (conceitos e palavras) e da realidade (objetos, propriedades e eventos). Essas três visões negam que a verdade seja um propriedade, da seguinte forma. Há um argumento, na “visão padrão”, que relaciona predicados com propriedades que, quando formulado acerca das teorias da verdade, se expressa como se segue: (1) predicados referem a propriedades, se (2) “ser verdadeiro” é um predicado, então (3) “ser verdadeiro” se refere a uma propriedade (verdade). Sem embargo, estas visões negam que a segundo premissa (2) seja válida (p. 8), ou seja, que ser verdadeiro/verdade não é um predicado, mas uma simples redundância que só afirma o que foi dito, ou que só performa uma ênfase, ou ainda uma prosentença, que meramente substitui o que foi dito antes. Deste modo, ao longo do capítulo Edwards apresenta objeções para cada uma das três teorias, se valendo de argumentos de Kunne e Strawson, e na sequência expõem as concepções de verdade como objeto (Frege) e como evento (William James), concluindo que mesmo nessas acepções “é difícil evitar” conceber a verdade como uma propriedade (p. 18).
O segundo e terceiro capítulos são dedicados às teses deflacionistas menos radicais e mais amplamente aceitas. De acordo com este espectro do deflacionismo a verdade é uma propriedade, no entanto, não é uma propriedade substancial. Aqui entra uma distinção entre propriedades esparsas e propriedades abundantes, a qual Edwards utilizará ao longo do livro. Propriedades abundantes seriam extensões dos predicados, ao passo que propriedades esparsas seriam análogas à universais objetivos que estabelecem similitudes explicativas acerca do estado de coisas. Essa distinção, além disso, é o centro do argumento contra o deflacionismo, apresentado no terceiro capítulo. Neste passo ao autor argumentará que assumir uma posição deflacionista sobre a verdade implica em assumir um deflacionismo sobre propriedades metafísicas. Contra deflacionistas como Horwich (1998) e Damnjanovic (2010), Edwards sustenta que a verdade não é uma propriedade abundante, mas sim uma propriedade esparsa que possui um papel explicativo acerca da constituição causal acerca das coisas no mundo. Nesse sentido, o deflacionismo esvazia a relação entre a linguagem e realidade (mundo).
O quarto capítulo trata em especial sobre as conexões entre linguagem e mundo, em especial, a relação dos predicados com as propriedades. A ideia é que existem diferentes tipos de predicados (morais, científicos, estéticos, sociais, etc) que desempenham papéis distintos. Sobre cada predicado podemos constatar diferentes tipos de propriedades. Ainda neste capítulo, Edwards define o que entende por domínio. Cada domínio, com efeito, possui um componente semântico (linguagem) e um componente metafísico (realidade), dos quais o primeiro é “composto pelos termos e predicados singulares” e o segundo é “composto pelos objetos e propriedades aos quais os termos e predicados singulares se referem no aspecto semântico” (p. 77, traduções nossas). Não apenas termos e predicados singulares, mas também sentenças pertenceriam a domínios particulares. Isso também abre precedente para definirmos eventos ou estados de coisas como pertencentes a domínios particulares, no entanto, segundo o autor, “é o predicado que determina o domínio” (p. 78). Este capítulo acentua que a leitura de Edwards vai para além da teoria da verdade.
No quinto capítulo a verdade volta à pauta. O discurso acerca de diversos domínios no capítulo anterior fornece terreno para estabelecer o que Edwards chama de pluralismo sobre a verdade. No sexto capítulo esse pluralismo se desenvolve como pluralismo ontológico, isto é, “a tese de que as coisas existem de maneiras diferentes” (p. 105). Aqui, o autor caracteriza uma espécie de paralelismo entre os debates acerca da verdade e acerca da existência. A concepção pluralista acerca desses dois temas se direciona a um pluralismo unificado entre realidade e linguagem, o “pluralismo global”. O capítulo sete discute uma variedade de modelos alternativos de pluralismo sobre a verdade o que, como que de forma paralela, é feito no capítulo oito, mas especificamente sobre pluralismos de existência. O pluralismo de Edwards, com efeito, é moldado em sua distinção entre propriedades abundantes e escassas.
Nos últimos capítulos, nono e décimo, é dado atenção às abordagens primitivistas que concedem poder explicativo a noção de verdade, mas negam que qualquer teoria da verdade seja de fato informativa. Os primitivistas afirmam que a verdade é uma noção primitiva e indefinível, alguns deles trabalham com a noção de veritadores (truthmakers). Com efeito, são duas as “ameaças” (p. 159) ao pluralismo da verdade que emergem da leitura primitivista. A primeira é que existem verdades para as quais não existem veritadores (cap. 9). A segunda é o compromisso com a existência de veritadores, pois uma vez que assumimos esse compromisso não precisamos nos questionar acerca da natureza da verdade (cap. 10). A primeira ameaça ao pluralismo vem de Trenton Merricks (2007), um primitivista que rejeita a teoria dos veritadores. Nesse passo, Edwards desenvolve uma argumentação onde mostra que a leitura pluralista possui recursos para evitar essa ameaça e, mais do que isso, na qual até outros partidários da teoria dos veritadores podem encontrar embasamento. Por outro lado, sobre a segunda ameaça do primitivismo, o autor afirma que os primitivistas partidários dos veritadores não podem falar de veritadores sem falar sobre a verdade, demonstrando assim a “peculiaridade da posição sustentada, na qual veritadores são doadores de papéis teóricos substanciais em um panorama no qual não há natureza substancial da verdade” (p. 176).
Em suma, o livro The Metaphysics of Truth é um livro de metafísica e epistemologia contemporânea que se esforça por resgatar um conceito de verdade que fique em pé por si só. O livro é beligerante, sempre expondo seu ponto enquanto troca golpes. Os alvos são muitos e o objetivo é original. Para além de uma teoria metafísica sobre a natureza da verdade, Edwards pretendeu estabelecer uma visão pluralista global acerca da relação entre realidade e linguagem. O autor leva a discussão sobre domínios metafísicos para diversas áreas, como moral, matemática, institucional, etc., e não se demora em áreas que muitos esperariam, devido a temática, mais atenção, como no caso da lógica e epistemologia. A brevidade da obra talvez justifique, ou talvez seu caráter de proposta monográfica a ser ainda escrutinada pela crítica.
Referências
DAMNJANOVIC, N. New Wave Deflationism. In PEDERSEN & WRIGHT (eds), New Waves in Truth. New York: Palgrave Macmillan, 2010. (pp. 45-58).
EDWARDS, D. The Metaphysics of Truth. New York: Oxford University Press, 2018.
HORWICH, P. Truth. Oxford: Oxford University Press, 1998.
MERRICKS, T. Truth and Ontology. New York: Oxford University Press. 2007.
Gionatan Carlos Pacheco – Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. Doutorando em Filosofia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5505634981032665. E-mail: gionatan23@gmail.com
[DR]
Paris and The Cliché of History: The City and Photographs, 1860-1970 – CLARK (THT)
Catherine Clarke. Foto: Comparative Media Studies – MIT /
CLARK, Catherine E.. Paris and The Cliché of History: The City and Photographs, 1860-1970. New York: Oxford University Press, 2018. 328p. Resenha de: KERLEY, Lela F. The History Teacher, v.52, n.4, p.717-718, ago., 2019.
In this social history of photography, Catherine E. Clark demonstrates that the visual discourses and methodologies used to document the historical and urban landscape of France’s capital were constantly being reconceptualized over the course of the nineteenth and twentieth centuries. Journalists, curators, city officials, amateur and professional photographers, and societies contributed to a history of Paris that was inextricably linked with a history of photography. Woven into the book’s narrative is an institutional history of the Bibliothèque historique, the Musée Carnavalet, the Fédération nationale d’achats des cadres (FNAC), and the Vidéothèque de Paris vis-à-vis the local/national initiatives and photography contests they sponsored that punctuated, but also commemorated, larger historical shifts such as Haussmannization, the Occupation and Liberation of Paris, Americanization, and “les trente glorieuses.” By examining photographic collections spawned by these events, Clark presents a colorful portrait of how the French, but also foreign tourists, saw the city and interpreted its past, present, and future amid urban transformation.
The book begins with the overarching question: What is the history of preserving, writing, exhibiting, theorizing, and imagining the history of Paris photographically? (p. 1). These concerns are deftly addressed together in each of the five chapters, tracing the way in which understandings of the photographic image—its purpose, function, and the history it purported to communicate— shaped and were shaped by commercial and non-commercial interests. Building on earlier scholarship produced by cultural theorists such as Guy DeBord, Roland Barthes, and Susan Sontag, who view visual spectacle as a metaphor for changing relationships within the city, Clark adds her own original interpretation, arguing that the production, preservation, and use of photographs influenced, informed, and determined how people thought about Paris as a museum city and engaged with it physically (p. 216).
Chapter 1 focuses on Haussmannization, a city works project that precipitated the first major effort to document the destruction of “Vieux Paris.” Through the process of modernization, municipal authorities, archivists, and museum directors slowly shifted their reliance on more traditional forms of visual historical documentation (e.g., maps, paintings, and sketches) to the photograph as they discovered its inherent value as a piece of “objective” historical evidence. A method of scientific visual history, as Chapter 2 illustrates, came to the fore and introduced new “modes of seeing history” by the turn of the century (p. 2). Now considered “an objective eyewitness to history,” the photograph gave rise to photo-histories that were more didactic in their narration of historic events, providing explanations to viewers of how they should interpret the image.
Chapter 3 shows how the Occupation and Liberation of Paris engendered different “mode[s] of reading the photo” (p. 3). Through the practice of repicturing, heavily censored yet seemingly innocent photo-histories of famous Parisian landmarks kept the French revolutionary tradition alive by including a combination of visual forms that would recall acts of resistance embedded in viewers’ historical imagination. Seven years later, the Bimillénaire de Paris of 1951 reduced the photographic image to a visual cliché, and the subjects who figured in those pictures to typologies. Celebrating the last 2,000 years of French history, the Bimillénaire assumed a political bent and “appealed to those who sought to promote Paris as the commercial capital of Europe, backed by centuries of culture and history, not as an intellectual capital of revolutionary political thought” (p. 132). Chapter 4’s discussion of the city’s attempt to promote Paris as modern and futuristic in promotional posters, traveling exhibits, and magazines depended upon older models of seeing history and reading representations that attested to both change and continuity. Chapter 5 examines “C’était Paris en 1970,” a photo contest commissioned by the store FNAC that involved over 15,000 amateur photographers photographing everyday life within Paris (p. 174). Yet the very title of the contest underscored more of what had changed in the last 110 years of photographic documentation and collection rather than what remained the same. Whereas the historical value of a nineteenth-century photograph had taken decades to appreciate, historical value was immediately conferred the moment the photo was taken by the last third of the twentieth century.
This well-researched book will be of interest for those studying urban history, the history of Modern France, visual culture, and archival management. With over eighty illustrations, there is no lack of material with which to engage students. Its slim size and readily accessible prose is appropriate for both upperlevel undergraduates and graduate students, as it complements more in-depth theoretical discussions and debates on the politics of memory and the effects of technology in shaping national and local identities. Its interdisciplinary treatment of photography, publishing, the history of Paris, and the recording, preservation, and promotion of that history makes this an intriguing and indispensable text.
Lela F. Kerley – Ocala, Florida.
[IF]Unredeemed Land: An Environmental History of Civil War and Emancipation in the Cotton South – MAULDIN (THT)
MAULDIN, Erin Stewart. Unredeemed Land: An Environmental History of Civil War and Emancipation in the Cotton South. New York: Oxford University Press, 2018. 256p. Resenha de: SCHIEFFLER, G. David. The History Teacher, v.52, n.4, p.720-722, ago., 2019.
Erin Stewart Mauldin’s Unredeemed Land is the latest addition to the vast body of literature that explains how the Civil War and emancipation transformed the rural South. Whereas previous scholars have highlighted the war’s physical destruction, economic consequences, and sociocultural effects, Mauldin, an environmental historian, examines the profound ecological transformation of the Old South to the New. Using an interdisciplinary methodological approach, she argues that the Civil War exacerbated southern agriculture’s environmental constraints and forced farmers—“sooner rather than later”—to abandon their generally effective extensive farming practices in favor of intensive cotton monoculture, which devastated the South both economically and ecologically (p. 10).
Mauldin contends that most antebellum southerners practiced an extensive form of agriculture characterized by “shifting cultivation, free-range animal husbandry, slavery, and continuous territorial expansion” (p. 6). Although the South’s soils and climates were not suitable for long-term crop production, most farmers circumvented their environmental disadvantages by adhering to these “four cornerstones” (p. 6). Ironically, however, these very practices made the South especially vulnerable to war. When the Civil War came, Union and Confederate soldiers demolished the fences that protected southern crops, slaughtered and impressed roaming livestock, razed the forests on which shifting cultivation and free-range husbandry hinged, and, most significantly, destroyed the institution of slavery on which southern agriculture was built. Mauldin’s description of the Civil War’s environmental consequences echoes those of Lisa M. Brady’s War Upon the Land (2012) and Megan Kate Nelson’s Ruin Nation (2012), but with an important caveat: in Mauldin’s view, the war did not destroy southern agriculture so much as it accelerated and exacerbated the “preexisting vulnerabilities of southern land use” (p. 69).
After the war, southern reformers and northern officials urged southern farmers, white and black, to rebuild the South by adopting the intensive agricultural practices of northerners—namely, livestock fencing, continuous cultivation, and the use of commercial fertilizers as a substitute for crop and field rotation. Most complied, not because they admired “Yankee” agriculture, but because the “environmental consequences of the war—including soldiers’ removal of woodland, farmers’ abandonment of fields because of occupation or labor shortages, and armies’ impressment or foraging of livestock—encouraged intensification” (p. 73). Interestingly, many southerners initially benefited from this change. Mauldin contends that the cotton harvests of 1866-1868 were probably more successful than they should have been, thanks to the Confederacy’s wartime campaign to grow food and to the fact that so much of the South’s farmland had lain fallow during the conflict. In the long run, however, this temporary boon created false hopes, as intensive monoculture “tightened ecological constraints and actively undermined farmers’ chances of economic recovery” (p. 73). Mauldin argues that most of the southern land put into cotton after the war could not sustain continuous cash-crop cultivation without the use of expensive commercial fertilizers, which became a major source of debt for farmers. At the same time, livestock fencing exacerbated the spread of diseases like hog cholera, which killed off animals that debt-ridden farmers could not afford to replace. Finally, basic land maintenance—a pillar of extensive agriculture in the Old South—declined after the war, as former slaves understandably refused to work in gangs to clear landowners’ fields and dig the ditches essential to sustainable farming. Tragically, many of those same freedpeople suffered from planters’ restrictions of common lands for free-range husbandry and from the division of plantations into tenant and sharecropper plots, which made shifting cultivation more difficult. And, as other scholars have shown, many black tenants and sharecroppers got caught up in the crippling cycle of debt that plagued white cotton farmers in the late nineteenth century, too.
Mauldin’s story of the post-war cotton crisis is a familiar one, but unlike previous scholars, she shows that the crisis was about more than market forces, greedy creditors, and racial and class conflict. It was also about the land. Despite diminishing returns, southerners continued to grow cotton in the 1870s, not only because it was the crop that “paid,” but also because ecological constraints, which had been intensified by the war, encouraged it. Instructors interested in teaching students how the natural environment has shaped human history would be wise to consider this argument. They should also consider adding “ecological disruptions” to the long list of problems that afflicted the New South, as Mauldin persuasively argues that the era’s racial conflict, sharecropping arrangements, and capital shortages cannot be understood apart from the environmental challenges that compounded them (p. 9).
In the 2005 Environmental History article, “The Agency of Nature or the Nature of Agency?”, Linda Nash urged historians to “strive not merely to put nature into history, but to put the human mind back in the world.” With Unredeemed Land, Erin Stewart Mauldin has done just that and, in the process, has offered one way in which history teachers might put the Civil War era back in its natural habitat in their classrooms.
David Schieffler – Crowder College.
[IF]Interperspectival Content – LUDLOW (M)
LUDLOW, P. Interperspectival Content. Oxford University Press, 2019. 272 pages. Resenha de: MARTONE, Filipe. Manuscrito, Campinas, v.42 n.3 July/Sept. 2019.
Peter Ludlow’s most recent book is a systematic defense and exploration of what he calls interperspectival contents. Such contents are a sui generis kind of content expressed in language by tense and indexical expressions. They are essentially perspectival, and they cannot be eliminated or reduced to non-perspectival contents. Moreover, the ‘inter’ in ‘interperspectival’ means they are not subjective, private things: they are shared across agents situated in different perspectives. According to Ludlow, reality is shot through with such contents, from language and thought to computation and the flow of information, and they are needed to explain a number of phenomena, including intentional action, rule-following and the passage of time. In a sense, then, Ludlow’s new book is the perfect antithesis to Cappelen & Dever (2013). He makes a comprehensive case that perspectivality is not merely philosophically interesting, but also that it runs as deep as basic physics (Ch. 8). The book is ambitious, broad-ranging and interdisciplinary, and it would be impossible to discuss all of its contents in a short review. For this reason, I concentrate on the main points of his theory (laid out in the first three chapters) and try to spell them out in a bit more detail.
Perry’s messy shopper and Lewis’ twin gods convinced almost everybody that certain beliefs and desires must involve an essentially perspectival ingredient if they are to explain human intentional action adequately. Referential content, they claimed, is not enough. Because this perspectival ingredient is expressed in language by tense and indexicals, it is usually referred to as ‘indexical content’, but Ludlow prefers to call it ‘interperspectival content’, or ‘perspectival content’ for short (p. 3). Since Perry’s and Lewis’ work, philosophers started seeing ineliminable perspectival components everywhere: in emotion, perception, consciousness, temporal reasoning, ethical agency and in normative behavior more generally. Of course, they disagree on the precise nature of this perspectival component (e.g. if it reflects a deep feature of reality or is merely a narrow psychological state), but there is widespread agreement that it must be there to explain various aspects of human activities. There is a vocal minority, though, who remains deeply unconvinced. The most notable case is that of Cappelen and Dever (2013), henceforth C&D.
C&D’s work had a huge impact, so it is a natural starting point for Ludlow. In the first chapter, he uses C&D objections as a foil to show why interperspectival contents are indispensable. His main target are the so-called Impersonal Action Rationalizations (IAR). IARs attempt to explain an agent’s behavior only in terms of non-perspectival attitudes. C&D argue that IARs are perfectly adequate explanations of behavior, even though they are perspective-free. If they are right, this would show that there is no necessary connection between perspectivality and agency, pace Perry and Lewis. To better see the point, it is useful to reproduce here two action rationalizations Ludlow discusses, one personal and the other impersonal (p. 26):
Personal Action Rationalization (explanation) 1.
- Belief: François is about to be shot.
- Belief: I am François.
- Belief (Inferred): I am about to be shot.
- Desire: That I not be shot.
- Belief: If I duck under the table, I will not be shot.
- Action: I duck under the table.
Impersonal Action Rationalization (explanation) 1.
- Belief: François is about to be shot.
- Desire: François not be shot.
- Belief: If François ducks under the table, he will not be shot.
- Action: François ducks under the table.
For C&D, IAR-1 is an adequate explanation of why François ducked, and therefore the supposedly essential perspectival component is dispensable. Ludlow grants that some IARs have the appearance of genuine explanations, but he claims that we have good reasons to suspect that they appear that way because there is “something enthymematic” (p. 27) about them. For instance, IAR-1 seems to work only because the premise that François believes that he himself is François is implicit. This is not a new argument, but Ludlow gives it a different spin by asking us to consider a case in which François lacks the perspectival belief that he himself is François, but still ducks. The lack of a first-personal belief seems to make his ducking completely random and unconnected to the attitudes described in the rationalization.
To me, however, the most interesting argument Ludlow offers against C&D appeals to temporal beliefs. Ludlow notes that François’ attitudes are already knee-deep in temporal perspectival contents:
The desire is not that François timeline be free of getting-shot events; it is too late to realize such a desire. You can’t get unshot. His desire is that he not get shot now. Similarly for François’ belief: His belief is that if he ducks under the table now he will not get shot now. (p. 27)
Thus, even if the first-person perspective is somehow eliminated from the rationalization, temporal perspectival contents must remain, otherwise we cannot explain why François ducks at the moment he ducks. For some reason, the role of temporal perspectival contents in action explanation has mostly slipped under philosophers’ radars, and Ludlow does a nice job of bringing it out1. In fact, because temporal contents do not involve the complexities of the first-person, they seem to make a better and more straightforward case for the indispensability of the perspectival element, as Morgan (2019) argued.
Another interesting aspect of the first chapter is the discussion of C&D’s example of the aperspectival god. C&D claim that there could be a god who does not have perspectival thoughts but who could nevertheless act upon the word just by thinking things like ‘the door is closed’, and the door is closed. This example is supposed to show that there could be intentional action without perspectivality. But, Ludlow argues, this is very implausible. Suppose the aperspectival god creates a universe containing only ten qualitatively identical doors arranged in a circle (p. 33). How can the god form a particular intention to close one of the doors in this case? Indexical-free definite descriptions cannot single out any of them, and neither can proper names, since to name something you must first be able to identify it, either perceptually or by description. Even being omniscient, there must be a perspectival way of singling out one particular door in the god’s ‘awareness space’ (e.g. ‘that door’), otherwise she would not be able to form a particular intention about it. Ludlow’s example bears some similarities to Strawson’s massive reduplication universe (1959: 20-23), and both have more or less the same moral: every act of particular identification seems to ultimately rest on demonstrative (i.e. perspectival) identification. If this is right, then the aperspectival god would not be able to form particular intentions in these cases, and hence could not act upon particular objects. Ludlow concludes that perspectival components are indispensable.
Having established why we need perspectival contents, in the second chapter Ludlow goes on to explain what they are. In particular, by focusing on tense, he argues that perspectival contents are substantial features of reality, and not merely superficial aspects of language or thought. His argument leans heavily on a methodological doctrine he calls Semantic Accountability. As he puts it, “the basic idea is that meaningful use of language carries ontological commitments” (p. 16), and “that the metalanguage of the semantics must be grounded in the world and the contents that are expressed in the metalanguage are features of the external world” (p. 38). In other terms, if we cannot purge perspectival contents from the metalanguage that gives the semantics of a certain piece of perspectival discourse, then we must treat these contents as irreducible and ineliminable features of reality. Ludlow argues that this is not only the case with tense, but also with information theory, computation and even with physics. As we can see, the doctrine of semantic accountability plays a crucial role in the whole book.
In the second chapter he also expands on the two central notions of the book, namely, perspectival position and perspectival content. In short, perspectival positions are “egocentric spaces anchored in external positions” (p. 6), where external positions are objective locations in space and time. Because we are embedded in such positions, certain things will be there or here, past or future, and so on, with respect to us. More importantly, Ludlow argues that perspectival positions are not a matter of phenomenology, i.e., of how things are experienced by the relevant agents. According to him, the same perspectival position can have different phenomenal experiences associated with them, whereas different perspectival positions can yield the same phenomenal experience (p. 7).
Now, things get more complicated with interperspectival contents. Because they are primitives for Ludlow (p. 42), it is pretty hard to define them precisely. He attempts to circumvent this difficulty by employing several metaphors. First, he asks us to think of perspectival positions in terms of panels on a storyboard. Each panel is anchored in the agents’ perspectival position and represents the world from their point of view. For example, in a situation where I say ‘I am here’ and you say ‘you are there’, there is a panel representing my utterance, your utterance and the world from my perspectival position, and a panel representing your utterance, my utterance and the world from your perspectival position. The interperspectival content, in turn, “consists of this collection of storyboard panels…and a theory of how the panels in the storyboards are related (p. 42). As I understand it, this theory describes the events occurring – my utterance and your utterance – in a way that explains what we are doing, our motivations, beliefs and emotions in that situation. This explanatory theory would be the perspectival content. Another metaphor Ludlow offers is that of a dramaturge who has all the panels before her. The dramaturge knows how to coordinate them and has a theory of what is happening (p. 42). Finally, Ludlow emphasizes that perspectival contents are shared. When I say ‘I am here’ and you say ‘you are there’, we are expressing the same perspectival content, but from different perspectival positions. That is, we are expressing the same theories from different perspectives (p. 40), and to do that we have to use a different set of expressions. The same phenomena occurs with perspectival contents expressed across different temporal positions. If I think ‘today is a fine day’, and in the next day I think ‘yesterday was a fine day’, my thought episodes have the same referential content and the same perspectival content under a different verbal clothing.
The fact that perspectival contents are shared and remain stable across perspectival positions might make them look just like referential contents, since the latter also have the same properties. But Ludlow quickly points out that this cannot be right, for referential contents cannot explain action, emotion, and so on (p. 45), as he argued in the first chapter. Thus, whatever perspectival contents are, they cannot be referential contents. In fact, in the next chapter he is going to claim that perspectival contents bear important similarities to Fregean senses, which are notoriously richer and more fine-grained than referential content.
I understand that perspectival content is a pretty difficult notion to grasp, but the fact that Ludlow’s attempts to ‘define’ them are not so obviously equivalent makes things somewhat more confusing. For instance, in various passages he seems to identify perspectival contents with theories of some sort:
the resulting local theory is your interperspectival content.” (p. 72, italics mine).
I’ve offered a proposal in which we think of interperspectival contents as local theories that we express in different ways from different perspectival positions. (p. 75, italics mine)
Earlier, though, when discussing the storyboard metaphor, he talks about perspectival contents as being the combination of the panels (i.e. perspectival positions) and a theory, and not just the theory itself (p. 42). The following passage is also a bit odd: “[a]s we saw in Chapter 1, stripping the perspectival content from these theories [i.e. action rationalizations] neuters them” (p. 71). This makes it seem that perspectival contents are something contained or invoked in theories, and not theories in themselves. Also, assuming that perspectival contents are identified with theories, it is not clear how to interpret this passage: “[p]erspectival contents, when expressed, do not supervene on the state of a single individual, but they rather supervene (at least partly) on multiple individuals in multiple perspectival positions.” (p. 44). It surely sounds weird to say that a theory supervenes on individuals in perspectival positions; supervenience does not seem to be the right sort of relation here. Although I think I understand what perspectival contents are, I confess that I still feel a bit confused about the particulars and how they are supposed to work exatcly.
In the third chapter, Ludlow sets out to explain our “cross-perspective communication abilities” (p. 57), that is, how we manage to communicate across perspectival positions. As I mentioned earlier, in order to express the same perspectival content across spatial, temporal or personal perspectival positions we need to adjust its verbal expression. But how exatcly do we do that? To answer this question, Ludlow draws from his theory of Interpreted Logical Forms (ILFs)2 and from his theory of microlanguages3. The problem ILFs set out to explain was the problem of how using different expressions at different times could count as attributing the same attitude to an agent (p. 66). The basic idea is that, in making attitude reports, we are offering a “contribution to our shared theory of the agent’s mental life” (p. 67). This theory has two components: the Modeling Component and the Expression Component. The Modeling Component is roughly the ability to model an agent’s mental life, and it is sensitive to various factors, such as our interests and goals, our common ground, our knowledge of folk psychology, and so on. The Expression Component, in turn, involves a tacit negotiation among speakers regarding which expressions to use to talk about the agent’s belief structure as modeled by the Modeling Component. Drawing from research in psychology, Ludlow calls this process of negotiating expressions entrainment (p. 68). The result of entrainment is a microlanguage built on the fly, in the context, to describe the relevant agent’s attitudes. Thus, given our models and our local microlanguages, different words sometimes express the same content, sometimes different contents, or leave the matter open (p. 68). This same general idea applies in the case of perspectival contents and how they are expressed across different perspectival positions. The ability to form microlanguages help us express local theories, constructed on the go, about perspectival information. In other terms (as I understand it), by modeling perspectival information and by building microlanguages we are able to express shared local theories so as to explain action, emotion, and so on, from different perspectives and about agents in different perspectival positions. To illustrate this point, Ludlow again uses the metaphor of the storyboard:
… we can think of the storyboards as illustrating the Modeling Component. The overarching theory of content attribution combines the perspectival information (illustrated by the multiple storyboards), coordinates its expression across the agents represented, and combines that with fine grained contents as in the Larson and Ludlow ILF theory (…) The resulting local theory is your interperspectival content. (p. 72)
What I have discussed so far covers, I think, the main body of Ludlow’s theory of perspectival contents. These chapters are dense and complicated, and some points would benefit from a lengthier exposition. For example, ILFs and microlanguages are very important to the overall theory, and it would help if they were explained in a bit more detail. This also happens later in the book, when he uses his theory of the dynamic lexicon to account for the passage of time. I suspect that readers who are not familiar with Ludlow’s earlier work might fail to fully appreciate his point.
In the fourth chapter, Ludlow considers alternative accounts of perspectival contents: token reflexive theories, Lewis’ de se, Kaplan’s theory of indexicals and demonstratives, and use theories. He argues that all of them try to purge perspectival contents from the semantics, but sooner or later they reappear with a vengeance. According to him, such sanitized semantics (especially token-reflexive theories) fail to do the very thing they were supposed to do, i.e., explain action, emotion, temporal reasoning, etc., and they often end up surreptitiously reintroducing perspectival contents in the metalanguage. His objections to Perry’s reflexive-referential theory, in particular, are very compelling. He ends with an interesting discussion of rule-following and normative behavior in general, which provides the perfect hook for the next chapter, where he applies his theory to computation and information theory. In short, he argues in that chapter that perspectival contents are necessary to understand the very notion of information, and that “all information flow, whether natural or the product of human intentions, ultimately bottoms out in perspectival contents.” (p. 134).
In the sixth chapter, Ludlow argues for what he calls A-series and B-series compatibilism. This is the thesis that we can combine the immutable ordering of events in time (the B-series) with the tensed series of events (the A-series) without generating puzzles. Again, he draws on his earlier work on the dynamic lexicon (Ludlow 2014) and relates it to his theory of perspectival contents to explain how that is possible. He claims that both the B-series and the A-series are needed to account for the passage of time, and perspectival contents and the dynamic lexicon play an essential role in his explanation. Also, he notes that one can endorse his view of the A-series without being a presentist. A detailed argument for this latter claim, however, is found in the appendix. The remaining chapters deal with further metaphysical issues and argue that perspectival contents cannot be eliminated even from science, both in its practice and in its theories.
In sum, Ludlow’s book puts forward provocative claims and an interesting and novel theory of perspectivality. The amount of ground covered in such a relatively short book is admirable. Even if it is not all that clear that Ludlow’s theory can explain everything it is meant to explain – after all, its ambitions are far from humble -, his arguments, objections and examples are vivid and persuasive, and they cannot be ignored by philosophers working on these issues. Philosophically inclined computer scientists, information theorists and physicists might also find the book an interesting read.
References
CAPPELEN, H., AND DEVER, J., 2013. The Inessential Indexical. Oxford: Oxford University Press. [ Links ]
LARSON, R., AND LUDLOW, P., 1993. “Interpreted Logical Forms.” Synthese 95, 305-56. [ Links ]
LUDLOW, P., 2014. Living Words: Meaning Underdetermination and the Dynamic Lexicon. Oxford: Oxford University Press . [ Links ]
LUDLOW, P., 2000. “Interpreted Logical Forms, Belief Attribution, and the Dynamic Lexicon.” In. K.M. Jaszczolt (ed.), Pragmatics of Propositional Attitude Reports. Elsevier Science, Ltd. [ Links ]
MORGAN, D. 2019. “Temporal indexicals are essential”. Analysis 79 (3):452-461. [ Links ]
STRAWSON, O. 1959. Individuals: An essay in Descriptive Metaphysics. 7th Edition, New York, Routledge. [ Links ]
Notas
1An exception is Morgan (2019).
2Cf. Larson & Ludlow (1993) and Ludlow (2000).
3Cf. Ludlow (2014).
Filipe Martone – University of Campinas Department of Philosophy Campinas, SP Brazil. E-mail: filipemartone@gmail.com
Object Lessons: How Nineteenth-Century Americans Learned to Make Sense of the Material World – CARTER (THT)
CARTER, Sarah Anne. Object Lessons: How Nineteenth-Century Americans Learned to Make Sense of the Material World. New York: Oxford University Press, 2018. 216p. Resenha de: BICKFORD III, John. The History Teacher, v.52, n.3, p.523-524, may., 2019.
Imagine a class exploring and classifying objects like archivists in a museum. Students’ thinking shifts from observation to inference as items are considered and reconsidered; the teacher guides attention towards concealed, unnoticed, or misunderstood aspects. Sarah Anne Carter’s Object Lessons details how nineteenthcentury American teachers used common items as catalysts for learning.
Object lessons, in their simplest form, appear as the teacher positions students to analyze and organize. Heuristics were taught and scaffolded, with the intent to teach how to think, not what to remember. Students scrutinized the minutiae for meaning and systematized their findings: natural or assembled, animal or plant, organic or inorganic, to list a few. Learners’ abstract thinking generated multifaceted understandings about the origins and avenues of familiar, overlooked objects (Chapters 1 and 2). The history and iterations of this interdisciplinary, inquirybased pedagogy are traced from Old World Europe to antebellum New York and the postbellum South; the reader follows the evolution of object lessons from classrooms into fictional stories and the trade cards, magazine advertisements, and street posters of political campaigns and business adverts (Chapter 3). Carter’s book is accessible, evocative, and engaging, much like the objects that form the book’s footing.
Object Lessons has import for scholars and teachers of distinct disciplines. Carter’s work contributes to the fields of American Studies, American history, and the history and foundations of American education. Education foundations researchers will recognize the ingenuity of having students interrogate windows, ladders, chairs, granite, tin, and other everyday objects for interconnections and manifest labor in their construction and relocation. Educational philosophy scholars will appreciate the epistemological and ontological assumptions in an ancestor of cognitive constructivism and sociocultural theory—prior knowledge impacts interpretations of new information; understandings are contextually contingent and emergent; evocative catalysts coupled with age-appropriate scaffolding sparks criticality; and through observation and reflection, teachers can better understand how students construct, organize, and articulate understandings. English teachers will identify a myriad of critical thinking and literacy opportunities, like close readings, text-based writing, and intertextual connections between diverse sources. Early childhood experts will spot the elicitation of curiosity in the hands-on, minds-on inquiry of a forebear of the Reggio Emilia approach and Montessori education. Educational psychologists will identify the cognitive tasks—analysis, synthesis, and evaluation— as students’ schema is refined with new experiences and understandings. Teachers will be reminded of education’s cyclical nature: inquiry, criticality, disciplinary literacy, interdisciplinary themes, and a relevant curricula that refine students’ prior knowledge all appeared within nineteenth-century object lessons and in twentyfirst- century educational initiatives. History teachers, especially, will likely find a treasury of new ideas. History students can engage in object lessons to experience the novelty, to recognize the austerity of nineteenth-century American schooling, and to illumine nineteenth-century America’s racial and social hierarchy (Chapter 4).
To highlight one example, the book features a detail-laden photograph of a white teacher leading a class of African American students examining a Native American. Carter unpacks this living object lesson to consider the accompanying ethical considerations along with a myriad of misrepresentations and anachronisms (pp. 113-114). Modeling how teachers were to guide scrutiny through interjection of obscure yet important details at opportune times, Carter points out how the school name of Hampton Institute, located in the photograph’s title, would mean little to students. The Hampton Institute was founded to train newly freed African Americans for service for which its most famous alumnus, Booker T.
Washington, would later be synonymous. Not grounded in literacy, object lessons complemented Hampton students’ training in gardening, farming, washing, and ironing. Photographs of Hampton’s newly freed African Americans learning to labor can offer an aperture through which twenty-first-century inhabitants can view America’s nineteenth-century past.
Object lessons ebbed, as Carter details, towards the nineteenth century’s end as new trends with differing emphases emerged. Traces of object lessons have remained or have reemerged at times. As Carter argues, “That some nineteenthcentury Americans learned and believed that things and pictures could stabilize or even crystallize ideas, however simple, should be part of the history of ideas in the United States” (p. 137).
John H. Bickford III – Eastern Illinois University
[IF]State Building in Boom Times: Commodities and Coalitions in Latin America and Africa – SAYLOR (RBH)
Os fatores históricos relacionados à construção de instituições públicas mais fortes têm sido sistematicamente estudados em muitas disciplinas. No entanto, as condições e os processos históricos que fortaleceram certas instituições públicas em alguns países, mas não em outros, permanecem pouco compreendidas. State Building in Boom Times suscita novo interesse por esse tema ao analisar as condições para a construção do Estado para além da Europa. Com esse objetivo, o livro destaca o papel dos setores exportadores de matérias-primas no fortalecimento das instituições públicas durante períodos de forte crescimento econômico. Leia Mais
Eugenics: a very short introduction | Philippa Levine
Eugenics: a very short introduction, de Philippa Levine, publicado pela Oxford University Press em 2017, tem dimensões modestas, mas presta um belo serviço ao tratar de assunto tão controverso e espinhoso. Os recentes estudos sobre o tema no Brasil e a constante associação entre eugenia e nazismo fazem com que o debate não seja novidade e a publicação de livros que abordem os movimentos eugênicos não seja uma surpresa. Mas, em tempos de radicalismos, intolerância de gênero, racial, social, posições políticas exacerbadas, polarizações e extremismos, a eugenia, toda a rede construída ao redor de seu movimento, seus usos, sua aplicação, suas conseqüências e suas permanências, torna-se assunto de extremo interesse e é essencial que seja sempre revisitado e discutido.
O livro faz parte da coleção “A very short introduction”, publicada desde 1995; atualmente com cerca de 450 títulos, tem como proposta a apresentação dos mais variados temas, de forma “acessível e estimulante”, bastante semelhante à série “O que é” publicada no Brasil pela Editora Brasiliense. Philippa Levine é professora do departamento de História da Universidade do Texas, com vasto currículo e experiência em pesquisa sobre eugenia e temas correlatos.1 Leia Mais
Women as Foreign Policy Leaders: National Security and Gender Politics in Superpower America – BASHEVKIN (REF)
BASHEVKIN, Sylvia. Women as Foreign Policy Leaders: National Security and Gender Politics in Superpower America. Oxford: Oxford University Press, 2018. Resenha de: SALOMÓN, Mónica. La política exterior ya no es cosa de hombres. Revista Etudos Feministas, Florianópolis, v.27, n.2, 2019.
¿En qué medida las mujeres que ocupan altos cargos en el poder ejecutivo representan a las mujeres como un todo o categorías específicas de mujeres? ¿Qué nos dice el desempeño de mujeres con responsabilidad en la conducción de la política exterior y de seguridad de sus países – y, específicamente, de los Estados Unidos – en relación a la discusión sobre la supuesta mayor disposición al pacifismo de las mujeres en comparación con los hombres? ¿Las decisiones de esas mujeres son evaluadas con los mismos criterios habitualmente empleados para juzgar a sus homólogos masculinos?
Women as Foreign Policy Leaders avanza en las respuestas a esas y a otras instigadoras preguntas centrales en las discusiones del campo de conocimiento de género y política y en sus intersecciones con otras áreas, como los estudios sobre seguridad internacional, la historia diplomática o el análisis de política exterior. Lo hace a través del estudio de las trayectorias vitales y políticas de cuatro mujeres que ocuparon altos puestos diplomáticos en los Estados Unidos: Jeane Kirkpatrick, embajadora ante la ONU durante la administración Reagan; Madeleine Albright, primera embajadora ante la ONU y luego secretaria de estado con Bill Clinton; Condolezza Rice, consejera de seguridad nacional en el primer mandato de George W. Bush y secretaria de estado en el segundo mandato y por último Hillary Clinton, secretaria de estado en el gobierno Obama. Leia Mais
Slave Traders by Invitation: West Africa’s Slave Coast in the Precolonial Era | Finn Fuglestad
“Traficantes de escravos por convite”: esse é o título do livro de Finn Fuglestad, professor da Universidade de Oslo. Antes desse trabalho, Fuglestad era mais conhecido por seu livro A History of Niger, publicado em 1983.1 Entre as duas obras, o autor publicou diversos capítulos de livros e textos de referência sobre história africana. Ou seja, estamos falando de alguém bastante experimentado nos meandros desse campo de estudos. Leia Mais
Phenomenology of Illness – CAREL (FU)
CAREL, Havi. Phenomenology of Illness. Oxford: Oxford University Press, 2016. Resenha de: LOPES, Marcelo Vieira. Fenomenologia da enfermidade. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.20, n.1, p.111-112, jan./abr., 2019.
A enfermidade certamente desempenha um papel substancial na existência humana. É-nos difícil imaginar uma vida totalmente desprovida de enfermidade e de suas consequências. De forma surpreendente, a filosofia contemporânea desconsiderou a importância de uma análise rigorosa destas experiências. Existiria algo assim como um método capaz de auxiliar na compreensão do significado da enfermidade? Esta é a tarefa proposta por Havi Carel neste excelente Phenomenology of Illness, de 2016.
Havi Carel é professora na Universidade de Bristol e no seu currículo constam títulos como Illness (2008, 2013) e Life and Death in Freud and Heidegger (2006). Para além da experiência profissional na área, Carel sofre de uma doença pulmonar rara que, veremos, não é uma informação irrelevante no contexto e método adotado nesta obra. Estão presentes aí os elementos metodológicos para desenvolver uma fenomenologia da enfermidade, divididos em nove capítulos.
O capítulo 1 fornece a justificativa do método fenomenológico como ferramenta de análise da enfermidade. A enfermidade (illness) será entendida como a experiência em primeira pessoa do processo de adoecimento e traz consigo uma transformação da experiência corporificada (p. 15). Tal fenômeno se apresenta através das rupturas nos hábitos, expectativas e capacidades de uma pessoa desestabilizada em sua corporificação normal.
O capítulo 2 fornece a análise de cinco temas inter-relacionados a partir das características fenomenológicas do corpo. O primeiro investiga uma série de perdas que estruturam a experiência da enfermidade (p. 41). A distinção fenomenológica entre Körper e Leib fornece o aspecto corporal correlato à distinção entre doença e enfermidade. O terceiro passo analisa os níveis objetivo, subjetivo e intersubjetivo da experiência corporal, a partir da obra de Sartre. O quarto passo envolve a análise da ruptura da transparência do corpo em função da dor e desconforto na enfermidade. Por último, Carel analisa a enfermidade a partir da analogia com o utensílio avariado, desde a perspectiva heideggeriana. Essa analogia mostra-se falha, uma vez que, diferentemente do utensílio quebrado, o corpo enfermo não pode ser substituído.
O capítulo 3 identifica as perdas implicadas no declínio corporal decorrente da enfermidade. São apontadas as limitações, dificuldades e a mudança de perspectiva do enfermo. A noção heideggeriana de “poder-ser” (Seinkönnen) desempenha um papel importante. Se a experiência da enfermidade fornece situações de dependência, insuficiência e incapacitação, segue-se a necessidade de uma reconsideração de um “poder-ser” indiscriminado (p. 76). Carel sugere uma ampliação dessa noção de modo a incluir capacidades radicalmente diferentes, bem como a consideração de um não-poder-ser, isto é, o reconhecimento de uma incapacidade intrínseca à existência humana.
O capítulo 4 examina uma experiência nuclear da enfermidade, a chamada dúvida corporal, que indica o rompimento da certeza tácita do funcionamento normal do corpo (p. 86). A dúvida corporal implica uma modificação radical da experiência, ao pôr em questão capacidades básicas inerentes ao funcionamento do próprio corpo. Internamente a est a ruptura surgem modificações e perdas de continuidade, transparência e confiança no próprio corpo.
O capítulo 5 é, certamente, o mais impressionante de todo o livro. Mesmo se tratando de uma obra técnica, é difícil não se comover com a descrição pessoal da falta de ar (breathlessness). Carel sofre de lymphangioleiomyomatosis, uma limitação pulmonar rara, que lhe permite extrair os elementos para uma análise estrita em primeira pessoa. As descrições do sentimento de sufocamento, incapacidade de respirar e o medo de um colapso dimensionam o significado desta experiência. Ao mesmo tempo, são elencadas as consequências experienciais da enfermidade: a retração de mundo acompanhada da perda de liberdade e capacidade de escolha e controle. É possível encontrar uma mudança estrutural na experiência de um “eu posso” para um “eu não posso mais” (p. 111). As implicações dessa mudança modal na estrutura da existência implicam uma série de reações psicológicas como desespero, ansiedade e desesperança. A falta de ar, diferentemente de um mero sintoma, fornece assim o horizonte constante que molda por completo a experiência do paciente com problemas respiratórios (p. 128).
O capítulo 6 investiga a possibilidade do bem-estar na condição enferma. Existem, afinal, aspectos positivos desta condição? Não obstante o mal-estar corporal, a enfermidade fornece experiências que podem, porventura, promover edificação e crescimento pessoal. Uma das condições para o bem-estar consiste em uma capacidade de resiliência vinculada ao momento presente (p. 140). Por outro lado, a condição enferma implica uma preocupação constante com o futuro daquele que padece, constituindo um fator estressor, na medida em que produz angústia sobre o tratamento, a progressão da doença e, em última instância, a morte.
A morte é o tema do capítulo 7. Se a enfermidade é entendida como um tipo de incapacidade, a morte, então, é o fechamento das possibilidades do enfermo. Carel aborda o conceito de morte em Heidegger com vistas a uma abordagem relacional. É necessário entendê-la não mais como uma experiência solitária, mas que pode vir a ser compartilhada, visando uma melhoria na compreensão da experiência da enfermidade e da própria mortalidade constitutiva da experiência humana.
O capítulo 8 trata de uma questão relativa à avaliação dos relatos de enfermidade em primeira pessoa. Relatos sobre a própria experiência tendem a ser mal compreendidos, ignorados ou rejeitados em contextos de tratamento. Esse fenômeno constitui o que Miranda Fricker chamou de “injustiça epistêmica” e é referente à desconsideração do falante em sua capacidade de conhecimento sobre seu próprio est ado experiencial. Como resposta ao problema, Carel apresenta a chamada caixa de ferramentas fenomenológica, que consiste em: 1. Suspender a crença na realidade objetiva da doença, desvelando como a enfermidade aparece para a pessoa enferma; 2. Tematizar a enfermidade tornando explícitos alguns de seus aspectos particulares; 3. Examinar como est es aspectos modificam o ser no mundo da pessoa enferma (p. 197). O objetivo é promover a melhoria na capacidade de expressão de experiências pessoais únicas, em vez de uma adaptação forçada a expectativas médicas e culturais.
No capítulo final a atenção volta-se para o outro polo da relação entre filosofia e enfermidade. Como a enfermidade pode vir a iluminar a prática filosófica? Na medida em que promove uma reflexão sobre o significado de uma vida digna, o componente filosófico da enfermidade est aria, ao menos em princípio, assegurado. Seu apelo filosófico, porém, é direto e não-teórico. Em outras palavras, a enfermidade pode ser integral à prática filosófica, seja influenciando seus métodos, seja modificando a própria concepção de filosofia e/ou aumentando a urgência de determinados tópicos. Neste último e excepcional capítulo, a enfermidade surge como uma espécie de método filosófico compulsório. Método est e que é capaz de iluminar a normalidade através de sua contrapartida patológica (p. 226). O argumento final provém da comparação da filosofia atual com as práticas antigas do filosofar, dotadas de um apelo transformativo relativo ao sofrimento intrínseco à vida humana. É necessário, segundo Carel, que retomemos em parte essa tradição para uma melhor compreensão do caráter transformador intrínseco à enfermidade.
Trata-se de uma obra extremamente frutífera em termos de análise e que preenche uma lacuna considerável nos estudos sobre enfermidade, seja em seu aspecto teórico ou prático. A obra é altamente recomendável para aqueles que buscam uma compreensão da enfermidade em seus aspectos experienciais. Da mesma forma, aqueles interessados no aspecto transformativo e existencial que a filosofia pode ainda oferecer certamente encontrarão neste Phenomenology of Illness uma grande obra.
Marcelo Vieira Lopes – Universidade Federal de Santa Maria. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: marcelovieiralopes16@gmail.com
[DR]
Frozen empires: an environmental history of the Antarctic Peninsula – HOWKINS (RTA)
HOWKINS, Adrian. Frozen empires: an environmental history of the Antarctic Peninsula. New York, NY: Oxford University Press, 2017 7. Resenha de: ANDRADE JÚNIOR, Hermes. Frozen empires. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.11, n.26, p.616-622, jan./abr., 2019.
O continente da Antártida é desconhecido pelas pessoas comuns e pela maioria da comunidade científica. Apenas uma plêiade de pesquisadores, militares, exploradores e aventureiros que agem com objetivos muito específicos conhece as microrrealidades de somente parte do continente, notadamente as áreas de exploração, de comércio, dos pontos de parada e descanso e dos estudos continuados em um lugar onde a natureza é exigente e inóspita para os seres humanos. Esses contrastes trazem muita curiosidade, pois ainda parece ser uma região pouco conquistada, mas não pouco disputada, e essa é a versão deste livro.
O livro em si é um estudo de caso de confluência da macropolítica internacional, especialmente dotada em termos geopolíticos, e com nexos explicativos de fundo ambiental, ou seja, com uso da ciência ambiental. Assume características de um discurso ambiental e geofísico com aparato científico de suporte, sempre amparado por militares estrategistas de todas as nações interessadas na disputa por seu território. O autor, Adrian Howkins, é professor e pesquisador de História na Universidade Estadual do Colorado, EUA.
Mas, por que tanto interesse na região já que é perpetuamente coberta de gelo e neve e sem habitantes nativos? A montanhosa Península Antártica que se estende para o sul em direção ao Polo Sul e que se funde com a maior e mais fria massa de gelo do planeta é, mesmo assim, a região apontada pelo autor como a que tem a história política mais contestada de qualquer parte do Continente Antártico.
O lado ocidental da península provou ser a parte mais acessível da região, como resultado das correntes oceânicas e ventos que mantêm o mar relativamente livre de gelo durante os verões e onde confluem todas as reivindicações de soberania e de sobreposição. Para o leste, onde as reivindicações da Argentina e da Grã-Bretanha, mas não do Chile, se sobrepõem, a região politicamente definida da Península Antártica se estende pelo Mar de Weddell e inclui as plataformas de gelo e gelo ao sul. Para o norte, a região da Península Antártica inclui as Ilhas Shetland do Sul, que são reivindicadas pelos três países, com as Ilhas Órcades do Sul, Ilhas Sandwich do Sul e Geórgia do Sul, que são disputadas pela Grã-Bretanha e Argentina.
É importante salientar que o autor centrou seu estudo na Península Antártica e não no todo do continente da Antártida. Isso, metodologicamente sustenta seu estudo de caso na fluência do exame das evidências, mas também deixa claro que nações (que algumas o autor também categoriza como impérios) tinham a pretensão somente na Península Antártica ou no continente como um todo, afirmando seus interesses enquanto atores de forma explícita em um ou outro território ou na extensão de continuidade de seus territórios.
Howkins sinaliza que nas décadas de 1920 e 1930, por exemplo, os britânicos usaram as “investigações de descoberta” (p.8) biológicas marinhas para produzir informações sobre as baleias que poderiam ser usadas para regular a indústria baleeira de maneira sustentável e, nas décadas intermediárias do século XX, fizeram um uso cada vez mais sistemático de levantamentos e mapeamentos para afirmar seu controle sobre as dependências das Ilhas Falkland.
Assim, desde o início do século XX, Argentina, Grã-Bretanha e Chile fizeram reivindicações de soberania sobrepostas, enquanto os Estados Unidos (a Doutrina Hughes de 1924 se recusou a reconhecer quaisquer reivindicações de soberania à Antártida e, ao mesmo tempo, reservou os direitos dos EUA a qualquer parte do continente) e a Rússia reservaram direitos para todo o continente.
A ameaça de um confronto armado entre a Grã-Bretanha, a Argentina e o Chile era uma grande preocupação para os formuladores de políticas dos EUA, já que os três países eram importantes aliados da Guerra Fria e qualquer conflito entre eles seria bom para a União Soviética. Como consequência, os Estados Unidos assumiram a liderança na promoção de vários planos para trazer uma solução pacífica para a disputa de soberania na região da Península Antártica. Ao procurar equilibrar os objetivos conflitantes de promover seus próprios interesses e promover a paz, os Estados Unidos tentaram avaliar o valor econômico do continente.
No fenômeno deste caso, o tema do meio ambiente está no centro dessas disputas pela soberania, colocando a Península Antártica como cruzamento da história das relações internacionais e da história ambiental na região. Sobre a importância de estudá-lo, estações de exploração científica, segundo Howkins, serviram de fachada e de cobertura aos argumentos para as afirmações de soberania em várias cimeiras, com episódios de confrontações militares abertas, como no Caso das Malvinas/Falklands, que foram vividos diretamente pelo cenário de disputa construído com tais precedentes históricos.
A narrativa apresentada por Adrian Howkins é muito bem escrita e amparada em vigorosas fontes documentais e testemunhais, como um digno trabalho de campo aprofundado para obter um estudo de caso consistente. Munido de fartos documentos catalogados cuidadosamente, fatos e registros históricos bem interpretados, o autor afirma que tem havido uma continuidade fundamental nos modos pelos quais as potências imperiais usaram assuntos do meio ambiente para apoiar suas reivindicações políticas na região da Península Antártica e que essas múltiplas reivindicações e afirmações de direitos que se sobrepunham tornaram a Península Antártica uma das regiões mais disputadas em qualquer lugar do planeta.
Nos jogos de poder, os britânicos, pelo lado dos colonizadores, argumentaram que a produção de conhecimento científico útil sobre a Antártica os ajudou a justificar a sua posse e do outro lado, em tentativa de emancipação, a Argentina e o Chile argumentavam que a Península Antártica pertencia a eles como resultado da proximidade geográfica, da continuidade geológica e de um senso geral de conexão. No entanto, como resultado, apesar dos vários desafios e reivindicações, o autor afirma que nunca houve uma genuína descolonização da região da Península Antártica.
Em vez disso, as afirmações britânicas de que as respectivas entidades estavam conduzindo a ciência “para o bem da humanidade” (p. 8, 21) foram reformuladas pelos termos do Tratado Antártico de 1959 e os “impérios congelados” (p. 16-22) da Antártica, assim denominados pelo autor (o tratado “congelou” (p.21) todas as reivindicações de soberania e reservas de direitos à Antártida, nem as reconhecendo nem as rejeitando), permanecem até hoje no mesmo status.
Na justaposição da aparente hostilidade do ambiente material da Península Antártica com a disputada história política da região, são levantadas uma série de questões. Por que o ambiente aparentemente sem valor e hostil da região da Península Antártica se tornou tão contestado ao longo do século XX? Que papel o ambiente desempenhou na forma como esses conflitos políticos se desenvolveram? E quais foram os resultados e implicações deste conflito? pacífica” intensificou-se no curioso caso chamado de tentativa de descolonização, uma vez que as pretensões do Chile e da Argentina foram abertamente discutidas em ambiente de Guerra Fria, cercado pela mega influência bipolar do mundo EUA-URSS, que obviamente decidiram manter seus interesses no continente antártico e não somente na Península Antártica.
Confirma-se uma história ambiental da descolonização no gelo no continente (PYNE, 2003). No panorama da obra, verificam-se grandes categorias de reinvindicação históricas e historicizantes. Em primeiro lugar, a geopolítica do conhecimento para gerar soberania a ser usada como estratégia dos colonizadores (internacionalismo científico) e, em segundo lugar, o nacionalismo ambiental dos colonizados.
Exemplificando, o interesse argentino e chileno na região desafiava não apenas a posse britânica das dependências das Ilhas Malvinas, mas também a conexão imperial entre o conhecimento ambiental e o poder político. Por um tempo, pelo menos, esse “nacionalismo ambiental” sul-americano (p. 59-82) produziu visões do ambiente antártico que diferiam significativamente do foco da Grã-Bretanha na ciência. Apesar do seu afastamento, a história do conflito entre o imperialismo britânico e o nacionalismo sul-americano na região da Península Antártica conecta-se com a história mais ampla da descolonização de meados do século XX.
Em 1º de dezembro de 1959, doze nações – incluindo Grã-Bretanha, Argentina, Chile, Estados Unidos e União Soviética – assinaram o Tratado da Antártida, que suspendeu todas as reivindicações de soberania e reservas de direitos, e criou um continente dedicado à paz e à ciência. Interpretações tradicionais consideraram o tratado como um importante ponto de virada na história antártica, encerrando em grande parte as lutas políticas do continente e implementando uma nova era do internacionalismo científico, mas também há que se considerar outros focos interpretativos, uma vez que “a ausência de estruturas administrativas formais deixou a natureza jurídica do Tratado da Antártida deliberadamente vaga” (p. 161).
Howkins aplica uma perspectiva mais ampla da história ambiental da região da Península Antártica que sugere que a Antártida continua a ser um ambiente imperial, com a ciência continuando a ser usada para legitimar o poder político. Embora a assinatura do Tratado certamente tenha marcado o declínio do nacionalismo ambiental sul-americano, ele não mudou significativamente a política imperial subjacente do continente. E, embora o Chile e a Argentina nunca tenham desistido de proclamar seus direitos territoriais à região da Península Antártica, eles começaram a aceitar a conexão entre ciência e poder político e abandonaram em grande medida o nacionalismo ambiental das décadas de 1930, 1940 e 1950. Desde a sua ratificação em 1961, o envolvimento da Argentina e do Chile se mostrou importante na defesa do Tratado da Antártida de acusações de exclusividade. Fica a lembrança de que a conexão entre ciência e soberania usada pela Grã-Bretanha para justificar suas reivindicações às dependências das Ilhas Malvinas foi criticada pelo nacionalismo ambiental que, ao invés de competir com as mesmas armas que não estariam disponíveis, procurou outras formas não científicas de usar o ambiente antártico para promover a propriedade.
Na sua explanação, o autor prova que novas descobertas eram frequentemente feitas na península, sendo nomeadas e descritas por expedições imperiais, com poucas narrativas concorrentes. Com o tempo, com a construção de estações de pesquisa britânicas e através de vários esquemas para desenvolver o ambiente antártico, as percepções da região da Península Antártica como um ambiente imperial contribuíram para moldar sua realidade material. Certamente havia limitações às afirmações britânicas de autoridade ambiental e à construção da região da Península Antártica como um ambiente imperial. As pretensões britânicas de entender, simplificar e controlar a Antártida poderiam frequentemente parecer ridículas em face da vastidão da região e de sua hostilidade à presença de seres humanos e seus mares congelados, fendas, tempestades e maremotos. Nos dias de hoje, as afirmações britânicas de autoridade ambiental mostraram-se poderosas na construção da região da Península Antártica como um ambiente imperial. Nomes de lugares britânicos continuam a ser usados; a ciência tornou-se uma atividade normativa e é difícil pensar na região sem alguma referência às expedições científicas do início do século XX.
Em sua conclusão, o autor afirma que, infelizmente, para o nacionalismo ambiental chileno e argentino, os dois países sul-americanos nunca chegaram a um acordo sobre quem detinha o quê no continente sulista. Como consequência, o desafio ao imperialismo britânico foi significativamente enfraquecido. É interessante especular o que poderia ter acontecido com a história da região da Península Antártica se o Chile e a Argentina tivessem chegado a um acordo sobre suas respectivas reivindicações; isso, no mínimo, teria dado a outros países simpáticos à sua causa anti-imperial algo a reconhecer. No entanto, os diplomatas chilenos e argentinos se viram gastando quase tanto tempo competindo entre si em reivindicações, lutando contra o imperialismo britânico.
Mais amplamente ainda, traz uma reflexão final de que o argumento para a continuidade imperial na história ambiental da região da Península Antártica poderia ser usado como modelo para pensar sobre as políticas ambientais de outras partes do mundo, especialmente em lugares diretamente influenciados pelas histórias do imperialismo europeu e da descolonização.
Afirmações da autoridade ambiental podem ser vistas como uma poderosa ferramenta política em muitas questões importantes, em muitas partes do mundo, e este livro provou isso. É leitura recomendada para todos os que querem ter contato com parte pouco conhecida do Atlântico Sul e do continente antártico, em especial no que tange aos países latino-americanos do Mercosul como o Brasil, que viveu, mesmo na neutralidade da Guerra das Malvinas em 1982, o drama de ter mais uma guerra como dilema das relações internacionais de seus vizinhos, agora parceiros estratégicos.
Referências
HOWKINS, Adrian. Frozen empires: an environmental history of the Antarctic Peninsula. New York, NY: Oxford University Press, 2017.
PYNE, Stephen J. The Ice. London: Weidenfeld & Nicolson, 2003.
Hermes Andrade Júnior – Bacharel em Relações Internacionais. Doutor (D. Sc.) pela Escola Nacional de Saúde Pública (FIOCRUZ). – Pós-Doutorado na Universidade Católica Portuguesa (UC/FFCS/CEFH). Braga – PORTUGAL. E-mail: handradejunior@gmail.com.
The reinvention of Atlantic slavery: technology – labor – race and capitalism in the Greater Caribbean | Daniel B. Rood
There has been a revival of the capitalism in the United States since the great recession of 2008. The New Historians of Capitalism (NHC) have created new academic programs and departments at Harvard, Cornell, Brown and the New School for Social Research. This is welcome relief from the “linguistic turn”, returning historical inquiry to the systematic investigation of social and economic structures. However, the New Historians insist that in order to reinvent the study of capitalism, they must abandon any attempt to specify what they mean by capitalism [3]. However, as Althusser argued – “silences are not innocent” -, the New Historians do have an implicit conceptualization of capitalism. Essentially, they adapt Adam Smith’s notion of “commercial society” [4], where capitalism is any economy geared toward profit maximization through productive specialization and market exchange. They also include among capitalism’s features as warfare, finance and legal-physical coercion in the appropriation of surplus labor. Put another way, the New History of Capitalism identifies capitalism with social processes like trade, finance and violence, which have existed for most of the last eight to ten thousand years.
This implicit understanding of capitalism contrasts with most Marxian accounts which view capitalism as a distinctive set of social property relations (social relations of production) with specific rules of reproduction (laws of motion) [5]. From this perspective, capitalism is the first form of social labor in which both non-producers (capitalists) and producers (workers) reproduce themselves through market competition. Capitalists are thus compelled to specialize output, continually introduce labor-saving technology, and accumulate capital in order to reduce costs and maximize profits in a competitive “war of all against all.”
Not surprisingly, the New History of Capitalism has radically altered the study of new world plantation slavery. Walter Johnson, Edward Baptist and Sven Beckert [6] argue that new world slavery was not some atavistic throwback to pre-capitalist societies, but a thoroughly capitalist form that was the foundation to the development of industrial capitalism in both Britain and the United States in the late eighteenth and early nineteenth century. Despite their commonalities, there is considerable debate among these historians about the respective role of physical coercion and technological innovation in the increases in productivity of slave labor, in particular in the harvesting of cotton in the antebellum United States [7]. Daniel Rood’s The reinvention of Atlantic slavery clearly situates itself in the emerging cannon of the New History of Capitalism on plantation slavery, while coming down clearly on the side of those who argue that the master-slave relation was no obstacle to the introduction of labor-saving technology during the “second slavery” of the nineteenth century.
The “second slavery” refers to the revival of plantation slavery in the nineteenth century, after the “colonial slavery” of the seventeenth and eighteenth centuries ended with the Haitian Revolution, the British attempt to suppress the Atlantic slave trade, and the gradual emancipation of slaves in the Jamaica and other British colonies. Most studies of the “second slavery” focus on the US slave produced cotton providing the raw material for British industrialization [8] and Cuban and Louisiana plantations providing the sugar that began to substitute for other, more nutritious and expensive foods in the diets of British workers [9] Rood broadens this discussion by incorporating the “Great Caribbean” nexus between Cuba, Brazil and the upper US South, in particular Virginia.
Faced with sharpening competition from European beat sugar producers and US and British tariffs, Cuban cane sugar planters “responded by adapting European industrial technologies, combining planting with finance, taking control of modern transport infrastructure, and vanquishing small landholders to grab a larger share of the market” (p. 2). The transformation of Cuban slavery forged new connections with the upper US South, which provided extensive engineering and technical expertise to build mills and railways and slave cultivated wheat to feed the island. Simultaneously, the shift in Brazilian slavery from declining sugar plantations in the northeast to more dynamic coffee cultivation in the southeast created new ties with Virginia wheat planters and railway engineers. Throughout this “Great Caribbean” nexus, new labor-saving technology was applied to both production and transportation, and the “race management” of labor was transformed as African slaves’ practical knowledge was appropriated to “creolize” new machinery, and planters began to use new forms of coerced labor, in particular Chinese indentured servants.
Rood begins by retelling the now familiar story of the transformation of the Cuban sugar refining mills and the construction of railroads during the 1830s and 1840s [10]. Faced with increased global competition, Cuban sugar planters built railroads to quickly transport cut cane to the mills from their ever expanding plantations before it spoiled, introduced steam powered crushing of the cane, and replaced the labor-intensive Jamaica train with the vacuum pan in the refining of white sugar. Rood breaks new ground with his investigation of innovations in the preservation of white sugar, where racially ‘tinged” science that assigned manual labor to “darker” people is linked to the struggle to preserve the “purity” of sugar for the US and European markets. His discussion of the transformation of the port of Havana is especially insightful. Havana had experienced a shift from the dominance of middling merchants, whose profits depended upon storage fees, and sales commissions, to a “new generation of Spanish-born elite merchant-planters” whose income came “from buying and selling sugar on the world market, financing illegal slaving voyages, and underwriting sugar-mill operations” (p. 67). To facilitate their new role in the global sugar trade, these merchant planters rebuilt the ports in Havana, introducing railway depots, constructing new warehouses and mechanizing the ports in order to keep “sugar in gentle but unceasing movement” (p. 67). While profiting from the increased speed of circulation, the merchants also remade the port work force replacing black (free and slave) workers with Europeans and Chinese laborers.
Railroad construction in both Cuba and Brazil in the mid-nineteenth century created new connections with the upper South. Rood details how Virginia construction engineers and their slaves were essential to the construction and operation of railroads in new, tropical terrains in the “Great Caribbean”. Skilled slaves were crucial, in the upper US South, Cuba and Brazil in constructing rail lines and operating them – despite widespread planter and merchant fear of relying upon these bonded, racialized workers. The spread of railways also created a new, modern iron industry in the upper South. The Tredgar Iron Mills in Richmond, Virginia was one of the largest and most technologically advanced iron producers in the US, relying on the labor of slaves leased by the mill owners from their owners.
The mid-nineteenth century also saw the shift in the center of Brazilian slavery from the increasingly uncompetitive sugar plantations in the northeast to the highly profitable coffee plantations in the southeast, the hinterland of Rio de Janeiro. Again, railroad construction, often by US trained engineers, was central to the expansion of the coffee frontier. As the population of Rio grew, and more and more lands were shifted from the production of foodstuffs for domestic consumption to the cultivation of coffee for export, a new market emerged for the fine white flour produced in Virginia. In the early nineteenth century, Virginia planters began to shift from tobacco to wheat, breaking up their plantations and selling off excess slaves to the booming cotton frontier of the US southwest. By the 1840s and 1850s, the growing Brazilian demand for high quality white flour transformed both flour-milling technology and the preservation and storage of white flour in the Richmond area. The Richmond mills continued to rely on water-power but were relatively capital-intensive and utilized the labor of skilled, leased slaves.
The deepening Virginia-Rio nexus also transformed the harvesting of wheat in Virginia. Rood reveals how the expanding wheat farms of the Shenandoah Valley were the incubator for Cyrus McCormick development of his mechanized grain reaper in the 1830s and 1840s. Ripened wheat has an especially short window before it spoils, placing tremendous pressure on wheat producers to harvest and thresh the wheat as quickly as possible. Rood outlines how McCormick relied on the labor of skilled slave black smiths, wheat cradlers, and carpenters in the development of the harvesting machine that would radically transform US small grain agriculture in the mid-nineteenth century.
Rood’s book bring important new insights to the history of the “second slavery” by broadening its scope beyond the US cotton-Cuban sugar-British textile industry node, to include the “Great Caribbean” nexus of Cuban sugar-upper South technical expertise, iron and wheat-Brazilian coffee. His accounts of the transformation of the port of Havana, and of wheat cultivation and processing in Virginia are important additions to our historical knowledge. However, the book suffers from a number of conceptual and historical problems.
First, Rood uses the term “creolization” to discuss the adaptation of technologies to specific production processes in specific geographic-ecological locations. While Rood reestablishes the role of slaves in the adaptation of existing techniques in railroad construction, flour milling and farm implement construction, he sometimes implies that there is something unique about the pragmatic sharing of experimental information on technology among agricultural and industrial producers. This was actually quite typical of technical innovation before the late nineteenth century, when miners, skilled artisans and midwives were often the most important figures in the development and application of scientific knowledge [11]. It was only during the second industrial revolution (steel, chemicals, electrical power-machinery) of the 1890s, that capital took control of scientific research with the proliferation of “research and development” departments in major corporations.
Rood’s use of “race management” is also problematic. As developed by David Roediger and Elizabeth Esch [12], race management referred to the pragmatic way in which the ideological notion of race (the division of humanity into groups with distinct and unchangeable characteristics) is used to classify and distribute workers into various positions in the production of commodities. These categories were highly flexible in light of the ever-changing demands of the market-driven production of commodities. Rood tends to emphasize the racial anxieties experienced by slave owners as technology changed labor-requirements, but has little to say about how they adapted their “racial theories” to meet the new requirements of production. This often goes hand in hand with important errors in analyzing the impact of new techniques on labor requirements. Specifically, Rood reiterates Moreno Fraginals’ claim that the introduction of the vacuum pan raised the level of skill and knowledge required in the refining of sugar, creating a crisis of “racial management.” As Dale Tomich points out [13], it was the earlier technology – the Jamaica Train – that relied heavily on the intelligence and experience of skilled slaves. The vacuum pan, by automating the process of sugar refining, actually deskilled labor in that phase of sugar production.
The greatest problems with Rood’s analysis flow from his uncritical acceptance of the New Historians’ common sense that slavery was a capitalist form of production. There is no question that slave-owners in the US were, for the most part, subject to “market compulsion.” Slave holders throughout the new world had to borrow capital to purchase their basic means of production – land and slaves. In the British colonies and most of the southern United States faced the loss of land and slaves if they failed to pay these debts. Put in another way, they were subject to what John Clegg has called “credit market discipline” [14] – they had to successfully compete in the global market in order to preserve (no less expand) their ownership of land and slaves. Rood never makes the case that Cuban planters faced these constraints, or whether, like French colonial planters, they were exempt from the loss of land and slaves for the failure to pay debts [15] Clearly, those planters subject to “credit market discipline” sought to cut costs in order to remain competitive – they sought to adapt the most up to date innovations in crop varieties, fertilizers, tools and methods.
The master-slave social property relation, however, prevented the planters from continually adapting the latest, labor-saving tools and methods [16]. The obstacle to the continuous adaptation of labor-saving techniques was not any lack of motivation or skill on the part of their bonded laborers. Instead, it was the reality that slave-holders did not purchase the labor-power of the slaves (their ability to work for a set period of time), but the laborers as “means of production in human form”. Put in another way, the slave was a form of fixed capital – a constant element of the production process that could not easily be expelled from production in order to facilitate the relatively continuous introduction of techniques that improved labor productivity. So, if planters introduced cost-cutting techniques that saved labor, they would not be able, like their capitalist counterparts, to simply lay that labor off. They would be stuck with continuing ownership of the laborer(s), having to keep them around until they could find purchasers for their surplus slaves.
It is true that, like other non-capitalist forms of social labor, slavery did bring about episodic improvements in productivity. However, unlike under capitalism, which tends to spur more or less ongoing technical change, innovation under slavery had a “once and for all” character [17]. Thus, the introduction of labor-saving techniques in Cuban sugar production and shipping, or in Virginia wheat cultivation did not set off a process of continuous technical innovation. Like other technical innovations under slavery, they corresponded to the introduction of new products or the movement of production to a new frontier. Once established, these new labor-processes remained relatively unchanged until new products were introduced, new geographic regions were brought under production, or slavery as a form of social labor was abolished. Those industries where there was continuous technical innovation, Virginia’s iron works and Rio’s bakeries, utilized leased slaves. Leased slaves were, like indentured servants, a form of legally coerced wage labor. Those who leased slaves essentially purchased their labor-power for a set period of time, and could easily expel that labor when new, more productive tools and methods became available.
The limitations the master-slave social property relation on continuous technical innovation is most evident in the case of the mechanized reaper. While Rood’s discussion of how McCormick’s initial motivation was to revolutionize Virginia’s wheat harvests is quite insightful, he never poses the question of why McCormick abandoned Virginia for Chicago when he turned to mass producing his mechanical reaper. Rood recognizes that there were serious obstacles to the diffusion and generalized adaptation of the reaper in Virginia’s slave based agriculture. Rood acknowledges that two large wheat planters who adapted the reaper found themselves “burdened by the presence of too many workers” (p. 189). Unlike wage laborers who could easily be laid-off when they were no longer needed, slave owners had to maintain their slaves in order to preserve their value as “means of production in human form”. While the wheat producers of Virginia were a relatively narrow market for the mechanical reaper, the petty-capitalist family farmers of north were an ever expanding market for the reaper and other labor-saving tools and machinery18. Not surprisingly, despite his personal sympathy for slavery, McCormick relocated his factory to be closer to his customers in the dynamic capitalist north.
Referência
ROOD, Daniel B. The reinvention of Atlantic slavery: technology, labor, race and capitalism in the Greater Caribbean. New York: Oxford University Press, 2017
Notas
3. ROCKHMAN, Seth. What makes the history of capitalism newsworthy? Journal of the Early Republic, n. 34, p. 442, Fall 2014. Similar arguments are made by most of the participants, including BECKERT, Sven. Interchange: the history of capitalism. Journal of American History, 101, n. 2, p. 503-36, September 2014.
4. SMITH, Adam An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations. New York: Modern Library, 1937 [1776].
5. The concepts of social-property relations and rules of reproduction are derived from the work of BRENNER, Robert. Property and progress: where Adam Smith went wrong. In: WICKHAM, Chris (ed.). Marxist history-writing for the twenty-first century. London: British Academy/Oxford University Press, 2007. p. 49-111. Brenner’s work, of course, is rooted in Marx’s mature work in the three volumes of Capital.
6. JOHNSON, Walter. River of dark dreams: slavery and empire in the cotton kingdom. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2013; BAPTIST, Edward. The half has never been told: slavery and the making of American capitalism. New York: Basic Books, 2014; BECKERT, Sven Empire of cotton: a global history. New York: Alfred A. Knopf, 2014. For a lengthy discussion of the strengths and weaknesses of these works, see POST, Charles. Slavery and the New History of Capitalism. Catalyst, 1, n. 1, p. 173-192, Spring 2017.
7. Baptist (2014) is the most articulate exponent of the physical coercion/torture thesis, while Alan J. Olmstead and Paul W. Rhode make a convincing case for the role of technical innovation in raising the productivity of slave labor in cotton harvests, in OLMSTEAD, Alan J.; RHODE, Paul W. Biological innovation and productivity growth in the antebellum cotton south. Journal of Economic History, 68, n. 4, p. 1123–71, 2008.
8. Beckert (2014) summarizes this literature.
9. MINTZ, Sidney. Sweetness and power: the place of sugar in modern history. Harmondsworth: Penguin Books, 1985.
10. FRAGINAL, Manuel Moreno. The sugarmill: the socioeconomic complex of sugar in Cuba, 1760- 1860. New York: Monthly Review Press, 1976.
11. CONNOR, Clifford D. A people’s history of science: miners, midwives, and low mechanicks. New York: Nation Books, 2005.
12. ROEDIGER, David; ESCH, Elizabeth. The production of difference: race and the management of labor in U.S. history. New York: Oxford University Press, 2012.
13. TOMICH, Dale. Slavery in the circuit of sugar: Martinique in the world economy, 1830-1848. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1990. p. 199-201, 221-225.
14. CLEGG, John J. Credit market discipline and capitalist slavery in antebellum south Carolina. Social Science History 42, n. 2, p. 343-376, 2018. As it will become clear, I do not believe that market dependence made slaveholders capitalists.
15. BLACKBURN, Robin. The making of new world slavery: from the baroque to the modern. London: Verso, 1997. p. 282-83, 444-45.
16. The following is a summary of my argument in POST, Charles. The American road to capitalism: studies in class structure, economic development and political conflict, 1620-1877. Chicago: Haymarket Books, 2012. Chapter 2.
17. BRENNER, Robert P. The origins of capitalist development: a critique of neo-smithian Marxism. New Left Review 104, p. 36-37, July–August 1977.
18. POST, Charles, 2012. p. 94-97.
Charles Post – University of New York – New York – United States of America. Professor, Sociology, borough of Manhattan Community College and the Graduate Center-City University of New York. E-mail: cpost@bmcc.cuny.edu
ROOD, Daniel B. The reinvention of Atlantic slavery: technology, labor, race and capitalism in the Greater Caribbean. New York: Oxford University Press, 2017. Resenha de: POST, Charles. Capitalist slavery in the great Caribbean? Almanack, Guarulhos, n.19, p. 321-330, maio/ago., 2018. Acessar publicação original [DR]
Proper Names: A Millian Account – PREDELLI (M)
PREDELLI, S.. Proper Names: A Millian Account. Oxford: Oxford University Press, 2017. ix+165p. Resenha de: LO GUERCIO, Nicolás. Manuscrito, Campinas, v.41 n.2 Apr./June 2018.
On his most recent book, Proper Names: A Millian Account (2017, OUP p. 165), Stefano Predelli pursues a defense of the traditional Millian thesis that proper names are non-indexical, rigid devices of direct reference. As he announces at the introduction, his strategy is not to argue directly in favor of the view but to provide a cogent presentation thereof, delimit its scope, dispel its most common misinterpretations and find its place into a wider picture concerning extra-semantic regularities and language use, especially with regard to the role played by a name’s origin and its articulation. The book focuses mainly in ‘referential’ uses of proper names, that is, bare occurrences of proper names in argument position, although considerable attention is paid to predicative uses in some of the last chapters (negative existentials and indirect reports are left aside). The final chapter, somewhat isolated from the previous ones, discusses several subtleties with regard to the occurrences of proper names within works of fiction and presents a novel theory concerning fictional names.
In the first chapters Predelli lays the ground for the rest of the book. Chapter 1 (Preliminaries) covers familiar ground. The author presents a simple indexical intensional language along kaplanian lines, which allows him to perspicuously distinguish between definite descriptions, indexicals and proper names in terms of their behaviour with respect to contexts and points of evaluation (Kaplan’s circumstances of evaluation). There we find a characterization of names as non-indexical, rigid terms of direct reference. In other words, proper names are characterized as endowed with a constant character (a character which, unlike that of indexicals, outputs the same intension at every context) and a constant intension (an intension which, unlike that of definite descriptions, outputs the same extension at every point of evaluation), together with the idea that sentences containing proper names express singular propositions.
The next two chapters (2 and 3) have two main aims: i) to depict a pre-semantic picture about how to represent uses of expressions, specially proper names and ii) to place the account within a wider view concerning the way in which uses of expressions impart information by virtue of extra-semantic regularities. As for the former, Predelli introduces the idea of an expression, namely a term endowed with a syntactic category, a phonological and/or orthographical articulation, and a character, viz. a certain truth conditional contribution. He characterizes articulations as abstract types which can be exemplified by tokens of them, although tokening an articulation does not suffice for bringing up an expression. In order to legitimately represent a token of an articulation as a use of an expression (represented as an expression-context pair, <e, c>) the former has to take place in an appropriate setting, which includes the choice of language, the intentions of the speaker, the expectations of the audience and so on. Thus, a single token of a given articulation can be represented in different ways, but it is only once you choose to represent it as a use of a specific expression (hence as endowed with specific semantic features -e.g. a given character) that semantic evaluation comes into the picture.
To complete his view on the pre-semantics of proper names Predelli presents the basics of what he denominates launching episodes. In typical cases (‘smooth’ cases) a launching episode involves a launching device (namely an articulation), a launching target and launcher with certain intentions, e.g. the intention to create a new word instead of conforming to prior usage. In addition, certain social facts might be required to hold (although not necessarily), like the launcher being in a position of authority and such. Once a launching has taken place in which a certain articulation is conventionally associated with an individual, there can be replicating episodes, i.e. tokens which defer to the original launching episode involving that very articulation as the source from which they inherit their semantic features. The way a given token of an articulation is represented depends on the launching episode on which it rests. Importantly, when a token is appropriately connected with a certain launching episode, it is not merely a token of an articulation but a token of an expression, endowed with a certain syntactic category and character. The important thing for the Millian is then that ‘the inner mechanisms of a replicating episode play a clearly pre-semantic role, namely that of justifying the representation of a certain episode of speaking in terms of an expression-context pair.’ (Predelli 2017, p. 60) (my emphasis)
With regard to ii) Predelli elaborates on a distinction which will be central for the rest of the book, between the evaluation of an expression at a context and the use of an expression in a context. A semantic theory, he claims, should be able to evaluate a given expression w.r.t contexts in which such expression has not been used, as it should become clear by paying attention to sentences like ‘Nobody is speaking’. In light of this, he claims that we must distinguish between the class of all contexts, which is relevant for drawing conclusions about character, and the restricted class of contexts of use, which is not. To take the previous example, ‘Nobody is speaking’ is false in every context of use but, according to Predelli it would be wrong to draw the conclusion that it is false by virtue of its character since there are contexts in which such sentence is true, namely those in which no expression is used. Once this distinction has been drawn, Predelli puts forth the idea of settlement:
An expression e settles the sentence S iff truec(S) for all c ∈ CU(e)1.
which is employed later in the book to account for several phenomena allegedly problematic for Millianism. The general idea is that some contents are neither encoded in the character nor conveyed by means of traditional pragmatic mechanisms (e.g. conversational implicatures) but imparted by virtue of extra-semantic regularities concerning various features of an expressions’ type of use, articulation, origin, etc.
Unsurprisingly, uses of proper names have results of settlement: as with any other expression, on top of encoding a certain truth conditional contribution a use of a proper name imparts some information by virtue of extra-semantic regularities pertaining to its use. By way of illustration: a use of the name ‘Pablo’ (namely the tokening of an articulation as an expression endowed with a certain character, the constant function which outputs Pablo at every context) for example, settles ‘Pablo bears ‘Pablo’’, i.e. for every c ∈ CU(Pablo) it is true at c that Pablo bears ‘Pablo’. Allegedly, by appealing to these kind of considerations one is able to account for traditional problems regarding cognitive value, like the difference between ‘I am Pablo’ and ‘Pablo is Pablo’. On his view, both sentences encode identical truth conditional contents, but uses of the former additionally impart the information that the agent of the context bears ‘Pablo’, while uses of the latter do not. Mutatis Mutandis for ‘Cicero is Cicero’ and ‘Cicero is Tully’: while they both encode the same truth conditional content, uses of the latter impart the information that the bearer of ‘Cicero’ is also a bearer of ‘Tully’, while uses of the former do not. This encourages Predelli to conclude that
…appeals to cognitive value as the starting point for semantic inquiry are, at best, foolhardy. More fundamentally reckless is the attitude according to which cognitive value is primarily a property of expressions, rather than of uses and users-an attitude that makes it almost inevitable to look for character and/or content-based peculiarities behind the intuitive discrepancy between, say, ‘Cicero is Cicero’ and ‘Cicero is Tully’. (Predelli 2017, p. 68)
Now, besides regularities involving the use of expressions, the author highlights several social conventions surrounding the articulations allowed in authorized launching episodes, e.g. the convention that /Alice/ is an articulation reserved for women. Predelli calls the class of these conventions an onomastic, and claims that uses of proper names can be said to impart information w.r.t. a given onomastic in force. In other words, a use of the proper name ‘Alice’ (that we represent <Alice, c>) settleso ‘Alice is a woman’, that is, for every c ∈ CU (Alice) (the contexts of use consistent with the onomastic o), ‘Alice is a woman’ is true at c. Predelli pushes the strategy even further: in addition to regularities of use, like the fact that whenever a name is used a given articulation is tokened, and regularities pertaining to onomastics, like the fact that a certain name it is typically reserved for women, there is encyclopaedic knowledge concerning the circumstances of some launchings which might become more or less widespread among a community. Thus, phenomena which, some have argued, ought to be explained by resorting to the cognitive import of proper names, like the non-triviality of a sentence like ‘Hesperus is Phosphorus’, can be accounted for within this framework as information imparted by their uses. More specifically, the information that the evening star is the morning star is impartede by uses of ‘Hesperus is Phosphorus’ (i.e. ‘the evening star is the morning star’ is true for every c ∈ CUe(Hesperus is Phosphorus) -the class of contexts of use consistent with the encyclopaedic knowledge surrounding those names which is widespread within a community), but it is not impartede by uses of ‘Hesperus is Hesperus’.
This extension of the notion of settlement in order to account for intuitions concerning cognitive value is perhaps one of the most controversial points on Predelli’s account. On the one hand, the author places settlement results within the field of pre-semantics, unlike other non-semantic mechanisms as conversational implicatures, which arguably take place at a pos-semantic level (see Predelli 2017, p. 69). However, settlemento and settlemente results seem to be a pos-semantic business. To be sure, results of settlement are unavoidable: once you decide for a representation of a token of /Alice/ as a use of the name ‘Alice’ -<Alice, c>- (e.g. after a use of the sentence ‘Alice prunes in June’) impartation effects like ‘a proper name is being employed’ and ‘Alice bears ‘Alice’’ follow straightforwardly, in consonance with its alleged pre-semantic nature. By contrast, even after you choose to represent a token of /Alice/ in ‘Alice prunes in June’ as a use of the proper name ‘Alice’ you can either infer that ‘Alice is female’ or that the use is not consistent with the onomastic in force in the community. Put differently, ‘Alice bears ‘Alice’’ follows straightforwardly from the fact that the proper name ‘Alice’ was used and from that fact alone, while ‘Alice is female’ seems to be just something you are allowed to infer in virtue of the fact that ‘Alice’ was used plus some of your background beliefs or knowledge, such as the defeasibly justified belief that the launching of the name conformed to a given onomastic. The point is even stronger when it comes to encyclopaedic knowledge. The encyclopaedic information surrounding the launching of ‘Hesperus’ does not seem to be something imparted by the use of the name by virtue of some of its pre-semantic features, but just general knowledge which comes to mind whenever the name is used. Of course one has the right to call all these different ways of conveying information settlement or impartation, but it seems plausible that standard settlement results work quite differently from settlemento and settlemente ones: the former are plausibly pre-semantic while the latter are arguably not. If this is correct, despite appearances Predelli does not provides a uniform account for results concerning cognitive value of proper names.
Another aim of the book is to dispel some very common but (according to Predelli) erroneous interpretations of Millianism. One of them is the view that for Millians names are arbitrary and unstructured ‘tags’. On Predelli’s view, this is just a misconception: a Millian should be ready to admit that some names like ‘Goldman’ or ‘Outline of a theory of truth’ are both complex and motivated; as long as their truth conditional idleness is acknowledged, Millianism is perfectly consistent with these facts. Another common view is that according to Millianism co-referential names are synonymous. By contrast, Predelli argues that Millianism is consistent with a name’s meaning reaching beyond its truth conditional import (Chapter 5). To show this the author picks up on previous work (see Meaning Without truth, OUP 2013) in order to distinguish both impartation and character from a third dimension of meaning, the bias. In a nutshell, the bias is just genuinely non-indexed settlement: a kind of conventional restriction on appropriate contexts of use which is not constrained to this or that type of use (face-to-face conversation, answer machines, etc.) In light of this, the bias of an expression differs from imparted contents in that it is a part of conventional meaning, but it also differs from character in that it is a non truth conditional dimension of meaning.
With regard to this point, one might wonder whether the ‘genuinely non-indexed settlement’ definition offered by Predelli really captures the difference between impartation and bias. After all, some allegedly imparted contents are arguably settled for every context of use, e.g. ‘There exist, existed or will exist intentional agents’. This point is important because it is supposed to mark the distinction between the pre-semantic level (settlement) and the semantic (although non truth conditional) one. How do we differentiate contents presumably imparted in every context of use by virtue of extra-semantic regularities pertaining to their use from contents presumably imparted in every context of use by virtue of conventional meaning?
Be that as it may, once Predelli’s view about bias is assumed it is clear that co-referential names might have different bias, hence fail to be synonymous. For example, one can imagine a name ‘Alice’ and a nickname ‘Ally’ which co-refer, though appropriate uses of the latter are conventionally constrained to informal contexts (or contexts in which the speaker is familiar with the audience) while appropriate uses of the former are not.
In chapters (6 and 7) Predelli discusses the repercussions for Millianism of some hypothesis concerning proper names which have received much discussion in recent literature. Specifically, he examines the determiner hypothesis, according to which proper names in argument position are syntactically flanked by a determiner, and the predicate hypothesis, which maintains in addition that names are predicates (thus they express a non-constant intension). He finds both consistent with the main Millian tenets.
Concerning the former, the author argues that the Millian can afford it just by making some non-problematic assumptions: she just has to understand the proper name as encoding a non-indexical character and a constant intension with a singleton as its value {{Alice}c = Alice}, while analyzing the determiner as an expletive element. Concerning the latter, Predelli claims that contrary to what supporters of the predicate hypothesis assume, allegedly predicative uses of proper names (e.g. Burge-like examples like ‘Some Alice are crazy, some are sane’) do not contain occurrences of proper names in the sense adopted in the book but tokens of name-like articulations unrelated to any launching episode from which to inherit any semantic feature. Put differently, they ought not be represented as <‘Alice’, c>, hence they do not express full-fledged sentences appropriate for truth conditional conclusions. If this is correct, appeals to uniformity by defenders of the predicate hypothesis are biased against Millianism.
Another typical argument put forward (in this case by nominal descriptivists) against Millianism resorts to the trifling or trivial character of sentences like ‘Socrates is called /Socrates/’. Predelli claims that he is able to provide a non-semantic explanation consistent with millian commitments: a use of ‘Socrates is called /Socrates/’ involves a tokening of the articulation /Socrates/, moreover, it involves a use of that articulation as a specific name (a use representable as <‘Socrates’, c>, where Socrates = <NAME, /Socrates/, {Socrates}>); as a result the sentence is settled, that is, it is true for every c ∈ CU(Socrates is /Socrates/), which is what explains its apparent triviality. An additional consideration reinforces the point: in Predelli’s account the same broad mechanism concerning information imparted by use-regularities explains the trifling character of ‘Socrates is called ‘Socrates’’ and that of ‘Horses are called /Horses/’, while nominal descriptivists need to somehow differentiate the two cases (the explanation for the former is said to be semantic while the explanation for the latter is not).
Predelli’s rendition of the disputed sentence as ‘Socrates is called /Socrates/’ is not uncontroversial, though. Some philosophers have argued that ‘Socrates is called /Socrates/’ and ‘Socrates is called Socrates’ are both grammatical and mean different things (see for example Fara 2011. See also Matushansky (2008), who presents syntactic evidence that the some constructions involving ‘called’ include a small-clause in which ‘Socrates’ is not quoted but it enters the syntax as a predicate). The former means that people use /Socrates/ to address Socrates or to refer to him. The latter, however, attributes to Socrates a property, that of having ‘Socrates’ as a name (a property which he might have even though he was never addressed by means of the articulation /Socrates/). It is arguably the latter interpretation the one that triggers the intuition of triviality, not the former: it is perfectly possible that no one ever addressed Socrates by means of /Socrates/. If this were correct, it becomes unclear whether Predelli’s response strategy works: although one could argue that both ‘Socrates is called /Socrates/’ and ‘Socrates is called Socrates’ are true in every context of use, it is not clear whether the latter is true by virtue of its character -it depends on what you think about the character of the predicate Socrates.
The last Chapter is devoted to occurrences of names in works of fiction, myths, literary criticism, etc. Predelli advocates the No Name Hypothesis, according to which occurrences of names within works of fiction are not, properly speaking, occurrences of proper names; they are occurrences of mere name-like articulations in a setting which precludes their being full-fledge expressions apt for semantic representation (a view that applies to the sentences which contain them too, for obvious reasons). In other words, they are merely fictional names. As a consequence, they encode no content, and only fictionally impart some information (which is nevertheless available to us) like the content that a name-like articulation is being tokened.
To Sum up: Proper Names: A Millian Account presents a novel and original defense of Millianism which is very welcomed in light of the recent re-emergence of descriptivism. In addition to developing a coherent and comprehensive presentation of Millianism, the book further motivates the view by framing it into a bigger picture concerning language use, it makes efforts toward clarifying its scope and limits and it provides novel responses to many arguments recently put forward in the literature on proper names. Despite its many controversial claims, it undoubtedly makes a great deal in moving the debate forward. It is a highly recommended read for anyone with an interest in semantics and philosophy of language and a mandatory one for anyone working on proper names.
References
PREDELLI, S. Meaning Without Truth, Oxford: Oxford University Press, 2013. [ Links ]
FARA, D. G. “You can call me ‘stupid’,… just don’t call me stupid”. Analysis, 71(3), 2011: 492-501. [ Links ]
MATUSHANSKY, O. “On the linguistic complexity of proper names.” Linguistics and philosophy 31(5), 2008: 573-627. [ Links ]
Notas
1Since every sentence which is true by virtue of character is also settled, Predelli introduces the notion of mere settlement, which applies only to sentences which are not true by virtue of character alone.
Nicolás Lo Guercio –Universidad de Buenos Aires – CONICET, Instituto de Investigaciones Filosóficas – SADAF, Bulnes 642, CP. C1176ABL, C.A.B.A Argentina. E-mail: nicolasloguercio@gmail.com
Reference and Representation in Thought and Language – DE PONTE; KORTA (M)
DE PONTE, Maria; KORTA, Kepa. Reference and Representation in Thought and Language. Oxford: Oxford University Press, 2017. 304 pagesp. Manuscrito, Campinas, v.41 n.2 Apr./June 2018.
This book explores many different issues and aspects of the various ways by which we talk, think and represent the world. On the side of language, philosophers and linguists offer new insights on proper names, descriptions, indexicals and anaphora which will interest anyone working on semantics, especially in the direct reference framework. On the side of thought, the book contains chapters on the representation of time, cognitive dynamics, selfhood, and on de se attitudes. Mediating between them is a chapter on salience, a now much discussed notion that concerns both language and thought. In what follows, I present the central elements of each chapter as succinctly as possible, commenting briefly on them when I see fit.
The first two chapters deal with the prototypical referring expressions, i.e., proper names. In “Names, predicates, and the object-property distinction”, Genoveva Martí takes issue with predicativism1. Roughly, predicativists hold that the semantics of names do not differ essentially from that of common nouns like ‘horse’ or ‘refrigerator’. Just like those nouns, names express a property, namely, the property of bearing the name. For Martí, however, predicativism is wrong at a fundamental level: it fails to capture how language expresses the basic metaphysical distinction between objects and properties. The grammatical subject-predicate distinction is not enough. Descriptions in subject position can single out objects all right, but they do so by appealing to their properties. Only truly referring names can abstract objects from their attributes. As she puts it, names are devices for expressing “the separation of the object from its properties – from all of its properties – that is required to distinguish the object, the substance, from its attributes” (p. 16). Predicativism does not give us that.
Martí’s chapter discusses some of the central aspects of direct reference in an engaging manner, and it offers us plenty to discuss despite its short length. One thing needs clarification, though. She appears to conflate the notion of an object (or substance) with that of a substratum (or bare particular). In the passage quoted above, for example, she seems to think that the notion of an object is that of a thing abstracted from all its properties. But this is not, strictly speaking, the notion of an object, but of a substratum. If this is right, then the underlying metaphysics referential semantics would capture is that of substratum-property distinction. But I doubt this is correct. It is prima facie reasonable to be a referentialist and a bundle theorist or a hylomorphist, and both views eschew substrata. But if an object is not something abstracted from all its properties, it is not obvious why predicativists should feel threatened. Her other objection, that predicativism presupposes that names are referential devices (pp. 18-19), however, is much more compelling.
Eros Corazza, in his rich contribution “Proper names: gender, context-sensitivity, and conversational implicatures”, discusses how names can systematically convey more information than merely their semantic content, and how that information is exploited by anaphoric reference. All this without abandoning Millianism, because this information is non-semantic: it is extrinsic or stereotypical, and hence not part of truth-conditional content. For example, the semantic content of ‘Sue’ is just an individual, but the name also imparts the information that its referent is female. That information, however, is cancellable, as illustrated by Johnny Cash’s song A Boy Named “Sue”: Sue’s dubious father does not violate any grammatical or semantic rules by naming him so. Thus, stereotypical information may be allocated in “the category of [Gricean] generalized conversational implicatures” (p. 28). We often exploit stereotypical information in anaphoric reference, as when we say ‘Sue said she isn’t coming today’, even if we are unsure of Sue’s gender. Stereotypical information, then, provides us with default interpretations in anaphoric reference. Corazza also discusses the context-sensitivity of gender-silent names like ‘Chris’ and ‘Kim’, as well as other relevant issues often neglected in philosophy of language. In sum, the chapter is an example of how rich and resourceful – and not the barren landscape oftentimes depicted by its opponents – Millianism can be.
The next three chapters focus on indexicals. As the editors say, “they offer key insights on self-knowledge, action, consciousness, subjectivity, and so on. Understanding them is essential for understanding both reference and representation” (p. 5). In “Indexicals and undexicals”, John Perry offers a new account of good old indexicals like ‘today’ and ‘tomorrow’. In short, Perry analyzes what he calls undexical uses of these expressions. An undexical use occurs when the input for the arguments of the relevant expression does not come from the Kaplanian context (the 4-tuple of agent, time, location and world), but rather from a different source. Consider:
- (1) Whenever we are in Ireland, the local bars miss us.
- (2) Wherever one is in Ireland, the local bars are friendly.
- (3) I’m going to be in Cushendale next week. The local bar is very friendly.
In (1), the input location for ‘local’ comes from the context of the utterance, and so ‘local’ functions indexically. In (2), the input is provided by the quantifier ‘wherever’, and so ‘local’ functions like a bound variable. In (3), the antecedent sentence provides the relvant location for ‘local’, and so it is used anaphorically. Thus, ‘local’ is used undexically in (2) and (3). Perry argues that the same phenomenon occurs with other indexicals like ‘past’ and ‘tomorrow’: when their inputs are supplied by the context, they function indexically; when not, they function undexically, as in ‘Never put off until tomorrow what you can do today’ (this example is discussed at length). Also, he points out that expressions have a default indexical use when they are normally used indexically rather than undexically (e.g. ‘today’). In the final part of the chapter, Perry discusses the cognitive advantages of undexical uses and how they are based on default indexical uses. He also introduces the concepts of roles and of role linking, and claims that intelligent life is based on them (p. 53). Unfortunately, his discussion is rather brief for too deep an issue; it would definitely benefit from a longer treatment elsewhere.
Kent Bach’s “Reference, intention, and context: Do demonstratives really refer?” defends the unorthodox view that demonstratives (e.g. ‘this’ and ‘that’) do not have semantic reference, and hence are not genuine context-sensitive expressions. For Bach, there is a fundamental difference between demonstratives and automatic indexicals like ‘I’ or ‘today’. Automatic indexicals are genuinely context-sensitive and semantically refer because their meanings suffice to determine reference as a function of context. They refer on their own, so to speak. Demonstratives do not. Their meanings are insufficient to determine reference; at most, they restrict what can be literally referred to. For instance, the meaning of ‘that dog’ restricts reference to dogs, but it cannot determine a particular dog by itself. In Bach’s terms, we refer by an expression when the expression itself is able to refer; we refer with an expression when we use it merely as an aid to reference. Because demonstratives do not have semantic reference, we only refer with them, not by them. The leading alternative to this picture is semantic intentionalism. Basically, semantic intentionalism holds that the meanings of demonstratives are sensitive to speaker intentions, and that these intentions make demonstratives semantically refer2. However, Bach argues, speakers only intend to refer with a demonstrative; they do not also intend for the object to be the semantic value of the demonstrative. The first intention has no semantic relevance, and thus cannot help intentionalism; the latter would make it work, but it is simply not part of the mechanics of demonstrative reference.
Bach’s thesis has serious implications for standard truth-conditional semantics, for demonstratives would not make any determinate contribution to semantic content. He suggests that the same problem plagues “other putative context-sensitive expressions and constructions, such as gradable adjectives, epistemic modals, predicates of personal taste, relational nouns, genitive phrases, noun-noun pairs, and quantifier phrases” (p. 59). His argument, then, has far-reaching consequences for the debate on contextualism. I wonder, however, whether it affects the so-called Bare-Bones theory of demonstratives3. Basically, it holds that the context provides objects, not intentions, as inputs for demonstratives. Bare-Bones semantics, then, is intention-free, both in context and in character. Hence, it is not obvious that Bach’s argument applies to it as well.
In “Semantic complexity”, Maite Ezcurdia offers an insightful discussion of what distinguishes referring from quantificational noun phrases. The standard distinguishing criterion is that referring expressions are rigid by their nature, whereas quantificational expressions are not. Stephen Neale adds another criterion: referring expressions must also be semantically unstructured. This is what Ezcurdia calls the “noun phrase thesis” (NPT). For NPT, noun phrases are either semantically unstructured rigidly referring expressions or semantically structured restricted quantifiers. But what about complex demonstratives (e.g. ‘that man in the corner’)? They seem to refer, but their form strongly resembles that of descriptions. Are they referring or quantificational? For Neale, they are referring. Yet, if NPT is true, they must be semantically unstructured, and hence the nominals contained in them are semantically otiose. For Ezcurdia, however, this is implausible. She argues that we have no good reasons to hold NPT, and that complex demonstratives can be both referring and semantically complex. She claims that we must distinguish two kinds of semantic complexity: one, exhibited by quantificational expressions, shows up in the truth-conditions; the other, exhibited by complex demonstratives, stays only at the level of linguistic meaning. These two kinds of complexity are related to the two semantic roles nominals can play in noun phrases: in quantificational phrases, their role is predicative, i.e., they restrict the range of the quantifier; in referring phrases, their role is individuative, i.e., they determine the extension of an expression for further predication. Hence, the nominals contained in complex demonstratives are not semantically otiose; they just have a different semantic function.
Ezcurdia’s chapter is rich, well-argued and generous to Neale’s thesis. The only thing I want to point out is that the difference between predicative and individuate roles for nominals could have been spelled out in a bit more detail. Ezcurdia claims that nominals in complex demonstratives are not predicative because “they are not saying something about an object that an expression […] has previously selected. Rather they aid in the selection of the object itself […]” (p. 81). But the nominals in a description in subject position seem to be doing this as well. In other terms, they too select an object so that the grammatical predicate can ‘say something about’ it; they just do it by a different semantic mechanism. In a sense, then, they are also individuative. Thus, the notion of ‘not saying something about a previously selected object’ seems too general to distinguish the individuative role from the predicative role.
In the chapter “Donnellan’s misdescriptions and loose talk” Carlo Penco argues against “the standard view” of definite misdescriptions. According to this view, we cannot state something true in a referential use of a definite description if the description fails to fit; whatever truth is conveyed is conveyed by implicature. Penco, however, thinks this is mistaken: we can indeed state a truth even if nothing fits the description. He calls this thesis “Donnellan’s intentional strong claim” (DISC), and offers a defense of it. Donnellan’s insight, according to Penco, is that referential uses involve a type of social intention, an “intention to use a descriptive content fit for the context of utterance” (p. 112). This intention cannot be divorced from what speakers should expect their audience to understand in the relevant context. And, crucially, this intention is part of what is said, of what is stated, and not merely of what is implicated. Hence, Penco claims, we can already find in Donnellan a theory of loose talk, as discussed by Sperber and Wilson (1986), and a rejection of the Gricean “two-stage” analysis according to which we state a falsity and implicate a truth. As Penco notes, this reading makes Donnellan a precursor of contextualist ideas. Based on Donnellan’s isights, Penco argues that “what is said by a referential description depends on the grade of looseness required by the context” (p. 119), and that “looseness is motivated by the pursuit of relevance” (p. 115). All in all, it does not matter whether Penco’s reading of Donnellan is accurate or not; his proposal is original and interesting in its own right and deserves further discussion.
The linguist Yan Huang is the author of the next contribution, entitled “Pre-semantic pragmatic enrichment: The case of long distance reflexivization”. Consider this sentence:
- (4) *John1said that Bill loved himself1
In English, (4) is ungrammatical: the pronoun cannot be bound by ‘John’. However, in languages such as Japanese, Chinese and modern Greek, for example, this long-distance binding is allowed. That is, reflexives can be systematically bound outside their local syntactic domains. Marshalling evidence from a variety of languages, Huang explains the phenomenon of long-distance reflexivization with his version of the neo-Gricean pragmatic theory of anaphora. In broad strokes, he argues that long-distance binding is “pragmatically enriched for reference pre-semantically” (p. 126), and thus helps determining what is said.
In “The interplay of recipient design and salience in shaping speaker’s utterance”, Istvan Kecskes employs his sociocognitive approach (SCA) to account for the mechanisms of speaker’s utterance production. Very roughly, SCA aims to integrate and explain the relation between the individual traits (prior experience; salience; egocentrism; attention) and the social traits (actual situational experience; relevance; cooperation; intention) that are brought to bear in communication exchanges. More precisely, Kecskes wants to show how the interaction between subconscious salience and recipient design – the model a speaker builds of the hearer’s relevant knowledge in the context – shape speakers’ production, and why “speaker-hearer rationality should include not only cooperation but egocentrism as well” (p. 161). The concept of salience has recently drawn a lot of attention in various debates – including in the debate about indexicals and demonstratives -, and Kecskes makes a valuable contribution to our understanding of it.
In the following chapter, “New thoughts about old facts”, María de Ponte and Kepa Korta point out what they take to be some mistakes in Arthur Prior’s argument against B-theories of time (i.e. theories holding that pastness, presentness and futurity are not objective features of reality). The gist of Prior’s argument – and of many others like it – is that B-theories offer “no grounds for tensed thoughts and tensed emotions” (p. 164). Prior asks us to consider which of the following sentences we would use after a root canal operation:
- (5) Thank goodness the root canal is over [now].
- (6) Thank goodness the date of the conclusion of the root canal is Friday, June, 1954.
- (7) Thank goodness the conclusion of the root canal is contemporaneous with this utterance.
For him, only (5) is adequate. Why? Because only the proposition expressed by (5) involves the property of being over (an A-property). Thus, to make sense of why we say (5), and not (6) or (7), we must count A-properties as objective features of reality. In short, Ponte and Korta read Prior’s argument as being committed to three theses:
- i. Utterances (5)-(7) express different propositions.
- ii.Utterances (5)-(7) are associated with different thoughts.
- iii.The proposition related to utterance (5) and its associated thought require the existence of an A-property of events (p.170).
Ponte and Korta partly agree with (ii), but reject (i) and (iii). First, being referentialists, they claim that sentences (5)-(7) express the same proposition. Nevertheless, the way in which (5)-(7) express this proposition is different. As they put it, these sentences “are associated with different motivating thoughts (some of them A-thoughts, others B-thoughts) and present different cognitive routes for their respective audiences” (p. 172). They have different cognitive significance, but the same referential content. This is why they can express different thoughts. Second, Ponte and Korta argue that the move from the fact that we have tensed thoughts and emotions to the reality of tensed properties is unjustified and superfluous. In sum, their chapter is an attempt to clarify Prior’s argument and undermine its supposed ontological import by showing how the puzzling phenomenon can be explained by a more sophisticated epistemic and semantic theory. In fact, it is hard to see how linguistic and epistemic considerations can reveal something about the nature of time. Ponte and Korta’s thorough effort to untangle these issues is a welcome antidote to this sort of idea.
In “Cognitive dynamics”, François Recanati develops and clarifies several aspects of his influential theory of mental files. In broad strokes, Recanati’s view is that mental files can play some of the roles of Fregean senses: they determine reference, they explain cognitive significance, and they enable coreference de jure. They determine reference relationally, i.e., in virtue of standing in some relation to the file’s reference, and not satisfactionally. This allows them to contain misinformation and still refer to the same thing. The different cognitive significance of ‘Hesperus is Hesperus’ and ‘Hesperus is Phosphorus’ is explained by the deployment of different files: in the first case, the subject deploys the same file twice, while in the second two distinct but coreferring files are deployed. Finally, coreference de jure is enabled when the subject deploys the same file in a chain of reasoning: it explains why the inference from ‘Hesperus is bright’ and ‘Hesperus is a star’ to ‘Hesperus is a bright star’ is warranted and rational. Onofri (2015) and Ninan (2015), however, object that mental files cannot explain cognitive significance and enable coreference the jure simultaneously. Recanati stands by his position and thoroughly addresses their worries.
The last two chapters tackle the issue of self-representation. In “The property theory and de se attitudes”, Wayne Davis argues against the so-called property theory of de se thoughts, originally proposed by Lewis and Chisholm, and recently advocated by Neil Feit4. The problem this theory attempts to solve is the following. An amnesiac Lingens can have the belief that he himself is lost while not believing that Lingens is lost. We would express this unfortunate situation with these sentences:
- (8) Lingens believes that he himself is lost
- (9) Lingens believes that Lingens is lost
The problem is that, if attitudes are taken to be dyadic relations between subjects and propositions, and propositions are taken to be singular propositions or sets of possible worlds, then both sentences express the same relation to the same proposition. The special character of the de se attitude is missing. To solve this, the property theory denies that believing is a propositional attitude; rather, believing is seen as self-ascribing a property. Davis, however, thinks this move fails to yield a satisfactory account of attitudes, and offers his own account. First, he puts forth ten objections against the property theory. Second, he argues that we should take attitudes to be relations to conceptual propositions, i.e., entities made up of concepts, and not to objectual propositions, i.e., singular propositions or sets of possible worlds. In addition, he claims that part of what made the problem of de se attitudes “seem insoluble […] was the erroneous Fregean assumption that ‘conceptual’ elements must be descriptive” (p; 214). For Davis, the missing element in the explanation is a non-descriptive indexical self-concept. Thus, de se attitudes differ from other attitudes precisely because they are attitudes towards a conceptual proposition having an indexical self-concept as constituent.
In the last chapter, entitled “Selfhood as self-representation”, Kenneth Taylor proposes a middle ground between Cartesian and eliminativist/fictionalist accounts of the self. Contrary to Cartesians, he rejects the existence of a metaphysical sui generis entity that is supposed to be the self (something akin to a thinking substance); contrary to eliminativists/fictionalists, he believes that “there really and truly are beings organized as selves” (p. 225-6). For Taylor, selves are just beings psychically arranged in such a way that they bear the property of selfhood. And bearing selfhood consists in having the very special capacity to have self-representations. Taylor’s central idea is that self-representations are distinct from other representations not because of what they represent, but because of how they represent it. Thus, for Taylor, to bear selfhood is not to be in possession of some mysterious inner entity or to have a “mental CEO” that constitutes the content of self-representations. It is rather to have “the capacity to deploy […] a de se device of explicit coreference” (p. 224, fn. 1). Taylor frames his position in a broader context, discussing Locke’s, Hume’s and Kant’s views on the matter.
The editors of Reference and Representation in Thought and Language can only be commended for taking the pain to organize this volume. Its major merit is, to me, the great diversity of the themes discussed in the chapters. The selection admirably shows how issues surrounding reference go well beyond traditional topics in semantics, and how they intersect (or fail to intersect) with deep philosophical problems in metaphysics and in the philosophy of mind. And when it comes to traditional problems in semantics, the chapters offer novel solutions and often discuss underexplored aspects of our referential devices in an engaging and sophisticated manner. Anyone working on how language and thought relate to the world will surely enjoy this book.
Referências
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Notas
1 Fara (2015) is the most worked out defense of predicativism to date.
2Cf. Stokke (2010), King (2014).
3Cf. Caplan (2002) and Predelli (2012).
4E.g.: Feit (2008).
5Article info CDD: 401
Variations on embodied cognition – GALLAGHER (SY)
GALLAGHER, Shaun. Variations on embodied cognition (p. 26-47). In: GALLAGHER, S. Enactivist interventions: rethinking the mind. New York/Oxford: Oxford University Press, 2017. Resenha de: MEURER, César Fernando. Embodied cognition: quatro variações teóricas. Synesis, Petrópolis, v.10, n.1, p.214-221, jan./jul., 2018.
Shaun Gallagher, professor no departamento de filosofia da Universidade de Memphis, no Tennessee (USA), recentemente publicou um volume com nove capítulos em torno do enativismo (Gallagher, 2017). A presente resenha, que tem um caráter de divulgação, foca o capítulo dois. Nele encontramos uma visão panorâmica muito interessante do paradigma da embodied cognition [doravante EC].
Gallagher inicia o capítulo constatando que “uma variedade de abordagens no estudo da cognição têm sido estreitamente associadas à noção de embodiment […] Dadas essas diferentes perspectivas, não há um consenso forte acerca de qual peso dar a esse conceito” (p. 26).1 Por conta disso, ele prossegue, é importante mapear os vários sentidos de EC, “começando com uma concepção mínima ou fraca, que equipara embodiment com representação do corpo no cérebro, e terminando com uma concepção de embodimentradical” (p. 27). O resultado é um quadro composto por quatro posições teóricas: EC mínima, EC funcionalista, EC biológica e EC enativista. Para caracterizar essas posições, Gallagher serve-se de questões originalmente propostas por Goldman e Vignemont (2009, p. 158).
A Fig. 1 é uma versão ampliada da tabela “Diferentes teorias da embodied cognition” (Gallagher, 2017, p. 43). As duas últimas linhas são acréscimo meu (autor da resenha):
- A EC mínima [Weak EC]
Com o intuito de entender o lugar e o papel do corpo humano na cognição, Goldman e Vignemont (2009) lançaram mão da noção de representações em formato B [B-formatted representations], sugerindo que esse é um conceito central para levar adiante o programa da EC. Trata-se fundamentalmente, Goldman explicaria em publicação posterior (2012, p. 73), de “representar estados do próprio corpo e, de fato, representá-los desde uma perspectiva interna”. Por isso, formato B (do inglês Body). Com efeito, um leque amplo de estados corporais – condições fisiológicas tais como dor, temperatura, coceiras, sensações musculares e viscerais, batimentos cardíacos, respiração, sede, fome etc. –, bem como estados de humor, sentimentos e estados interoceptivos podem, em tese, ser representados nesse sentido.
A primeira ideia central da EC mínima é que as representações B são mentais ou, se preferir, internas ao cérebro. Segundo Goldman (2014, p. 104), isso não implica qualquer concessão ao ceticismo, uma vez que o conteúdo dessas representações requer, ele argumenta, que o cérebro esteja em uma conexão causal com o corpo.
Para os proponentes da EC mínima, representações em formato B estão na base de múltiplos processos cognitivos, incluindo a cognição social e processos cognitivos superiores. O raciocínio que leva a essa conclusão pode ser esquematizado assim: (1) Originalmente, essas representações diziam respeito ao próprio corpo; (2) Na natureza, vigora o princípio da reutilização, isto é, “circuitos neurais originalmente estabelecidos para um uso podem ser reutilizados ou redistribuídos para outros fins, mantendo sua função original” (Gallagher, 2017, p. 31); (3) A capacidade de produzir representações em formato B foi cooptada para representar outras coisas. Tais representações adicionais ou derivadas “também contam como embodied cognitions” (Goldman 2012, 74). Gallagher (p. 32) considera questionável esse raciocínio de reutilização: ele envolve o conceito evolucionário de exaptação, que funciona para explicar processos em uma escala evolucionária, mas não para explicar mudanças ontogenéticas.
Para Gallagher, a EC mínima deixa a desejar em vários aspectos: “ela defende uma visão internalista que não é inconsistente com a concepção de cognição de um cérebro sem corpo em uma cuba” (p. 34); e a redução do corpo a um conjunto de representações é em nada inconsistente com o modelo computacional clássico (p. 34).
- A EC funcionalista [Functionalist EC]
Gallagher inicia a descrição dessa posição com um comentário provocativo: por um lado, “a noção de um funcionalismo incorporado é trivial, uma vez que sistemas funcionalistas precisam ser fisicamente incorporados”; por outro lado, a ideia resulta ser “levemente contraditória, já que o funcionalismo se caracteriza por certa indiferença em relação à fisicalidade que sustenta o sistema (neutralidade em relação ao corpo; capacidade de realização múltipla)” (p. 35). Não obstante, a ideia de uma EC funcionalista ganha importância no âmbito das discussões da hipótese da mente estendida.
Clark é o principal proponente da EC funcionalista, segundo a qual “o corpo tem um papel importante como parte dos mecanismos estendidos da cognição” (p. 35). A ideia pode ser parafraseada assim: a cognição humana serve-se de estruturas neuronais e de estruturas não-neuronais. Assim, “o corpo físico, bem como aspectos e objetos no ambiente, podem funcionar como veículos não-neurais para processos cognitivos, desempenhando uma função semelhante aos processos dos neurônios, os principais veículos de cognição na visão clássica. O corpo é parte de um sistema cognitivo alargado que começa com o cérebro e inclui corpo e meio ambiente” (p. 35).
Para a EC funcionalista, as peculiaridades sensório-motoras do corpo humano não são componentes essenciais para a cognição. Em tese, animais de outras espécies (i.e., outras contingências sensoriais e motoras) podem experimentar aspectos do ambiente da mesma maneira que os humanos.
- A EC biológica [Biological EC]
Essa posição ganha o adjetivo ‘biológica’ em virtude da importância que atribui à anatomia e aos movimentos corporais. Embodiment biológico significa que “as características estruturais extra-neurais do corpo moldam [shape] a nossa experiência cognitiva” (p. 37). Nas palavras de Shapiro (2004, p. 190), “a questão não é simplesmente [ou trivialmente] que processos perceptivos se moldam à estrutura corporal. Processos perceptivos dependem e incluem estruturas corporais”.
Na apresentação da EC biológica, Gallagher dedica vários parágrafos à revisão de literatura que mostra que as características estruturais do nosso corpo são determinantes para a nossa cognição. Cabe destacar i) o fato de termos dois olhos, em determinada posição, permite visão em profundidade; ii) a posição e estrutura dos nossos ouvidos externos permite, por exemplo, identificar a direção de sons; iii) fazemos diversos ajustes proprioceptivos em situações nas quais há conflitos perceptivos; iv) alteração da postura leva a alterações na percepção do espaço e a mudanças relativas às noções de horizontal e vertical, v) mudanças hormonais – questões da regulação química do corpo – influenciam diversos processos perceptivos, a memória, a atenção, e a tomada de decisões, iv) corpo cansado ou faminto influencia os processos cognitivos, vi) hipoglicemia modula o cérebro, ocasionando em certos casos o “desligamento” de certas funções cerebrais.
Segundo a EC biológica, nosso cérebro “leva em consideração as contribuições dos processos físicos em sistemas periféricos e autônomos” (p. 39). Essa é uma resposta interessante à hipótese do cérebro em uma cuba. Em síntese: sem as contribuições de sistemas periféricos autônomos (i.e., sem um corpo, com todas as suas contingências), um cérebro em uma cuba jamais pode ter experiências e processos cognitivos similares aos humanos. “Para replicar a experiência humana, ou algo similar a ela [em uma cuba], precisaria replicar tudo o que o corpo biológico entrega em termos de pré e pós-processamento, bem como a química hormonal e neurotransmissora e a vida afetiva” (p. 39-40). Em termos mais gerais, não é tão simples compatibilizar a EC biológica com o computacionalismo clássico.
- A EC enativista [Enactivist EC]
Ao enfatizar “a ideia de que a percepção é para a ação, e que essa orientação para a ação molda a maioria dos processos cognitivos” (p. 40), a EC enativista resulta ser a mais radical das quatro posições. Em termos simples, essa posição considera que a cognição humana não está inteiramente “dentro da cabeça”, mas encontra-se distribuída entre cérebro, corpo e ambiente. Por conta disso, entende-se que i) a teoria dos sistemas dinâmicos não-lineares é apropriada para compreender essa complexa interação; ii) as tradicionais noções de representação e computação são inadequadas; iii) a decomposição da cognição em subsistemas internos (módulos) é enganosa e pode ser substituída com vantagem pela ideia de sistemas dinâmicos acoplados uns aos outros.
Para a EC enativista, o cérebro ele mesmo é um sistema dinâmico. Ele faz o que faz por estar acoplado a outro sistema dinâmico, o corpo. Este, por sua vez, também é um sistema dinâmico e faz o que faz por estar acoplado ao cérebro, por um lado, e ao ambiente, por outro lado. No final das contas, tem-se um sistema dinâmico maior que abrange cérebro, corpo e ambiente. Com outras palavras: para compreender o cérebro, é preciso considerar as interações dinâmicas deste com o corpo e com o ambiente.
Sob esse prisma, tanto “os aspectos biológicos da vida corporal, incluindo a regulação orgânica e emocional de todo o corpo” quanto “os processos de acoplamento sensório-motor entre o organismo e o ambiente” têm um “efeito penetrante na cognição” (p. 41). Outro modo de dizê-lo (tentativa minha, autor da resenha): um sistema dinâmico é um sistema de relações causais recíprocas múltiplas entre corpo, cérebro e ambiente. É cientificamente possível delimitar o foco, isto é, dedicar-se ao exame de algumas dessas relações. No entanto, tal estudo não pode ser feito de modo cartesiano, visto que as relações em exame repercutem de modo não-linear um complexo conjunto de outras relações.
Para a EC enativista, já mencionei na abertura da presente seção, a percepção é orientada para a ação. À luz dos trabalhos de Alva Noë (2004), a percepção é uma atividade pragmática e exploratória. Trata-se de uma orientação pragmática não apenas para o ambiente físico, mas também para o ambiente social e cultural (Gallagher, 2017, p. 42).
- Considerações finais
A visão panorâmica de Gallagher é interessante por diversos motivos. Primeiro, ela mostra que é falsa (ou ao menos imprecisa) a ideia segundo a qual a EC é antirrepresentacionalista. De fato, três versões da EC admitem representações mentais. Segundo, é falso o entendimento de que a EC é incompatível com o computacionalismo clássico. Como vimos, apenas a EC enativista é oposta ao computacionalismo. Terceiro, o quadro panorâmico é útil para situar debates internos à EC, como por exemplo as disputas entre funcionalistas e enativistas.
Concluo sugerindo uma estratégia de leitura: leia o capítulo 2, aqui resenhado, e em seguida passe para qualquer um dos demais capítulos, conforme o seu interesse. O capítulo 3 posiciona a EC funcionalista e a EC enativista em relação ao pragmatismo. O capítulo 4 apresenta uma discussão aprofundada do conceito de intencionalidade, tanto à luz do enativismo, como também do behaviorismo e do neopragmatismo. O capítulo 5 examina criticamente o nexo da ação com representações mentais. O capítulo 6 trata de modelos inferenciais no âmbito da filosofia da percepção. O capítulo 7 examina o conceito de livre-arbítrio, tal como ele aparece na filosofia e nas neurociências do nosso tempo. O capítulo 8 tece considerações enativistas sobre estados de humor [moods], sentimentos e intersubjetividade. O capítulo 9 versa sobre possíveis explanações enativistas de processos cognitivos superiores, isto é, processos que envolvem memória, imaginação, reflexão e abstração.
Nota
1 A tradução dessa e de todas as demais citações diretas é minha (tradução livre).
Referências
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César Fernando Meurer – Universidade Federal de Uberlândia, Brasil. Doutor em Filosofia. Postdoctoral Visiting Scholar no Departamento de Filosofia da Università Degli Studi di Milano, Milão, Itália (2017-2018). Pós-doutorando no Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/1092880964040421. E-mail: cfmeurer@yahoo.com.br
[DR]
Staying Alive: Personal Identity, Practical Concerns, and the Unity of a Life – SCHECHTMAN (D)
SCHECHTMAN, M. Staying Alive: Personal Identity, Practical Concerns, and the Unity of a Life. Oxford: Oxford University Press, 2014. Resenha de: BORBA, Alexandre Ziani de. Dissertatio, Pelotas, v.47, 2018.
Marya Schechtman volta a publicar uma obra, também sobre identidade pessoal e pessoalidade, após 18 anos. Staying Alive demonstra ser fruto de um longo período de maturação teórica. O livro é um exemplo de boa escrita sobre um tópico filosófico. Mesmo em passagens onde as ideias expostas pela filósofa não são tão claras, ela as reconhece como ideias que merecem explicações e que eventualmente serão melhor explicadas ao longo do livro. E quando nos deparamos com a filósofa declarando uma frase duvidosa, ela presta um serviço à inteligência de seus leitores, reconhecendo a dubitabilidade da ideia por ela declarada e apresentando razões para que aceitemo-la ‒ ou antecipando que assim será feito no decorrer da leitura.
Além de tratar sobre o tema da pessoalidade e da identidade pessoal, o livro acaba por nos forçar a refletir sobre a metodologia filosófica comumente empregada neste assunto. Como Schechtman destaca, o método comumente empregado em filosofia para tratar o problema da identidade pessoal envolve reflexões acerca de cenários hipotéticos que buscam o tipo preciso de relação, ou relações, que são individualmente necessárias e conjuntamente suficientes para se obter as condições de persistência de pessoas. Porém, a filósofa quer apresentar razões para que duvidemos desta metodologia, uma vez que entes tão complexos como nós, pessoas, não parecem poder ser compreendidos a partir de um único tipo de relação ou de um conjunto de relações necessárias e suficientes.
Schechtman pretende endossar uma perspectiva bastante original, de acordo com a qual as relações que constituem nossa identidade pessoal estão relacionadas a considerações práticas não por acidente, mas de maneira inerente. Conforme a obra se desdobra, o significado da palavra “inerente” é elucidado. A obra ela mesma pode ser dividida em três grandes partes, como a própria Schechtman destaca. A primeira delas cobre os quatro primeiros capítulos, os quais buscam insights de diferentes visões existentes sobre a identidade pessoal, usando-os para oferecer um quadro geral de nossas identidades a partir de uma conexão com nossas considerações práticas. Schechtman, ao longo de toda a obra, se apresenta como uma filósofa que busca evitar as deficiências e salvaguardar as vantagens relativas de cada teoria por ela abordada. Espera-se, assim, que o resultado final seja bastante satisfatório ‒ tanto quanto se possa ser neste assunto. A segunda parte da obra cobre os capítulos 5 e 6, nos quais a filósofa elabora em detalhes sua própria abordagem, que ela chama de “visão da vida da pessoa” [person life view] (daqui em diante, PLV) que, basicamente, mas de maneira não muito informativa, define a identidade de uma pessoa em termos da unidade de um tipo característico de vida. Em outras palavras, a identidade de uma pessoa é definida por se viver uma vida característica de uma pessoa. Posto desta maneira, a tese é claramente circular, não sendo, portanto, informativa. Porém, é preciso ter em mente que esta é apenas a ideia básica e geral da visão de Schechtman e as minúcias de sua visão revelam uma visão bastante amadurecida sobre o assunto.
A terceira e última parte da obra cobre apenas o capítulo 7. Aqui, a filósofa debate questões ontológicas a respeito da pessoalidade e da identidade pessoal. De acordo com ela, a PLV deve ser encarada como um tratamento a respeito da identidade literal de pessoas, não apenas metafórica ou figurativa. Schechtman acaba por sugerir modificações na própria questão a respeito da identidade pessoal, ou melhor, na maneira como a questão é tradicionalmente colocada.
Os primeiros quatro capítulos buscam dar uma maior precisão na ideia de que fatos acerca da identidade literal de seres como nós estão “inerentemente conectados” a considerações práticas. Para isto, o capítulo 1 inicia discutindo as ideias do filósofo John Locke. Schechtman oferece uma interpretação acerca do tratamento de Locke sobre identidade pessoal que escapa das interpretações padrão, segundo as quais a identidade pessoal pode ser definida em termos de relações puramente psicológicas ou, de maneira ainda mais restrita, relações mnemônicas. Como Schechtman nota, para Locke, “pessoa” é um “termo forense”. Muitos tomam a asserção de Locke como sendo a de que juízos de identidade devem diretamente coincidir com juízos forenses. A esta visão, a filósofa chama de “modelo da coincidência”. No entanto, Schechtman propõe que, embora as evidências textuais não sejam conclusivas, Locke pode ser interpretado como promovendo uma conexão mais substantiva entre identidade pessoal e capacidades forenses—como as de responsabilidade moral e racionalidade prudencial. Segundo ela, o tratamento de Locke para a identidade pessoal em termos de continuidade, ou mesmidade [sameness], de consciência é um tratamento das condições de identidade para aquilo que ela chama de unidade forense [forensic unit]. Deste modo, Schechtman sugere que, para Locke, uma pessoa é um alvo de considerações práticas relativas às suas capacidades forenses. A este modelo, Schechtman dá o nome de “modelo da dependência”, e é basicamente este o modelo que a filósofa quer endossar ao longo da obra, com a diferença de que, para a filósofa, as considerações práticas relevantes para a identidade pessoal vão além das capacidades forenses de uma pessoa.
O capítulo 2 apresenta os chamados “modelos fortes da independência”, para os quais questões sobre identidade pessoal devem ser rigidamente distinguidas de questões práticas, sugerindo, assim, uma divisão do trabalho para cada uma destas questões. Do lado da axiologia, Schechtman apresenta Christine Korsgaard e sua teoria agencial da identidade como a principal representante deste modelo. Do lado da metafísica, a filósofa apresenta Eric Olson e seu tratamento biológico da identidade pessoal como o principal represente deste modelo.
Partindo dos trabalhos de Hilde Lindemann, o capítulo 3 propõe uma ampliação do modelo da dependência que Schechtman favorece para elucidar a conexão inerente entre identidade pessoal e considerações práticas. Para ela, nós devemos ampliar nossa concepção da importância prática da identidade pessoal para além das considerações forenses que herdamos de Locke. Uma consequência desta visão é a de que muitos indivíduos que não seriam considerados pessoas na visão de Locke ‒ tais como lactentes e pessoas com demência ou deficiências cognitivas graves ‒, serão consideradas como pessoas genuínas em seu modelo da dependência ampliada. Pessoas, neste modelo, são loci individuais de interação prática para os quais todo o conjunto de interesses e considerações práticas associadas à pessoalidade são apropriadamente direcionadas. Porém, como a própria filósofa nota, dado o amplo escopo de interesses práticos que nós temos com pessoas, não é imediatamente claro como definir um único locus que é um alvo inerentemente apropriado de todos estes interesses. Este é, de maneira sumarizada, o que Schechtman chama de o “problema da multiplicidade”.
Ao terminar o terceiro capítulo de sua obra, Schechtman deixa por ser respondido três grandes desafios à sua proposta, a saber, o desafio sincrônico da unidade individual, o desafio diacrônico da unidade individual e o desafio da unidade definicional. Enquanto este último é tratado no quinto capítulo da obra, o capítulo 4 se dedica a apresentar duas abordagens que, cada uma à sua vez, podem lançar luz aos dois primeiros desafios. Em particular, Schechtman argumenta que o tratamento da mente corporificada de Jeff McMahan, ou mais especificamente, sua teoria dos interesses temporalmente relativos [theory of time-relative interests], pode lançar luz ao desafio sincrônico da unidade individual. Por outro lado, a abordagem da autoconstituição narrativa, que a própria Schechtman havia desenvolvido em sua obra anterior ‒ The Constitution of Selves (1996) ‒, de acordo com ela, lança luz ao desafio diacrônico da unidade individual.
O capítulo 5 faz uso dos insights ganhos nos primeiros quatro capítulos para avançar o tratamento positivo da identidade pessoal de que Schechtman quer nos convencer, a saber, a PLV [person life view]. Numa formulação circular, não-informativa, desta ideia, pessoas são entidades que vivem tipos característicos de vidas, a saber, “vidas de pessoas”. Na sua melhor expressão, a PLV é formulada como a visão segundo a qual pessoas são entes que vivem uma vida constituída por interações dinâmicas entre funções e atributos biológicos, psicológicos e sociais. Nesta visão, a ideia de que as vidas de pessoas são inerentemente sociais é crucial. Considero que este aspecto da proposta de Schechtman aponta para uma guinada social no debate sobre pessoalidade. Para a filósofa, viver uma vida característica de pessoas envolve ocupar um espaço ‒ o “person-space” ‒ no interior de uma infraestrutura social e cultural do tipo que seres como nós naturalmente desenvolvem. Schechtman toma o cuidado de tornar claro o significado de palavras como “cultura” e “infraestrutura social” aos seus leitores.
No capítulo 6, Schechtman propõe que nós entendamos as condições de perisistência de uma pessoa não em termos de condições necessárias e suficientes, mas como um conjunto de propriedades que se reforçam mutuamente. Para a filósofa, há uma variedade de combinações diferentes de relações às quais colaboram entre si para a manutenção de uma unidade singular, integrada de interação ‒ que é a pessoa. Deste modo, Schechtman propõe que a PLV seja baseada em um modelo de propriedades aglomeradas, de acordo com a qual não há condições necessárias e suficientes para a continuidade de uma pessoa, mas tão somente um aglomerado de propriedades que se reforçam de maneira mútua. No caso de pessoas, como já antecipado pela PLV, estas propriedades envolvem seus componentes biológicos, psicológicos e sociais.
Finalmente, o capítulo 7 se dedica à ontologia das pessoas. De acordo com Schechtman, a PLV é corretamente considerada como um tratamento da identidade literal de pessoas. Para argumentar em favor de seu ponto, a filósofa precisa responder aos desafios que surgem a partir dos defensores do tratamento biológico da pessoalidade ‒ o chamado “animalismo” ‒, tal como defendido por Eric Olson. Algumas possíveis respostas ao animalismo são apresentadas.
Nesta resenha, quero tratar particularmente da proposta positiva de Schechtman para a pessoalidade e identidade pessoal. A meu ver, Schechtman tem razão em destacar que pessoas são entes envolvendo a interação de um aglomerado de propriedades que vão desde seus componentes biológicos até seus componentes psicológicos e sociais. Mais ainda, ela tem razão em destacar que estes componentes não são facilmente isoláveis uns dos outros. Em boa medida, muitos cenários hipotéticos na literatura sobre identidade pessoal desconsideram tanto os componentes biológicos e sociais com os quais pessoas se realizam, quanto a íntima interação entre eles e os componentes psicológicos ‒ o que nos leva ao questionamento da metodologia padrão. Ao fim e ao cabo, Schechtman parece indicar uma abordagem mais antropológica para o problema da identidade pessoal, uma para a qual uma guinada social se faz necessária.
Uma das ideias que Schechtman desenvolve em sua obra é a de que pessoas se tornam pessoas no interior do que ela chama de “person-space”, o qual possui a dinâmica peculiar de autoperpetuar pessoas enquanto pessoas. Apesar de considerar este conceito bastante atrativo, devo dizer que senti falta de um tratamento mais minucioso acerca da dinâmica que o caracteriza e de como um tratamento minucioso desta dinâmica se conecta à guinada social que Schechtman parece favorecer. Explico. Schechtman, ela mesma, reconhece o “person-space” como um espaço autoperpetuador na medida mesma em que serve para o desenvolvimento dos seres que o sustentam (Cf. p. 118) ‒ no caso, pessoas. Ora, se é assim, então a existência de pessoas atípicas enquanto pessoas ‒lactentes, pessoas com severas debilidades cognitivas e pessoas em estado vegetativo persistente ‒ depende ontologicamente da existência de pessoas típicas ‒ pessoas com capacidades forenses ‒, pois, do contrário, a infraestrutura cultural e social que permite a perpetuação das vidas características de pessoas não pode ser satisfeita.
Embora entenda que o ponto de Schechtman seja o de justificar a ampliação da pessoalidade a casos atípicos de pessoas, parece improvável, como já argumentado, que a dinâmica autoperpetuadora do “person-space” seja satisfeita caso muitas ou quase todas as pessoas sejam exemplares atípicos do tipo de entes que somos. Deste modo, para que esta dinâmica seja satisfeita, é preciso que quase todas as pessoas sejam pessoas típicas, i.e., pessoas com capacidades forenses. Se eu estiver certo, então as capacidades forenses de pessoas são base para a dinâmica autoperpetuadora do “person-space”.
Alexandre Ziani de Borba – PPGFil – Universidade Federal de Santa Maria
Aristotle on Knowledge and Learning: The Posterior Analytics – BRONSTEIN (M)
BRONSTEIN, David. Aristotle on Knowledge and Learning: The Posterior Analytics. Oxford: Oxford University Press, 2016. xiii-272p. Resenha de ZUPPOLINI, Breno Andrade. Manuscrito, Campinas, v.40 n.4 Oct./Dec. 2017.
David Bronstein’s outstanding book is one of the greatest contributions to the study of Aristotle’s Posterior Analytics (hereafter, APo) of the last years. All of his claims are carefully argued in admirably clear prose. The book is original in many ways, but its main achievement is an illuminating reconstruction of Aristotle’s account of learning. Bronstein argues that we can get a better understanding of this account if we frame it as a reaction to Meno’s Paradox (Meno 80e 1-5). According to the Paradox, for any x, either we know x or we do not know it. In either case, we cannot search for x: if we do not know x, we cannot even identify the object of our investigation; if we already know x, investigating it is pointless. The fact that the APo contain only one explicit reference to this puzzle (APo I 1, 71a 29-30) is irrelevant. Bronstein convincingly argues that Aristotle is in many passages offering solutions for (and sometimes explicitly formulating) what can be taken as different versions of the Paradox. The result is a systematic discussion of three different kinds of learning (listed in Metaph. A 9, 992b 30-33): “learning by demonstration” is analysed in Part I, “learning by definition” in Part II, and “learning by induction” in Part III.
One of the main theses of the book is that inquiry, for Aristotle, follows a “Socratic Picture” (as Bronstein calls it), which can be divided into five stages:
Stage 1: We do not know whether a subject S exists and we seek whether it exists.
Stage 2: We know that S exists, and we seek what it is (its essence).
Stage 3: We know what S is, and we seek whether a predicate P belongs to it as one of its demonstrable attributes.
Stage 4: We know that P belongs to S as one of its demonstrable attributes and we seek why it belongs.
Stage 5: We know why P belongs to S.
This five-stage picture shows us that learning is not an “all-or-nothing” matter, providing therefore a way-out to Meno’s dilemma. First, we learn by induction preliminary accounts specifying the meaning of conceptual terms (also known as “nominal definitions”), so we can investigate whether or not they denote existing kinds (APo II 19 and Bronstein’s Chapter 13). We move from Stage 1 to Stage 2, for instance, when we know that there is a real kind satisfying our account of a given subject-term “S”. Second, we get from Stage 2 to Stage 3 by division or induction: if S is what Bronstein calls a “subordinate subject-kind” (a species of a genus, e.g. human being), its essence is discovered by division; if S is a “primary subject-kind” (a genus, e.g. animal), its essence is grasped by induction (APo II 13 and Bronstein’s Chapter 12). Once we know the essence of our subject S, we start investigating its demonstrable attributes. For Aristotle, knowing that a predicate P belongs to S is the same as knowing that P exists, so the passage from Stage 3 to Stage 4 also involves using a preliminary account to determine whether “P” corresponds to an existing kind (now, a “predicative” or non-substantial one). Finally, we move from Stage 4 to Stage 5 by grasping the cause of S being P, which for Aristotle is the same as discovering the essence of P (APo II 8 and Bronstein’s Chapter 10). As the inquirer moves from one stage to the other, she upgrades her epistemic status by engaging in the three types of learning. Before undertaking a proper “scientific” investigation, she learns preliminary accounts “by induction”. When she is on her way to become a scientist, she learns “by definition” the essence of attributes (by using demonstration) and subject-kinds (by using division or induction). Finally, once the inquirer becomes an expert scientist, she learns “by demonstration” by getting a better understanding of the explanatory power of previously obtained definitions (see p. 7 and p. 73).
Bronstein also offers a promising – although “admittedly speculative” (p. 49) – solution to a classic exegetical problem, recently revived in the literature by Michael Ferejohn (2013, 147 ff.). As we have seen, the Socratic account of inquiry Bronstein attributes to Aristotle involves the essence of subjects as well as the essence of predicates. In fact, Aristotle seems to endorse two different (and possibly incompatible) models of scientific explanation. According to what Bronstein calls “Model 1”, the cause of a subject S being P is the essence of S. A “Model 2” demonstration, on the other hand, is such that the cause of S being P is the essence (or the causal part of the essence) of P. Bronstein argues that Model 1 and Model 2 demonstrations are connected in the following way (pp. 48-50). We know, by demonstration, that the moon (minor term) is eclipsed (major term) because of the screening of the sun by the earth (middle term). Since the eclipse is defined as loss of light from the moon because of screening of the sun by the earth (APo II 2, 90a 14-18), we can say that the major (eclipse) and the middle term (screening of the sun by the earth) are definitionally, and therefore “immediately”, connected (see 93a 36). However, the connection between the middle (screening of the sun by the earth) and the minor term (moon) requires further explanation. This explanation probably involves a reference to essential features of the moon, like its natural movement and its position in the composition of celestial spheres. Thus, although the demonstration of the eclipse follows Model 2, once we pursue a demonstration of its minor premise we might end up with an explanation following Model 1. This solution is attractive for many reasons. First, it explains how the two models endorsed by Aristotle can be taken as parts of the same coherent doctrine. Second, it guarantees a prominent place to Model 2 demonstrations, which are often neglected or wrongly taken (to my eyes at least) to be secondary, less important types of explanations – other exceptions to this tendency include Goldin (1996), Charles (2000), and Angioni (2016). Thirdly, Bronstein’s account of these two models makes Aristotle’s theory philosophically interesting in a particular way: the reason why there is a regular, stable relation between a demonstrable attribute and its subject is that their essences are linked by a chain of causal connections.
Let me now discuss some unsolved problems in Bronstein’s book. We can distinguish two schools of interpretation, so to speak, when it comes to the relation between demonstrative knowledge (the knowledge a scientist has of demonstrable truths) and nous (the knowledge a scientist has of indemonstrable principles, mainly definitions). According to one of these schools (often referred to as “intuitionist” or “rationalist”), the principles become known in advance of any demonstrative practise and are grasped independently of their explanatory connections to other truths in the domain (see, for instance, Irwin 1988; Ferejohn 1991; 2009). The other school (sometimes called “interrelational” or “explanationist”) argues that having noetic knowledge of the principles, including definitions, involves grasping them as principles, i.e. as premises from which other truths are demonstrated, but which are not demonstrated from more basic premises (Kosman 1973; Burnyeat 1981; McKirahan 1992; Charles 2000). Bronstein seems to be somewhere between the two schools. On the one hand, his Socratic Picture contradicts the “explanationist” approach, since we get to know the essence of a subject S before we start investigating the cause of S being P (Stage 3 precedes Stage 4). On the other hand, he also disagrees with “rationalist” interpretations, since, for him, having nous of the essence of S requires knowing this essence as the cause of S being P (p. 9; p. 73; p. 222).
The only way Bronstein can keep this intermediate position is by distinguishing non-noetic from noetic knowledge of essences, the first depending only on division and/or induction, the second requiring some demonstrative practice. For the “explanationist” interpretation, a non-noetic grasp of the essence of (e.g.) human being is the knowledge of the fact that human beings are two-footed tame animals (supposing that this is the essence of human beings). This merely factual knowledge differs from the (noetic) knowledge that being a two-footed tame animal is the essence of human beings, which involves grasping it as the cause of their demonstrable attributes. In Bronstein’s view, on the other hand, the method of division can give us knowledge not only of the fact that human beings are two-footed tame animals, but knowledge that this is the essence of human beings. He correctly points out that in APo II 13 Aristotle claims that division gets us to the definition of the object (97b 12-13). However, the philosopher never affirms or implies that division gives us the knowledge of the essence as an essence. For several reasons, the claim that we can know an essence as such independently of its status as a cause is anti-Aristotelian in spirit. The philosopher states that the way we distinguish indemonstrable premises (including definitions) from demonstrable ones is by organizing a whole body of truths based on their causal connections (APr I 30, 46a 17-27). His own scientific practice goes in the same direction. Treatises such as the Historia Animalium, which (one might say) presents a collection of facts grasped by division and induction, do not distinguish causally fundamental truths from demonstrable truths. This is a task Aristotle undertakes only in explanatory studies such as de Partibus Animalium or de Generatione Animalium. The fact that, for Aristotle, grasping an essence as such involves grasping it as a cause or explanatory factor is not exactly surprising. After all, essences are essentially causes of a certain kind (namely, formal causes). If division somehow allows us to distinguish essential from demonstrable attributes, the criteria are unclear, and the proponents of the “rationalist” interpretation may argue that some sort of “intuition” or “mental vision” (nous, according to them) must be part of the process. If, on the other hand, division itself involves explanatory concerns, the members of the “explanationist” school may think their case is already won.
A different but related difficulty concerns the essence of attributes, which, according to Bronstein, are not discovered by division or induction like the essence of subject-kinds. We get to know the essence of the lunar eclipse, for instance, by identifying the cause of the moon being eclipsed (or suffering a certain loss of light). Once this cause is identified, the eclipse can be defined as a loss of light from the moon caused by screening of the sun by the earth. Here, the reader might expect Bronstein to claim that “learning by definition” and “learning by demonstration” coincide, since he accepts that demonstration is the method for learning definitions of attributes. However, he insists that even here the two kinds of learning are distinct. “Learning by definition” is a process in which the inquirer (not the expert) engages, and consists in discovering essences previously unknown. On the other hand, only the expert can “learn by demonstration”, since she is able to acquire “a new understanding of the explanatory power of a definition she already knows” (p. 72). While learning by demonstration “proceeds from definitions”, learning by definition “proceeds to them” (p. 73). I must confess I fail to understand the distinction Bronstein is willing to draw. For him, learning by demonstration consists in grasping explanatory connections between previously recognized facts: knowing x and y in advance (x being the cause of y), the scientist realizes that x is the cause of y (pp. 39-40). However, a demonstration reveals the essence of (e.g.) the lunar eclipse precisely because it displays a causal connection between screening of the sun by the earth and the loss of light from the moon. It is unclear what kind of new information the expert can obtain by formulating (again?) a demonstration that has already revealed to him the cause and essence of eclipse. Still, Bronstein’s efforts to make this distinction are understandable. He is one of the few interpreters (if not the only one) that takes Aristotle’s use of the phrase “learning by demonstration” (APo I 18, 81a 39-40; Metaph. A 9, 992b 30-33) seriously and tries to explain it without reducing demonstration to a pedagogic procedure (as Barnes 1969, for instance, does). In fact, this is one of the most significant contributions of his book.
I would like to address a final issue. As we have seen, Bronstein claims that the essence of subject-kinds is grasped by division and induction, while the essence of attributes (and processes) is grasped by demonstration. The reason, according to him, is that the essences of attributes are “causally complex” and have the structure “A holds of C because of B”. In virtue of this causally complex structure, each of the elements in the essence of an attribute corresponds to one of the three terms involved in a syllogistic demonstration (Bronstein’s Chapter 7 and 10). On the other hand, the essences of subjects are “causally simple”, consisting in a combination of genus plus differentiae (Bronstein’s Chapter 12), which explains why they are grasped not by demonstration, but by division and/or induction. The relevant text here is APo II 9, where Aristotle affirms that only things “whose cause is something different” have definitions isomorphic to demonstrations (93b 25-28). Attributes and processes such as eclipse and thunder would somehow be “different” from their cause, which would make their essence “causally complex”. Subject-kinds (substantial beings, in particular) would be in a way “the same” as their causes, and hence their essences would be “causally simple” (Bronstein’s Chapter 9). I am not convinced that APo II 9 draws a distinction between attributes and subject-kinds (or between non-substantial and substantial beings). As a matter of fact, in Metaph. VII 17 and VIII 2-4, Aristotle applies to substances the theory of definition developed in APo II 8 (see Charles 2000; Peramatzis 2011; 2013). One may argue, as Bronstein does (p. 101), that the idea that sensible substances are analysable as compounds of form and matter (crucial to the arguments in the Metaphysics) is absent in the APo. However, Aristotle’s own examples in APo II 8, 93a 22-24, include substances (human being and soul), which suggests that the interdependence between defining and explaining holds good for subject-kinds as well. It is true that these examples are not fully explored, as thunder and eclipse are. Nevertheless, Aristotle might have thought that bringing hylomorphism to the (already complicated) discussion in APo II 8 would create extra difficulties unnecessarily. The absence of hylomorphic considerations in the APo is not a strong reason to think that Aristotle did not have consolidated views about the issue by the time the treatise was written – in APo II 11, for instance, he explores his theory of four causes, one the best-known doctrines of his philosophy of nature. Actually, in APo II 9, the entities whose essence is “not something different” seem to be conceptually simple items, rather than substances (Aristotle’s example is “unit”). Still, there is a sense in which defining and explaining remain interdependent activities even in the case of these simple entities. In a famous a passage from De Anima I 1, Aristotle claims that a definiens that does not help us understand the derivative properties of the definiendum is not properly scientific, but “dialectical and empty” (402b 16-403a 2). In other words, knowing the essence of X as the essence of X involves understanding how it explains X’s demonstrable attributes, even if there is not a demonstration isomorphic to the essence of X.
If this review focused on what I take to be difficulties for Bronstein’s interpretation, it is for a very simple reason: the merits of his book speak for themselves. As with any great philosophical work, even when the readers disagree with the views he advances, they will end up with a better understanding of their own ideas about the topics discussed. For anyone interested in Aristotle’s theory of knowledge, reading and reacting to this book is indispensable.
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Experiencing time – PROSSER (ARF)
PROSSER, Simon. Experiencing time. Oxford: Oxford University Press, 2016. Resenha de: MEURER, César Fernando. Realidade e experiência temporal. Aufklärung – Revista de Filosofia, João Pessoa, v.4, n.3, p. 213-216, set./dez., 2017.
Permita-me iniciar com uma citação direta, a fim de indicar logo o foco da obra:
Our engagement with time is a ubiquitous feature of our lives. We are aware oftime on many scales, from the briefest flicker of change to the way our livesunfold over many years. But to what extent does this engagement reveal the truenature of temporal reality? To the extent that temporal reality is as it seems, whatis the mechanism by which we come to be aware of it? And to the extent thattemporal reality is not as it seems, why does it seem that way? These are thecentral questions addressed by this book (Prosser, 2016, p. ix).
Essas questões são centrais não apenas para o livro de Prosser, mas também para duas áreas da filosofia: metafísica (natureza da realidade temporal) e filosofia da mente (experiência temporal). Por conta de suas preferências metafísicas, Prosser se vê no compromisso de desenvolver certa filosofia da mente. Explico: no que tange a natureza da realidade temporal, ele adere à teoria B do tempo. Segundo essa visão, lemos no prefácio do livro, “the apparently dynamic quality of change, the special status of thepresent, and even the passage of time are illusions. Instead, the world is a fourdimensional spacetime block, lacking any of the apparent dynamic features of time”(p. ix).
Ora, a filosofia da mente que combina com essa visão precisa tentar dar conta dessas ilusões. Esse é um empreendimento pesado, penso eu. Não obstante, o autor de Experiencing times e mostra convicto da viabilidade desse projeto. No entendimento dele, a experiência temporal é a principal justificativa para aceitar a teoria A do tempo e, consequentemente, mostrar que tal experiência é ilusória significa ganhar pontos para a teoria B. Prosser é enfático: se não houvesse o fator ‘experiência temporal’, dificilmente alguém seria a favor da teoria A do tempo (Cf. Prosser, 2016, p. 59). Se removermos as raízes experienciais, por assim dizer, o que resta da teoria A já não constitui alternativa genuína à teoria B (Prosser, 2016, p. 23).
No que segue, vou apresentar o assunto de cada um dos sete capítulos do livro. Devo me alongar um pouco ao falar do capítulo 2, que contém o argumento principal o livro. Também o capítulo 6 vai receber uma apresentação mais detalhada. Nele,oautor propõe uma estratégia argumentativa específica para dar conta das ilusõesmencionadas acima.
O capitulo “1. Introduction: the metaphysics of time” apresenta elementoschave do debate metafísico sobre o tempo. Em linguagem clara, conceitualmente precisa e enriquecida com algumas excelentes ilustrações, Prosser (2016, p. 0121) situa asprincipais ideias em torno das teorias A e B. O leitor familiarizado com essa literatura não encontra novidades nesse capítulo.
O capítulo “2. Experience and the passage of time” (p. 2260) apresenta o argumento principal do livro. Prosser problematiza uma ideia que muitos consideram indubitável:A experiência nos diz que o tempo passa. De acordo com diversosestudiosos (ele cita Eddington, 1928; Williams, 1951; Schuster, 1986; Schlesinger,1991; Davies, 1995 e Craig, 2000) essa é a principal razão, senão a única, para aceitarquehá passagem objetiva do tempo.
Prosser considera que essa inferência – da experiência temporal para a realidade temporal (Se percebo que o tempo passa, então o tempo realmente passa) – é problemática. Veja-se estas queixas: “The distinction between the Atheory and the Btheory is supposed to be a distinction inmetaphysics; yet we are being told that one sideof the debate is motivated by the nature of experience, and thus argues its case onempiricalgrounds” (p. 23). “There is something very odd about being told that ametaphysical debate can be settled byjust looking(or justexperiencing, at any rate)”(p. 23).
Para falsear essa inferência, que é do tipo P→Q, o autor procura mostrar que o antecedente é falso. Efetivamente, para ele, “[…] passage of time is not an empirical phenomenon. No matter what our experience seems to be telling us, we do not, andcannot, veridically experience the passage of time” (p. 23).
Eis, pois, a tese principal da obra: nenhuma experiência pode nos proporcionar uma razão genuína para acreditar que objetivamente o tempo passa. Mais que isso, se houvesse passagem do tempo, seria impossível experienciá- la. Logo, não há qualquer elemento empírico a favor da teoria A. Todos os capítulos subsequentes procuram oferecer razões a favor dessa visão. Leio os como um esforço minucioso no sentido de cortar as raízes empíricas da teoria A.
No capítulo “3. Attitudes to the past, present, and future” (p. 6183), Prosser desloca o foco para um tópico correlato: a semântica de sentenças com predicados temporais tais como ‘é passado’, ‘é futuro’. Para o autor, é um equívoco pensar que esses predicados atribuem propriedades teóricas A.
Os capítulos “4. Experiencing rates and durations” (p. 84116), “5. Is experiencetemporally extended?” (p. 117-159) e “6. Why does change seem dynamic?” (p. 160-186) giram em torno da hipótese segundo a qual a nossa experiência temporal está conectada com a maneira como nós experienciamos mudanças [change]. A ideia básica é esta: nós cremos que experienciamos mudanças de maneira dinâmica poisrepresentamos os objetos equivocadamente. “The experienced dynamic quality comesabout because experience represents objects as enduring (in the sense of ‘endurance’that contrastswith perdurance or stage theory)” (Prosser, 2016, p. 160).
O percurso argumentativo de Prosser pode ser esquematizado em alguns passos (essa esquematização é interpretação minha):
Passo 1: Sustentar que todas as experiências perceptuais têm conteúdo representacional.
Passo 2: Defender que a explicação do aspecto dinâmico da mudança [change] deve ser feita em termos de conteúdo representacional.
Passo 3: Considerar que é suficiente, para essa explicação, (3a) apresentar o conteúdo representacional e (3b) explicar por que a experiência em exame tem tal conteúdo representacional. Para tanto, o autor introduz o que chamaPrincípio daexplanação representacional: “To explain why change is experienced as dynamic it issufficient to state the representational content of the relevant element of experienceandexplain why it has that representational content” (Prosser, 2016, p. 163).
Por que é suficiente focar no conteúdo representacional? Resposta direta:Prosser entende que a ilusão está na disparidade entre realidade e conteúdorepresentacional. Assim, o foco deve ser posto ali, no conteúdo representacional. Querisso significar que uma explicação do caráter fenomênico per se não se faz necessária nesse caso.
Passo 4: Operacionalizar o princípio da explanação representacional. Nas palavras do autor,
My methodological proposal, then, is that we replace the question ‘why doeschange seem dynamic?’ with two questions: firstly, ‘what is the representationalcontent of the element of experience that we associate with change seemingdynamic?’ and secondly, ‘why is that contend represented?’ (Prosser, 2016, p.164).
Passo 5: Defender que o aspecto dinâmico da mudança é ilusório por conta da maneira que nós representamos objetos. Inadvertidamente, nós representamos as coisas(os objetos do mundo) pelo viés endurantista, e não perdurantista (p. 172 e p. 180181).Eis, segundo o autor, o núcleo da ilusão que nos faz acreditar que experienciamos apassagem do tempo: “the representation of something enduringthrougha change is akey element in the phenomenology of temporal passage” (Prosser, 2016, p. 186).
A pergunta óbvia, diante dessa afirmação, é: Por que nós representamos objetos pelo viés endurantista? “This saves computational power, […] and also has theadvantage that an object briefly obscured from view continues to be perceived as thesame object” (Prosser, 2016, p. 183). Representar um objeto inteiramente presente em vários momentos sucessivos é mais econômico; o cérebro guarda uma representação (um arquivo mental ou ‘mental file’ – cf. Recanatti) que vai sendo atualizada com o passar do tempo, na medida em que mudanças acontecem. Segundo o autor, é esse erro endurantista, por assim dizer, que nos faz crer (falsamente) que experienciamos um aspecto dinâmico na mudança. Na realidade, não há qualquer aspecto dinâmico.
No capítulo “7. Moving through time, and the open future” (p. 187205), Prosserexamina a ideia de que nós nos movemos no tempo e, também, a ideia de que o futuro não está determinado. Na visão dele, nós representamos a nós mesmos também pelo viés endurantista (cf. os parágrafos anteriores, acima). A partir dessa referência – uma ilusão que, no caso da autorrepresentação nem sempre é consciente –, chegamos a conclusão de que nos movemos no tempo, por assim dizer, na direção de um futuro aberto.
O livro Experiencing timeé interessante por diversos motivos, dentre os quais: a) o texto é claro, rigoroso e envolvente; b) é uma excelente porta de acesso ao debate filosófico contemporâneo em torno do tempo, tanto no campo da metafísica quanto da filosofia da mente; c) há esforço argumentativo em diferentes níveis; d) a discussão vai muito além da disputa em torno da teoria A ou B do tempo. Em síntese, uma excelente publicação que merece ser conferida.
César Fernando Meurer – SocialBrains Reseach Group/Unisinos & Unilasalle Canoas. Doutor em filosofia. Postdoctoral Visiting Scholar no Departamento de Filosofia da Università Degli Studi di Milano, Itália. m@ilto: cfmeurer@yahoo.com.br
[DR]Hall of Mirrors: The Great Depression, the Great Recession, and the uses – and misuses – of History
Em seu mais recente livro, Barry Eichengreen, historiador econômico reconhecido por todos, nos transporta aos eventos da crise financeira de 2008 e aos desdobramentos que a mesma teve para suas nações protagonistas. Estudioso da Grande Depressão de 1930, o autor parte em busca das lições que deveriam ter sido aprendidas com essa para evitar aquela que ele chama de Grande Recessão.
Para Eichengreen, as lições de 1930 ajudaram a que não se tivesse uma nova Grande Depressão mas os efeitos das medidas tomadas pelas autoridades no sentido de evitar tal catástrofe ainda não estão claras para todos. Assim, ao evitar uma nova depressão da magnitude dos anos 1930, os pensadores da economia mundial se abstiveram de realmente analisar todas as dimensões do ocorrido em 2008. Leia Mais
About Oneself: De Se Thought and Communication – GARCÍA-CARPINTERO (M)
GARCÍA-CARPINTERO, Manuel; TORRE, Stephan (eds.). About Oneself: De Se Thought and Communication. Oxford: Oxford University Press, 2016, 368p. Resenha de: VALENTE, Matheus. Manuscrito, Campinas, v.40 n.2 Apr./June 2017.
About Oneself: De Se Thought and Communication is a recently published collection of eleven papers on de se thought, i.e. thoughts about oneself as oneself, and its implications for a theory of communication. Edited by Manuel García-Carpintero and Stephan Torre, this volume contains contributions from many distinguished experts and presents the state-of-the-art discussions on this important field.
The issue of de se thought dates, at least, as far back as the late 1960s1, when some noticed that, in order to characterize the information encoded in a de se thought, one must reject some traditional assumptions about propositional attitudes. Take, for example, Perry’s famous story of when he tried to find the person making a mess in the supermarket by following a trail of spilled sugar only to subsequently realize that he himself was the culprit. It seems that, whatever the content of Perry’s epiphany is – the one he could express by uttering “I am making a mess” – it resists characterization by traditional conceptions of propositions (i.e. as sets of possible worlds or structured Russellian propositions).
Most of the chapters in this volume are primarily concerned to defend one or another theory of de se thought and to examine their implications for an account of communicative success. Due to shortage of space, this review will focus on the papers that are directly involved with these questions. Our main objective will be weaving these papers together such as to make explicit their points of agreement and disagreement.
What, after all, is so special about de se content? This is not an easy question to answer. Indeed, some philosophers even got as far as declaring that there is no real problem of de se content over and above the typical issues that singular thought (in general) brings about, such as Frege’s Puzzle2. Dilip Ninan’s paper – What is the Problem of De Se Attitudes? – intents to reach a verdict about the extent to which some content is essentially indexical. According to Ninan, only de se attitudes (as opposed to other de re attitudes) are such that they give rise to cases where two subjects agree about all the objective properties of a situation while still diverging in their behavior. This happens, for example, in Perry’s bear scenario (1979), in which I am being chased by a bear while you are watching from a safe distance. Even though we may agree on our objective beliefs about the situation (e.g. that I am being chased by a bear and you are not) as well as in our desires (e.g. we both desire that I don’t get killed), it is still true that we will be motivated to behave differently (e.g. I will curl up into a ball and you will run to get help). That is, only when de se attitudes are concerned, there can be full belief-desire agreement concomitant with divergent behavior. That conclusion leads to an outright denial of Explanation:
(Explanation) If a subject’s behaving in a certain way is explained by his set of belief-desire pairs, then any other subject possessing the same set of belief-desire pairs will be disposed to behave identically.
Ninan’s paper help us see how most theorists of de se thought are trying to hold onto Explanation in the face of conflicting evidences by rejecting one of the following two theses:
(Absoluteness) The contents of attitudes are absolute, i.e. contents do not vary in truth-value across individuals or times.
(Publicity) The contents of attitudes are public or shareable, i.e. if an agent x can entertain a content p, then so can any other agent y. (p. 111)
If Explanation and Publicity are true, Ninan claims, one must agree that someone could possess one of my de se beliefs, e.g. that I am being chased by a bear. Per Explanation, we would then be disposed to behave identically – we would both be disposed to, say, curl up into a ball. However, since it is possible that our beliefs diverge in truth-value – one of us could just be overly paranoid – we would then have to dispose of Absoluteness. This is the path (Lewis, 1979) famously took by defending that the content of de se attitudes are properties (or, equivalently, centred propositions), entities which vary in truth-value relative to non-worldly parameters.
Clas Weber – in Being at the Centre: Self-location in Thought and Language – explicitly sets out to defend a Lewisian theory of propositional attitudes and to show how the communication of de se thoughts would be possible inside that framework. In order to do this, Weber advances the Transform-and-Recenter Model of communication, according to which there is no single content being replicated from speaker to hearer in successful instances of de se communication. Since assertions present their contents as being essentially from a particular perspective, Weber claims, we must perform a series of transformations on other people’s asserted contents, so that a piece of information that was originally presented from the speaker’s perspective becomes a piece of information relative to the hearer’s.
In his contribution, De Se Communication: Centered or Uncentered?, Peter Pagin argues that no Lewisian theory positing centered contents can give a suitable account of de se communication, since “the connection between a [centered] content and its thinker is not representational” (p. 275). In a Lewisian theory, the content of de se thoughts are impersonal properties, e.g. the property of being chased by a bear. Only when a thinker believes that property, i.e. self-ascribes it, a connection between her and the content of her thought is drawn. Pagin argues that this entails that a thinker may never merely entertain a thought, e.g. that she is being chased by a bear; what she entertains is just the property of being chased by a bear, not that she is being chased by a bear. After considering various recent incarnations of the Lewisian theory, Pagin goes on to advance his own Fregean-inspired view, maintaining Absoluteness in exchange for Publicity, and thus, giving rise to the famous issue of ‘limited accessibility’. Pagin claims the denial of Publicity should be seen as non-problematic since (i) it is an independently motivated thesis that subjects rarely have the same conception of the concepts they employ and that (ii) this should not harm communicative success in the least.
In opposition to both Lewisian and Fregean theories, some philosophers argue, following (Perry, 1979), that sameness of behavior between A and B should not be explained by them believing a common content, but by them believing possibly distinct contents under the same guise. François Recanati and Manuel García-Carpintero both identify themselves as developing their own Perrian accounts of de se thought. These two authors argue that, in order to clarify these issues, one has to take into account two distinct semantic levels about which one’s attitudes and assertions are accountable: the presuppositional content that one’s representations carry and the content that they properly expresses. The former accounts for the cognitive significance of a thought, whereas the latter accounts for our intuitions on (dis)agreement and sameness of subject matter. Recanati, in Indexical Thought: The Communication Problem, presents his version of a Perrian two-factor theory by means of his independently motivated framework of Mental Files, i.e. psychological guises by means of which we produce and retain singular thoughts. Recanati considers multiple accounts of de se communication before settling for an improved variant of Weber’s Transform-and-Recenter model. Differently from Weber, who frames his model by means of metarepresentations, Recanati fleshes it out in terms of Mental Files. For this reason, he claims to be able to overcome the aforementioned objections from Pagin. One interesting consequence of Recanati’s account of de se communication is that the idea of the thought expressed by an utterance, over and above the thoughts of the speaker and her interlocutor, comes out as otiose. As the author emphasizes, as long as we have our hands on the thought of the speaker, the thought of the hearer, and a suitable relation of coordination between them, there remains no theoretical role to be played by a neutral notion of the thought expressed by the utterance.
Manuel García-Carpintero’s paper, Token-Reflexive Presuppositions and the De Se, agrees with Recanati’s in that both argue that the cognitive state of a subject undergoing a de se thought must be characterized not only by (i) that subject (mentally) asserting a certain content but also by (ii) her thought triggering certain reference-fixing presuppositions. Thus, even if the content of de se attitudes are to be fleshed out as familiar singular propositions, “when I judge I am hungry I [also] presuppose that the person of whom I am predicating being hungry is the thinker of this very judgement” (p. 191). García-Carpintero points out the importance of distinguishing the attitude a subject holds towards an asserted content from the attitude held towards a content that she presupposes in virtue of having made that assertion. The author claims that the attitude towards a presuppositional content cannot be that of belief, since anyone else could believe a certain presuppositional content without being motivated to act in the special way de se attitudes motivate us to act. Because of these reasons, García-Carpintero notes, even a Perrian theory is bound to posit some kind of limited accessibility to de se thoughts. In his own framework, the limited accessibility arises from the fact that, while anyone can have a belief about the owner of a certain thought of mine (e.g. that the owner of that thought is hungry) only I can have a thought about myself by correctly presupposing that the owner of that thought is hungry. One shortcoming of that paper, as the author himself admits, is that it does not provide a deeper development of the attitude of presupposition. More particularly, it would be enlightening to know more about a subject’s understanding of her own presuppositions besides the fact that it should be merely implicit. Should it, for example, be characterized as dispositional knowledge that one would be able to manifest given sufficient time and reflection or is it something even less substantial, such as, perhaps, a matter of knowledge-how? These questions remain open for further inquiry.
Robert Stalnaker’s positions about de se thought have been usually understood as being in opposition to a Perrian two-factor theory. Be that as it may, in his contribution – Modeling a Perspective on the World – we see him getting closer and closer to that tradition. Stalnaker’s most immediate concern in that paper is proving that one does not need to add centers to possible worlds in order to model attitudinal content. According to him, the formal apparatus of centred possible worlds is theoretically useful, not for modeling contents, but for modeling belief states, i.e. the relation between particular thinkers and the set of doxastic alternatives accessible to them. More specifically, belief states are modeled by Stalnaker as pairs consisting of a base world (the world and time in which the subject is in that state) and a set of doxastic alternatives available to that subject (the worlds that might, for all that subject believe, be the actual one). As more than one author in this volume has noticed3, Stalnaker’s resulting theory resembles a typically Perrian theory with two levels of content, one playing the internal role of psychological rationalization (the doxastic alternatives) and the other, playing the external role of providing absolute truth-conditions for the relevant attitude (the base world). One might wonder, as García-Carpintero (p. 188 ff. 21) suggests, whether this means that Stalnaker’s theory is not concerned, as it used to be in earlier works, with providing a holistic individuation of a subject’s total belief state, but with characterizing specific parts of a subject’s belief states. Unfortunately, Stalnaker does not comment on that, so we are left to our own speculations.
No theory of de se thought has an easy way out of the problem of communication. In Varieties of Centering and De Se Communication, Dirk Kindermann claims that no variant of the Lewisian and Perrian accounts of de se thought4 allows us to maintain a simple picture of communication as the replication of thought from speaker to hearer. He takes that and related facts to motivate a neutral position on the issue of de se thought: “everything that can be done by one view can also be done by the others; the views cover exactly the same empirical data and do so in equally simple ways; the choice between the views is a matter of (theoretical) taste and prior commitments” (p. 309). Kindermann’s conclusion implies that, at least some disagreements between philosophers working on de se thought are not fundamental, such as those about which theory provides a simpler account of de se communication, propositional agreement/disagreement or of samesaying. Coming last in a volume about de se communication, Kindermann’s paper has a particularly anti-climactic feel. If, as this author suggests, there are no knock-down arguments waiting to be discovered in favor of this or that theory, philosophers might need to put the issue of de se thought into a new perspective in order to avoid reaching an argumentative dead-end.
There are four remaining papers. Isidora Stojanovic’s Speaking About Oneself investigates the concept of samesaying in relation to de se utterances and argues that it neither tracks the character nor the Kaplanian content of an utterance. In Why My I Is Your You, Emar Maier presents a formal model of de se communication using the apparatus of Discourse Representation Theory. Aidan McGlynn’s Immunity to Error Through Misidentification and the Epistemology of De Se Thought claims that de se thoughts are not epistemically special and that the phenomenon of IETM should be characterized as a matter of degree. Finally, Kathrin Glüer’s Constancy in Variation tackles the issue of perceptual content and defends the thesis that it does not need to be modeled by centered contents.
One may ask, what is the upshot of the discussions and arguments contained in this volume? Here’s a tentative answer: to account for de se intentionality, we need to explain (i) why two people who have identical de se beliefs are (ceteris paribus) disposed to behave identically while (ii) two people who seem to agree on all the objective properties of a scenario may nonetheless go on to act differently. This was, as we have seen, one of the lessons of Ninan’s contribution to that volume. Most authors seem to agree that, in order to explain (i), we need fine-grained representations of one’s beliefs and/or belief states; however, it is crucial to distinguish the attitude one has towards those fine-grained objects from the attitude one has towards one’s beliefs. On the other hand, there is not much consensus nor positive suggestions about how to explain (ii). Again, most authors point out that merely having beliefs with the same objective truth-conditions is not enough for two people (or two temporal stages of the same person) to count as being in agreement with each other. However, it is not clear what else is necessary. One interesting theoretical possibility is suggested by Recanati’s talk of “coordination” among different thoughts, but the idea is arguably underdeveloped as it stands. Another possibility is to see Weber’s Transform-and-Recenter model as providing a constraint on the agreement relations between two thoughts, e.g. two thoughts A and B agree with each other if and only if B would be the output of the Transform-and-Recenter operation on A and vice-versa. However, that route seems to lead one to conclude that communication and belief retention are highly intellectual inferential processes, whereas intuition has it that they are just the opposite.
All in all, the issue of de se thought is by now a firmly established area of philosophical research and this volume points the way future discussions should take. We recommend it to any reader who is interested in the latest discussions in the philosophy of language and their ramifications into the philosophy of mind and epistemology.
References
Castañeda, Hector-Neri ‘He’: A study in the logic of self-consciousness. Ratio 8 (December):130-157, 1966. [ Links ]
Perry, J. The problem of the essential indexical. Noûs 13 (December):3-21, 1979. [ Links ]
Lewis, D. Attitudes de dicto and de se. Philosophical Review 88 (4):513-543, 1979. [ Links ]
Prior, A. N. Thank Goodness That’s over. Philosophy 34 (128):12 – 17, 1959. [ Links ]
Frege, G. The thought: A logical inquiry. Mind 65 (259):289-311, 1956. [ Links ]
Cappelen, H. & Dever, J. The Inessential Indexical: On the Philosophical Insignificance of Perspective and the First Person. Oxford University Press, 2013. [ Links ]
Magidor, O. The Myth of the De Se. Philosophical Perspectives 29 (1):249-283, 2015. [ Links ]
Notas
1(Castañeda, 1966), (Perry, 1979) and (Lewis, 1979) are usually referred as the first authors to address the issue of de se thought. However, the origins of the argument in favor of essentially de se thoughts can be traced to even earlier works, such as (Prior, 1959) and (Frege, 1956).
2For some recent de se eliminativists, see (Cappelen and Dever, 2013) and (Magidor, 2015).
3García-Carpintero, p. 188 ff. 21; Recanati, p. 144 ff. 5; Weber, p. 249 ff. 5.
4lt seems that Kindermann could very well extend his argument to Fregean theories, although he does not go in that direction.
Matheus Valente – Universitat de Barcelona – Department of Logic, History and Philosophy of Science, Carrer de Montalegre 6 Barcelona 08001, Spain, matheusvalenteleite@gmail.com
Siendo continuación de un estudio anterior (A Tale of Seven Elements), encontramos en este trabajo un libro ameno y de ágil lectura. En él se reflejan no solo la genuina humildad que caracteriza al erudito, sino la curiosidad, que es el germen de la indagación filosófica.
Apto tanto para el lector diletante o desprevenido como para el estudioso experto, este texto posee múltiples niveles de complejidad que lo convierten en una lectura grata y edificante a la vez. Leia Mais
The Story of Pain. From Prayer to Painkillers | Joanna Bourke
Nacida en una familia humilde en Pennsylvania, Mary Rankin vivió una vida larga y llena de amargura. Su precaria salud y sus continuos coqueteos con la muerte hicieron de ella una escritora sui generis, que sólo publicó The Daughter of Affliction (1871). El libro, cuyos cuatro mil ejemplares se agotaron con rapidez, narra una historia de religiosidad y sufrimiento que constituye uno de los cientos de fuentes que dan solidez al texto de Joanna Burke. En él, Rankin afirma que a pesar de sus atroces dolores resolvió negarse a aceptar cualquier forma de aliviarlos. Su mente –razonaba la piadosa decimonónica– podría embotarse de tal modo que la inconsciencia le impediría percatarse de su encuentro con el Creador (p. 285). Leia Mais
HEARTFIELD, J. The British and Foreign Anti-Slavery Society (RH-USP)
HEARTFIELD, James. The British and Foreign Anti-Slavery Society, 1838- 1956. A history. Oxford: Oxford University Press, 2016. xii + 486p. Resenha de: RÉ, Henrique. Uma história da Britsh and foreign anti-slavery Society: A instituição que internacionalizou o antiescravismo britânico. Revista de História (São Paulo) n.176 São Paulo 2017.
Em agosto de 1833, o Parlamento da Grã-Bretanha aprovou a lei que emancipou os escravos das colônias das Índias Ocidentais, do Canadá, da Colônia do Cabo e das Ilhas Maurício. (Essa lei não eliminou a escravidão do Império britânico, como alguns abolicionistas insistiram: ainda restavam os escravos das Índias Orientais, cujo número estimado superava todo o conjunto de escravos das regiões do Novo Mundo).1 A lei de 1833 entrou em vigor a partir de 1º de agosto de 1834; contudo, ela não tornou os ex-escravos imediatamente livres. Eles teriam que passar por um período de “aprendizado” para que se acostumassem à sua nova condição – na verdade, tratava-se da regulamentação do trabalho forçado, com o objetivo de prolongá-lo por mais alguns anos. O “aprendizado” demonstrou ser um equívoco: ele desagradou aos abolicionistas, às autoridades coloniais, aos fazendeiros e, obviamente, aos aprendizes que, em muitos casos, viram sua situação piorar ainda mais. Diante da comoção pública e dos vários casos de abusos cometidos pelos fazendeiros e pelas autoridades coloniais, o Parlamento britânico resolveu reduzir os anos de prestação de serviço dos aprendizes. Em algumas ilhas, as próprias assembleias locais se encarregaram de acabar com o aprendizado antes mesmo da decisão do Parlamento britânico chegar às colônias. Assim, em 1º de agosto de 1838, o sol se levantou sobre o Caribe trazendo uma liberdade um pouco mais pura para os negros britânicos, e todos os aprendizes foram considerados livres.2
Inegavelmente, a campanha antiescravista britânica, iniciada na década de 1780, alcançou um triunfo quase completo. Mas alguns grupos abolicionistas não ficaram satisfeitos com a indenização de vinte milhões de libras concedida pelo Estado britânico aos fazendeiros. Eles julgaram que a concessão da indenização somente seria legítima se a propriedade fosse legal, condição que não poderia ser aplicada à escravidão de seres humanos. Nas fileiras antiescravistas também havia indivíduos que não estavam contentes com a perspectiva de encerrar a campanha abolicionista. Eles desejavam levar a luta contra o tráfico e a escravidão para outras partes do mundo, numa cruzada mundial. Mas, nesse momento, as instituições antiescravistas britânicas existentes não estavam capacitadas para desempenhar esse novo papel.
A alternativa consistia, portanto, em criar uma nova entidade, que tivesse capilaridade por toda a Grã-Bretanha, mas que também contasse com auxílio e inserção internacional. Entretanto, em decorrência da existência de inúmeros grupos abolicionistas, cada um defendendo posições e métodos diferentes, mais uma vez o movimento antiescravista britânico se viu dividido quanto às medidas a serem adotadas e à forma de implantá-las.
No final dos anos 1830, surgiram então duas entidades com pretensões de liderar a cruzada antiescravista mundial. Todavia, conforme um dos fundadores declarou, elas não eram rivais: como tinham focos diferentes, elas se complementavam.3
Thomas Fowell Buxton, um dos líderes abolicionistas mais reconhecidos e ativos naquele momento, vinha elaborando desde meados dos anos 1830 um projeto de colonização da África. A ideia consistia em estabelecer fazendas no continente africano para que servissem de modelo de desenvolvimento e desencorajassem os habitantes de participar do tráfico de escravos. Segundo Buxton, era necessário atuar para conter o tráfico de escravos, pois somente assim a escravidão poderia ser efetivamente eliminada. A instituição criada por Buxton, a Society for the Extinction of the Slave Trade and for the Civilization of Africa, organizou uma expedição ao rio Níger com o objetivo de implantar as fazendas, mas os integrantes da expedição foram assolados provavelmente pela malária, e o projeto de Buxton tornou-se uma tragédia. A Sociedade teve uma vida efêmera e foi dissolvida em 1843.
Outro grupo de abolicionistas, liderado por Joseph Sturge, um quacre de Birmingham, também vinha se organizando desde meados da década de 1830 para criar uma nova entidade, capaz de encabeçar a internacionalização do movimento abolicionista. Depois de várias reuniões no início do ano, surge em abril de 1839 a British and Foreign Anti-Slavery Society (BFASS), que existe até hoje ainda que com outro nome e, assim, é considerada a mais longeva instituição defensora dos direitos humanos.
Diferentemente da instituição de Buxton, a BFASS focou sua luta preferencialmente no combate à escravidão. Seus integrantes entendiam que, diante dos lucros do tráfico de escravos, de nada adiantaria combatê-lo diretamente, pois os traficantes sempre encontrariam uma forma de burlar qualquer tipo de bloqueio que lhes fosse imposto. Nessa perspectiva, combater a escravidão seria mais promissor, pois, uma vez eliminada a demanda, a oferta também seria extinta. Outra diferença da BFASS em relação a algumas sociedades abolicionistas anteriores era sua ênfase no imediatismo. Ela não via com bons olhos as medidas gradualistas para acabar com a escravidão e considerava que as vias institucionais eram os canais adequados para o avanço da causa antiescravista.
Tal como a maioria das sociedades antiescravistas anteriores, a BFASS era comandada por quacres – o grupo religioso que seguramente esteve mais envolvido nas ações antiescravistas britânicas desde o final do século XVIII. Embora a BFASS fosse uma entidade de caráter civil, onde qualquer um poderia participar desde que contribuísse com uma pequena quantia, os quacres eram os principais responsáveis pela sua manutenção financeira, e, por isso, tinham o poder de definir sua orientação ideológica e suas diretrizes. Como os quacres eram defensores fervorosos do pacifismo, a BFASS jamais endossou qualquer atividade antiescravista que utilizasse as armas ou a força, nem apoiou qualquer proposta de intervenção antiescravista que pudesse gerar derramamento de sangue.
O livro de James Heartfield traça a história dessa instituição desde sua origem, em 1839, até sua última troca de nome em 1956. O recorte temporal da obra é bastante preciso. Por setenta anos, a BFASS atuou prioritariamente como uma entidade preocupada com o escravismo, mas tal preocupação foi assumindo outros contornos a partir do final do século XIX, especialmente em decorrência da colonização da África pelas potências europeias. Em 1909, a BFASS se fundiu com a Aborigines’ Protection Society e transformou-se em Anti-Slavery and Aborigines’ Protection Society. Depois das duas guerras mundiais, ainda que a questão escravista fosse um assunto de extrema relevância, o início da luta contra o colonialismo na África e as discussões acerca da igualdade de direitos entre negros e brancos levaram a Sociedade a procurar “seus apoiadores para uma possível troca de nome, ‘que express[ass]e mais corretamente a extensão de suas atividades’” (p. 421). Em 1956, ela assumiu sua designação atual: Anti-Slavery Society for the Protection of Human Rights. No início do século XX, ela já havia atuado em várias ocasiões na Liga das Nações; depois da criação da ONU, a Sociedade continuou atuando como uma espécie de órgão consultivo.
Embora outros trabalhos já tivessem tratado da história da BFASS, nenhum o fez com tamanha abrangência. Em geral, as obras anteriores eram compilações de seus “feitos” (por vezes, uma espécie de prestação de contas organizada pela própria entidade), ou obras historiográficas que abordavam a participação da BFASS no movimento antiescravista britânico ou em contextos específicos.4 Enfim, é a primeira vez que surge uma obra exclusivamente voltada para a história dessa instituição e abrangendo todo o período no qual ela se dedicou prioritariamente à causa do antiescravismo.
Obviamente, como o próprio subtítulo do livro esclarece, trata-se de “uma história” dentre as inúmeras possíveis, especialmente quando se leva em consideração que o recorte temporal abarca um período de aproximadamente cento e vinte anos, no qual a instituição se envolveu em diversos assuntos em várias regiões do mundo, e respondeu de formas variadas aos desafios que se apresentavam.
Heartfield adotou uma forma expositiva que privilegia os temas principais nos quais a BFASS esteve envolvida, trabalhando-os separadamente em cada um dos capítulos. A narrativa segue uma sequência em que, na primeira parte do livro, são abordados os temas referentes à escravidão nas Américas; na segunda, a escravidão na África; e, na terceira, o trabalho contratado nas colônias das Índias Ocidentais e da África, e o posicionamento da Sociedade no período entre-guerras. Ao mesmo tempo em que essa estratégia expositiva permitiu maior leveza no tratamento dos assuntos, também dificultou o aprofundamento em alguns deles, como foi o caso do envolvimento da BFASS na escravidão cubana e brasileira ou na diplomacia britânica que atuou contra o tráfico de escravos. Tornou-se praticamente impossível abordar de maneira mais circunstanciada a forma como a Sociedade lidou com essas situações no decorrer das décadas em que esteve envolvida nestes casos.
Outro mérito do livro foi acompanhar a transformação da atuação da BFASS, que atendia às mudanças que ocorriam nas formas de trabalho – da escravidão nas Américas e na África para o trabalho contratado dos chineses e indianos nas Américas, na África, na Ásia e na Oceania, em áreas não necessariamente sob domínio britânico. A Sociedade combatia a utilização dessa forma de trabalho, mas apresentava como um dos motivos para recusá-lo a imoralidade dos trabalhadores: em muitos casos, alegava a BFASS, tratava-se de prostitutas, homossexuais e viciados de péssimo caráter (p. 341-2).
Contudo, a linha mestra que organiza toda a narrativa, ainda que em vários momentos não esteja claramente exposta, é uma sugerida interação entre a BFASS e o governo britânico. O autor evidencia essa perspectiva já a partir da primeira página da obra: “(…) a Sociedade ajudou a estabelecer os fundamentos de uma sociedade civil esclarecida; mas ao mesmo tempo esteve intimamente ligada ao Estado, baseou-se em relatórios oficiais, elaborou propostas de diretrizes e até engendrou a criação de um departamento antiescravista paralelo dentro do governo”. A atuação da BFASS também teria transformado concomitantemente o antiescravismo num mecanismo de projeção governamental britânica (p. 1).
Essa tensão perpassa toda a obra, e o autor teve méritos em demonstrar como a BFASS, ao apoiar a diplomacia contra o tráfico de escravos, ajudou indiretamente a estabelecer uma espécie de tutoria sobre os países que participavam dos tratados ou acordos bilaterais com a Grã-Bretanha para acabar com esse comércio e, consequentemente, difundir mais amplamente os interesses britânicos. Da mesma forma, a retórica antiescravista tornou-se um ingrediente do pacote ideológico que justificou a subjugação dos povos coloniais africanos a partir da década de 1870: paradoxalmente, a retórica abolicionista já continha as sementes do império (p. 75 e 229).
É certo que a BFASS se esforçou para impor certa diretriz abolicionista à política internacional britânica, mas é difícil conceber que ela dispunha de força suficiente para fazê-lo. Em 1841, sua pressão sobre o governo para que ministros, cônsules e agentes no exterior não negociassem escravos foi bem sucedida. Palmerston, então ministro do Foreign Office, enviou uma circular a todas as representações britânicas no exterior para que adotassem essa resolução, que havia sido elaborada pelo primeiro Congresso Antiescravista Mundial, organizado pela BFASS, em Londres, em meados de 1840.5 Não é difícil perceber, entretanto, que tal medida tinha pouca capacidade de influenciar os destinos da escravidão nos países escravistas. Tratava-se mais de uma questão de moralidade.
Portanto, o autor parece exagerar um pouco a interação entre a BFASS e o governo britânico. Se a Sociedade utilizava os relatórios consulares para elaborar seus estudos e matérias sobre o tráfico e a escravidão, ela também obtinha dados de outras fontes; por exemplo, de seus correspondentes no exterior, ou do caso extremo em que enviou uma missão secreta ao Brasil para coletar informações sobre a situação do tráfico e da escravidão.6 A utilização dos relatórios consulares não era exclusividade da BFASS, pois eles eram ansiosamente lidos em Madri, Havana e Rio de Janeiro, e o governo brasileiro chegou a utilizá-los como dados oficiais.7
Ainda que a BFASS também tivesse acesso às autoridades governamentais e tentasse influenciar politicamente as diretrizes antiescravistas do Estado britânico, isso em geral ocorria por meio de lobby parlamentar. A Sociedade procurava os parlamentares simpáticos à causa e os orientava sobre a maneira de proceder, de acordo com aquilo que julgava mais adequado para determinada questão. Nesses casos, provavelmente, o máximo que ela conseguiu foi a adesão de um ou outro parlamentar mais recalcitrante ou a flexibilização de algumas posturas mais conservadoras. Em muitas ocasiões, a BFASS viu seu pleito ser vencido nos gabinetes ou nas votações, como ocorreu, por exemplo, na anexação do Texas, no Tratado Webster-Ashburton, na questão da equalização dos impostos do açúcar e na repressão ao tráfico brasileiro no início da década de 1850. Como um historiador salientou, os abolicionistas muitas vezes tentaram confrontar a exploração escravista em qualquer país a partir de táticas de natureza moral, religiosa e pacífica, mas isso proporcionava uma base relativamente pequena para interferir nas diretrizes do Estado britânico. Além disso, desde a fundação da BFASS, alguns de seus principais membros ganharam a reputação de idealistas irresponsáveis.8
Seguramente, a difusão dos interesses comerciais, diplomáticos e políticos da Grã-Bretanha foi beneficiada pela retórica antiescravista tanto na metrópole quanto no exterior, dentro ou fora do Império britânico. Entretanto, são muito bem conhecidas pela historiografia as divergências entre o Comitê da BFASS e as autoridades políticas e militares britânicas. Em várias ocasiões, as decisões da Sociedade desagradaram os estadistas britânicos e, principalmente, os comandantes militares responsáveis pelo esquadrão naval estacionado na costa africana e americana.9 Portanto, supor uma interação entre a BFASS e o Estado britânico, como se a entidade antiescravista estivesse “intimamente ligada ao Estado”, é um ponto de vista que talvez precise ser relativizado.
Outro ponto que merece ser mencionado na obra de Heartfield – mais pela ausência do que pela presença – é a participação dos negros no próprio processo de emancipação ou, para usar um termo horrível, mas bastante utilizado hoje em dia, a “agência escrava”. É o próprio autor que afirma:
A escravidão é um ato belicoso e a mão-de-obra forçada estava sempre disposta a resistir e, muitas vezes, a se revoltar. As revoltas de escravos eram dispendiosas em termos de tropas e gastos militares e onerosas em matéria de prestígio para os governos europeus. Tão importante quanto o movimento de emancipação na Inglaterra era a recusa constante dos próprios escravos de não se deixar escravizar (p. 17).
Embora o capítulo 1 apresente um item chamado “Revoltas escravas”, em que é mencionado o protagonismo dos escravos no processo de abolição de alguns países, infelizmente, o autor não dedicou outros momentos para compreender por que a BFASS sempre declinou de qualquer participação direta dos ex-escravos na luta contra a escravidão nas colônias ou em outros países.
É certo que Joseph Sturge, o fundador da BFASS, e outros abolicionistas se dedicaram pessoalmente a empreendimentos nas colônias para a educação dos ex-escravos e para o estabelecimento de pequenas propriedades, mas não há registros de que a BFASS tenha aceitado ou incentivado a participação dos escravos e ex-escravos na luta abolicionista nas colônias britânicas. Essa recusa, provavelmente, não decorria exclusivamente de seu pacifismo, mas da maneira como entendia que a emancipação devia ser conduzida: sempre de forma ordeira, preservando o status quo e pela via legislativa. Qualquer ato que pudesse vir a prejudicar a produção e a economia ou que se desviasse dos padrões sociais britânicos deveria ser desprezado. Uma vez que o autor se preocupou em mencionar o tema da revolta escrava, ele poderia ter investigado um pouco mais a relação da BFASS com o protagonismo negro.
A BFASS e o Brasil
Embora seja correto afirmar que a abolição brasileira “nunca foi a principal prioridade da Sociedade” (p. 189), desde a sua fundação, a BFASS expressou preocupação com o tráfico e a escravidão brasileira, tanto que em seu Estatuto o nome do Brasil aparece ao lado dos Estados Unidos, do Texas e de Cuba como os locais para onde a Sociedade deveria dirigir seus esforços.10 Mas a preocupação da BFASS com o Brasil não esteve apenas formulada em seu Estatuto. Desde o início da década de 1840 até a abolição da escravidão brasileira, em 1888, a Sociedade realizou esforços para combater o escravismo no Brasil. A historiografia já documentou a relação entre Joaquim Nabuco e a BFASS na década de 1880; também já é conhecida a missão organizada secretamente pela BFASS no início da década de 1840 para investigar as condições da escravidão no país; do mesmo modo, são conhecidas as petições que a BFASS e outras sociedades antiescravistas auxiliares da Grã-Bretanha (ligadas à BFASS) enviaram ao imperador e às autoridades governamentais brasileiras, pressionando primeiramente pelo fim do tráfico e depois pelo término da escravidão.11
Infelizmente, nesse ponto, o livro de Heartfield é bastante sucinto e apresenta alguns equívocos. Todo o envolvimento da BFASS com Brasil e Cuba é abordado num único capítulo de pouco mais de vinte páginas. Tratando especificamente do caso brasileiro, pode-se afirmar que Heartfield se limitou a comentar alguns aspectos do Bill Aberdeen, do envolvimento do capital britânico em atividades escravistas brasileiras e de algumas petições contra a escravidão enviadas ao Brasil.
Além dos erros na grafia de alguns nomes, Heartfield se equivoca quando diz que “o líder da Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos na década de 1870 era Joaquim Nabuco” (p. 194). Além dessa Sociedade nunca ter existido no Brasil, Joaquim Nabuco, no início da década de 1870, estava concluindo seu curso de Direito no Recife e logo depois viajaria para a Europa, onde passaria anos em estado de “lazaronismo intelectual”, como ele próprio reconheceu.12 Logo depois, graças aos contatos paternos, assumiria cargos diplomáticos nos Estados Unidos e na Inglaterra. Somente após a morte do pai e de sua eleição para a Câmara dos Deputados, em 1878, Nabuco se manifestaria no ano seguinte publicamente contra a escravidão.
Outro sério equívoco da obra de Heartfield foi afirmar que “a Lei 3.353, de 13 de maio de 1888, foi proclamada em nome do Príncipe Imperial Regente, Rodrigo Augusta [sic] da Silva” (p. 195). O autor estava se referindo ao senador Rodrigo Silva, que na época ocupava ao mesmo tempo os ministérios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e dos Negócios Estrangeiros, e foi o autor do projeto da referida lei.
São nos equívocos sobre o Brasil, provavelmente, que se manifesta mais claramente uma das deficiências dessa obra. Heartfield realizou uma ampla pesquisa sobre a BFASS, que abarcou quase cento e vinte anos de atuação de uma instituição que possuía capilaridade em várias regiões do mundo. Esse é um mérito que deve ser reconhecido. Porém, talvez devido às dificuldades de lidar com outras línguas, o autor se limitou somente à historiografia de origem anglo-saxã. E, no caso das fontes provenientes da BFASS, ele se limitou basicamente ao material impresso, em especial o Anti-Slavery Reporter, que era o periódico da Sociedade, e os Annual Reports. Heartfield não utilizou nenhuma vez sequer a correspondência trocada entre os membros do Comitê da BFASS e os correspondentes no exterior, tombada pela Rhodes House Library de Oxford, que guarda precioso material que não pôde ser publicado na época.
A análise dessa correspondência talvez permitisse que o autor percebesse a ambivalência do posicionamento da BFASS.13 A Sociedade desejava a extinção da escravidão por meio de métodos pacíficos, legais e economicamente viáveis, sempre de acordo com as concepções britânicas de liberdade e da organização liberal da economia. Entretanto, a BFASS tinha dificuldades para perceber ou aceitar que esses padrões sociais e econômicos dificilmente poderiam ser implantados sem ferir muitas crenças liberais. Em outras palavras, a BFASS não conseguia explicar como o fim da escravidão nas Índias Ocidentais levou ao colapso da produção açucareira, nem como a aplicação das diretrizes do livre-comércio ao tráfico de escravos geraria um salto grandioso desse comércio ou como o livre-comércio do açúcar favorecia a escravidão em Cuba e no Brasil.
Referências
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1TEMPERLEY, Howard. British antislavery, 1833-1870. Columbia: University of South Carolina Press, 1972, p. 94.
2HUZZEY, Richard. Freedom burning. Anti-slavery and empire in Victorian Britain. Ithaca: Cornell Uni versity Press, 2012, p. 10-11.
3HUZZEY, Richard, op. cit., p. 67.
4Ver, por exemplo, A chronological summary of the work of the British & Foreign Anti-Slavery Society during the nineteenth century (1839-1900). Londres: Offices of the Society, 1901; HARRIS, John. A century of emancipation. Londres: Kennikat Press, 1971. Harris foi secretário da Anti-Slavery and Aborigines’ Protection Society a partir de 1910; a primeira edição de seu livro ocorreu em 1933; TEMPERLEY, Howard, op. cit.; HUZZEY, Richard, op. cit.
5Ver, por exemplo, as correspondências de Palmerston aos representantes consulares britânicos no Brasil em FO 84/326, National Archives, Londres.
6Sobre a missão enviada ao Brasil, ver RÉ, Henrique Antonio. “Missão nos Brasis”: a BFASS e a organização de uma missão abolicionista secreta ao Brasil no início da década de 1840. Revista de História, n. 174, São Paulo, jan.-jun. 2016, p. 69-100.
7ELTIS, David. Economic growth and the end of the transatlantic slave trade. Nova York: Oxford University Press, 1987, p. 112.
8HUZZEY, Richard, op. cit., p. 67-8; TURLEY, David. Anti-slavery activists and officials: “influence”, lobbying and the slave trade, 1807–1850. In: HAMILTON, Keith & SALMON, Patrick. Slavery, diplomacy and empire. Britain and the suppression of the slave trade, 1807-1975. Londres: Sussex Academic Press, 2013, p. 88-90.
9Ver, por exemplo, o episódio em que Charles Fitzgerald, um tenente da Marinha Real, foi proibido por Sturge de se pronunciar no Congresso Antiescravista Mundial de 1840, pois ele se opunha ao “princípio pacífico” do referido congresso. HUZZEY, Richard, op. cit., p. 14.
10British and Foreign Anti-Slavery Society for the abolition of slavery and slave-trade throughout the world. Address. Londres: Johnston and Barrett, s.d. [1839?], p. 2.
11BETHELL, Leslie & CARVALHO, José Murilo de (org.). Joaquim Nabuco e os abolicionistas britânicos. Correspondência, 1880-1905. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008; ROCHA, Antonio Penalves. Abolicionistas brasileiros e ingleses. A coligação entre Joaquim Nabuco e a British and Foreign Anti-Slavery Society (1880-1902). São Paulo: Editora da Unesp, 2009.
12NABUCO, Joaquim. Minha formação. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1963, p. 173.
13Sobre a questão da ambivalência do posicionamento dos abolicionistas, ver ELTIS, David, op. cit., especialmente o capítulo 7.
Henrique Antonio Ré – Pós-doutorando no Departamento de História, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. E-mail: henrique.re@usp.br.
Hinduism & Its Sense of History – SCHARMA (RMA)
SHARMA, Arvind. Hinduism & Its Sense of History. New Delhi: Oxford University Press, 2003. 134p. Resenha de: CARVALHO, Matheus Landau de. Teoria e metodologia do tempo na Índia: o pensamento hindu sobre a História. Revista Mundo Antigo, v.5, n.11, dez., 2016.
Publicado pela Oxford University Press em 2003, Hinduism & Its Sense of History é uma obra do historiador indiano Arvind Sharma dividida em quatro partes dedicadas à teoria e metodologia da história da Índia. Calcado em uma ampla gama de fontes primárias e secundárias de caráter historiográfico, religioso, linguístico e filosófico, Sharma avalia a afirmação recorrente há séculos de que os hindus como um povo e o Hinduísmo como uma tradição religiosa plural não possuem um senso de história suficiente. Leia Mais
Leibniz: A very short introduction – ANTOGNAZZA (FU)
ANTOGNAZZA, M.R. Leibniz: A very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016. Resenha de: SANTOS, César Schirmer dos. Uma introdução atualizada a Leibniz. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.17, n.3, p.390-391, set./dez., 2016.
Leibniz escreveu tanto que levará muito tempo até que sejam finalmente publicadas suas obras completas. Otimistas falam em décadas, pessimistas falam em séculos. Levando isso em conta, tudo o que podemos fazer é apresentar um retrato das obras de Leibniz a partir do material disponível. É exatamente isso o que a professora Maria Rosa Antognazza faz nesse pequeno e poderoso livrinho.
Maria Rosa Antognazza é professora do King’s College de Londres. No seu currículo encontramos artigos como “The hypercategorematic infinite” (2015) e “Primary matter, primitive passive power, and creaturely limitation in Leibniz” (2014), além de livros como Leibniz: An intellectual biography (2008) e Leibniz on the Trinity and the incarnation: Reason and revelation in the seventeenth century (2007).
O livro é muito bem organizado. O capítulo 1 trata da biografia de Leibniz. Tal como Spinoza, Leibniz teve que trabalhar para sobreviver. Jurista por formação, Leibniz trabalhou como diplomata e também como engenheiro de minas, entre tantas outras atividades. Tal amplitude no espectro de ofícios foi possível por causa da enorme curiosidade de Leibniz, mas também por sua genialidade e brilhantismo. Nas horas vagas, e também em horas, dias e anos em que ele deveria est ar se ocupando das tarefas a ele delegadas pelos seus exasperados empregadores, Leibniz deu contribuições decisivas à física, à matemática e à filosofia.
O capítulo 2 trata da lógica de Leibniz. Aqui vemos o quanto Leibniz foi importante para o desenvolvimento da ciência da computação. Em uma Europa fragmentada por guerras religiosas, Leibniz propôs que decidíssemos disputas religiosas, e quaisquer diferenças de opinião, através do cálculo. Para isso, seria preciso identificar os conceitos fundamentais, aqueles que compõem outros conceitos e que fazem parte das opiniões, e defini-los com precisão. Uma vez feito isso, poderíamos usar uma máquina – um análogo do ábaco, por exemplo – para calcular quem tem razão em uma disputa. Este projeto não foi realizado por Leibniz, e nós sabemos por quê. É preciso uma linguagem que a máquina entenda, e um meio da máquina passar das informações fornecidas a conclusões. Ora, é isso o que temos com nossas linguagens de programação e nossos processadores digitais. Isso Leibniz não tinha como produzir, mas vislumbrou.
O capítulo 3 trata dos projetos de enciclopédias e academias de ciências propostos por Leibniz. A Alemanha da virada dos séculos XVII-XVIII era um conjunto de “cidades-est ado” relativamente independentes. Algumas dessas unidades políticas eram suficientemente grandes para abrigar as universidades requeridas para formar os trabalhadores especializados, outras se viravam de outras maneiras. Uma dessas maneiras era o ensino através de enciclopédias, o que deu a Leibniz a ideia de uma enciclopédia organizada não em ordem alfabética, mas sim na ordem das razões. Primeiro os conhecimentos fundamentais, depois aqueles que imediatamente se seguem desses, e depois o campo aberto de conhecimentos que se seguem do que já foi descoberto. Essa proposta est á de acordo com a visão de Leibniz da pesquisa científica como uma tarefa coletiva, a qual requer instituições com financiamento garantido, o que levou Leibniz a propor imposto sobre o consumo de cigarro como meio de gerar recursos para a pesquisa.
Os capítulos 4-9 tratam da metafísica de Leibniz. Os capítulos 4-5 tratam de três elementos da metafísica de Leibniz: o princípio de identidade, o princípio de não contradição e o princípio da identidade dos indiscerníveis. Leibniz desdobra o princípio de identidade, segundo o qual A = A, em uma concepção na qual, seja qual for a verdade que se apresente, essa verdade é tal que o predicado est á contido no sujeito. No caso de algumas verdades da forma gênero-espécie isso é fácil de aceitar, pois parece analítico que ouro é um mineral, alface é um vegetal e baleia é um animal. Nesses casos, entender a definição do sujeito da frase é suficiente para se ver que a frase é verdadeira, pois visivelmente o predicado est á incluído no sujeito. Mas Leibniz defende que as verdades descobertas pelas observações de fatos empíricos também são assim. Tomemos uma verdade do tipo espécie-indivíduo, como Judas traiu Jesus Cristo. Não parece que o predicado esteja incluído no sujeito. Mas, para Leibniz, assim é, pois a propriedade de ter traído Jesus Cristo faz parte da identidade de Judas. Se Judas não tivesse traído Jesus Cristo, Judas não seria Judas. Dizer que Judas não traiu Jesus Cristo, então, seria mais do que enunciar uma falsidade, pois seria violar o princípio de não contradição, pois seria uma negação de uma instância de A = A.
O capítulo 6 trata da noção de realidade de Leibniz. Real, para Leibniz, é Deus, antes de tudo. O que quer que esteja na mente de Deus é real, e tudo o que é possível est á na mente de Deus, pois Deus só não pensa o que fere o princípio de não contradição, e o que não fere o princípio de não contradição é possível. Ou seja, o domínio do real é o domínio do possível. O domínio da existência é mais restrito, pois os únicos possíveis que são criados são aqueles que formam o melhor conjunto de compossíveis.
Os capítulos 7-8 tratam da questão da atividade da substância. Nenhum ser humano tem como conhecer cada um dos predicados que fazem com que Judas seja o indivíduo que ele é, pois é uma questão de fato se Judas fez isso ou aquilo, e nós só podemos saber disso através da história. Mas podemos conhecer duas coisas sobre qualquer substância individual, incluindo Judas. Primeiro, que cada substância tem cada um dos seus atributos, pois do contrário seria uma substância diferente daquela que é, se é que seria uma substância. Segundo, que cada substância individual é um princípio de ação, pois, do contrário, não seria uma substância. Leibniz concorda com Spinoza que toda substância age, mas conclui disso que nós agimos, em vez de concluir que não somos substâncias.
O capítulo 9 trata do atual est ado do debate sobre a filosofia de Leibniz. A principal questão que ocupa os especialistas em Leibniz é o estatuto ontológico do corpo na filosofia madura de Leibniz. Há dois problemas centrais. O primeiro problema é saber se, na fase final da sua investigação, Leibniz chega a uma noção estável e coerente de corpo. Há razões para duvidar disso. É possível que, pouco antes de morrer, Leibniz estivesse experimentando diversas posições, sem se comprometer com uma ou outra. O segundo problema é o que seria o corpo, para Leibniz, se for possível apresentar sua filosofia madura como uma proposta completa e coerente. Há duas posições. De acordo com a leitura idealista, Leibniz trata os corpos como meros fenômenos. De acordo com a leitura realista, Leibniz trata os corpos como entes com lugar na realidade criada e existente. A posição realista tem ganhado terreno, como podemos ver no artigo “Leibniz acerca de almas, corpos, agregados e substâncias na discussão com Fardella (1690)”, de Edgar Marques (2010), professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mas ainda há muito o que ser debatido.
Em resumo, est a breve introdução à vida e obra de Leibniz traz os elementos básicos para que o público visado conheça o fundamental da filosofia de Leibniz de acordo com o est ado atual da pesquisa. Estudantes e professores de graduação têm bastante a ganhar com essa leitura.
Referências
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MARQUES, E. 2010. Leibniz acerca de almas, corpos, agregados e substâncias na discussão com Fardella (1690). Kriterion: Revista de Filosofia, 51(121):7-20. https://doi.org/10.1590/s0100-512×2010000100001
César Schirmer dos Santos – Universidade Federal de Santa Maria. Departamento de Filosofia. Cidade Universitária. Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: cesar.santos@ufsm.br
[DR]
Realizing Reason: A Narrative of Truth and Knowing – MACBETH (M)
MACBETH, Danielle. Realizing Reason: A Narrative of Truth and Knowing. Oxford: Oxford University Press, 2014. 494 p. Resenha de: VALENTE, Matheus; DAL MAGRO, Tamires. Manuscrito, Campinas, v.39 n.3 July/Sept. 2016.
Danielle Macbeth’s Realizing Reason is a tour de force about the history of mathematical knowledge from ancient Euclidean geometry to the late 19th century and early 20th century developments on mathematical logic. It is an ambitious work dealing with a vast array of subjects and philosophical themes while still being able to consistently display a high standard of erudition and originality in areas as diverse as the Philosophy of Mathematics, Language, Science and Mind.
The narrative of the book is complex and multifaceted, but its main thread is two-fold. On one hand, Macbeth aims to develop a novel account of “our being in the world” which gives room for the existence of normative facts in a world which is fully explained by mechanistic causal laws – a profound philosophical dilemma that stands at the center of many authors’ works such as Kant, and, more recently, Macbeth’s former Pittsburgh colleague, John (McDowell, 1994). On the other hand, Macbeth argues for a reparation on the perspective with which philosophers should see the practice of mathematics and the mode through which it attains knowledge. The author’s objective is primarily to show how the practice of mathematics, in each of its historical stages from the Greeks to the present, by means of its characteristic linguistic notations, enabled thinkers to literally amplify their knowledge, as opposed to merely making explicit what was already implicit in the information one had begun with. Furthermore, Macbeth aims to prove that this much is true even of mathematics as it is currently conceived, i.e. “the practice of reasoning deductively from concepts” (p. 5). One of the author’s main challenges is to show how there can be such a thing as an “ampliative deduction”, and in order to achieve this feat, Macbeth must break through Kant’s conceptual distinctions to open the way for the idea that the knowledge attained by some deductions, which is, per definition, analytic, can, at the same time, be synthetic.
Both issues dealt with in the book – the apparent incompatibility of reasons in a world of causes and the notion of ampliative mathematical knowledge – are foundational questions in Philosophy and each can be traced to the early beginnings of philosophical practice itself. It is noteworthy that Macbeth sets out to tackle both at the same time while also showing how the resolution of one question is tied to the resolution of the other (and vice-versa).
The book is divided into three main sections, each composed by three chapters, which chronologically tell the story of reason’s development and unfolding from the Ancient Greek’s mathematical practice to the present. The first section is entitled Perception, alluding to Macbeth’s claim that in the early stages of our intellectual development we have our “primary mode of intentional directedness in perception” (p. 17). This corresponds to a time before the Cartesian turn in the sixteenth century, where “pure intellection”, as opposed to the perception of an object, “becomes the paradigmatic mode of intentional directedness and the model even for perception” (p. 18). This intellectual revolution, which led us from bare perception to pure intellection, is the main theme weaving together the three first chapters.
In Chapter 1, Macbeth presents a story detailing how perceptually aware beings, like ourselves, have managed to progress from our ancestors’ rudimentary capacities of imitation and of synthesizing procedural knowledge to sophisticated self-consciousness and rationality. Crucial to Macbeth’s story is a profound anti-Cartesian stance, according to which we should not make a division between the merely physically describable stuff that is “outside” and the normatively significant, meaningful experiences that are “inside” (p. 20). In explicit opposition to Robert (Brandom, 1994), Macbeth suggests jettisoning altogether the idea that a world described by means of causes stands in contrast to a world described by means of reasons, as if these concepts were not applicable to things of the same nature. Just as nature acquires biological significance as animals evolve in their environments, e.g. a bunch of leaves becomes food, so does nature become socially and culturally significant as intelligent beings begin cooperating, sharing goals and engaging in practices and games among themselves. The last step in that progression is the transformation of social beings into “properly rational beings capable of distinguishing in principle between how things seem and how things are” (p. 56); that is, the acquisition of the capacity to step back from our natural inclinations and to realize that “anything we think can be called into question, and improved upon” (p. 49). This final stage of intellectual development, Macbeth claims, depends fundamentally on the coming into being of a natural language, which is, albeit contingent and historical, not an obstacle to objectivity, but constitutive of our access to it.
Notwithstanding their importance, natural languages are intrinsically grounded on our perceptual means of access to the world, and, for that reason, do not reach far enough so as to provide us with knowledge of all there is to be known about in the world. In chapter 2, Macbeth delves deeply into Ancient Greek mathematics – exemplified by Euclidean diagrammatical practice, a methodology that would be the unchallenged orthodoxy in Western mathematical thought for centuries until the Renaissance – in order to make clear how the unfolding of reason takes us ever more far from our immediate empirical reality. Macbeth’s central claim in this chapter is that, in Euclidean diagrammatical practice, we do not reason on diagrams, but in them; in other words, Macbeth claims that an Euclidean diagram does not merely describe a certain course of mathematical reasoning (as, for example, we could describe a mathematical demonstration on natural language), it “formulates the contents of concepts” in a mathematically tractable way and, for that reason, constitute – as opposed to merely picturing or describing – the reasoning itself. As Macbeth fleshes out that important distinction, it becomes ever clearer how demonstrations in Euclidean geometry managed to amplify our knowledge, often giving rise to discoveries that were not even implicit in what the demonstration had begun with. Differently from an Euler or Venn diagram (or any other types of “picture proofs”), in an Euclidean diagram “what is displayed are the contents of concepts the parts of which can be recombined with parts of other concepts”. So, for example, a certain mark in a diagram may be seen as either the side of a triangle or the radius of a circle, depending on the perspective that the reasoner impinges on the drawing. The possibility of this “gestalt-shift” (absent in, e.g. Euler and Venn diagrams) is what explains how figures often pop-up in an Euclidean proof – such as when an equilateral triangle appears as if from nowhere in the proof I.1 of the Elements – and thus, how “something new can emerge that was not there even implicitly”.
Chapter 3 leads us to the radical departure from Ancient thought that happens during the Renaissance with the rise of Modern philosophy, physics and mathematics. Macbeth is particularly concerned with Descartes’ influence in the emergence of a new mathematical practice by means of the introduction of the language of elementary algebra. The algebraic method adds a new degree of abstraction to the activity of reasoning, Macbeth argues, since its intentionality is not object-oriented, but directed to the merely potential relations which arbitrary objects may instantiate (p. 132). For example, one begins to interpret geometrical objects in a computationally tractable way, as the arithmetical relationship of some lengths (e.g. a square is some quantity multiplied by itself). By abstracting away from objects, and, thus, from any subject matter in particular, Descartes’ language allows “pure intellection to become (at least in intention) an actuality” (p. 149). Similarly to the language of Euclidean geometry, Descartes’ algebraic method is not to be conceived as merely a tool through which a course of reasoning can be described or pictured; instead, these symbolic languages present content in a mathematically tractable way, and, because of that, are the matter by means of which reasoning itself is constituted, or, to use Macbeth’s terminology, reasoning comes into existence in those symbolic languages, as opposed to being merely described on them.
The next triad of chapters is entitled “Understanding”, referencing the fact that Kant’s legacy to Philosophy entails that “pure reason is not and cannot be a power of knowing as Descartes had thought. Not reason but only understanding is a power of judgement, of knowing” (p. 151). This is precisely what chapter 4 is concerned about, more particularly, Kant’s Copernican revolution, by means of which our epistemic access to reality is turned upside-down, requiring “the philosopher […] to focus not unthinkingly on the object of knowing but self-consciously on the power of knowing, on what reason requires of objects as objects of knowledge” (p. 199). Macbeth’s argues that, as groundbreaking as Kant was, his thought was still pretty much restrained by the scientific, and, most importantly, the mathematical practice of his day, which, absent the revolution that would come in the nineteenth-century, could not ground a proper account of mathematical truth and knowledge – that is, an account of mathematical truth and knowledge answerable to things as they are in themselves, as opposed to things as they merely appear to us.
Chapters 5 and 6 present the new form that mathematics has come to be clothed in by means of the collective effort of intellectuals throughout the nineteenth-century. By means of the work of mathematicians such as Bolzano, Galois and Riemann, Macbeth tells us the story of how mathematics, after twenty-five centuries of development, finally becomes a self-standing discipline, “the work of pure reason wholly unfettered by the contingencies of our form of sensibility” (p. 244). However, not all is well with that sudden reshaping of mathematical practice, since, if mathematics answers to nothing outside of its own activity, as it came to be seen, it starts to look as if mathematics is nothing more than a linguistic game, completely disconnected of any struggle for objectivity.
Indeed, for much of the twentieth-century, Macbeth will go on to argue, a cluster of theses based on (i) the distinction of logical form and semantical content, (ii) a truth-theoretical account of meaning and (iii) a primacy of mathematical logic as the ruler of all formal disciplines will go on to become the orthodoxy in the understanding of mathematics and of its practice. This is, according to Macbeth, a very unfortunate event, since it seems force on us a picture of logic and mathematics as being merely formal disciplines, and, for that reason, completely deprived of intentional properties. Even worse, and this is one of the central points of the book, this is the picture that intellectuals born during the twentieth-century (even the best of them), have accepted without subjecting it to scrutiny, i.e. a picture of reasoning as being purely mechanistic, “nothing more than the rule-governed manipulation of signs with no regard for meaning” (p. 293).
In the last group of three chapters, aptly entitled “Reason”, Macbeth purports to analyze the philosophical problems that are engendered by the last great revolution in mathematics, i.e. when it came to be seen as “a practice of deductive reasoning on the basis of defined concepts” in nineteenth-century Germany. Most pressing to the author’s concerns is showing that this new conception of the mathematical practice is not purely formal in the sense that it came to be seen by philosophers, but, on the contrary, that it is intrinsically meaningful and often enables us to attain knowledge in the strongest sense of that concept, that is, objective knowledge about things in themselves.
In chapter 7, Macbeth takes the reader to a confrontation, for the first time, with Gottlob Frege’s Begriffsschrift, a mathematical notation that “was explicitly designed as a notation within which to reason deductively from concepts in mathematics”. This long chapter goes at great lengths to explain Frege’s concept-script because, as Macbeth defends, one must understand the notation in order to be able to see the mode of reasoning embodied within it. The pinnacle of the chapter, however, is Frege’s proof of theorem 133 in Part III of the Begriffsschrift, which Macbeth presents as being a real example of a deduction that establishes a real extension of one’s knowledge. The particularity of that proof is the book’s central concern until its very end, namely, the fact that it joins content from two definitions, as opposed to merely joining content from two axioms. That operation of bridging the content from two previously unconnected definitions is precisely what enables that mathematical practice to amplify one’s knowledge. Just as figures often pop up in a Euclidean diagram, “as if from nowhere”, some deductive proofs link concepts that were independently introduced and which, absent that proof, would display no immediate connection among themselves.
That much gets clearer throughout chapter 8, where Macbeth argues that definitions, although they are, by nature, stipulative, are not epistemically vacuous, since they serve to articulate the inferential content of particular concepts, and that is something one might – objectively – succeed in doing correctly or not. Definitions, however, do not amplify one’s knowledge by themselves; it is only in the context of a proof that they are able to forge new links within one’s conceptual repertoire:
proofs without definitions are empty, merely the aimless manipulation of signs according to rules; and definitions without proofs are, if not blind, then dumb. Only a proof can actualize the potential of definitions to speak to one another, to pool their resources so as to realize something new. (p. 387)
The conception of reasoning that we reach by the end of the book is, contrary to the Early Modern simulacrum that we have unreflectively inherited, is neither reductive nor mechanistic. It does not purport to reduce the content of concepts to primitive notions, instead, those contents are displayed in a mathematically tractable way. It is also not mechanistic, Macbeth claims, since the knowledge attained by a deductive proof may be, at the same time, both analytic and synthetic – a fact that makes Kant’s dichotomies stand in need of a radical revision.
The book’s narrative comes full-circle by the end of chapter 8 and throughout chapter 9, where Macbeth studies the case of physics, about which she draws a parallel between the nineteenth-century revolutions in mathematics and the twentieth-century revolutions in theoretical physics. The underlying theme is that mathematics and physics have both recently undergone profound revolutions, while philosophy “has, until now, remained merely Kantian” (p. 453). The final blow on the Cartesian view that we have inherited from the early moderns involves disentangling the Sinn/Bedeutung distinction from that of concept and object (a disentanglement that was out of reach for Kant). Only by clarifying those distinctions, we can understand “how a radically mind-independent reality and an unconditioned spontaneity are not only compatible but in the end made for each other” (p. 451).
Realizing Reason suffers from a flaw that is an almost inevitable consequence of its virtues. Macbeth’s overambition, i.e. her attempt to leave no stone unturned, leads to her book having a certain bric-à-brac quality, since the thread that unites her narrative throughout highly distinct subject matters is usually, but not always, evident. Regardless of that, this book presents innovative theses in a multitude of areas, of special interest being its analysis of Frege’s work, which sees his accomplishments from a whole new perspective and as giving rise to a heterodox conception of ampliative deductive knowledge. All in all, Realizing Reason is a recommended read for anyone with interests in the broad set of areas encompassing the philosophy of mathematics, mathematical practice, history of mathematics and logic, and who is interested in seeing how the issues on those areas communicate with issues in the philosophy of mind, language and the history of philosophy.
References
BRANDOM, R. B. Making It Explicit: Reasoning, Representing, and Discursive Commitment. Harvard University Press. Link no philpapers: http://philpapers.org/rec/BRAMIE, 1994. [ Links ]
MCDOWELL, J. Mind and World. Cambridge: Harvard University Press. Link no philpapers: http://philpapers.org/rec/MCDMAW, 1994. [ Links ]
Matheus Valente – 1Universidade Estadual de Campinas 57 Monroe St, Campinas 13083-872, Brazil, matheusvalenteleite@gmail.com
Tamires Dal Magro – Universidade Estadual de Campinas Rua Cora Coralina, 100, Campinas 13083-872, Brazil, tamiresdma@gmail.com
Inherit the Holy Mountain: Religion and the Rise of American Environmentalism – STOLL (VH)
STOLL, Mark R. Inherit the Holy Mountain: Religion and the Rise of American Environmentalism. New York: Oxford University Press, 2015. 406 p. SILVA, Sandro Dutra e. Varia História. Belo Horizonte, v. 32, no. 59, Mai./ Ago. 2016.
Nos últimos anos temos sido surpreendidos com a vasta produção intelectual no campo da história ambiental. Uma evidência das preocupações historiográficas com o mundo natural, principalmente no escopo qualitativo dos debates e dos temas no qual emergem os questionamentos, cada vez mais múltiplos, sobre a relação entre a história e a natureza. Esse é o caso da importante obra Inherit the Holy Mountain: religion and the rise of American Environmentalism, do historiador norte-americano Mark Stoll.
O trabalho de Stoll reflete o exercício intelectual sobre o qual se dedicou, por quase três décadas, no exaustivo ofício de responder historicamente sobre o background protestante nas origens do movimento ambiental nos Estados Unidos. Dito isso, reforço a importância de um trabalho que deve ser entendido sobre duas premissas iniciais: (i) não se trata de uma aventura historiográfica, mas o amadurecimento do tema a partir da experiência acadêmica de um historiador com grande trânsito no campo ambiental; (ii) o trabalho não utiliza da retórica e nem do proselitismo em seus argumentos, nem se presta à defesa engajada de uma tese contra premissas anteriormente apresentadas sobre a cultura judaico-cristã.
Não é esse o caminho de Mark Stoll ao tratar do tema. Destaco que as conexões entre a visão apreciativa da natureza e o background calvinista surgiram em pesquisa sobre o ativista ambiental John Muir. Essa percepção foi a motivação necessária para que ele investigasse a repetição desse modelo e as bases culturais que propiciavam uma representação do mundo natural a partir de distintos grupos religiosos nos Estados Unidos. Na década de 1990 publicava o seu primeiro trabalho sobre as origens protestantes do ambientalismo americano no livro Protestantism, Capitalism, and nature in America. As pesquisas se aprofundaram com a ampliação de correlações entre determinadas denominações protestantes e a ação de teólogos, ambientalistas, artistas plásticos, poetas, burocratas e políticos, dentre outros, resultando no primoroso trabalho que é Inherit the Holy Mountain.
A tese central deste livro é que as origens do ambientalismo norte -americano, presente nos movimentos de conservação da natureza, legislação ambiental e preservação da Wilderness, tiveram um background protestante, fundamentando-se, sobretudo, nos grupos calvinistas da Nova Inglaterra: os congressionais e os presbiterianos. Tomados como sujeitos históricos da expansão da ética conservacionista e do discurso de moralização da vida e ordem social puritana, essas comunidades foram analisadas a partir do ethos social, por meio de um conjunto rico e diverso de fontes na interpretação dos seguintes processos: a teologia da natureza nos discursos do próprio Calvino e nos sermões dos ministros calvinistas na Europa e Estados Unidos entre os séculos XVII a XIX; a estética artísticas e o profundo valor teológico dos pintores do Connecticut Valley que revelavam a paisagem e a moral social expressa no papel contemplativo e moralizante da natureza; os projetos urbanos e a relação entre os espaços sociais e a função moral dos bosques e parques públicos; os hábitos de imersão na Wilderness como devoção protestante de contato com a natureza, vista como revelação divina a ser “lida” no book of nature ; na criação de instituições científicas para o uso e conservação dos recursos naturais; a política de manejo agrícola, silvicultura e a instituição burocrática de normas e organizações voltadas para a conservação da natureza; o ativismo ambiental e os valores religiosos no hábitos dos seus agentes; a criação e ampliação de áreas protegidas, dentre outras.
Interessante o ponto de partida, centrado na ação social de personagens ligadas ao movimento ambientalista e com background calvinista, e que marcam toda a obra. Um exemplo é a obra de Thomas Cole, “The Oxbow”, exposta na exibição da National Academy of Design de Nova York em 1836, que evidencia o caminho erudito em relacionar estética, paisagem e ethos puritano no refinado trabalho da interpretação histórica. Stoll ressalta que os sujeitos por ele analisados tinham o coração na igreja de Hartford e a mente na universidade em Yale, o mainstream intelectual dos calvinistas. Mark Stoll aproxima a sua objetiva na interpretação do ethos sem cair nas armadilhas da delimitação que coletiviza e reduz o objeto. Esse é um dos grandes méritos da obra, sobretudo ao apresentar o background religioso a partir de personagens caras ao movimento conservacionista, e que muitos trabalhos biográficos simplesmente não perceberam esse background no jogo histórico do ativismo e da causa ambiental.
O autor faz uma análise consistente sobre a base epistemológica da “teologia da natureza”, fundamentando-se nos princípios do melhor aproveitamento dos recursos naturais na agricultura (Improvement ) e na conservação das florestas, mananciais e outros bens naturais para as futuras gerações (Stewardship ). Improvement e Stewardship são conceitos-chave da tradição calvinista e que o historiador se apropriou com maestria na intepretação da trajetória de diferentes personagens ligadas ao ativismo de proteção da natureza nos Estados Unidos como Pinchot, Marsh, Thoreau, Emerson, John Muir, Rachel Carson, Theodore Roosevelt, dentre outros.
Importante mencionar que a obra não se limita a abordar exclusivamente os calvinistas. Outras filiações religiosas como os Batistas, Metodistas, Batistas afro-americanos, católicos e judeus também foram contemplados sob a ótica da atuação no movimento ambiental contemporâneo. A temática ambiental desses grupos, no entanto, não privilegia os preceitos conservacionistas, mas os direitos civis, alimentação orgânica, lutas sociais, dentre outras. A concepção transcendentalista e sua ética conservacionista também foi abordada. No entanto, ficou confusa as descrições do transcendentalismo e sua complexidade filosófica em meio ao debate protestante e às origens de Ralph Waldo Emerson.
Uma das contribuições mais originais é a rica abordagem da atuação dos presbiterianos na instituição de leis nacionais e de agências de conservação, parques e florestas durante a Progressive Era (1885-1921). A administração de quatro presidentes presbiterianos (Harrison, Cleveland, Theodore Roosevelt e Wilson) foi destacada na ampliação nacional da proteção à natureza. Aliando história política e história ambiental destaca a ampliação das áreas protegidas e a participação privilegiada de políticos, ambientalistas e burocratas nesse período.
Considero que Inherit the Holy Mountain traz um revigorante olhar historiográfico, que oferece um requintado aporte teórico-metodológico e pode ser considerada a masterpiece de um dos mais notáveis historiadores ambientais da América.
Sandro Dutra e Silva – Pós-Graduação Stricto Sensu Territórios e Expressões Culturais no Cerrado, Universidade Estadual de Goiás, Campus Anápolis de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas Anápolis, GO, 75.132-400, Brasil. sandrodutr@hotmail.com.
Referential Mechanics: Direct Reference and the Foundations of Semantics – ALMOG
ALMOG, Joseph. Referential Mechanics: Direct Reference and the Foundations of Semantics. [?]:Oxford University Press, 2014. Resenha de MARTONE, Filipe. Manuscrito, Campinas, v.39 n.2 Apr./June 2016.
The work of Ruth Barcan Marcus, Saul Kripke, Keith Donnellan, David Kaplan and others started a revolution in philosophy of language. The so-called direct reference theory, or simply referentialism, dealt a powerful blow to the then prevailing Fregean spirit of theories of meaning and reference, and it deeply affected the way we think about these topics. But saying what the core ideas of direct reference really are is not as easy as one might think. Direct reference theorists often disagree about what seems to be very basic issues: Are there singular propositions, and do we need them? If descriptivism is false, what are the mechanisms of reference determination? What are the consequences (if any) of holding a referentialist semantics to our views on cognition? Should referentialists be worried about Frege’s Puzzle? In a time in which debates in philosophy of language can get highly sophisticated, it is easy to get lost amidst technical arguments and overlook these fundamental questions. Joseph Almog‘s new book, Referential Mechanics: Direct Reference and the Foundations of Semantics, is an attempt to look past the technicalities of this “quantum mechanics of words” (p. xvii) and to engage with those questions directly.
Almog has three aims in this essay. First, he wants to understand what direct reference is really about. To do so, he dissects the versions of direct reference offered by three of its founding fathers – Kripke, Kaplan and Donnellan – and examines their foundations and their consequences for philosophy of mind and metaphysics. Second, he tries to show that two puzzles that supposedly threaten direct reference – the puzzle of empty names and Frege’s Puzzle – are not puzzles at all. Third, and finally, he introduces his project of unifying the semantics of all subject-phrases under the referentialist framework: instead of modelling paradigmatically referential terms such as proper names after denoting phrases (e.g. “every philosopher” or “most philosophers”), as Montague and his followers did, Almog wants to treat denoting phrases as genuinely referential terms. The challenge of integrating referential semantics into global semantics is what he called the Russell-Partee-Kaplan challenge. But Referential Mechanics only sets up the stage for a full answer to this challenge. A detailed account will be given in a companion piece, not yet published.
The book is divided into four chapters. The first three deal with direct reference as conceived by Kripke, Kaplan and Donnellan, and the fourth wrestles with the puzzles of empty names and cognitive significance (a.k.a. Frege’s Puzzle) and begins to work on an answer to the Russell-Partee-Kaplan challenge. In what follows I will offer a brief overview of the chapters, pointing out some of their virtues as well as their shortcomings.
In the first chapter, Almog offers an interesting reading of Kripke’s Naming and Necessity (henceforth NN) and introduces some of the key notions of his essay. He claims that there is a fundamental tension between two very different conceptions of semantics in NN. On the one hand, there is what he calls the designation model theory for natural language. This model is what we get from Lecture I. On this model, direct reference is cashed out in terms of rigid designation. On the other hand, there is the historical referential semantics, found mainly in Lecture III. The distinction between these two conceptions of semantics “touches the very fulcrum” of Almog’s essay (p. 15). According to him, the designation model suffers from a fundamental defect; it completely misconceives what semantics truly is (or should be): a descriptively correct account of the actual workings of a natural language, and not an adequate but mere representation of such workings (p. 16).
The main problem with the designation model, Almog argues, is the following. In this model, expressions such as names, definite descriptions, sentences and predicates are all unified under the fundamental semantic relation of designation. This model of semantics, therefore, sees no categorical difference between proper names and definite descriptions. In other terms, even though names are rigid designators whereas descriptions are not, both are connected to their designata via the same kind of semantic relation. However, designation is a “stipulated relation designed for a language with uninterpreted symbols: individual constants, variables, predicates (…)” (p. 15). Thus, designation is not, Almog claims, the real semantic relation that obtains in an actual existing language like English. Taking it to be so creates an insolvable puzzle, namely, the puzzle of reference determination: descriptions pick out their designata via satisfaction or fit; but how do names pick out their designata if they are not disguised descriptions, as Kripke so convincingly argued? How does the designation relation obtain for proper names? This model of semantics has no answer to give.
The historical referential semantics, on the other hand, gets it right. There is no puzzle of reference determination to be solved. The names we use are already loaded with their referents. We, consumers of language, do not have to “reach out” to them; they come to us through their names via causal/communication chains. The puzzle of reference determination arises only we if take designation to be the fundamental semantic relation obtaining in actual languages. Once we see that it is not, the puzzle disappears. Almog calls this shift from an “inside-out” (designation) to an “outside-in” (historical referential) mechanism of reference the “flow diagram reversal”: we refer with a name not because we designate an object, but because the object itself is already connected to the name we are using. This “flow diagram reversal”, he claims, is present in the works of Kripke, Kaplan and Donnellan, and it is the key idea of direct reference.
Almog’s notions of “outside-in” mechanisms of reference and of “flow diagram reversal” are quite interesting, and they neatly capture some of the main lessons of direct reference. However, he makes some rather cryptic remarks about perceiving an object through its name. More precisely, he claims that the reversal account of reference also extends “the classically qualitatively understood perception” (p. 29), meaning that “we perceive (remote) objects by means of loaded names” (p. 30). He offers some details of this view in footnote 19, but they are not really illuminating. What he seems to be suggesting is that public names put us in some sort of “acquaintance” relation with their bearers, allowing us to cognize them through language. This is a respectable idea which has many advocates nowadays. Yet, to say that this kind of relation extends perception per se seems to stretch the notion of perception beyond plausibility.
The second chapter is devoted to Kaplan’s account of direct reference in terms of singular propositions. For Kaplan, for a term to be directly referential is for it to make a special kind of contribution – its referent – to the proposition expressed by the sentence that contains it. This kind of proposition is called ‘singular proposition’. Almog stresses how distinct Kaplan’s approach to direct reference is when compared to Kripke’s designation model. That model makes no use of propositions; its key semantic unit is the pre-sentential subject (the designator). Kaplan’s direct reference semantics, on the other hand, takes propositions as its key semantic unit, and as the objects of assertion and thought. Almog argues that this leads to several problems, and these problems show that singular propositions fail to capture what direct reference is really about.
One interesting aspect of this chapter is that it tries to distinguish between what are legitimate criticisms of singular propositions and what are not. Almog vehemently dismisses the claims that the doctrine of singular propositions (and direct reference in general) is committed to a particular view about modal haecceitism and about the informativeness of identity statements (i.e. Frege’s Puzzle). Singular propositions and direct reference, he argues, are merely semantic notions. As he puts it: “There are no entailments from direct reference theory proper regarding either modal or attitudinal questions” (p. 48; italics in the original). What are legitimate criticisms of singular propositions, on the other hand, are the well-known objections of negative existentials with empty names and of reference to past objects.
What is a bit strange in this chapter is Almog’s claim that the failure of singular propositions to correctly classify apparently contradictory cognizers like Kripke’s Pierre and to capture phenomena of cognitive dynamics adequately “leads to the breakdown of the apparatus of proposition and content” (p. 56). If singular propositions are neutral regarding “attitudinal questions”, as he says, why are arguments from cognitive dynamics and propositional attitudes wielded against them? Why is Frege’s Puzzle not a problem to singular propositions while Kripke’s Pierre is? In fact, Kripke’s Pierre seems to be an instance of Frege’s Puzzle, so it is not at all clear why singular propositions are threatened by the first and not by the latter. Almog is also quite vague when it comes to his alternative to singular propositions. He talks of “object-loaded names” coming to us and of sentences with empty names being true precisely “because there is no proposition” corresponding to them. These remarks are somewhat obscure. He says, for instance, that “On this idea of the re-ferent coming to us late users, there is no mystery about why you and I can and do refer now to the long gone Aristotle by using now the (Aristotle-loaded) name ‘Aristotle’, just as we see a long dead star by being impacted now by light from it” (p. 52). There is plenty of mystery there to me, however. If the object no longer exists, how come it is loaded into the name? How do we “refer back” to Aristotle and cognize him, as Almog often says, if Aristotle does not exist anymore? Almog probably means that there is a causal connection between Aristotle, “Aristotle” and us, but that is not a complete explanation of what sort of thing we are in fact cognizing and referring to when using a name. Besides, it is also not obvious why his objections to singular propositions do not apply to his own view, since objects themselves play a crucial role in his semantics, as they do in Kaplan’s account.
The third chapter is by far the most compelling part of Almog’s book. It discusses Donnellan’s idea of referential uses of expressions and its connection to having an object in mind. Almog believes that these two ideas are the key ideas not only of direct reference, but of semantics in general. In discussing them he hopes to show that semantics should be conceived not as a branch of model theory (as Montague held), but as branch of cognitive psychology (p. 63).
Almog claims that Donnellan’s insight about having an object in mind in fact explains direct reference: direct reference is direct not because of conventional rules of language, but because it is linked to a certain cognitive mechanism of grasping worldly objects. This mechanism is captured by the “flow diagram reversal”: we do not have to reach out to those worldly objects; our minds, by natural processes, enter in relations with those objects, and they “make their way” into our cognition. It is not necessary to select which object we are thinking of and then look for it in the world. In fact, Almog argues that it is a mistake to understand Donnellan’s idea of having an object in mind as internally selecting some individual or other; the object we have in mind is determined by causal/historical processes. It is because we have objects in mind in this way that we can directly refer to it.
Almog argues that the process of referential use is divided into three different stages. First, there is the fixing. My mind enters in some relation with an object by an outside-in mechanism, which makes that precise object the object of my cognition. Second, there is the characterization. After the object is determined by this process, I can predicate things of it. Almog stresses that, because the object is already fixed, it does not matter if I apply false predicates; my thought is about it even in cases of gross mischaracterization. This is precisely what happens in Donnellan’s cases. Third, there is the communication. After (1) the object is fixed and (2) I form some beliefs about it, I can (3) go on to express these beliefs through language. To do that, I use whatever expression I think will help to direct the audience’s attention to the object I am already thinking of. As Almog puts it: “I am trying to co-focus you, make you have in mind what I already have in mind” (p. 69). This is why, for him, referential uses are not in any way restricted to definite descriptions. Any kind of singular terms, and even expressions like “someone”, can be used referentially: these terms do not determine the reference; they are used merely as aids to communication.
With this Almog hopes to show why Kripke’s claim that Donnellan’s cases are cases of speaker reference and not of semantic reference is mistaken. He believes that this distinction is preposterous; they are all as semantic as it gets. However, I do not see why this conclusion follows from his arguments. His proposal might in fact account for referential uses, but it is not clear why it also entails that there is no such thing as the semantic referent of an expression in a particular use. Even if our cognition is hooked to objects by non-conventional processes (which is a very plausible idea), it does not follow that this sort of having in mind completely overrides the conventional reference of the expressions used. In other words, I do not see why it is incompatible to hold this “flow diagram reversal” for thought and the speaker/semantic reference distinction at the same time. In short, more arguments are required to show why Donnellan’s “cognitive mechanics” entails the collapse of the speaker/semantic referent distinction.
In sum, Almog seems to be proposing some sort of externalist-subjectivist semantics in this chapter. It is externalist because external objects themselves make their way into our cognition, and the meanings of the expressions we use (if we are allowed to talk about meanings in Almog’s framework) are external objects and properties. Yet, it is subjectivist because what matters for giving the content (again, if such talk is plausible here) of the expressions we use are not community-wide conventions, but individual speakers in particular occasions. This is not, of course, to deny the role of conventions, but what ultimately determines the content/referents of our expressions is what the speakers have in mind when they use these expressions. This combination of two apparently opposed views about language is certainly interesting and it deserves further discussion.
The fourth and last chapter is concerned with Frege’s Puzzle and the puzzle of empty names, and it introduces the discussion of the Russell-Partee-Kaplan challenge. Almog argues that, if we take Donnellan’s approach seriously, both puzzles disappear. In fact, they turn out to be uninteresting consequences of this model of semantics (p. 91). The first observation he makes is that no speaker is omniscient regarding the semantic history of all names she uses. If this is right, informative identity statements are to be expected precisely because knowing that two names lead back to the same object can only be known a posteriori. Informativeness, Almog claims, is a relational feature, and it arises from the interaction between the information a speaker has in the head and the relevant sentence. If this in-the-head information is sufficient to settle the truth of the sentence, it will be trivial; if not, it will be informative. Second, the puzzle of empty names disappears because what makes sentences containing such names true are not object-involving propositions; what makes them true is the history of the name that leads back to failed baptisms.
Almog puts the Russell-Partee-Kaplan challenge as follows: “Can we or can’t we generalize the reference-only semantics to all nominals?” (p. 98). The problem arises from a dilemma about the visible grammatical form of subject-predicate sentences and their semantic forms. Subject-predicate sentences apparently work in the same way: they introduce objects for subsequent predication. Some terms, like proper names and indexicals, seem to fit well in this intuitive definition. Their visible grammar is a reliable guide to their semantic (or logical) forms. The problem is that some subject-predicate sentences, like “most philosophers are wise” or “some linguists sing”, do not seem to refer to any object. How should we deal with this? Russell, as Almog says, held that not all nominals function semantically in the same way: some refer, some denote. Montague, on the other hand, wanted to keep the link between visible grammar and semantics, but to do that he opted to treat referential terms as he treated other denoting nominals: visible grammar reflects semantic form insofar as all subject terms denote and not refer. Almog, however, wants to keep the semantics of all nominals referential and the visible grammar intact. So, he needs to explain what sort of reference expressions like “most philosophers” and “many linguists” have and how we should treat subject-predicate sentences containing them.
Almog claims that all nominals can be used either referentially or attributively. In the first case, they merely communicate an already made reference to an object, i.e., they externalize what I have in mind; in the second, they originate reference. This is a genuine semantic “ambiguity” of nominals, and not a mere pragmatic phenomenon. Both uses, however, necessarily involve reference to some worldly entity. As for their reference, Almog claims that nominals like “every musician” and “two philosophers” pick out kinds or “pluralities” in the world (p. 111). In this way, they do not denote, but genuinely refer to these entities. He closes the chapter by considering some challenges and further objectives (to be discussed in another essay): he wants to extend his account beyond subject-predicate sentences, apply it to the logical relation of consequence and to understand what is to cognize the world by using ordinary language – all of this following the general guidelines of keeping the semantics referential and the superficial grammar untouched.
Referential Mechanics is an engaging and provocative book, even though its difficult subject and the many topics it discusses would probably receive a better treatment in a longer and more detailed essay. Its occasional lack of clarity and insufficient argumentation can get frustrating sometimes. However, this does not diminish its many merits. The essay advances unorthodox theses and offers interesting takes on three of the most important versions of direct reference. Anyone interested in semantics, foundational semantics and in the history of analytic philosophy should definitely study it.
References
ALMOG, Joseph. Referential Mechanics: Direct Reference and the Foundations of Semantics. Oxford: Oxford University Press, 2014. [ Links ]
Erratum
In the article “Referential Mechanics: Direct Reference and the Foundations of Semantics” with DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0100-6045.2016.V39N2.FM, published in MANUSCRITO, 39.2, 133 a 140, on 133, where it says “Referential Mechanics: Direct Reference and the Foundations of Semantics” one should read “Book Review: ALMOG, J. Referential Mechanics: Direct Reference and the Foundations of Semantics (Oxford University Press, 2014)”
Although this article is included in the present volume, it appeared earlier in the modality Ahead of Print.
1CDD: 401
Filipe Martone – University of Campinas – Philosophy. Rua Cora Coralina, 100, Campinas São Paulo, Brazil. 13083-896. filipemartone@gmail.com.
Simulation and Similarity: Using Models to Understand the World | Michael Weisberg
La utilización de modelos para representar y comprender distintos fenómenos del mundo es una estrategia tan antigua como la ciencia misma. En el año 2000 AdC Egipcios y Babilónicos ya empleaban modelos matemáticos para intervenir e introducir mejoras en su vida cotidiana (Schichl, 2004). No obstante, el uso sistemático de estos dispositivos en ciencia puede enmarcarse a partir del siglo XIX, tratándose principalmente de modelos mecánicos (Bailer-Jones, 2013), y sólo recientemente el estudio de este tema cobró particular importancia en el marco de la filosofía de la ciencia y la epistemología.
Este interés epistemológico sobre la construcción de modelos y sus usos en las prácticas científicas comenzó a manifestarse tímidamente en 1950, a partir de la apreciación de la ubicuidad de su uso en ciencia, siendo analizado su rol en relación al desarrollo de las teorías (Bailer-Jones, 1999). Posteriormente, fue señalado cada vez con mayor énfasis el lugar privilegiado que ocupan los modelos en la ciencia, llegando a considerarse cierta autonomía en la actividad del modelado respecto de las teorías (Morgan & Morrison, 1999), o incluso a afirmarse que eran los modelos y no las teorías los auténticos vehículos del conocimiento científico (Suppe, 2000). Leia Mais
The Status Quo Crisis – Global Financial Governance After the 2008 Financial Meltdow | Eric Helleiner
Originada no setor subprime do mercado imobiliário norte-americano, a crise de 2007/2008 motivou indagações quanto ao futuro do sistema monetário e financeiro internacional. Não foram poucos a apontar o fortalecimento da regulação financeira, o alargamento da governança financeira global e até possíveis ameaças ao dólar como moeda internacional. Contudo, o fenômeno que podemos observar atualmente é o da manutenção das estruturas e funcionamento do sistema.
Nesse sentido, “Por que as expectativas de transformação da governança financeira global não se confirmaram?” (Helleiner, 2014: 9). Essa é a pergunta que Eric Helleiner busca responder no livro The Status Quo Crisis, lançado em 2014 pela Oxford University Press. Leia Mais
Interpreting Early India – THAPAR (RMA)
THAPAR, Romila. Interpreting Early India. New Delhi: Oxford University Press, 1992. 181p. Resenha de: CARVALHO, Matheus Landau de. Olhares historiográficos sobre a Índia antiga: As contribuições de Romila Thapar para uma reflexão sobre a interpretação da história e da sociedade antiga da Índia. Revista Mundo Antigo, v.4, n.8, dez., 2015.
Publicado pela Oxford University Press em 1992, Interpreting Early India é uma obra da historiadora indiana Romila Thapar que reúne seis ensaios sobre historiografia e interpretação da história e sociedade antigas da Índia. A partir de uma ênfase sobre abordagens em história social, a autora defende, em linhas gerais, a importância de se entender e localizar várias perspectivas bem estabelecidas sobre o passado indiano para se chegar a um entendimento esclarecido de situações contemporâneas, como as disputas entre hindus e outras comunidades indianas, sem deixar de lado a ampla variedade de opiniões e visões disponíveis sobre o passado indiano, particularmente acerca de religião e sociedade na Índia antiga. Leia Mais
Aristotle’s Metaphysics Alpha: Symposium Aristotelicum – STEEL (RA)
STEEL, C (Ed). Aristotle’s Metaphysics Alpha: Symposium Aristotelicum. Oxford: Oxford University Press, 2012. Resenha de: LAKS, André. Revista Archai, Brasília, n.15, p. 157-163, jul., 2015.
Esta obra procede do 18° Symposium Aristotelicum ocorrido em 2008 em Louvain, no qual as primeiras versões de todos os ensaios, à exceção de um, foram apresentadas e discutidas. Certamente o primeiro livro da Metafísica de Aristóteles é, no mínimo, tão famoso quanto os demais, embora talvez seja o menos lido, se por “lido”se entende “lido por si mesmo”, em vez de ser utilizado pelas informações exclusivas que dispõe da aurora da filosofia grega e de Platão. Uma clara indicação disso é que, salvo a edição e comentário ainda indispensáveis de toda a Metafísica por Ross, não dispomos (tanto quanto eu saiba) de nenhuma obra específica dedicada ao Livro A – compare-se com o Gamma, os assim chamados livros centrais, Lambda, e mesmo o Beta. O presente volume que é o resultado de muita organização, muito trabalho e muitas discussões vem agora suprir esta falta de maneira significativa. Ele não constitui propriamente um “comentário contínuo”do Livro A. Primeiro, por haver onze comentadores (aproximadamente um para cada um dos dez capítulos, exceto o A9, que tem dois 1); segundo, porque nem todos os pormenores do texto aristotélico são discutidos (embora grande parte deles de fato o seja); e terceiro porque, como se espera de uma compilação, cada capítulo assume a feição de um ensaio e assim se mantém guiado por questões definidas ou por um conjunto de questões. No entanto, mesmo com essas particularidades, o volume transmite uma impressão de notável homogeneidade, especialmente por que (quase) todas as contribuições seguem a progressão do texto de Aristóteles seção a seção, com marcações adequadas e intertítulos. Uma tradução pessoal das passagens comentadas é frequentemente apresentada antes dos comentários propriamente ditos. Assim, o volume como um todo funciona efetivamente à maneira de um comentário polifônico (multi-voiced) e pode ser assim utilizado.
O capítulo 9 (sobre a concepção platônica de causa formal) revela um aspecto peculiar, seja do ponto de vista formal, seja em termos de conteúdos, e tem sido constantemente objeto de atenção específica pois, tomado em conjunto com o comentário de Alexandre, encerra o material básico para a reconstrução da crítica aristotélica à teoria das Formas de Platão. Neste caso, é especialmente útil – e agradável, dado o grau elevado de tecnicidade e especulação que se têm posto ao serviço da reconstrução de argumentos completa ou parcialmente perdidos – dispormos de duas contribuições (de Dorothea Frede e Michel Crubellier) que apresentam panorama claro e atualizado de todo o desenvolvimento, acompanhado de avaliação breve, mas razoável, de cada argumento. Visto que não se pode tratar deste capítulo desvinculado da sua retractatio e repetição parcial no livro M, M4-5 também merece alguma atenção.
Uma nova edição, por Oliver Primavesi, do texto da Metafísica A segue-se aos onze ensaios. Esta inserção, se comparada aos volumes anteriores da mesma série, representa uma inovação formal. Contribui para a unidade do volume, pois as decisões acerca do tratamento de problemas textuais no interior de cada trabalho refere-se sistematicamente ao texto e sigla de Primavesi, seja para indicar acordo ou discordância. Não obstante, pode-se avançar dois pontos de vista muito diferentes sobre semelhante inclusão. Por um lado, esta edição representa o primeiro passo rumo a uma nova edição da totalidade da Metafísica de Aristóteles, destinada a substituir a de Ross e a de Jaeger (cf. as stemmas de Primavesi para as diferentes partes da Metafísica p. 392ff.; para o Livro A- α 2, em que J desaparece, cf. p. 397). Por outro lado, constitui-se em uma contribuição específica ao volume, que é textualmente orientada, mas implica um número importante de problemas interpretativos.O tratamento apropriado do primeiro aspecto exigiria discussão extensa e técnica que não estou em condições de oferecer mais por razões de competência, do que pela natureza desta resenha. Mas no que se refere ao segundo aspecto eu diria que, embora a edição seja útil e estruturada com clareza (com uma introdução de 80 páginas, contendo a análise mais proveitosa das 23 passagens da Metafísica A), sua consulta não é propriamente fácil. O texto grego de Aristóteles está dividido em pequenas seções imediatamente seguidas pelo aparato crítico correspondente, interrompido pela numeração das linhas uma a uma e pela referência, antes de cada seção (de 987a6 em diante) ao assim chamado Textus de Averróis em seu Comentário à Metafísica de Aristóteles (cf. p. 400). E isso sem mencionar o aparato rico – demasiado rico, eu penso, para a finalidade do volume em questão e talvez até mesmo para uma edição da Metafísica em geral. Felizmente, a informação mais significativa a que os ensaios se referem sistematicamente, a saber, a questão de se uma determinada leitura pertence à assim chamada tradição- alfa ou à tradição- beta, pode ser facilmente compreendida graças ao uso das letras α e β em negrito, as quais o leitor também encontra em todas as contribuições.
O primeiro livro da Metafísica contém duas seções principais. A primeira (A1 e 2) esboça o quadro geral de determinada investigação, dedicada a uma área de pesquisa cujo objeto é definido posteriormente. Tal será a tarefa dos livros subsequentes, iniciando-se com as aporias do Livro Beta, claramente anunciadas nas últimas linhas do capítulo 10 – e que emerge, em certo sentido, do que Aristóteles estava desenvolvendo na Metafísica A (esta é uma compreensão importante que é claramente apresentada por John Cooper em seu “Retrospecto”, p. 351-53). Na Metafísica A, a investigação em análise caracteriza-se como sabedoria (sophia) e lida com as primeiras causas, o que significa, neste caso concreto, as primeiras causas do ser e dos entes enquanto tais (Sarah Broadi, “Uma ciência dos primeiros princípios”, sobre A2, p. 65; Rachel Barney, “História e dialética”, sobre A3, p. 73; Cooper, que, mais uma vez, insiste corretamente neste ponto, p. 358-361). Tal sugere de imediato que até mesmo a razão de Aristóteles para se empenhar em uma exposição (e crítica) da concepção dos seus predecessores de A3 a A10, não pode limitar-se apenas a confirmar a exatidão da doutrina das quatro causas conforme exposta na Física, embora componha certamente parte do projeto (cf. A3, 983a24-983b6, com os comentários de Barney, p. 74; A7, 988a21-23, com os comentários de Primavesi em seu “Reconsiderações sobre alguns pré-socráticos”, p. 226; e as linhas iniciais do capítulo conclusivo, 10, com Cooper, p. 336ff.). Teria a sequência seguida por Aristóteles caráter teleológico? Esta é a opinião corrente, mas que é rejeitada, ou no mínimo fortemente matizada, em duas contribuições. Stephen Menn, em seu “Crítica dos primeiros filósofos sobre o bem e as causas”(sobre A7 a 8, 989a18), sustenta que pelo menos em A7 Aristóteles não diz
… que assim como algumas pessoas ́lidaram de modo obscuro ́ com a causa formal, também outras ́lidaram de algum modo obscuro ́ com a causa final… mas ele diz que os primeiros pensadores… compreenderam imperfeitamente o bem, ao não utilizá- lo como causa final e interpreta isso à luz (e não o inverso) da sentença em A10, 993a14, a qual sustenta que “de certa maneira todos [os tipos de causas] já foram referidos anteriormente”(cf. p. 210, com o n. 18; e, para a retomada geral de Menn sobre o assunto, p. 202 e 216); e Gábor Betegh, ao comentar “O próximo princípio”(sobre A4) acerca da famosa metáfora de Aristóteles em 4.985a5 (cf. 10.993a13), segundo a qual seus predecessores mostravam-se “titubeantes”(tottering), sugere que uma forma de titubear é aquela em que há incerteza sobre o modo de conduzir uma sentença ao seu desfecho. Consequentemente, “mais de uma linha de desenvolvimento [ scil. na história da filosofia] foi possível”(p. 106). Pergunto-me se isto é assaz consistente com a tradução de psellizesthai por “expressar-se de maneira inarticulada”(p. 125 com o n. 46), pois a maneira peculiar como falam as crianças representa, seguramente, certo estágio de um desenvolvimento teleológico. Certamente, a teleologia de Aristóteles não é de tipo “panglossiano”(Menn, p. 216); e pode- se caracterizar a história de Aristóteles mais como “progressivista”do que “determinística”(Betegh, p. 106, com uma análise interessante das complexidades que cercam a antecipação da causa eficiente, p. 110). No entanto, se a observação de Aristóteles sobre os filósofos se verem impulsionados pela “coisa”em si mesma (984a1), ou “pela verdade em si mesma”(984b9f.), aplica-se não apenas aos primeiros filósofos, mas também aos filósofos em geral, talvez seja difícil negar que no mínimo certo teor de teleologia exerce o seu papel no construto aristotélico.
De todo modo, de A3 em diante Aristóteles empenha-se em viés desenvolvimentista do passado filosófico, um tipo inteiramente novo de abordagem. Trata-se de um dos aspectos mais fascinantes do Livro A, pois implica todas as questões básicas acerca do que significa escrever história, sobretudo escrever a história da filosofia, e ainda mais especificamente, escrever a história da filosofia a partir de determinado ponto de vista. Como é compreensível, este é um tema recorrente ao longo do volume. Ressalta-se a novidade da abordagem aristotélica mediante a comparação com os procedimentos anteriores e em que se lidava com a história das ideias, tais como o trabalho “homonoético”de Hípias, a biografia intelectual de Sócrates no Fédon de Platão, e a Gigantomachia em seu Sofista, todos eles textos que exerceram papel implícito, mas importante, no entendimento que Aristóteles tinha da sua própria teorização (Barney, p. 90 e 101 sobre o Hípias e o Sofista de Platão; Menn sobre o Fédon platônico, que sublinha corretamente na p. 211f. a centralidade, para o projeto pessoal de Aristóteles, da identificação do bem como “primeiro princípio”).
A segunda seção da Metafísica A encontra-se subdividida em suas seções: enquanto A3-A6 consiste essencialmente na exposição meticulosa de como as quatro causas – e não mais que quatro – gradativamente emergem ao longo do desenvolvimento de Tales até, pelo menos, Platão, A7-A9 empenha- se na revisão crítica do que os predecessores de Aristóteles tinham a dizer sobre o que as primeiras causas do ser como um todo são. Barney e Cooper empreendem discussão sobre se esta seção liga-se ao mesmo desenvolvimento “histórico”que A3-6, ou se pertence a outro nível, com ênfase clara na crítica, no questionamento aporético, e na dialética. Barney apresenta resposta positiva (p. 103), enquanto Cooper distingue a empresa “histórica”da “crítica”(p. 359). A descrição que Primaveri oferece do desenvolvimento em duas etapas em seu “Reconsiderações sobre alguns pré-socráticos”(em A8, 989a18-990a32) é neutra a esse respeito:
Os capítulos 3-5 fazem tão somente uma pergunta acerca dos primeiros pensadores: se os seus relatos acerca das causas últimas podem ser reduzidos, sem restos, a um ou mais elementos da lista aristotélica de causas. O capítulo 8, por outro lado, analisará os primeiros pensadores em todos os aspectos que podem ser úteis à busca da sabedoria (p. 227).
Com efeito, se alguém escolhe vincular a seção crítica ao trabalho histórico ou não, isso depende do quão amplamente interpreta a “história”ou, mais especificamente, a história filosófica da filosofia. O importante é que os capítulos A3-A9 constituem um todo admiravelmente bem-articulado. Tal não significa que inexistam problemas estruturais ou dificuldades pontuais, a mais interessante das quais se liga à efetiva complexidade da empresa “histórica”de Aristóteles. Um aspecto disso é que, segundo penso, a linha filosófica aristotélica de reconstrução da história da filosofia, certamente predominante na Metafísica Alfa acompanha e em certa medida entra em conflito com, a tendência à exaustividade – tensão que poderia ler-se como antecipando a diferença entre dois modos de se conceber a história da filosofia que é paradigmaticamente representada por Hegel e Zeller.
Uma das grandes virtudes deste livro é que ele sublinha seja o cuidado com o qual Aristóteles desenvolve seu projeto específico, sejam as tensões daí resultantes – para ele e para nós – a partir da sua própria complexidade: qual é exatamente o intuito da seção sobre Leucipo e Demócrito em 4.985b4-20 do ponto de vista do argumento de Aristóteles (Betegh, p. 136ff.)? E “que relevância tem isso para o projeto aristotélico na Metafísica A?”, pergunta Malcolm Schofield em sua análise da seção sobre os eleatas em 5.986b8-987b (p. 159 do seu “Pitagorismo: surgindo da névoa pré-socrática”, sobre A5). Além disso, como a “misteriosa”ausência do nome de Anaximandro é explicada em todo o livro (cf. Barney, p. 78, que menciona o problema, mas não lida propriamente com ele, nem o faz qualquer outra contribuição)? 2 Ademais, é bastante claro que a história relatada nos capítulos 3 e 4, em que Aristóteles resume as concepções de Tales, Anaxágoras, Empédocles, Demócrito e dos eleatas, e brevemente menciona mais alguns nomes (tais como os de Anaxímenes, Hipaso, Diógenes de Apolônia e Heráclito), conduz ao capítulo 5, o qual, ao ocupar o centro de todo o livro, representa um ponto de inflexão em todo o desenvolvimento.
Como fica claro pelo título da contribuição de Schofield (conferir acima), os pitagóricos representam, na construção aristotélica, o momento decisivo na história da filosofia, espécie de ponte entre a filosofia pré-socrática (ou melhor, pré- platônica) “típica”e Platão. Schofield discute o caráter “intersticial”do pitagorismo e é importante que, na apresentação aristotélica, a cronologia encontra-se com o desenvolvimento conceitual (p. 142f.). Com efeito, pode-se afirmar que a partir de A6, apresentada por Carlos Steel (“Platão visto por Aristóteles”), Platão ocupará o centro do interesse e refutação de Aristóteles (em A7b-A9), embora a seção dedicada à crítica aos predecessores se inicie com a crítica aos representantes do pensamento pré-platônico que apresentam potencialmente algum contributo à própria investigação de Aristóteles (cf. a explicação de Primavesi acerca do motivo de Aristóteles se concentrar aqui exclusivamente em Empédocles, Anaxágoras e nos pitagóricos: as concepções de Filolau, Parmênides e Demócrito “encontram-se simplesmente muito distantes do caminho certo, p. 227).”
A centralidade que Aristóteles atribui aos pitagóricos e Platão na história da busca pelos primeiros princípios traduz-se materialmente na extensa crítica à teoria das Formas em A9. Esta crítica divide-se facilmente em duas partes, correspondendo às duas versões ou etapas da teoria das Formas de Platão. A primeira corresponde às exposições clássicas nos diálogos, a segunda, à tese de que as Formas são números. No entanto, embora a divisão entre A9 a e A9 b se justifique perfeitamente e se confirme externamente pelo fato notório de que A9 a é repetida quase palavra a palavra em M 4-5, Crubellier salienta curiosamente em sua contribuição a continuidade entre as duas seções de A9, lidas a partir do ponto de vista específico do projeto aristotélico no Livro A – continuidade refletida na numeração contínua dos argumentos nas contribuições de Frede e Crubellier (de I a VII para A9 a, de VIII a XXIII para A9 b; ver p. 300 e o proveitoso Apêndice I à p. 332, que oferece o plano geral de A9). Formalmente, a concisão e aridez de A9 b não é tão diferente de A9 a (Crubellier, p. 300); substancialmente, e o que é mais importante, enquanto a crítica aristotélica em M revela basicamente natureza ontológica, A9 dirige-se às concepções metafísicas de Platão, “no sentido de uma busca pelos princípios mais fundamentais e universais dos entes naturais e dos fenômenos”(p. 300).
Entretanto, o peso específico do capítulo 9 é manifesto não apenas por sua extensão. O próprio fato de que a refutação assume forma sistemática (a ponto de parecer exceder o verdadeiro objetivo do livro A) justifica-se se Platão, na esteira dos “pitagóricos”, alcançou um ponto decisivo: a descoberta da causa formal que foi ou esquecida, ou apenas ligeiramente esboçada por seus antecessores. É verdade que, de acordo com Aristóteles, Platão fala de forma imprecisa; mas, como observa Cooper, há uma diferença importante entre referir “imprecisamente”e fazê-lo apenas “com hesitação”. Platão permanece impreciso, de acordo com a sugestão de Cooper, porque “a filosofia necessita falar com base em uma relato plenamente articulado não apenas de algo tal como a causa de determinada espécie… mas… que a compreensão deve ser constituída em um pensamento sistemático, plenamente articulado sobre as causas em geral”(p. 350). Platão, no entanto, de modo algum hesita, mas oferece uma teoria explícita da causa formal. Isto é suficiente para explicar o caráter sistemático da crítica de Aristóteles em A9.
Seria a sua crítica hostil? A questão é abordada por Frede, que nos convida a examiná-la não “enquanto um longo ressentimento reprimido contra a teoria das Formas de Platão”, e sim como “um longo catálogo de aporiai compartilhadas por alguns platonistas, à maneira de um desafio para discussão posterior”(p. 295). Esta visão está intimamente ligada à famosa questão do grau de fidelidade de Aristóteles à Academia de Platão à época em que ele escreveu a Metafísica A e o famoso “nós”(“nós”, os discípulos de Platão), que, como observa Primavesi, p. 412, surge “nada menos que em treze passagens do capítulo nove em nossa [de Primavesi] edição”, e contrasta fortemente com o uso da terceira pessoa (“eles”) nas passagens paralelas do Livro M. Pode-se divergir quanto às conclusões que se pode ou deve extrair desta mudança tornada famosa por Jaeger (ver Frede, p. 269ff. e Crubellier, p. 299). Mas Aristóteles alguma vez escreveu “tal como nós dissemos no Fédon “(hos en Phaidoni legomen)? Este é o texto que Primavesi publica em 991b3f. (cf. p. 414f.), na esteira das últimas reflexões de Jaeger sobre este assunto3 A leitura, que obviamente representa lectio difficilior, se não mesmo uma lectio impossibilis, não é transmitida nem em α ou β (e ambas têm legetai, “ele diz”), mas é narrada por Alexandre na p.106 do seu comentário (cf. também Asclépio, p. 90, 19). 4 Trata-se de um caso interessante não apenas para a história da transmissão do texto, mas também pela “ousadia”intrínseca da fórmula – inexiste algo comparável nas outras formas da primeira pessoa do plural no Livro A, apesar do que Alexandre afirma. Primavesi o explica: “Aristóteles não diz que ele compôs o Fédon; ele tão somente diz que algumas opiniões expressas no diálogo platônico representam a posição de um grupo de filósofos a que o próprio Aristóteles, de certa maneira, julga pertencer”(p. 414). Bem, parece-me que a frase diz algo mais do que isso; em sendo assim, o problema permanece.
A retomada crítica das opiniões dos seus predecessores é bastante comum nas obras de Aristóteles e representa um aspecto importante da sua abordagem filosófica em geral. Mas a revisão que encontramos na Metafísica A é única no gênero, especialmente porque a estrutura da apresentação e discussão das diversas doutrinas possui acentuado componente cronológico. Certamente um aspecto importante do interesse de Aristóteles na Metafísica A é a dúvida acerca do grau de precisão com que a filosofia se desenvolveu ao longo do tempo, e muitas observações cronológicas feitas de passagem atestam esta preocupação. Aristóteles interessa-se por antecedentes: Homero e Hesíodo vs. Tales, Hermótimo vs. Anaxágoras, Hesíodo e Parmênides vs. Anaxágoras e Empédocles, Anaxágoras vs. Empédocles (para a interpretação da controversa sentença em 984a11f., ver Barney, p. 93, n. 61), assim como “as palavras notoriamente obscuras de abertura do capítulo 5”(Schofield, p. 142): “Esses pensadores e, antes deles, os pitagóricos, como eram chamados, inclinaram-se às matemáticas”(Schofield sugere que Aristóteles “intenta inserir os pitagóricos tardios entre os pré-socráticos pluralistas”). E se a sentença sobre a relação cronológica entre Alcmeão e Pitágoras em 986a28-31 é, de fato, um acréscimo não pertencente ao texto original de Aristóteles, como foi sustentado por grande número de estudiosos (incluindo Primavesi, que pensa ser tal suplemento de origem neopitagórica, p. 447), um motivo para o acréscimo seria o de prosseguir nesta linha de investigação mas eu penso que Schofield na p. 150 está correto em considerá-la como sendo uma observação original de Aristóteles).
Alguém poderia perguntar por que este interesse especial de Aristóteles se manifesta precisamente no caso da “primeira filosofia”(compare as observações esboçadas acerca da história da dialética no capítulo final das Refutações sofísticas). Gostaria de sugerir que este zelo cronológico dialoga, e, na verdade, o aprofunda em nível ontogenético, por assim dizer, com a perspectiva que é indicada em A1 em nível quase-filogenético: o homem é por natureza uma criatura cognitiva. O liame entre o desenvolvimento da faculdade cognitiva humana e as opiniões e teorias acerca da causalidade, que articula as seções do Livro A (A1-2, A3-10), não é indicado por nenhum dos autores, salvo engano. Porém, Giuseppe Cambiano (“O desejo de conhecer”, sobre A1) e Broadie mostram bem o quanto os capítulos A1-A2, em que pesem as similaridades que revelam com o Protréptico e a Ética, lançam desde o início um projeto inteiramente distinto, a saber, “delinear e justificar um programa de pesquisa acerca dos princípios e primeiras causas”(Cambiano, p. 41; cf. Broadie, p. 48), embora ambos também deixem claro, nos termos de Broadie, que “A1-2 é, entre outras coisas, espécie de manifesto cultural, reivindicando o termo “filosofia”para estudos tais como os que temos na Metafísica, face à reivindicação de Isócrates para o seu tipo de atividade”(p. 50, com referência a Cambiano, p. 36 e 41).
Como foi indicado acima, o foco desse volume atém-se ao propósito e estratégia de Aristóteles ao lidar com os seus antecessores, e não ao intuito de utilizá-lo enquanto fonte para a reconstrução do pensamento dos pré-socráticos (ou mesmo de Platão). Assim procede Betegh, ao referir-se à seção dedicada aos atomistas em A4: “Aquilo em que estou interessado é… sua posição e função no contexto do nosso capítulo”(p. 137); ou Schofield, falando sobre A5:
O meu principal objetivo [não é] discutir em si mesmo o pitagorismo… a que Aristóteles está se reportando. O foco principal repousa antes nos benefícios que ele tenta auferir destes pensadores na medida em que se relacionam com a sua investigação acerca dos princípios e causas.
Mesmo assim, concentrar-se no projeto aristotélico não apenas não impede de considerá-lo uma “fonte”, mas às vezes chega mesmo a exigi-lo. O capítulo de Schofield é um bom exemplo disso, pois parte essencial dele consiste na reivindicação da interpretação aristotélica de Filolau (cuja obra é reconhecidamente a principal fonte da doutrina que Aristóteles atribui ao primeiro grupo de pitagóricos anônimos) contra aquela de Carl Huffman em seu livro clássico. Enquanto o último deseja salvar Filolau de haver concebido os números literalmente enquanto constitutivos do cosmos (imagem que se toma a Aristóteles) e pensa que Filolau apenas estabeleceu um paralelo entre teoria dos números e cosmologia (cf. p. 155), Schofield argumenta, ao invés, que a visão de mundo “fantástica”que emerge da apresentação de Aristóteles (e que é confirmada por outros relatos) deve refletir a doutrina original. Reside precisamente nesta “fantasia”, que a perspicácia filosófica de Aristóteles é capaz de reconhecer, a emergência de uma “reflexão autoconsciente sobre a explicação”(p. 164; cf. também suas observações sobre a relação entre a síntese inicial em 985b23- 986a21 e o comentário de Aristóteles em 987a15- 19, p. 163-5). E impulsiona a contribuição de Steel especialmente o pressuposto de ser Aristóteles uma fonte – neste caso, fonte para o nosso conhecimento e para o seu próprio conhecimento – da doutrina de Platão. Sua perspectiva fundamental, reagindo claramente contra a insistência de Cherniss nas distorções de Aristóteles e na caça sistemática por doutrinas não-escritas e a pitagorização de Platão, é que, além da doutrina do “Grande e Pequeno”que “parece”representar “clara evidência de uma doutrina não-escrita”(p. 194), os relatos aristotélicos de Platão em A6 ou procedem dos diálogos platônicos, ou são rastreáveis até eles (cf. p. 184, p. 188). Em todo caso, as doutrinas não-escritas existiram e A9 b lida extensamente com um dos seus aspectos mais enigmáticos: a tese que as Formas são números, sobre a qual Crubellier apresenta exposição e exegese lúcidas (p. 303f.).
O livro inicia-se um tanto abruptamente, após o breve prefácio formal do editor, com a análise de Cambiano de A1, orientada para uma comparação entre o material presente em A1 e os desenvolvimentos paralelos dentro e fora do corpus aristotélico (para os paralelos “internos”, cf. em particular comparação esperada entre A1 e An. Post. II, 19, p. 15ff.; e para as comparações externas, cf. especialmente a 5 a. seção “Sobre o contexto intelectual de A1”, p. 26ff.). Eis por que eu recomendaria que os leitores – mesmo aqueles já familiarizados com o Livro A – comecem com a “Conclusão – e retrospecto”de Cooper, o qual se dedica explicitamente a cobrir a estrutura geral do empreendimento aristotélico. Os leitores talvez queiram então passar à primeira seção do capítulo de Barney (p. 71-76) com as suas lúcidas reflexões sobre o método histórico de Aristóteles e, em seguida, para “Uma ciência dos primeiros princípios”que preenche bem o esboço oferecido por Cooper em seu “Retrospecto”sobre o projeto geral de Aristóteles de redefinição da sophia.
O livro é extraordinariamente rico, e o leitor encontrará em cada capítulo bastante material para alimentar a reflexão acerca de um grande número de tópicos e problemas que a presente resenha não poderia sequer começar a mencionar. Eu gostaria, entretanto, de chamar a atenção para o fato de que, além da contribuição editorial extremamente importante de Primavesi, que deveria por si só ser estudada por seus próprios méritos, o leitor descobrirá nos vários ensaios muitas discussões proveitosas e compreensão dos problemas textuais; por exemplo, a lúcida exposição de Steel do intricado problema suscitado pela presença de homonuma em 987b9f. (p. 177-180); a convincente preferência de Broadie por pensar que aquilo que Aristóteles escreveu em 982b18 foi “o amante da sabedoria é de certa forma também um amante do mito”(com a tradição α) em vez de “o amante do mito é de certa forma um amante da sabedoria”, conforme a edição de Ross e Jaeger e traduzido por muitos intérpretes (cf. por exemplo Ross-Barnes na Oxford Revised Translation); ou as razões de Cambiano (p. 12, n. 25) para seguir em 980b1 a tradição β contra a correção sugerida por Primavesi (com base no comentário de Alexandre).
Identifiquei alguns poucos erros tipográficos, nenhum dos quais é verdadeiramente preocupante. Os índices (Nomes, Passagens, e o Índice Geral, incluindo importantes palavras gregas transcritas) são um auxílio complementar, fazendo deste livro uma ferramenta indispensável 5.
Notas
1 Há uma outra exceção ao esquema um capítulo/ um ensaio: S. Menn aborda o capítulo 7 e o início do 8 até 989a18; O. Primavei, o restante do capítulo 8. Em termos de tamanho, a exemplo da cisão do capítulo 9 em duas partes, pode-se aqui oferecer melhor divisão entre os dois comentadores. No entanto, não existe justificativa interna verdadeira para esta divisão. Na realidade, a primeira parte do capítulo 8 (crítica dos monistas) também é retomada no trabalho de Primavesi (p. 225-229).
2 Há um debate em andamento sobre se Aristóteles refere-se implicitamente a Anaximandro em 7.988a29-32; cf. Menn, p. 207, com n. 14.
3 JAEGER, W. “Nós dissemos no Fédon ”, em S. Lieberman, Sh. Spiegel, L. Strauss, A. Hyman (edd.), Harry Austryn Wolfson Jubilee Volume, vol. I. Jerusalem,American Academy for Jewish Research, p. 407-21.
4 Na nota de rodapé 93, p. 414, Primavesi corrige a opinião dada por Jaeger, na p. 408 do seu artigo (e previamente pelo aparato de Michael Hayduk em sua edição do comentário de Alexandre), de que os dois manuscritos de Aristóteles também se leem como legomen.
5 Frente à importância da obra, a revista Archai, com autorização do autor e da revista, publica excepcionalmente versão portuguesa desta resenha, publicada originalmente na Notre Dame Philosophical Reviews – An Electronic Journal, no ano de 2013. Tradutor do inglês: Gilmário Guerreiro da Costa.
André Laks – Université Paris-Sorbonne, Paris, França – Universidad Panamericana, México; D.F. laks.andre@gmail.com
Between Empires, Arabs, Romans and Sasanians in Late Antiquity – FISHER (RMA)
FISHER, Greg. Between Empires, Arabs, Romans and Sasanians in Late Antiquity. Oxford: Oxford University Press, 2013. 254p. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo. Revista Mundo Antigo, v. 4, n.7, jun. 2015.
One of the main challenges to scholars is to explain the Muslims revolution, dating from the first decades of the 7th c. AD, from the Hegira in 622. This is so for several reasons, not least the fact that there is a lack of documents in Arabic script prior to that period, but also because it is apparently difficult to figure out the Arab upsurge from the relative obscurity of the previous centuries. Greg Fisher, associate professor at Carleton, Canada, has studied this intricate subject under the supervision of professor Averil Cameron, in Oxford, resulting in this volume published at Oxford University Press. From a theoretical standpoint, Fisher considers that religious, linguistic, ethnic, and cultural identities are a core research interest in studies of Late Antiquity. Then, the author stresses the importance of the study of the sources, as the Greek and Syriac ancient authors, as well as archaeological and epigraphic data form the foundation of the study. Third, and less intuitive, is an anthropological comparative approach, including colonial American history, such as borderland studies about Spanish colonizers, missionaries, Native Americans, British and French in North America. He emphasizes that the borderlands framework offers a flexible way to approach the engagement between empires, peripheries, and frontiers, encouraging us to view history of people such as the Jafnids from a macro historical perspective which is not confined to the context of the ancient world. A key concept is “in-between”, for people living in the outskirts of empires. Leia Mais
Religion and Emotion. Approaches and Interpretations | John Corrigan
El estudio sobre la vida emocional de los seres humanos desde una perspectiva sociohistórica y cultural es relativamente nuevo. En su artículo seminal “Anthropology of emotions”, Lutz y White2 plantearon con claridad las dificultades a que se enfrenta la teoría de las emociones cuando aspira a interpretar estas últimas desde la cultura y a entenderlas como parte de un entorno social, sean éstas mediadas por relaciones interpersonales o constituidas a partir de la propia vida en sociedad. Ellos señalaron las dicotomías cuerpo/mente y universalismo/relativismo como algunas de las tensiones más importantes en el campo de conocimiento que se conformó como tal en las últimas dos décadas del siglo pasado. Leia Mais
Constructing the world – CHALMERS (SS)
CHALMERS, David J. Constructing the world. Oxford: University Press Oxford, 2012. Resenha de: BARAVALLE, Lorenzo. O demônio de Carnap. Scientiæ Studia, São Paulo, v.13, n. 1, p. 223-32, 2015.
Não é fácil apresentar o último livro de David Chalmers para seu potencial leitor, já que nele, na verdade, escondem-se muitos livros, muitos caminhos alternativos de leitura e, acima de tudo, muitos estímulos para diferentes reflexões filosóficas. De acordo com as intenções do autor, Constructing the world é um texto de “epistemologia metafísica (ou deveria ser metafísica epistemológica?): grosso modo, epistemologia a serviço de uma imagem global do mundo e de nossa concepção deste” (Chalmers, 2012, p. XX).
Pode-se ver o presente livro como procurando realizar uma versão do projeto de Carnap no Aufbau: aproximadamente, construir um plano (blueprint) do mundo ou, ao menos, construir um plano para um plano, providenciando um vocabulário no qual tal plano pode ser dado (p. XVIII).
Ao longo dos oito capítulos que compõem o livro e dos numerosos excursus, que ampliam o alcance da argumentação principal para a elucidação das mais diversas problemáticas conceituais, Chalmers trata temas que vão desde a metafísica da modalidade até a filosofia da mente, desde a semântica até a filosofia da ciência, e desde a interpretação do empirismo lógico até a epistemologia formal. Dada a vastidão e a profundidade do texto, e tendo em conta que o próprio autor (p. XXV-XXVI) reconhece a importância de privilegiar um caminho de leitura por vez, eu seguirei aqui aquilo que, provavelmente, mais pode interessar ao leitor de Scientiae Studia, isto é, o caminho que, partindo de uma original recolocação do problema do conhecimento e passando por uma reconsideração do legado de Carnap, conduz a uma reflexão sobre a unidade das ciências e a estrutura do mundo. Paralelamente, prestarei atenção às qualidades que a análise de Chalmers possui como ferramenta metateórica.
1 CARNAP ENCONTRA LAPLACE
O titulo do livro de Chalmers é uma clara referência, e homenagem, ao Estrutura lógica do mundo (Aufbau) de Rudolf Carnap (cf. 1967 [1928]). Porém, Carnap não é seu único “herói”. Já nas primeiras páginas, o autor introduz a noção central de toda a obra, a saber, a de escrutabilidade, inspirada em Pierre-Simon Laplace.1 Este último autor, em seu célebre tratado sobre probabilidade, apresenta a conhecida imagem de um intelecto – comumente chamado de “demônio de Laplace” – capaz de determinar, a partir de um certo número de informações sobre a realidade física e potência de raciocínio suficiente, a verdade de qualquer acontecimento passado, presente ou futuro (Laplace, 2010 [1814], p. 42-3). Para o demônio de Laplace, diz Chalmers, “todas as verdades sobre o mundo são escrutáveis a partir de algumas verdades básicas” (p. XIII). A noção de escrutabilidade pode ser entendida, em uma primeira aproximação, como a ideia de que “o mundo é em certo sentido compreensível, ao menos dada uma certa classe de verdades básicas sobre o mundo” (p. XIII). Obviamente, a escolha dessa classe de verdades é tudo menos trivial e, a esse propósito, é geralmente aceito que ela é, em Laplace, tendenciosa, já que pressupõe o determinismo, ou ao menos incompleta, dado que o demônio não tem acesso a verdades fenomênicas, matemáticas ou morais, entre outras.
Chalmers (p. XIV, ss; cap. 1) defende que a noção de escrutabilidade, independentemente dos problemas relacionados com a perspectiva laplaceana, possui um grande valor filosófico. Essa noção denota, muito em geral, uma relação entre a classe de verdades básicas e qualquer outra proposição verdadeira p. Ela foi, ao longo da tradição empirista e, em particular, por Carnap, considerada como uma relação de definibilidade entre conceitos. No Aufbau, a definibilidade é, mais especificamente, associada com a possibilidade de construir – isto é, de mostrar a estrutura lógica de – os conceitos mais complexos (das ciências, por exemplo) a partir de uma relação simples e primitiva, a saber, a da similaridade fenomênica entre as experiências. Ao resgatar a inspiração construcionista carnapiana, Chalmers alinha-se – mais ou menos explicitamente – àqueles autores que, como Richardson (1998) ou Friedman (1999), rejeitam a interpretação clássica do Aufbau em termos fundacionalistas e fenomenalistas (cf. Ayer, 1946; Quine, 1951). A escolha da base fenomênica, entendida como coleção de dados dos sentidos (sense-data), para a construção dos conceitos mais complexos, não é essencial na realização do projeto carnapiano. Carnap mesmo, além de admitir explicitamente a possibilidade de partir de outro tipo de base, fisicalista (Carnap, 1967 [1928], §59), para realizar a mesma tarefa, acaba tentando construir a estrutura conceitual do mundo inteira a partir de uma base puramente lógica (§153-5); desfazendo-se, portanto, dos pressupostos fenomenalistas.
Essa flexibilidade na hora de escolher os elementos básicos da construção, porém, não ajuda Carnap frente a outro tipo de crítica. O problema principal do Aufbau, de acordo com Chalmers, é a identificação da escrutabilidade com uma relação de definibilidade puramente extensional. A maioria dos conceitos – ou, em outros termos, a maioria das verdades não básicas – não podem ser reduzidas a outros conceitos (ou verdades) mais básicos de maneira que estes últimos constituam suas condições necessárias e suficientes (cf. Wittgenstein, 1953; Kripke, 1980). Prova disso é que, para quase qualquer definição, é possível encontrar contraexemplos. Carnap, mais uma vez, reconhece esse problema, e tenta resolvê-lo por meio de critérios intencionais (cf. Carnap, 1947; 1955), vale dizer, regras semânticas que identificam apenas contextualmente o valor de verdade de uma determinada expressão. Inspirando-se nessa solução, Chalmers (p. 12-9) nega que a relação de escrutabilidade seja propriamente definicional. Para que sentenças não básicas sejam escrutáveis a partir de sentenças básicas, não é necessário que sejam disponíveis definições extensionais – as quais, quando presentes, são fundadas na relação de escrutabilidade, e não vice-versa –, mas apenas intenções, as quais permitem, por si só, determinar seu valor de verdade com suficiente exatidão, dado um certo cenário epistêmico (p. 204-11; excurso 10). Por exemplo, embora não possuamos nenhuma definição extensional do conceito de “conhecimento” que seja totalmente imune aos contraexemplos de tipo Gettier, ela não parece necessária para que possamos reconhecer que, de fato, os contraexemplos de tipo Gettier não constituem conhecimento: é suficiente uma “definição aproximada” e implícita (cf. p. 204-11; 381-5) do conceito.
Ora, embora Chalmers admita vários tipos de escrutabilidade não definicional,2 para os presentes fins, é suficiente que nos concentremos naquilo que ele considera o mais importante: a escrutabilidade a priori. A noção de escrutabilidade configura-se, nessa interpretação, como uma relação entre uma classe ou “família” (p. 20) de sentenças C, uma sentença S e um sujeito s tal que “S é escrutável a priori desde C por s se e somente se s está na posição de conhecer a priori que se C, então S” (p. 40). A partir dessa relação, Chalmers enuncia a seguinte tese.
Escrutabilidade a priori: existe uma classe compacta de verdades tal que para qualquer proposição p, um intelecto laplaceano estaria na posição de saber a priori que, se as verdades contidas nessa classe são o caso, então p (p. XVI).3
O termo “compacto” define um atributo da classe de verdades básicas, que deve conter sentenças limitadas e evitar trivializações, tais como uma “supersentença” matemática que inclui todos os estados do mundo (cf. p. 20 ss.).4 A característica fundamental da tese é que ela se compromete com a existência de uma base compacta que é suficiente para que um hipotético sujeito (a) tenha acesso a ela, (b) seja capaz de certa potência de raciocínio e (c) possa comprovar que as verdades empíricas contidas nela refletem estados de coisas de nosso mundo ou de algum outro mundo possível, possa escrutar, a priori (isto é, sem precisar recorrer ulteriormente à experiência) a verdade de qualquer sentença. Dessa maneira, o problema de identificar tal base volta a ser central e, para reduzir a complexidade desse problema, Chalmers recorre, nos terceiro e quarto capítulos, a uma idealização análoga ao demônio de Laplace, a saber, o que denomina “cosmocópio”.
2 O PROBLEMA DA BASE: AVENTURAS COM O COSMOCÓPIO
Já no primeiro capítulo, Chalmers introduz ao que, para ele, deveria ser a base a partir da qual “todas as verdades macroscópicas ordinárias são implicadas a priori”.5 Embora, como veremos, seja admitida certa liberdade com respeito à escolha das famílias de sentenças que a compõem, para Chalmers, ela é um conjunto de verdades da física (tanto macroscópicas quanto microscópicas), verdades fenomênicas (referentes a qualia), verdades indexicais (“eu-sou-de-tal-e-tal-maneira”, “agora-é-de-tal-e-tal-maneira”) e uma sentença “isso-é-tudo”, que certifica que não há nada mais (em um determinado mundo possível, ou cenário epistêmico) do que é expressado nas sentenças básicas ou nas sentenças escrutadas a partir delas (p. 111; excurso 5). Para fazer referência a tal base, Chalmers usa o acrônimo PQTI (physics, qualia, that’s all, indexicals). Como antecipei há pouco, para justificar a escolha de PQTI, Chalmers recorre, nos terceiro e quarto capítulos, a uma idealização, o cosmocópio, que se revela muito útil na hora de compreender melhor os problemas filosóficos em jogo e, a meu ver, também como instrumento analítico em geral.
O cosmocópio é um dispositivo imaginário – mas epistemicamente possível – que permite a um determinado usuário, s, estabelecer o valor de verdade de qualquer sentença ordinária M. Ele
armazena todas as informações contidas em PQ[T]I e as torna utilizáveis. Em particular, ele contém (1) um supercomputador que armazena a informação e realiza todos os cálculos necessários; (2) ferramentas que usam P para ampliar uma região qualquer do mundo e para fornecer informações sobre a distribuição da matéria nessas regiões; (3) um dispositivo de realidade virtual que produz conhecimento direto de qualquer estado fenomênico descrito em Q; (4) um marcador “tu estás aqui” que carrega a informação contida em I; e (5) dispositivos de simulação que proporcionam informações sobre contrafáticos, exibindo os estados físicos e fenomênicos que se produziriam sob as várias circunstâncias contrafactuais especificadas por PQ[T]I (p. 114).
Um exemplo ajudará a tornar mais claro o funcionamento do cosmocópio. Imagine-se que queira aferir o valor de verdade da seguinte sentença M: “no dia 10 de outubro de 1820, às 11 horas, Napoleão Bonaparte estava observando uma garrafa de vinho na mesa da sala de sua residência na ilha de Santa Helena”. Ao entrar no cosmocópio, terão acesso a todas as informações relevantes para identificar, sem possibilidade de erro, as características físicas da sala de Napoleão em Santa Helena em 1820. Em particular, poderão conferir que a composição molecular do líquido contido na garrafa na frente de Napoleão corresponde, efetivamente, a, digamos, um Châteauneufdu-Pape de 1812 e não a água colorida, ou a uma ficção produzida por um gênio maligno. Ao mesmo tempo, experimentarão as sensações de Napoleão naquele momento, podendo assim comprovar que ele estava realmente observando (e acreditando estar observando) essa garrafa e não, por exemplo, uma mosca voando na frente dele ou uma alucinação provocada pelo envenenamento por arsênico. Também poderão pedir para o cosmocópio mudar algumas das verdades básicas, de modo a aceder a um mundo possível no qual a garrafa na frente de Napoleão não contém vinho, mas água colorida, e comprovar, assim, se ele continuaria acreditando estar observando uma garrafa de vinho. Novos cenários epistêmicos podem ser obtidos simplesmente inserindo condicionais hipotéticos no cosmocópio, o qual se encarregará de produzir as modificações relevante em PQTI.
A função dessa idealização é mostrar como a base PQTI é suficiente para escrutar qualquer outra verdade, real ou meramente possível. Para isso, é importante notar que o cosmocópio não produz, propriamente, conhecimentos. Ele se limita a fornecer certas informações físicas e representações fenomênicas a partir de PQTI. É o usuário s quem determina o valor de verdade de uma sentença M, à luz das evidências, completas, disponíveis no cosmocópio. Embora amplie impressionantemente os conhecimentos básicos de s e proporcione uma capacidade de raciocínio praticamente ilimitada, o cosmocópio não é nada mais que uma “extensão” de s. Em outras palavras, não é o cosmocópio o demônio de Laplace, mas a união do usuário e do cosmocópio, a qual constitui, em última instância, o sujeito epistêmico ideal. Se aceitamos que o usuário no cosmocópio é efetivamente capaz de determinar o valor de verdade de qualquer sentença ordinária, então aceitamos, ipso facto, que PQTI é a base própria da relação de escrutabilidade. Para quem não estiver convencido, Chalmers mostra, em primeiro lugar – e contra possíveis objeções céticas –, que não é possível que PQTI seja verdadeiro e M falso, que ele chama de “argumento da eliminação” (p. 120-5) e, em segundo lugar, que não há verdades ordinárias que fiquem fora do alcance do cosmocópio, que corresponde ao “argumento da cognoscibilidade” (cf. p. 125-34). Contudo, tudo isso não é suficiente para justificar a tese da escrutabilidade a priori. Para esse fim, Chalmers deve mostrar que, uma vez que s entra no cosmocópio, ele aceita que PQTI→M é verdadeiro independentemente de qualquer experiência, isto é, confiando apenas na relação de escrutabilidade a partir de PQTI.
No quarto capítulo, Chalmers apresenta três argumentos definitivos para aceitar a tese da escrutabilidade a priori com base PQTI. O primeiro é o argumento da suspensão do juízo (p. 159-60). Se nos imaginamos, antes de entrar no cosmocópio, em um cenário cético análogo ao das Meditações metafísicas de Descartes, não é claro em que sentido a experiência jogaria um papel qualquer na aceitação de PQTI→M. Sendo que o cosmocópio, durante o processamento da informação, não é influenciado por nenhuma nova evidência empírica, resulta ao menos plausível que também o usuário que previamente suspendeu o juízo chegue a saber PQTI→M sem recorrer à experiência. O segundo argumento é o da antecipação (cf. p. 160-7). Poder-se-ia pensar que, até depois de uma suspensão do juízo, as evidências empíricas continuem jogando algum papel na posterior aceitação de verdades. Poder-se-ia, então, pensar que s, uma vez entrado no cosmocópio, não sabe realmente PQTI→M, mas PQTI & E→M, onde E é uma evidência empírica. Porém, Chalmers nota que, sendo PQTI suficiente para derivar M, E deve necessariamente estar já incluído em PQTI e, portanto, PQTI & E→M é escrutável a priori. Agora, se somamos todas as evidências empíricas F e tentamos mostrar que elas jogam algum papel na aceitação de PQTI→M, encontrar-nos-emos, analogamente, na situação em que PQTI & F→M é escrutável a priori. Finalmente, com o argumento que poderíamos chamar de “o papel justificativo” (cf. p. 167-9), Chalmers mostra que qualquer referência à experiência durante o uso do cosmocópio (pensem no nosso exemplo acerca de nossas percepções “napoleônicas”) não joga realmente um papel justificativo em PQTI→M, mas apenas causal ou de intermediação.
3 A UNIDADE DA CIÊNCIA E A ESTRUTURA DO MUNDO
Mas afinal quais são exatamente as sentenças que compõem PQTI? Em realidade, mais do que uma base determinada, ele representa, para Chalmers, um ponto de partida para definir, em claro espírito carnapiano, classes de verdades básicas mais fundamentais, isto é, subconjuntos mínimos dotados de alguma prioridade conceitual (cf. cap. 6-7), as quais, por sua vez, permitem formular novas versões de escrutabilidade (cf. cap. 8) – todas rigorosamente a priori –, com as mais diversas finalidades filosóficas. Diferentes bases mínimas servem para defender teses epistemológicas, semânticas ou metafísicas distintas, e é justamente nisso que reside a versatilidade da proposta de Chalmers. Embora, ao longo do livro, o autor expresse suas opiniões pessoais com respeito a várias temáticas, a tese da escrutabilidade a priori é, principalmente, um instrumento metafilosófico que pode ser empregado por pensadores das mais díspares tendências. Para dar um exemplo disso, apresentarei, na última parte desta resenha, a relação entre a escolha de bases restritas e a estrutura científica do mundo, a partir do que, para Chalmers, é uma consequência necessária da tese da escrutabilidade a priori, a saber, a unidade da ciência (cf. excurso 10).
A conexão entre a tese da escrutabilidade a priori e a unidade da ciência é bastante evidente quando pensamos que, conforme a primeira, todas as verdades e, portanto, todas as verdades científicas são escrutáveis a partir de uma certa base. Dado que, intuitivamente, as verdades científicas contidas em PQTI são principalmente verdades da física, resulta quase espontâneo considerar o reducionismo como uma consequência da tese da escrutabilidade a priori; o que é, de acordo com Chalmers (p. 302), admissível, mas deve ser tomado com cuidado. Como já vimos, a relação de escrutabilidade não é uma relação de definibilidade e, portanto, o reducionismo sugerido por ela é muito mais fraco que o reducionismo tradicional, fundado sobre critérios de significado dos empiristas lógicos (cf. Hempel, 1965, cap. 4). A escrutabilidade com base PQTI é compatível com o pluralismo e com diferentes enfoques metateóricos (p. 309). Por exemplo, ela não implica – embora tampouco exclua – o fisicalismo. O fisicalista é alguém que aceita, como verdades básicas, algo como PQTI (p. 290-8), isto é, uma versão de PQTI na qual as verdades contidas em P são apenas verdades microfísicas ou, em um caso mais extremo, apenas PTI ou P, isto é, famílias de sentenças puramente físicas (para este último tipo de fisicalista, as qualidades (qualia) seriam totalmente escrutáveis a partir de estados físicos). Contudo, o fisicalismo não é a única (e, segundo Chalmers, nem a melhor) opção de “redução”.
Os metafísicos discutem se o universo inteiro é mais fundamental do que as simples partes: os monistas sustentam que o todo funda as partes, enquanto os pluralistas sustentam que as partes fundam o todo. Analogamente, os fisicalistas sustentam que o físico é fundamental e funda o mental, enquanto os idealistas sustentam que o mental é fundamental e funda o físico, e os dualistas sustentam que tanto o físico quanto o mental são fundamentais (…). PQTI não resolve essas questões: ele é compatível tanto com a perspectiva monista como com a pluralista, e com as perspectivas fisicalista e dualista e, talvez, com a idealista (p. 270).
Novamente, a inspiração é o próprio Aufbau carnapiano, o qual, além de oferecer bases alternativas (fenomênica, fisicalista ou lógica), mostra indiferença ou, melhor dito, “tolerância” com respeito a várias posições filosóficas (cf. Carnap, 1967 [1928], §75, §177-8; Friedman, 1999, p. 132 ss.). Para Chalmers, todos os conceitos candidatos para formar parte de PQTI podem constituir alternativamente, dependendo de como sejam interpretados, elementos básicos ou derivados da relação de escrutabilidade (exceto T e I, os quais parecem formar necessariamente parte da base). Como demonstração disso, no sétimo capítulo, são explicitadas as principais opções na escolha da classe mínima de conceitos básicos. Com relação a P, por exemplo, é igualmente aceitável definir os conceitos microfísicos como básicos (fisicalismo) ou como escrutáveis, por “ramseyficação” de conceitos macrofísicos e observacionais (p. 319-21). Quanto a Q, podemos considerar as qualidades secundárias (como cores, sons etc.) como primitivas, ou escrutáveis de interações fenomênicas entre sujeitos e objetos (funcionalismo conceitual) (cf. p. 321-4). Há, depois, outros conceitos básicos de difícil classificação, cujo status epistemológico e metafísico é objeto de disputa. Os conceitos de espaço e tempo e todas as expressões nômicas, por exemplo, podem ser considerados primitivos com respeito às entidades físicas e aos estados fenomênicos, mas também escrutáveis, idealisticamente, de conceitos fenomênicos ou, alternativamente, de certas distribuições (micro ou macro) físicas (cf. p. 325-40). É possível ainda que as verdades mais básicas da física sejam escrutáveis, em realidade, de verdades metafísicas mais primitivas (quidditas) (cf. p. 347-53). Tomando certas verdades metafísicas como, por exemplo, a irredutibilidade dos estados psíquicos, isto é, o pampsiquismo, que é uma posição cara a Chalmers (cf. 1996, p. 293-301; 2012, p. 359-61) – como básicas, é possível redefinir inteiramente a ordem das outras verdades escrutadas.
Como consequência dessa liberalidade filosófica, no oitavo capítulo, várias combinações compactas de conceitos básicos são apresentadas explicitando a estrutura do mundo, a qual é, a partir delas, escrutável (p. 406-22). Assim, caracterizar a base como uma classe de sentenças sobre coordenadas espaço-temporais conduz a conceber o mundo como uma estrutura quase matemática; escolher regularidades nômicas implica caracterizar a estrutura do mundo como fundamentalmente legiforme; uma base fenomênica pode definir uma estrutura análoga à do Aufbau ou, se nela são introduzidas certas verdade metafísicas, pampsiquista; finalmente, se a base é metafísica, a estrutura resultante será caracterizada pelas propriedades das quidditas aceitas. Bases híbridas e estruturas intermédias podem satisfazer outras sensibilidades metateóricas. Trata-se, contudo, apenas de esboços, já que (além do fato de não ser esta lista exaustiva), em cada caso, haveria – como Chalmers mesmo reconhece – que dedicar muito mais detalhe ao vocabulário, à forma das verdades básicas e às modalidades de construção das outras verdades. Chalmers declara, no final de sua obra, que
eu não escrevi nenhum desses Aufbaus aqui (…), [mas] na medida em que a tese da escrutabilidade a priori é verdadeira, algum desses Aufbaus será possível. Haverá um vocabulário básico limitado no qual expressar as verdades básicas. Outras verdades serão deriváveis a partir dessas, ou por inferência a priori ou por uma definição aproximada. A estrutura geral dependerá da visão filosófica de cada um sobre a fenomenologia, o espaço-tempo, as leis da natureza, a quidditas, a normatividade, a intencionalidade, a ontologia, e assim por diante. Os detalhes dependerão de questões empíricas sobre física, fenomenologia e outros domínios. Mas temos razão de crer que um Aufbau bem-sucedido existe, em algum lugar do espaço filosófico (p. 429-30).
Estudar o livro de Chalmers, e empregar suas sofisticadas ferramentas analíticas, sem dúvida, aproxima-nos desse lugar.
Notas
1 Há, ainda, um terceiro “herói” no livro de Chalmers, Frege, do qual o autor pretende resgatar, por meio de certas aplicações da noção de escrutabilidade, a teoria do significado e a distinção entre sentido e referência.
2 Estes, além de constituírem-se a partir de bases distintas, podem ser, principalmente, inferenciais ou condicionais. A distinção remete às modalidades de conhecimento próprias de, respectivamente, um demônio laplaceano real ou meramente possível. Com o fim de evitar uma série de consequências paradoxais – in primis, o paradoxo de Fitch sobre a cognoscibilidade (cf. Fitch, 1963; Chalmers, 2012, p. 29 ss.) –, Chalmers expressa uma clara preferência para o segundo tipo de escrutabilidade, mas não precisamos aqui entrar nos detalhes. Para isso, ver Chalmers (2012, cap. 2).
3 Chalmers distingue, no texto, “escrutabilidade” (com caixa baixa), para se referir a uma relação de escrutabilidade, de “Escrutabilidade” (com caixa alta), para introduzir uma tese sobre escrutabilidade (p. 39).
4 Note-se certa ambivalência, por parte de Chalmers, na caracterização das verdades como “sentenças” ou “proposições” verdadeiras, na apresentação de diferentes relações ou teses de escrutabilidade. Em geral, eu não diferenciarei aqui entre os dois termos, mas empregarei de preferência “sentenças”, conforme as recomendações de Chalmers (cf. p. 42-7; excurso 3).
5 São excluídas, das “verdades macroscópicas ordinárias”, as verdades sobre a matemática, a moralidade, a ontologia, a intencionalidade, a modalidade e algumas outras, as quais são tratadas como casos especiais no sexto capítulo. Não apresentarei o conteúdo desse capítulo no corpo da resenha, mas vale a pena precisar duas questões. A primeira, terminológica, é que o atributo “macroscópico”, com relação às verdades escrutáveis, não se opõe necessariamente a “microscópico”. Verdades relacionadas com a estrutura da matéria, por exemplo, são escrutáveis. Apenas algumas verdades no domínio quântico são excluídas pelas verdades macroscópicas ordinárias e representam casos especiais. Em segundo lugar, é importante ressaltar que inclusive essas verdades especiais são escrutáveis, uma vez que sejam aportados certos ajustes na base (discutidos nos sexto e sétimo capítulos).
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Lorenzo Baravalle – Centro de Ciências Naturais e Humanas. Universidade Federal do ABC, Brasil. E-mail: lorenzo_baravalle@yahoo.it
[DR]
The Idea of Order: The Circular Archetype in Prehistoric Europe | Richard Bradley
Richard Bradley é professor de Arqueologia na Universidade de Reading, especializado em estudos da pré-história europeia, focando em paisagens pré-históricas, organização ritual e social e arte rupestre. Entre seus últimos livros publicados estão The Prehistory of Britain and Ireland (2007) e Image and Audience: Rethinking Prehistoric Art (2009). Sua maior contribuição à área é o livro The Significance of Monuments: On the Shaping of Human Experience in Neolithic and Bronze Age Europe (1998). Neste livro, é lançada a ideia de que a escolha e a predominância de um formato circular para a construção de monumentos na Europa Atlântica durante o Neolítico estaria ligada à cosmovisão comum das populações pré-históricas em contato.
A busca para compreender a escolha do que o autor denomina como “arquétipo circular” [1] é constante em suas publicações, e é ela que pauta todo o livro, afastando-se um pouco da noção de cosmovisão, e observando fatores mais práticos e do cotidiano, como, por exemplo, a influência do ambiente habitado e conhecido na construção de casas e monumentos. Como o próprio autor pontua: este não é um livro sobre um período ou um lugar; é sobre uma ideia (BRADLEY, 2012:3).
As ideias de um padrão circular, assim como seus questionamentos do início do livro, na verdade, costuram toda a obra, por entre seus dez capítulos: por que tantos povos na pré-história europeia construíram monumentos circulares? Por que escolher as casas redondas enquanto outras comunidades as rejeitavam? Por que havia pessoas que habitavam casas retangulares e frequentemente enterravam seus mortos em montículos circulares ou cultuavam seus deuses e ancestrais em templos circulares? (BRADLEY, 2012: 3).
Obviamente, o leitor que procura respostas acabará o livro sobrecarregado, devido à quantidade de detalhes e levemente frustrado: há mais questionamentos do que respostas. É uma recorrência ao longo do livro. As inquietações de Richard Bradley perpassam estudos etnográficos na América e África além de análises comparativas que vão desde o Neolítico à Irlanda Medieval, passando por sítios da Espanha, Portugal, França, Sardenha, Irlanda, Inglaterra e Escandinávia. Lembrando que seu foco de análise é a forma circular e o seu longo período de existência, não negligenciando o tipo de suporte material: seja na construção de casas e monumentos, ou na decoração de objetos (em cerâmica e metal).
Devido à complexidade do assunto em questão e até como uma forma de crítica às duas posições entendidas como antagônicas nos estudos de pré-história, o autor faz um julgamento claro em relação à divisão ainda existente na abordagem dos estudos na área. Os processualistas, que tendem sempre às generalizações e à construção de grandes modelos de análise; e os pós-processualistas, que enfatizam sempre estudos de caso e análises particulares, que acabam por demonstrar que o modelo generalizante se encontra equivocado. Assim, R. Bradley preferiu seguir uma sequência lógica, movendo-se sempre de um questionamento generalizante para os estudos de caso (o particular), não deixando nunca de levantar os pontos de interesse mais amplos e de esquematizar melhor suas exposições ao final dos capítulos da maneira mais didática possível.
O autor, ainda, demonstra sua preocupação com a autocrítica em relação à escolha dos seus métodos de análise, dedicando um espaço nos capítulos para questioná-los antes mesmo que o leitor o faça – como é o caso, por exemplo, do segundo capítulo, no qual ele questiona o uso de dados etnográficos. Este tipo de abordagem só faz com que a obra se torne irritantemente genial, pois mostra o trabalho massivo para a construção do livro, a preocupação com os dados e a erudição do autor, assim como incita o leitor a pensar – uma proliferação de questionamentos ao longo de todo o livro.
Tendo em vista a amplitude espaço-temporal da sua análise, Richard Bradley teve a preocupação de esquematizar, no seu primeiro capítulo, como funciona a organização do seu argumento, partindo da análise de casas circulares e sua distribuição pela Europa, utilizando dados etnográficos e observando artisticamente os estilos curvilíneo e linear, correlacionando-os com escolhas de moradia do mesmo período.
Na segunda parte do livro, é observada a relação entre as moradias (casas e assentamentos) e a construção de monumentos e, na terceira parte, foi analisada a relação e a concomitância das estruturas curvilíneas e retilíneas, não deixando de investigar as circunstâncias em que o modelo circular foi abandonado.
O autor inicia seu livro descrevendo e analisando um sítio na Irlanda, um local conhecido pela possível ocorrência do festival Céltico de Beltane, um lugar antigo para reuniões, associado ao culto Druídico do Fogo e ao trono dos Reis Irlandeses. Hill of Uisneach, um centro sagrado da Irlanda em tempos pagãos, de acordo com o folclore e evidências literárias. Esse sítio está situado em uma colina que domina a paisagem que a cerca, como o centro da mesma. De seu topo, pode-se observar os vários condados irlandeses. Possui mais de 20 monumentos antigos, entre tumbas megalíticas, montículos funerários, aterros e fortificações anelares, com datações que variam entre o Neolítico e a Idade do Bronze no caso das construções, e da Idade do Ferro ao Medievo no caso das (re)utilizações encontradas.
Recentemente, o sítio teve uma tradição inventada [2] : o Fire Festival (Festival do Fogo) que envolve a construção de uma série de prédios de madeira circulares (temporários), com algumas estruturas decoradas com desenhos curvilíneos – uma decisão deliberada dos criadores do evento para refletir a configuração dos monumentos do lugar, que, não por coincidência, é a configuração tradicional em toda Irlanda, desde as tumbas do Neolítico, passando pelos centros reais da Idade do Ferro até os monastérios mais antigos.
Ao adentrar pela análise da construção dos monumentos antigos, o autor expõe um problema: a sequência extensa desses monumentos. Eles possuem uma longa história, e como o autor explicita, não é fácil analisá-los quando muitos pré-historiadores são especialistas em períodos específicos. Torna-se clara sua crítica, talvez um pouco generalista e exagerada, aos pós-processualistas e ao seu alto grau de especialização. Ele entende que o problema deve ser sanado ao se olhar mais largamente, espacialmente e temporalmente – o que, a exemplo deste livro, é fruto de um trabalho árduo que poucos provavelmente têm interesse em fazer.
A partir da análise dos eixos de preferências entre os padrões retilíneos e curvilíneos, fica claro seu posicionamento. Para o autor, a construção da arquitetura curvilínea seria uma escolha; uma alternativa aos modelos lineares “tradicionais”. A noção de escolha deve ser entendida relacionada ao conceito de agência – que engloba outros diversos conceitos e enfoques, tais como ritual, monumentalização, práticas funerárias, apreensão do mundo via sentidos, cadeia operatória, noções de memória, ancestralidade e identidade.
Deve-se considerar no conceito de agência que o corpo é o principal locus físico da experiência e a cultura material é o meio pelo qual se estabelece a comunicação, cria e reproduz o simbólico. É, portanto, um meio para compreender as relações sociais e os mapas cognitivos e, quando aplicado ao coletivo, implica em força para a construção de noções partilhadas do social e do simbólico, por meio da monumentalização e da construção ritual (OWOC, 2005; CUMMINGS, 2003; BAHN & RENFREW, 2005). Deste modo, o autor entende que o contraste entre as formas era significativo, uma vez que elas indicam ideias particulares de ordem, não estando, necessariamente, ligadas somente à questão da funcionalidade, mas com forte carga simbólica.
Assim, as construções seriam a concretização da experiência humana e do pensamento simbólico na cultura material, refletindo os componentes do ambiente construído que cercava as populações. Se faz crucial, entretanto, atentar para o fato que as percepções variam, mesmo entre comunidades que habitam um mesmo espaço: a interpretação de um fenômeno, assim como do ambiente ao seu redor, varia. Seguindo esse raciocínio, a construção dos monumentos seria consequência direta de crenças compartilhadas para a construção e utilização de edificações domésticas: elas teriam influenciado as percepções de mundo das populações pré-históricas [3].
No terceiro capítulo, é analisado o contraste entre as formas curvilíneas e retilíneas na arte. Poderiam, por exemplo, estar ligadas a noções de sagrado e secular, público e privado. A observação vem a partir da reinterpretação da “arte Celta” [4 ]elaborada em metal, da Idade do Ferro. Os objetos desse período que contém temática curvilínea são provenientes de contexto religioso/ritual, mesma característica dos contextos de construção de monumentos circulares no Neolítico e Idade do Bronze.
- Bradley afirma sua posição exemplificando uma “continuidade” do padrão curvilíneo com a construção do Catolicismo na Irlanda Medieval e o padrão circular associado à na construção de igrejas e monastérios, assim como da criação da “Irish Cross”. Acredito, entretanto, que seja necessário considerar a possibilidade de ser somente uma continuidade de uma tradição para adaptação local e não, necessariamente, uma escolha deliberada baseada em um simbolismo milenar que tenha sobrevivido sem grandes alterações desde a pré-história.
Um questionamento interessante é feito no capítulo quatro: é necessário levar em consideração a audiência para a qual o monumento foi feito – entendendo que a maioria das pessoas só teria acesso à parte externa dos monumentos e a maioria dos estudos não leva isso em consideração; há uma crítica excessiva à muita atenção prestada ao interior dos monumentos e à pouca ênfase dada ao exterior – formato e direcionamento, que muitas vezes lembram moradias e ocupações domésticas. Neste ponto, se faz necessário abrir uma ressalva, pois a crítica do autor está inserida no contexto de estudos da arqueologia da paisagem e é consequência direta da forma como ele entende e analisa os monumentos. A arqueologia da paisagem é um campo da Arqueologia que estuda a forma como as pessoas do passado moldavam sua paisagem e nela viviam. Assim, ao ter como foco os monumentos e assentamentos que se integram aos traços geográficos e ambientais, é possível buscar entender o âmbito socioeconômico para, consequentemente, chegar-se ao cultural. A paisagem, desse modo, é entendida como uma construção sociocultural. Assim, analisa-se a inter-relação entre os sítios e os espaços físicos que os separam a partir da análise extra-sítio (ver Anshuetz et al 2001; INGOLD, 1993; TILLEY, 1994; BENDER, 1992).
Ao introduzir no capítulo cinco a análise dos monumentos em pedra, trabalhando com noção de intencionalidade e escolha do material [5], leva em consideração a sua durabilidade (ver PEARSON & RAMILSONINA, 1998) e os compara com os monumentos de madeira, deixando explícita a diferenciação do foco de cada tipo de monumento: os de madeira seriam feitos para reuniões entre os vivos, e os de pedra, teriam ligação com os mortos e ancestrais. Além disso, é introduzido o questionamento sobre a datação das marcações feitas em terrenos (trabalhos de terraplanagem e construção de fossos) reconhecidas como henges: alguns deles seriam posteriores aos monumentos (círculos de pedra e madeira) que estão atualmente relacionados (ou assim era entendido).
Dessa forma, a inserção dos henges no contexto dos círculos de pedra, por exemplo, demonstra uma provável mudança no foco ritual desses locais, provavelmente ligados aos ritos de passagem (ver GENNEP, 1909; TURNER, 1969) com inversão de convenções sociais, transformação do estado pessoal e manutenção de forças dentro do círculo. Indo além, alguns desses henges e trabalhos de terraplanagem teriam o intuito de barrar a visão do interior dos monumentos, revelando a necessidade de uma audiência fechada, caracterizando uma hierarquia social, onde muitos construíam, mas poucos tinham acesso direto (seja visual, seja físico) ao centro do ritual [6] – e, por que não, da paisagem ritualizada.
Um dos exemplos usados pelo autor é o caso de Stonehenge, provavelmente o círculo de pedra mais conhecido, localizado na Inglaterra. Sua fama vem do fato de ser uma construção massiva em monólitos, que chama a atenção como centro de um microcosmo do mundo e dominando a paisagem que o cerca. A comoção maior surgiu no século XVIII com os antiquários [7], como John Aubey e William Stukley, que interpretaram o monumento erroneamente e acabaram criando uma tradição na qual ele seria construção feita pela população celta, voltado para atividades rituais: um templo dos druidas, popularmente conhecidos como “sacerdotes celtas” [8].
Os antiquários foram percussores/fomentadores de um movimento conhecido como Celtomania, intrinsecamente ligada ao Celtismo, conhecido como a invenção de uma “tradição” celta a partir dos antiquários do século XVIII, que influenciou fortemente os movimentos nacionalistas na Europa e desencadeou o fenômeno da Celtomania, no século XIX. Ligada ao imaginário popular, ao mítico, ao fantástico, baseou-se no Celtismo e nas lendas medievais. Atualmente, existe uma cultura pop com distorções ainda maiores, com ampliação das imagens criadas e com uma forte idealização mítica. Como consequência, foi criada uma alegoria do que teria sido a sociedade celta, com implicações políticas e identitárias fortes e que até hoje influencia religiosidades neopagãs – que (re)interpretam e (re)utilizam monumentos pré-históricos como sendo representantes de uma crença milenar e ancestral.
Apesar de sua importância indiscutível ao longo de séculos, Richard Bradley oferece muito pouco espaço para analisar Stonehenge. Com monólitos massivos moldados e cuidadosamente conectados, como peças de carpintaria, fazendo a ocorrência incomum para o tipo de círculo de pedras, o autor traz uma nova ideia, de que Stonehenge teria sido concebido como uma cópia de um edifício de madeira doméstico, mas infelizmente deixa o leitor perdido, no meio do questionamento, sem desenvolver mais sua teoria e sem proporcionar maiores detalhes.
Na penúltima parte do livro, que engloba os capítulos sete, oito e nove, o autor trabalha com a análise da existência das construções em formas retilíneas e retangulares em concomitância com as circulares. Seja por justaposição ou interação dessas estruturas, examina o motivo de a construção circular ter sido afetada à medida que a construção retangular fica mais proeminente. Essa análise se dá pelo estudo de caso em diferentes espacialidades no mesmo recorte temporal: Idade do Ferro na Sicília e nas Ilhas Britânicas, além da cultura dos Castros na Península Ibérica; e por meio de estudos etnográficos utilizando exemplos africanos.
No último capítulo, o autor faz um apanhado geral das ideias expostas em seu trabalho, traçando um elo comum entre os casos analisados: a experiência de viver em casas redondas seria uma ideia particular nas comunidades da pré-história europeia e seu formato seria uma escolha importante, uma vez que os monumentos circulares não foram substituídos por monumentos retilíneos e, quando a forma circular foi suprimida das casas, teria provavelmente ocorrido por pressão política; e teria sido direcionada, então, para a construção de templos. Apesar de possuírem um layout mais prático, as casas retangulares não foram completamente adotadas por comunidades sedentárias.
A escolha do autor pelo estudo e ênfase nas moradias e construções domésticas, (as casas), pode não ficar muito clara para o leitor até o final do livro. Ele parte sempre das casas como unidade principal de análise, mesmo para casos comparativos. Isto se deve ao fato que, para ele, é possível enxergar nos monumentos uma tentativa de utilizar o “protótipo” doméstico em escala aumentada. Como já exposto, esse modelo original doméstico influenciaria toda a visão de mundo e as escolhas simbólicas e rituais das populações, fazendo com que fosse massivamente reinterpretado ao longo do tempo, por diversas comunidades.
Após esta afirmação, permanece o questionamento: não seria simplificar em demasia o motivo e o poder de escolha de uma população a partir única e exclusivamente da influência do padrão de construção que a moradia possuía? Como é mostrado no próprio livro, as escolhas dos tipos de moradia são influenciadas também pela relação do homem no ambiente e na paisagem que o cerca. Se levarmos em consideração os estudos de paisagem, é possível percebê-la como dinâmica: o ambiente influencia a ação humana, as casas influenciam os monumentos, os monumentos influenciam as casas … e vice-versa.
Sendo assim, não seria mais lógico considerar a paisagem, na qual as casas e os monumentos estão inseridos, como uma plataforma interativa para a experiência humana, constantemente recriada por meio de construções físicas, metafísicas e simbólicas que alterariam continuamente o relacionamento e a percepção daqueles que nela se engajavam, criando a percepção humana de estar no mundo (TILLEY, 1994; INGOLD, 1993) e, isso sim, influenciar no padrão de construção das casas e monumentos?
Essa exposição só vem demonstrar o uso diferenciado do espaço na Europa, que tem a ver com o ambiente, a paisagem, a economia e o assentamento das populações – o que levou a reiterar uma das poucas conclusões do livro: há um padrão para as construções e uma dualidade – já exposta por Cunliffe (2008) – entre dois eixos da Europa. A arquitetura curvilínea é mais comum nas áreas conectadas pelo mar: oeste do Mediterrâneo e a costa do Atlântico, com poucos exemplos na França. Essas áreas eram extremamente conectadas durante o Neolítico e a Idade do Bronze e depois por contatos transoceânicos na Idade do Ferro e no Período Romano (CUNLIFFE, 2001). Sua caracterização não concretiza um dado que as comunidades ali presentes possuíam, reconheciam e partilhavam de uma origem comum, mas evidencia as trocas de longas distância. Já a arquitetura retilínea é mais comum no eixo da Europa continental, central e norte, enfatizada pelos contatos por terra, exemplificando uma diferença na forma de conceber e lidar com o mundo: na terra, contatos em redes, caminhos e trilhas; enquanto no eixo marítimo a paisagem é mais aberta, com o contato diferenciado entre o indivíduo, o horizonte e o céu – o que, certamente, influenciou na forma de construir, idealizar e habitar das populações.
The Idea of Order: The Circular Archetype in Prehistoric Europe é uma obra extensa, extremamente detalhada e descritiva, exigindo atenção e dedicação total do leitor, de preferência, com uma leitura lenta, atentando sempre para as correlações e os questionamentos que seguem encadeados ao longo dos nove capítulos e que são amarrados no capítulo final do livro. Ao finalizá-lo, o leitor dificilmente irá concluir, devido à enxurrada de questionamentos explicitados ao longo do texto, se existiu (ou não) um padrão circular presente no inconsciente coletivo e partilhado pelas populações préhistóricas através de gerações ou ainda se a ideia particular de ordem que sintetizaria a concepção circular do espaço seria fruto de uma consciência comum às populações préhistóricas da faixa Atlântica. O máximo que se poderá concluir é, como o próprio autor expõe: que não é possível afirmar, mas é válido fazer a pergunta.
Notas
1. Vale à pena salientar que para R. Bradley, a noção de arquétipo ultrapassa o significado basilar ligado a: padrão, modelo ou até paradigma. No curso de suas obras, o autor vai indicando que sua escolha se aproxima mais do conceito Junguiano de arquétipo, que seria um modelo de construção circular presente no (in)consciente coletivo das populações pré-históricas da faixa atlântica.
2. Sobre tradição inventada ver HOBSBAWM & RANGER, 1992.
3. Para o estudo mais aprofundado sobre a vida doméstica e sua influência, ver BRADLEY, 2005.
4. Tradicionalmente conhecido como arte do período La Tène (ver CUNLIFFE, 1997). 5 Relacionamento entre sujeito e objeto ver HODDER, 1995.
6. Entende-se como ritual atos que não fazem parte de atividades cotidianas e, em alguns casos, não domésticas que se comunicam através de mídia distinta para criar uma noção de tempo diferenciada: a fusão do passado no presente, com intuito de manter a ordem social (BELL, 1992).
7. Antiquarismo: movimento do século XVIII/XIX, anterior à arqueologia, composto por estudiosos, curiosos e colecionadores que tinham interesse nas relíquias do passado (Cf Trigger, 2004).
8. Para maiores informações, ver CUNLIFFE, 2010.
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Ana Carolina Moliterno Lopes de Oliveira – Mestranda em História Social na Universidade Federal Fluminense (UFF) NEREIDA/UFF. E-mail: anacarol.moliterno@gmail.com
BRADLEY, RICHARD. The Idea of Order: The Circular Archetype in Prehistoric Europe. Oxford. Oxford University Press, 2012. Versão e-book. Resenha de: OLIVEIRA, Ana Carolina Moliterno Lopes de. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.14, n.2, p. 129-138, 2014. Acessar publicação original [DR]
Plato and Pythagoreanism – HORKY (RA)
HORKY, P. S. Plato and Pythagoreanism. Oxford University Press1, 2013. Resenha de: WEINMAN, Michael. Revista Archai, Brasília, n.13, p. 165-169, jul., 2014.
Philip S. Horky’s Plato and Pythagoreanism is both deeply insightful and actually pleasant to read. According to the way it presents itself, his work is meant chiefly to offer two things. First, he means to defend a c ontroversial thesis that offers a perspective on the role mathematics played in the development of Plato’s philosophy that differs meaningfully from the commonly accepted view of this matter. Second, he means to do so through a comprehensive analysis of the earliest philosophical, historical, and literary evidence concerning Pythagoreanism.
It is clear that in both respects, it is a great succ ess. My aim here is to point out some of the ways in which it succeeds. The majority of what follows is my best shot at a simple excursus through many of the central claims of the work—though, for reasons that will emerge, I focus on the first, second, and sixth of his chapters because this seems to me to allow me to do the best job I can of doing some justice to his central, and as he notes, controversial thesis on “the role mathematics played in the development of Plato’s philosophy,”without getting too lost in the very learned and very interesting thickets of his “comprehensive analysis”of all the relevant sources. Also, if we are honest, what discussion of Pythagoreanism wants to get caught up in chapters numbered 3, 4, 5? 2
The central feature in Horky’s account is what he (and obviously not only he) calls “mathematical”Pythagoreanism; the “obviously not only he”modifier is a reference to the tradition—dating back to Aristotle—to divide Pythagoreans between the acousmatic and the mathematical, the ones who hear (only) certain things, and the one who attend to a certain kind of technical knowledge that relates to the features of numbers, and especially to small whole-number ratios. Fair enough. What is novel—and challenging—in Horky’s picture is, first, the precise way in which he characterizes what makes the mathematical Pythagoreans the mathematical Pythagoreans, and, second, the way in which he attempts to establish his view that “Plato inherits mathematical Pythagorean method only to transform it into a powerful philosophical argument concerning the essential relationships between the cosmos and the human being.”
My version of the “big picture”of Horky’s argument comes fairly into focus just from the titles of the three chapters on which I focus; namely: (1) Aristotle on Mathematical Pythagoreanism in the 4th Century BCE; (2) Hippasus of Metapontum and Mathematical Pythagoreanism; (3) [ch.6] The Method of the Gods: Mathematical Pythagoreanism and Discovery. As we can see from this, the first thing we need to do, in order to take in Horky’s main claim, is to achieve the proper (i.e., critical) understanding of Aristotle’s version of what is meant by the category “mathematical Pythagoreanism”; in so doing, Horky will work closely with the findings of Burkert, Huffman, and most recently Cornelli, in order to expound on the grounds of Aristotle’s distinction between the two kinds of Pythagoreans and also point toward what Aristotle might not have entirely grasped about them. Chiefly relevant in this is the proper understanding of the role of Hippasus, to which Horky devotes chapter 2, and through whom he wants to bring out his own understanding of mathematical Pythagoreanism. The following chapters then show how this mathematical Pythagoreanism both manifests itself in Plato’s philosophy, and is put to work (appropriated) by Plato in order to discover and bring to light something that transcends the level of perspicacity that figures like Hippasus, Empedocles, Philolaus, and Archytas had achieved. This last part of the story is not re-capitulated here, but I believe my summary of how the findings of the first two “legs”of the race are deployed in the final longer leg will all same convey the sense of how Horky’s two main goals are met in this book.
So, first, Aristotle and mathematical Pythagoreanism. Here, Horky basically wants us to believe a few things, none of which requires us to deviate very far from what seems to me a consensus about the subject matter of this chapter that has emerged over the past generation and a half. Namely, we are to begin with a more or less trusting belief in the evidence Aristotle provides for a distinction between mathematical and acousmatic Pythagoreans. Namely, these are distinguished by their methodology: mathematical Pythagoreans employ mathematical sciences to explain the “reason why”they hold their philosophical position, whereas acousmatic’s “appeal to basic, empirically derived fact (3).”Further, Aristotle says, we should hold that the demonstrations of mathematical Pythagoreans represent an innovation over “facts”of acousmatic Pythagoreans. Philolaus’ fragments provide further evidence in analysing these claims regarding mathematical Pythagoreans and Aristotle. All the same, Horky, here in a manner similar to Cornelli (2013), wants to investigate a different tradition than the one set down by Aristotle and not just take Aristotle’s definitions of acousmatics and mathematicians for granted. In Horky’s (2013: 5) words: “Indeed, the primary criterion for distinguishing acousmatic from mathematical Pythagoreans, as I will show, is each group’s pragmateia (πραγματεία), a term that must be further contextualized in order to make sense of precisely how Aristotle draws the line (5).
“What do we find when (in the context of “Aristotle and mathematical Pythagoreanism”) we deepen our account through a careful consideration of pragma ? Perhaps most importantly, Horky’s conclusion that Iamblichus is referring to Pythagoreans in general in his fragment on the question ‘what is to be done’, rather than mathematical/acousmatic factions. Horky also provides three reasons for why he thinks Iamblichus’ passage applies to Pythagoreans in general: because he does not use a conjunction to separate the groups here (where he has previously); the two groups shared religious precepts; the passage is repeated later to apply to all Pythagoreans. This matters because it shows that whatever divides these two groups it cannot simply be (as Burkert had it) that the mathematical Pythagoreans were the scientists/theorists and the acousmatic were practical/political. For Horky, the complaint recorded by Iamblichus actually presents Aristotle’s criticism of “the activities of the mathematical Pythagorean Archytas of Tarentum (32).” What we primarily take home from this version of “mathematical Pythagoreanism”through the eyes of Aristotle, according to Horky, is that the for Aristotle, the fundamental difference between acousmatics and mathematical Pythagoreans was how the latter used demonstrative argumentation. Additionally, we should bear in mind how the mathematical Pythagoreans would also establish similarities between number and perceptibles, as well as an ontological order that was closely related to the social order of the polis. (This view of politics is discussed further, especially in chapters 3-5, not discussed in detail here.)
The crucial role of Hippasus in bringing us from mathematical Pythagoreanism as we encounter it through Aristotle and the mathematical Pythagoreanism that motivated Plato emanates from Hippasus’s importance for Horky’s continuing enquiry into the pragmateia of the mathematical Pythagoreans. Understanding Hippasus (or at least what middle-Platonists attributed to him, as we cannot always hope to disentangle the two) helps us to see “how metaphysics could have been brought to bear on religion and politics in the mathematical Pythagorean pragmateia (38).”In trying to figure out the genuine place of Hippasus (and Philolaus and Archytas) in this development, Horky discusses two sets of sources for his enquiry: the Platonists of the early academy (following Plato’s death in 347 BCE) and Aristotle’s associates at the Lyceum, Theophrastus and Aristoxenus. Theophrastus is listed as an especially important source for two reasons: firstly, because his knowledge of Pythagoreans was informed by Platonic teachers and not Aristotle’s skewed vision, and secondly because his “doxographical”works also reveal important differences with Aristotle. Aristoxenus, meanwhile, is also important because the fragments that survive of his work on Pythagoreanism reveal a deep engagement with the tradition.
Horky is interested in comparing Aristoxenus’ idea of “aiming at the divine”and Aristotle’s idea of ordering the universe according to what is more honourable, using Wehrli, F23 in this analysis. Horky (2013: 46) concludes his analysis of the fragment by saying: “this fragment evidences Aristoxenus’s interest to explain a Pythagorean axiology of the “honorable”by appeal to strategies of assimilation between numbers and things.”This conclusion, he asserts, is important for two reasons, what is says about the “first principles”themselves, and how these first principles are both ontological and a principle of military and household rule. For Horky, the principle that the ἀρχή is a “most honorable”thing”is originally a product of Platonic thought and was systematized in Aristotle; it is drawn from sources in mathematical Pythagoreanism, but is original to Plato. Horky provides a long list of places in the dialogues where “honourable”appears, including the Timaeus, to show that Plato was aware of and using this concept. He then argues that the combination of what is “better”with what is “honourable”is a recurring topos in Aristotle’s writing and that this raises the view that arguments that involve the metaphysics of the honourable, and attributed to the Pythagoreans by Aristoxenus, may in fact be Aristotealian in origin. He concludes this section with a discussion of how there is no reference to axiological uses of the honourable in genuine fragments of mathematical Pythagoreans like Philolaus and Archytas, and how this fact complicates his interpretation.
The remainder of this chapter surveys the many, conflicting views put forth about Hippasus—both those of the specialists of the past two generations, and those of the tradition, from the Academy and Lyceum through the Hellenic and medieval periods—concluding with Xenocrates of Chalcedon, whose doctrines bare striking resemblance to those of Hippasus. Horky’s goal is to show that the Early Platonists wrote about Hippasus and assimilated Hippasus’ doctrine to Pythagorean ideals. Horky’s (2013: 77) specific suggestion is that Xenocrates might have considered the “Forms”as “paradigms,”which would not be a major innovation since “a strong association of these concepts follows almost naturally from a reading of Plato’s Timaeus, and more important, it might have already been circulating in the Early Academy after Plato’s death.”On this basis, Horky returns to a discussion of Aristotle’s views of the Pythagoreans, where he concludes that Aristotle is the source of the claim that Hippasus is a natural philosopher as well as the source of the claim that Hippasus was the progenitor of the ‘mathematical’ school within Pythagoreanism. Aristoxenus, Horky believes, takes over from Aristotle the focus on what is “honourable”in Pythagoreanism and that the doctrine ascribed to Hippasus, that he believed that “Soul-number is the first paradigm of the making of the world,”is owed to Speusippus’s or possibly Xenocrates’s writings on the Pythagoreans, in an attempt to align Hippasus’s supposed ancient doctrine with their own (which, subsequently, has been derived in various fashions from Plato’s Timaeus).
“Which brings us, again leaving to the side for the moment a treasure of threads worth retracing that are found in chapters three through five— and let me point specifically among them Horky’s treatment of the two classes, “what is”(τί ἔστι), “what is to the greatest degree”(τί μάλιστα), as “forming the background for Plato’s dialectical response to Pythagoreanism,”discussed at length in chapters 4 and 5—to the question Horky tries to answer in chapter 6: how did Plato advance beyond mathematical Pythagoreanism? His answer involves Plato’s use of what Horky (2013: 201) calls Plato’s “first-discoverer myths”(of Prometheus, Palamedes, and Theuth), which are used by Plato to explore the methods of inquiry of the mathematical Pythagoreans, and which “allow him to attack the positions of his contemporary intellectual competitors without naming them (201).”Horky distinguishes between two periods in Plato’s dialogues utilizing the “first-discoverer”myths, and naturally we will focus on the second, later period which includes the Timaeus. (The early period, not further discussed here, deals with problems of mathematics and writing, as relevant to the pursuance of the Good.) Horky (2013: 202) believes that with the later-period “first-discoverer”myths, “Plato demonstrates a reevaluation of what empirical science—especially that employed by the mathematical Pythagoreans in their approaches to harmonic theory—could offer to his own approaches to cosmogony, metaphysics, and dialectic.”Horky will try to answer his question by means of showing what the proper interpretation of the “first-discoverer”tradition teaches us about Plato’s critical response to the Pythagoreans. He does so by interpreting the place of the figures of Palamedes, Prometheus, and Theuth in the Protagoras, Republic, and Phaedrus.
Horky proceeds by addressing the “heurematographical topos “in these dialogues. Horky adopts the term “heuromatography”from Zhmud (2006) and it means: “the surviving written treatments of various “elements of culture as discoveries (εὑρήματα)”made by certain “first discoverers (πρῶτοι εὑρεταί),”whether divine or human.” Though of immense interest, I pass over the discussion of Protagoras and Phaedrus, to conclude with Horky’s presentation of, as his subject heading has it, “mathematical pythagoreans and the musical dialectics in the Timaeus and Philebus.
“With respect to Philebus, Horky (2013: 252) works with the basic binary opposition between quantity and quality in the intervals with regard to ‘number,’ introduced at 17c11-e3, finding that it is “difficult to know for sure whether Plato intended pitch height or depth to be numerically quantifiable, if indeed this is the right way to read this passage.”Horky’s claim is that the Timeaus offers a ‘third way’ between two interpretive responses here. Namely, that the number of notes is in fact limited quantitively because it is shown to repeat (252). Horky (2013: 254) this way: “It is pretty clear that Plato’s description of the generation of a complex entity such as “health”or “music”that is made up of a factor that limits the unlimited in the Philebus is coordinate with other late presentations of the cosmic generation of entities marked by the qualities of being concordant and symmetrical, especially what is found in Plato’s Timaeus.”Horky (2013: 255) here cites what he calls the “dialectical tenor”of Timaeus’s description (at 80b2-8, translation is Horky’s following Barker 1989) of συμφωνίαι in which slower sounds “catch up [to swifter sounds] they do not disturb their motion by imparting a different one…[but]…by attaching [to one another] in a similarity [ ὁμοιότητα προσάψαντες ], they are blended together into a single effect, derived from the high and the low [ μίαν ἐξ ὀξείας καὶ βαρείας συνεκεράσαντο πάθην ]. Hence they provide pleasure to people of poor understanding, and delight to those of good understanding, because of the imitation of the divine harmonia that comes into being in mortal movements.”
For Horky (2013: 256), and following Barker, “the Demiurge’s activity of division is based on the classification of means and proportions advanced by Archytas in Fragment 2.189. It remains only a speculation, but we can nevertheless see Hippasus of Metapontum hiding in the background of Archytas’s classification, informing both Archytas’s approaches to music theory and Plato’s approaches to generation of the world-soul.”This then manifests in the spatiotemporal “pause”, by which Horky (2013: 256) means “the assimilation of one thing to another that had previously been different, or alternatively to the placing of things in opposition in a relationship of concordance (256).”This pause occurs in dialectical relationships as well as physics and metaphysics, which Horky relates to Plato’s theorizing about the “monochord”. Here Horky (2013: 258) makes fascinating use of Mitchell Miller’s claim that Plato is thinking of the so-called ‘Dorian mode’ (when in Tim 35b4-36b6 the Demiurge dividing universe with Pythagorean ratios) in order to show that if a two-octave stretch of string were divided in such a way the seven-notes of the octave would be repeated once, there would thus be a repeating order in the continuum. For Horky (2013: 258), Plato could thus describe this as a limit on the unlimited continuum: “Plato might describe this activity as bringing a limit based in “due measure”to bear on what is otherwise unlimited, the continuum that lacks proper measurement and is thereby neither “commensurate”nor “concordant”without it. Dialectic, cosmology, and metaphysics are thus understood in Plato’s Timaeus and Philebus to conform to the rules of mathematics, both harmonic and calculative, and are understood to be informed by empirical observation. (258)”
Here—in this final conclusion about dialectic, cosmology and metaphysics are seen as both the result of a calculative and harmonic and informed by empirical observation—we see the singular value of both Horky’s “controversial thesis”about Plato as an inheritor and extender of the tradition of mathematical Pythagoreanism and his “comprehensive analysis”of the all the sources for that tradition, both antedating and postdating Plato. In its comprehensiveness and its precision, this concluding claim seems to me emblematic of the success of Horky’s work, and why it will be a standard text for those interested in Plato and in Pythagoreanism, and especially for those of us interested in their interconnection.
Notas
- While this discussion of Horky’s book appears under my signature, I want to flag clearly and loudly that it owes a real debt to my research assistant, Lindsay Parkhowell.
- In the interest of full disclosure, I should report that when this was presented at the “Recent Books on Pythagoreanism”book celebration at the State Library of Berlin on Monday 21 October 2013, Philip Horky greatly objected to this, and insisted that in his view it is precisely the chapters not presented here that are to him the most important. I leave it to his readers—who will be many—to decide for themselves.
Michael Weinman – Bard College, Berlin.
Pythagoras and the Early Pythagoreans – ZHMUD (RA)
ZHMUD, L. Pythagoras and the Early Pythagoreans. Oxford: Oxford University Press, 2012. Resenha de: MCKIRAHAN, Richard. Revista Archai, Brasília, n.13, p. 161-164, jul., 2014.
With an unsurpassed command of primary materials and meticulous scholarship Professor Zhmud gives us a thorough treatment of Pythagoreanism through the fifth century, occasionally ranging into the Pythagoreans of the fourth century as well. He presents a careful treatment of the source material on Pythagoras’ life and activities, and takes up the rarely discussed problem of who are to count as Pythagoreans. He proceeds to discuss all things (allegedly) Pythagorean, including metempsychosis and vegetarianism, politics and the nature of Pythagorean ‘societies’, mathematici and acusmatici, number theory and numerology, geometry and harmonics, cosmology and astronomy, (surprisingly) medicine and the life sciences, and he concludes by examining Pythagorean views on the soul and the doctrine that all is number.
I have the honor to say a few things about Professor Zhmud’s recent book Pythagoras and the Early Pythagoreans. This is a major revision and expansion of his 1997 book Wissenschaft, Philosophie und Religion im frühen Pythagoreismus, a book described by one reviewer as the most important contribution to Pythagorean studies in the previous thirty years. The magnitude of that assessment can be recognized when we bear in mind that that thirty-year period saw the publication of Burkert’s Lore and Science in Ancient Pythagoreanism, which is widely considered the foundation of modern Pythagorean studies. My assessment of Pythagoras and the Early Pythagoreans is that it is even better than Professor Zhmud’s previous book.
There is wide agreement that later (that is, Neopythagorean and Neoplatonic) sources contain far more information than the early sources from the 6th-5th century BCE and that much of this later information is fabricated. Recent treatments of Pythagoreanism present early material, admit that it is too scanty to yield a full picture of Pythagoras and his followers, and then proceed to supplement it by selective use of the later material. Professor Zhmud perforce follows this method, but modifies it in two important ways. First, he is more consistent in rejecting later information that does not have a pedigree going back to the fourth century. This methodological approach considerably reduces what can be safely asserted about Pythagoras and the early Pythagoreans. Second, he infers the interests and activities of Pythagoras from those reliably attributed to his followers, a move that expands what can be assigned to their leader. These twin procedures lead to some surprising conclusions that challenge widely held beliefs. Consider the following examples.
- Pythagoras was not a shaman or a wonder-worker.
- Stories of his travels to Egypt and other lands are probably spurious.
- His success in Croton was probably not instantaneous but attained gradually, over a period of many years.
- No single trait marks all known early Pythagoreans (except that they presumably belonged to Pythagorean societies): some pursued mathematics, others natural philosophy, others medicine, and still others athletics.
- Pythagorean societies were not religious groups or cults.
- The Pythagorean way of life did not include observing a strict code of conduct that regulated every aspect of their life.
- The Pythagoreans were not a secret society; their views were known to outsiders.
- The early Pythagoreans did not attribute their own discoveries to Pythagoras.
- The distinction between mathematikoi and akousmatikoi was a much later fabrication.
- It is likely that Pythagoras discovered the Pythagorean theorem, the theory of even and odd numbers and the arithmetic, geometric and harmonic means.
- Pythagoras was first to use deductive proofs in number theory.
- Early Pythagoreans and possibly Pythagoras himself made use of experiments to verify their physical theories. • The tetraktys and the ideas associated with it were unknown to early Pythagoreans.
- *Very little is known of Pythagorean contibutions to astronomy prior to Philolaus.
- Pythagoras invented the quadrivium.
- Alcmaeon was a Pythagorean.
- Alcmaeon alone taught that the soul is immortal, a theory that has no connection with metempsychosis. It is doubtful that any Pythagoreans believed soul to be a harmonia.
These conclusions radically undermine traditional interpretations of early Pythagoreanism. They are founded on close readings of the relevant textual evidence and cannot be overlooked.
The remainder of this review will focus on the Familienähnlichkeit that Professor Zhmud finds among the early Pythagoreans, and his conclusions about Pythagoras’ mathematical activity, but first a brief remark on Professor Zhmud’s view that for Pythagoras metempsychosis was a religious doctrine (e.g., p.20). I question the appropriateness of the word “religious”to describe metempsychosis. Orphism, from which Pythagoras borrowed the doctrine, was a religion of sorts, but metempsychosis does not by itself need to have any religious implications. Professor Zhmud is right to insist that Pythagorean communities were not religious θιασοί (144) and that there is no evidence of any special cults or distinctive private worship among the Pythagoreans (144). And for one who believes in metempsychosis the idea that a pure life is the ticket to a better next reincarnation may be no different in kind than the idea that a good diet is the ticket to better health in this life.
Unable to find any single common characteristic that applies to all known ancient Pythagoreans from the end of the sixth century to the middle of the fourth, Professor Zhmud applies Wittgenstein’s conception of family resemblance as a solution to the problem of Pythagorean identity (111). For Wittgenstein, the the way in which family members resemble each other is not through one specific trait but depends on a variety of traits. The members of a family do not all possess any single trait, but they all resemble each other in that each of them possesses at least one of the traits and each trait shows up in more than one member of the family. Thus, we have some Pythagoreans (Hippasus, Theodorus, Philolaus and Archytas) who pursued mathematics, others (Hippasus, Alcmaeon, Philolaus, Menestor and Hippon) who pursued natural philosophy, others (Democedes, Alcmaeon and Iccus) who worked in medicine, and still others (Milo, Astylus and Iccus) who engaged in athletics (111).Crucially, some Pythagoreans engaged in more than one of these pursuits: Hippasus and Philolaus in mathematics and natural philosophy, Alcmaeon and Hippon in natural philosophy and medicine, and Iccus in medicine and athletics. Hence the family resemblance.
But some of this is pretty thin. Was Hippon a Pythagorean? We have only Iamblichus’ word for it. Likewise for Iccus, Asylus, Theodorus and Menestor. And Iamblichus is a suspect source. (Even accepting Professor Zhmud’s view that Iamblichus’ catalogue goes back to Aristoxenus (111ff.) the early Pythagoreans under discussion lived long before Aristoxenus, plenty long enough for the catalogue to have grown to include notable South Italian figures from earlier times who were not Pythagoreans. If these men are excluded then we have a much smaller list: only Hippasus, Philolaus and Archytas for mathematics, of whom only Hippasus was early; only Hippasus, Philolaus and Alcmaeon for natural philosophy; only Democedes and Alcmaeon for medicine; only Milon for athletics (which removes the pursuit of athletics from the list of family traits ascribable to early Pythagoreanism on the basis of the activities ascribed to known early Pythagoreans). But even of these, Democedes’ identity as a Pythagorean may not be assured simply because he had Milon as a father in law, and Alcmaeon’s claim to be a Pythagorean is disputed. In fact an important passage in Aristotle seems to tell against it (Metaph 986b1). If we reject these men too, then there are no early Pythagoreans left who pursued medicine, leaving only mathematics and natural philosophy (each represented solely by Hippasus).
Milon presents a different problem as well. Granted that that great athlete was a Pythagorean, we may ask whether his athletic prowess had anything to do with his Pythagoreanism. Perhaps he was just an athlete who was also a Pythagorean. A possible point of comparison is the Belleville Church Golf League in rural Illinois, consisting of teams from seven local churches (with names like Pres 1 and Pres 2, representing the local Presbyterian church). Do the golfers see participating in this athletic activity as part of their Christianity? Can we detect a family resemblance between golfers and Christians? This question may sound trivial and even frivolous, but it invites a more serious question: is it possible that the mathematical, scientific, and (for the sake of argument) medical activities characteristic of some known early Pythagoreans were not part of their Pythagoreanism? How can we possibly know?
Here is an opposite-minded alternative view. As long as the Pythagorean societies existed membership was the determining feature (146ff.) During that period various kinds of activities (athletics, mathematics, etc.) were pursued by various Pythagoreans, but not as a requirement of membership. (And we must keep in mind that during the period in question these activities were pursued in the Greek world by men who were not Pythagoreans.) After the upheavals in the mid-fifth century and the subsequent scattering of the survivors, some continued to call themselves Pythagoreans and continued to pursue the same activities as before; if they had followers who did the same, they could be called Pythagoreans too, but their Pythagoreanism could not have been the same as the pre-diaspora Pythagoreanism.
If neither of these approaches can be accepted without methodological reservations, the best hope for unity might seem to rest in the figure of Pythagoras himself. If he introduced the famous Pythagorean way of life, if he founded the first Pythagorean ἑταιρία, if he also pursued mathematical and scientific activities (for which there is no early evidence), perhaps these are the keys to who is a Pythagorean. But how about medicine and athletics, Professor Zhmud’s other two pillars of Pythagorean identity? Did Pythagoras engage in these activities as well? Are we comfortable with the idea that since Milon was an athlete, Pythagoras was too? Further since so little is reliably attested to Pythagoras, if we define his activities taking his followers’ pursuits as guides to Pythagoras’s own and then say that engaging in those activities makes one a Pythagorean, we have an intolerable circularity.
Finally, regarding Pythagoras’ contributions to mathematics: as Professor Zhmud says (256), in the century and a half passed between Thales (the founder of Greek geometry) and Hippocrates (the author of the first Elements of geometry) a lot of progress was made in mathematics. Professor Zhmud gives evidence that the association of Pythagoras with the famous theorem is attested as far back as the late fourth century (257), although elsewhere he is less than certain that this is the theorem to which source is referring (267). We need to bear in mind that even this date is a century and a half after Pythagoras’s death. Again, it is a better pedigree than Iamblichus, but in my mind it still leaves a good deal of uncertainty.
Professor Zhmud credits Pythagoras with the following achievements:
- Proving the Pythagorean theorem, probably by the use of the arithmetical theory of proportions (256, 271)
- Discoveriing the ratios of the harmonic intervals (258-9)
- Discovering the arithmetic, geometric and harmonic means (271)
- Adding arithmetic and harmonics to astronomy and geometry (subjects already pursued in Ionia) to form the quadrivium (271)
- Inventing number theory including the five basic theorems about even and odd numbers, which he proved on the basis of definitions of unit, number, and even and odd numbers that we find in Aristoxenus and Euclid (272-73)
- The use of indirect proof (273)
Here Professor Zhmud carries to extremes his practice of ascribing to Pythagoras the pursuits of his followers. Not only is Pythagoras not said by any early source to have engaged in mathematical pursuits, the only early Pythagorean we know of who did so was Hippasus (275). Professor Zhmud says that the Pythagoreans achieved too much in mathematics in the fifth century for Hippasus alone to have done it (275), and he points out that the discoveries he attributes to Pythagoras are not complex and “correspond fully with the stage mathêmata had reached before Hippasus”(268). Still, it seems to me to be optimistic in the extreme to attribute all of them to Pythagoras. It is safer to limit ourselves to the thought that Pythagoras encouraged others to be active in these areas rather than supposing that he engaged in them himself — a line of interpretation floated by Professor Zhmud himself (141).
Here is another story that seems to me equally plausible. Pythagoras discovered the numerical ratios of the concordant musical intervals or alternatively, he saw the potential of a discovery was made by someone else (I think of Lasus of Hermione as a possibility); there is no good evidence that the discovery was due to Pythagoras. He was struck by the thought that numbers could account for something apparently as different from numbers as music, and in a breathtaking generalization paralleled only by other Presocratic thinkers, declared (without more evidence) that number was fundamental to reality. Some of his followers (Hippasus among them) took up the project of exploring numbers. Among other things they identified and defined species of numbers (including even and odd) and discovered (and proved, more likely by pebble diagrams than by indirect proofs based on definitions) elementary results such as that the sum of two odd numbers is an even number. They also identified properties of ratios of numbers such as those concerned with the three means mentioned above. In this way we have an account of the origin of the Pythagorean tradition of mathematics — and one that accounts for the silence of our sources on Pythagoras’s contribution to it.
These brief discussions of Pythagorean identity and Pythagorean mathematics are not intended to disprove Professor Zhmud’s carefully worked out conclusions, but rather to illustrate the kind of work that needs to be done in order to to maintain contrary views. I want to conclude by saying that my already considerable admiration for Professor Zhmud has been raised to new heights. I regard his book as a landmark whose arguments and theses cannot be disregarded by anyone who wants to form an accurate picture of Pythagoras and the Pythagorean tradition. I say with confidence that it will remain a standard reference for the foreseeable future.
Richard McKirahan – Pomona College, Los Angeles.
The Idea of Human Rights | Charles Beitz
É inegável a emergência dos direitos humanos no plano internacional a partir do fim da Segunda Guerra Mundial. Não obstante, essa ascensão normativa é acompanhada por certo ceticismo, sobretudo no que concerne às teorias que buscam explicar o que são os direitos humanos. No livro intitulado The Idea of Human Rights, Charles R. Beitz procura justamente trazer um conceito mais adequado, assim como certas bases para uma operacionalização desses direitos, retirando suas premissas da prática política internacional ao invés de partir de princípios abstratos.
Charles R. Beitz é professor de filosofia política do Departamento de Ciência Política da Universidade de Princeton. Seus estudos estão focados em teoria política global, teoria democrática e teoria dos direitos humanos. O livro aqui tratado é uma contribuição para esta última linha de pesquisa. A obra é motivada por dois aspectos centrais: a) direitos humanos tornaram-se uma prática elaborada no plano internacional e b) a prática e o discurso internacional ainda reclamam ceticismo. Leia Mais
The Ideological Origins of the Diry War: Fascism, Populism and Dictatorship in Twentieth Century Argentina | Federico Finchelstein
Como foi possível a Argentina, uma nação fundada sobre preceitos liberais, ser palco de radicalismos políticos tão danosos, que envolveram e acarretaram em sequestros de bebês, assassinatos com motivação política, perseguições antissemitas, atentados a bomba e uma espécie de “tutela legitimadora” estabelecida em conjunção, sob o signo da cruz (Igreja) e da espada (forças armadas)? De que modo a história política argentina do século XX foi marcada por uma espécie de simbiose entre o contexto global do fascismo transatlântico e uma constante prática de adaptação e reformulação à realidade local? Essas, embora não somente, são algumas questões que movem Federico Finchelstein em “The Ideological Origins of the Dirty War: Fascism, Populism, and Dictatorship in Twentieth Century Argentina” (Oxford University Press, 2014, 1ª edição).
Em “Transatlantic Fascism: Ideology, Violence, and the Sacred in Argentina and Italy, 1919-1945” (2010), Federico Finchelstein já estabelecera análise sobre alguns dos elementos caros à história política argentina do século XX: a circularidade de ideias e colaborações intelectuais para e com o fascismo internacional (em especial o italiano), assim como o impacto desse processo naquela que é, na América Latina, a nação com maior incidência da imigração e presença europeia em seu ethos social. Em “Ideological Origins of the Dirty War”, o objetivo do autor é maior e mais exaustivo, seja do ponto de vista da temporalidade, mas também da complexidade do tema. Leia Mais
The Oxford Handbook of World History | Jerry Bentley
Pouco conhecida no cenário historiográfico brasileiro, a denominada História Global tem se desenvolvido com força desde a década de 1980 nos meios acadêmicos europeus e norte-americanos. As perspectivas globais, a busca por efeitos-causa e a explicitação de grandes processos, que nortearam a produção historiográfica inglesa e norte-americana desde as obras de Arnold Toynbee (1955) nos anos 1930 até Immanuel Wallerstein (1974) e William McNeill (1963) nos anos 1970, passaram por um intenso processo de renovação e rediscussão.
O livro organizado pelo Professor da Hawai’i University, Jerry Bentley†1, reúne as mais atualizadas discussões sobre o tema, proporcionando em seu conteúdo uma visão ampla e sistêmica da História Global. Em seu prefácio, Bentley apresenta ao leitor as novas – e as não tão novas – dificuldades e armadilhas dos historiadores globais. Influenciados pelos estudos póscoloniais e pela descentralização do saber acadêmico, ocorrido ao longo do século XX – que descendeu das cátedras europeias às mais variadas partes do mundo – os historiadores globais rejeitaram velhas idiossincrasias das denominadas “Histórias Universais”, como o etnocentrismo e um manifesto “sentido da história” hegeliano, em prol de uma análise de processos, encontros e trocas entre as sociedades, considerando sua fluidez e permeabilidade, espalhados por dilatadas dimensões espaciais e temporais. Leia Mais
The Birth of Neolithic Britain: An Interpretive Account – THOMAS (DP)
THOMAS, Julian. The Birth of Neolithic Britain: An Interpretive Account. Oxford: Oxford University Press, 2013. Resenha de: SRAKA, Marko. Documenta Praehistorica, n.21, 2014.
The Birth of Neolithic Britain is the fourth major work by the acclaimed Julian Thomas, one of the leading proponents of interpretive archaeology or archaeology informed by philosophy, anthropology and discussions in the arts and social sciences in general.
After exposing the assumption and prejudices of archaeologists’ narratives of the Neolithic and presenting innovative explanations of the shift from hunting-gathering to farming as well as other issues in Rethinking the Neolithic (1991; reworked and updated version Understanding the Neolithic in 1999), questioning Western conceptualisations of time, identity, materiality with the help of archaeological case studies in the ‘Heideggerian’ Time, Culture and Identity (1996) and further contextualised archaeology as part of a (post)modern worldview in Archaeology and Modernity (2004), this book seems to be a relevant continuation of Thomas’s work. This is probably the first significant work on Neolithisation since Graeme Barker’s global overview The Agricultural Revolution in Prehistory (2006, Oxford: Oxford University Press), this time with a focus on Europe and particularly Britain.
The book is divided into thirteen lengthy chapters organised and titled in a way which adds clarity to the structure of the text: (1) Introduction: The Problem, (2) The Neolithisation of Southern Europe, (3) The Neolithisation of Northern Europe, (4) The Neolithisation of Europe: Themes, (5) The Neolithic Transition in Britain: A Critical Historiography, (6) Mesolithic Prelude?, (7) Times and Places, (8) Contact, Interaction, and Seafaring, (9) Architecture: Halls and Houses, (10) Architecture: Timber Structures, Long Mounds, and Megaliths, (11) Portable Artefacts: Tradition and Transmission, (12) Plants and Animals: Diet and Social Capital, and (13) Conclusion: A Narrative for the Mesolithic-Neolithic Transition in Britain.
While not claiming to be a complete survey of Neolithic archaeology in Britain, much less Europe, the extent of the bibliography alone, comprising some 1400 references, is an indicator that this is a detailed study, dealing with a diverse variety of geographical regions, themes, approaches and explanations related to the Neolithisation process. Fundamentally, this book represents a critical overview of the diverse narratives and empirical data used to explain the complex process of transformations from predominantly hunting and gathering to predominantly farming lifeways in Britain and Europe.
Chapters 1–4, dealing with Neolithisation in different parts of Europe are, as the author suggests, intended to present the “progressive transformations” of the Neolithic through time, the diversity of Neolithic societies across Europe and provide “… comparative case studies against which the British evidence can be set” (p. 7). In the first three chapters, the author comments on a wide variety of empirical evidence and presents his own explanations of the data, starting with the Franchthi cave in Greece and progressing through the continent to the megalithic monuments of Brittany. In chapter 4, the author presents “… unifying themes that characterized the opening of the Neolithic in various parts of Europe” (p. 101) starting with an overview of how the Neolithic was and is defined and Neolithisation conceptualised, then focusing on the different perspectives of migrationism and genetic evidence, the transmission of knowledge and skills, Mesolithic lifeways, the ‘Neolithic frontier’, subsistence strategies and feasting, houses and ‘house societies’ etc. In chapter 5, the author focuses exclusively on Britain with a ‘critical historiography’ in which he reviews the history of research of the British Neolithic, beginning with Sir John Lubbock, and considers the work of major authorities on the subject: Childe, Piggott, Hawkes, Clark, Humphrey, Whittle, Dennell, Kinnes, Hodder and, reflectively, himself. He then comments extensively on the migrationist and diffusionist arguments of Cooney, Sheridan and Rowley- Conwy, whom he labels ‘revisionists’. Chapter 6 sets the stage for the rest of the book by presenting the evidence of Mesolithic lifeways. In the earlier part of chapter 7, the author dedicates a lot of attention to the results of the Bayesian modeling approach to 14C calendar chronologies (Whittle A., Healy F. & Bayliss A. 2011. Gathering time: dating the Early Neolithic enclosures of Southern Britain and Ireland, cited in the Bibliography) and reviews the dating evidence from early British Neolithic sites. The rest of the book, constituting roughly one third of the whole volume, comprises a detailed consideration of the empirical evidence and ideas about a range of themes, starting with contact, interaction and seafaring in chapter 8, followed by architecture (halls, houses, timber structures, long mounds and megaliths), portable artefacts (ceramics, stone tools), landscapes, plant and animal remains. Of special notice here is the hypothesis that “… livestock in general, and cattle in particular, may have been one of the principal factors that attracted hunters and gatherers to the Neolithic way of life” (p. 430).
“The formation of more bounded social groups accumulating discrete herds of cattle suggests an increasingly competitive social milieu”, which expressed itself in “feasting, gift-giving, strategic marriages, and the struggle for prestige”, but also in “inter-personal violence … linked to the emergence of endemic raiding, acquiring livestock and labour by foul means as well as fair” (p. 418). Cattle can thus be regarded as Neolithic ‘social capital’. Considering the emphasis on practices related to cattle herding, this book would benefit from more discussion of lipid analyses and dairying (e.g., the work of Richard P. Evershed, Mark S. Copley and Lucy J. E. Cramp).
Innovative ideas and novel explanations of the empirical evidence from Europe and Britain can be found in every chapter, and it would not be fair to isolate a one in particular here. Generally, the explanations can be characterised as coming predominantly from a well-argued, indigenist neolithisation perspective, although the author specifically denies his is an ‘indigenist’ (p. 419), and it is true that he presents a balanced and well-argued account in which the distinction between ‘indigenist’ and ‘migrationist’ perspectives cease to be valid. The overall picture this narrative presents is of a “mosaic” of different lifeways in which various social entities, such as the “LBK social network” (p. 47), or different identities are conceived as permeable and fluid concepts. We notice a very pragmatic use of socialtheory- informed archaeology, so that the text is not overburdened with philosophical discussions. Actually, there are almost no references to philosophical, sociological or anthropological works. Certain narrative elements bear a resemblance to an archaeological ‘school of thought’ which could be called ‘Symmetrical’ or ‘Relational’ archaeology: “… while Neolithic societies in Europe were extremely diverse, they were generally characterized by a new kind of relationship between humans and non-humans … Although post-glacial hunters had been deeply embedded in and attuned to their material world, there was a qualitative difference in the ways in which Neolithic people used material things to articulate social relationships, to extend human presence, and to frame and channel social interaction. We might say that while Mesolithic societies were principally composed of relationships amongst people, and that they operated in worlds of animals and things, Neolithic societies became heterogeneous meshworks in which people, things, and animals were mutually implicated to a greater degree” (p. 421–422). This passage perhaps best illustrates the way in which neolithisation is explained in the book.
Interestingly, books dealing with neolithisation, and this one is no exception, usually review only the earliest Neolithic evidence in individual regions, even if on an widening geographical scale, this means considering evidence separated by several millennia.
Neolithisation, or the transformation from hunter- gatherer to farmer’s lifeways, is therefore seen as a universal global phenomenon, which it certainly is, and is approached from a comparative perspective.
However, much could be gained also from a more ‘historical’ consideration of roughly contemporary evidence. In this book, for instance, there could be more consideration of the circular enclosures of the Lengyel, Stroked Pottery, Michelsberg, Chasséen, Funnel Beaker and other cultures, some of which are contemporary with the early British Neolithic and are sometimes seen as precursors to the early Neolithic enclosures in Britain. Furthermore, this book adheres to the conventional model of European neolithisation, at least in the structure of the first few chapters, beginning in Greece and ending in Britain. In his review of the book, Detlef Gronenborn (Antiquity 88(341) 2014: 989–990) notices the lack of consideration of recent archaeogenetic research, which he says, “… may demonstrate a hesitance within British Neolithic archaeology to accept the growing evidence which indicates that, for several millennia, some regions of Europe experienced major population changes”.
Rather than focusing on the still sketchy and interspersed archaeogenetic evidence, some of which is nevertheless presented in the book (p. 109–113), we would rather focus on a different issue, related perhaps to Gronenborn’s observation cited above. While we personally applaud the enthusiasm with which Thomas writes about the Gathering Time project of Alasdair Whittle and his colleagues and agree with its impact on the “post-Gathering Time era of Neolithic studies” (p. 3), we noticed a comparable lack of consideration of other, perhaps no less revolutioDocumenta Praehistorica XLI (2014) book review 307 nary approaches to Neolithic studies. For example, no mention is made of the recent work by Stephen Shennan and his team at University College London (http://www.ucl.ac.uk/euroevol) dealing with the Neolithic from a more demographic and cultural evolutionary perspective and pointing to links between population fluctuations and cultural change.
We could characterise Gathering Time as a bottomup approach and the EUROEVOL project as a topdown approach in the utilisation of 14C data and ultimately in Neolithic studies. However, both kinds of approach are needed, we think, if we are to understand the complex process of neolithisation from a multiscalar perspective. Furthermore, there is a lack in the book of at least a comment or a critique of the research on the impact of climate changes on the demographics and lifeways of Neolithic communities, mainly in continental Europe (Bernhard Weninger and others, also Detlef Gronenborn) but also Britain (e.g., Bonsall C. et al. 2002. Climate change and the adoption of agriculture in north-west Europe, cited in the Bibliography).
There is no question, however, that the Birth of Neolithic Britain is a big step forward in understanding the transformations from hunting/gathering to farming regionally, continentally and globally. It represents a holistic synthesis of the current understanding of the neolithisation process in Britain and should be on the bookshelf of every student and researcher interested not only in the British but the European Neolithic as well.
Marko Sraka – University of Ljubljana
[IF]
China Goes Global: The Partial Power | DAvid Shambaugh
Today’s debate about the future of global order is marked by a near-certainty that China’s economy will overtake that of the United States within the next decade. Most analysts also believe that as a consequence, China will be able to challenge and eventually supplant the US as the global hegemon. We are heading, the story goes, towards a ‘Chinese world’.
David Shambaugh, Director of the China Program at George Washington University, disagrees. He argues that China “has a very long way to go before it becomes – if it ever becomes – a true global power.” According to him, “China will never rule the world.” The reason, according to the author, is not merely economic. The book argues that China lacks close friends or allies, and that China is not normatively integrated into the community of nations. It lacks a military network similar to that of the United States. Furthermore, its reactive foreign policy keep it from taking the initiative, leaving its diplomatic footprint smaller than its economic weight would suggest. Above all, China has no soft power – its cultural products fail to set global trends like that of the United States. Leia Mais
Hegel’s critique of Kant – From dichotomy to identity – SEDWICK (V)
SEDGWICK, Sally. Hegel’s critique of Kant – From dichotomy to identity. Chicago: Oxford University Press, 2012. 194 p. Resenha de: COSTA, Danilo Vaz- Curado R. M. Veritas, v. 59, n. 1, p. e1-e8, jan.-abr. 2014.
A obra Hegel’s critique of Kant – From dichotomy to identity, de Sally Sedgwick, pesquisadora e professora na Universidade de Illinois em Chicago, que ora se resenha, publicada pela Oxford University Press, no ano de 2012, recolhe, em sua maior parte, um conjunto de consagrados artigos publicados anteriormente pela autora em diversas revistas, coletâneas e Festschrift, a exceção dos capítulos 1 e 6 que são textos especialmente preparados para a presente edição.
Todavia, e em que pese grande parte dos capítulos já haverem, em alguma medida, sido trabalhados em momentos anteriores, os mesmos foram ampliados, incorporaram novas questões e perspectivas, o que os torna mais instigantes e interessantes, tanto para a Hegel-Forschung, como para, a Kant-Forschung. A riqueza das considerações expostas no livro é tão impressionante que cada capítulo possui uma auto-nomia que o permite ser lido em separado, mas que apenas revela todo o seu potencial hermenêutico quando compreendido na totalidade da obra.
O livro Hegel’s critique of Kant – From dichotomy to identity, divide-se em seis capítulos com o propósito de defender a hipótese1 de que Hegel oferece uma convincente crítica e alternativa à concepção de conhecimento estabelecida por Kant em seu período Crítico, nos seguintes termos:
(i) Introdução à crítica hegeliana: forma discursiva versus forma intuitiva do entendimento na filosofia crítica de Kant; (ii) Unidade orgânica como unidade verdadeira do intelecto intuitivo; (iii) Hegel e a subjetividade do idealismo kantiano; (iv) Hegel e a dedução transcendental da primeira Crítica; (v) subjetividade como parte de uma identidade original e, por fim, (vi) A petição de princípio: natureza da crítica kantiana.
A obra, que se apresenta ao público brasileiro, aglutina-se em torno de dois núcleos chaves: (1) o estabelecimento das condições de possibilidade da compreensão do projeto crítico kantiano na perspectiva que Hegel endereça suas críticas a esta pretensão; pensa-se mais especificamente nos capítulos 1, 2, e (2) o confronto entre a perspectiva hegeliana em face da estrutura da filosofia transcendental de Kant.
A autora indica que a motivação originária para a produção e preparação da presente obra colocava-se, inicialmente, na perspectiva da compreensão da crítica de formalismo vazio endereçada por Hegel ao imperativo categórico kantiano como lei suprema da moralidade, e a acusação hegeliana no escopo desta crítica das deficiências da perspectiva moral kantiana, referentes a (i) sua inefetividade para servir como um guia para a derivação de específicos deveres, e (ii) a suspeita hegeliana da incapacidade da lei prática ser eficaz em motivar nossa ação moral.
Ao tematizar as condições de efetividade da crítica hegeliana à Kant, tornou-se evidente à autora que a crítica hegeliana à Filosofia Prática de Kant desenvolvia-se sob a silenciosa perspectiva de uma crítica à sua filosofia teórica. Neste contexto de paralelismo, a crítica hegeliana centra-se numa acusação à filosofia kantiana de ser portadora de um dualismo, no qual, em ambos os domínios, separa-se a mente humana, num poder de gerar a priori conceitos e leis de modo totalmente separado dos objetos desta própria mente.2 No primeiro capítulo da obra, são examinados os recursos da teoria kantiana do conhecimento, especificamente a ideia defendida por Kant de que nosso modo de conhecimento é discursivo, no sentido de que é impossível para nós produzir objetos ou o conteúdo de nosso conhecimento empírico pelo simples uso de nossos poderes cognitivos; explicita-se a ideia kantiana de que a intuição3 não é capaz de produzir conhecimento, entendimento.
Sedgwick defende que Nas obras de seu período crítico, começando com a Crítica da Razão Pura de 1781, Kant defende a tese de que o conhecimento humano é discurso por natureza em vez de intuitivo. Enquanto discursivo, nosso entendimento é um modo dependente de conhecimento nos seguintes termos: em nossos esforços por conhecer a natureza, temos de confiar numa matéria ou conteúdo que é dado na intuição sensível.4
Avaliando a posição kantiana, Sedgwick reconstitui a linha de reflexão do Hegel de Iena, o qual era fascinado pelo papel da intuição na perspectiva kantiana, ao mesmo tempo em que imputava a Kant o erro de insistir numa absoluta oposição ou mesmo uma heterogeneidade entre nossos conceitos e o dado sensível. Neste contexto, após apresentar o ponto de partida do Hegel de Iena e suas diversas correntes interpretativas, conclui com Hegel5, mas contra Kant, que nós podemos saber o que é o conteúdo sensível do dado e utilizar a intuição na produção de conhecimentos, desde que o relacionemos em concordância com nossos conceitos.
Na esteira da crítica de Hegel em Iena a Kant, Sedgwick crê poder superar a distinção em sentido forte estabelecida por Kant entre conceitos e intuições.
No Capítulo II, Sedgwick, perseguindo a linha de crítica levantada por Hegel em face de Kant, reconstrói a inspiração subjacente a tese hegeliana exposta em Fé e Saber de uma verdadeira unidade orgânica, como sendo capaz de superar os dualismos do período Crítico kantiano. Todavia, ao fazê-lo, conclui de modo um tanto surpreendente que Hegel inspira-se, paradoxalmente, no próprio Kant.
Segundo Sedgwick, Hegel para constituir seu argumento de que a verdadeira unidade do intelecto intuitivo é uma unidade orgânica inspira-se numa ideia que ele descobre em Kant, especificamente na Crítica do Juízo. Kant, na Crítica do Juízo, desenvolve a ideia que a unidade descreve-se por uma relação na qual o todo e as partes são reciprocamente determinados. A parte depende em sua forma do todo, e este é sustentado por suas partes.
Neste contexto, Sedgwick, seguindo Hegel, defende que é possível entender a relação entre conceitos e intuições na perspectiva de uma verdadeira unidade do intelecto, um entendimento intuitivo, tal como a relação na qual o todo entende-se pelas partes e estas sustentam o todo, postulando que cada um – conceito e intuição – faz-se necessário para a natureza e a existência do outro. Conceitos e intuições de um entendimento intuitivo o são na exata medida que ao estarem separado são idênticos – desempenham um papel de mesmo nível na cognição – e determinam-se reciprocamente como modos do conhecimento.
Por fim, Sedgwick conclui que se, em Fé e Saber, Hegel não foi capaz, de fato, de apresentar uma proposta convincente ao problema da estruturação dualista proposta pelo Kant crítico, ao menos, ele não adota uma perspectiva reducionista em sua teoria do conhecimento,6 pois ao postular a perspectiva da verdadeira unidade pela analogia ao organismo, Hegel pôde superar a oposição entre o sujeito e o objeto.7 No Capítulo III, Sedgwick desenvolve a noção de que o que impede Kant de apreciar a identidade de conceitos e intuições é seu compromisso com uma forma de idealismo de tipo subjetivo e as possíveis consequências céticas desta perspectiva subjetiva. Em continuação à tematização, explicitação e crítica à concepção de subjetividade e de idealismo em Kant, Sedgwick defende que Hegel estava certo de que podemos evitar esta consequência cética8 e avançar em vista de um genuíno, ou absoluto idealismo, providenciando uma alternativa à subjetividade da teoria kantiana das formas conceituais.
A perspectiva crítica adotada no capítulo III em face de Kant acusa o idealismo transcendental da Primeira Crítica de postular a vacuidade dos conceitos face ao fato de Kant adotar uma perspectiva externalista das formas conceituais em face da intuição sensível. Tal externalismo reside no caráter adotado por Kant da absoluta aprioridade da faculdade do conhecimento em produzir os conceitos, tornando conceitos ou categorias em faculdades pré-dadas e fixas [pre-given and fixed].
Sally Sedgwick9, seguindo a crítica de Hegel, defende que a saída para as consequências subjetiva e cética do idealismo transcendental kantiano reside em desistir [to give up] do compromisso com a externa-lidade da forma conceitual, ante ao fato de que, sendo os nossos conceitos a priori, eles não podem refletir o conteúdo dado pela natureza.
A autora propõe uma nova perspectiva para a ideia kantiana de uma absoluta oposição da forma conceitual, defendendo que a opositividade da forma conceitual face a intuição reside apenas quanto à origem e à natureza e não quanto ao uso.
No capítulo IV, a autora tematiza as críticas endereçadas por Hegel ao uso da dedução transcendental kantiana, tal como elaborada na Primeira Crítica. O capítulo, em comento, inicia-se pelo tratamento especulativo kantiano à questão de como são possíveis juízos sintéticos a priori. Neste modo especulativo exposto por Kant, Hegel, segundo Sedgwick (p.100), identifica para além do esforço de Kant em determinar os limites de nosso conhecimento e providenciar uma alternativa ao ceticismo humeano, uma alternativa à própria limitação kantiana da externalidade da forma conceitual.
E é mediante a original unidade sintética da apercepção como absoluta identidade que, para Hegel e a autora, colocam-se desde Kant as pistas para a saída dos limites do projeto da Primeira Crítica. Ou seja, na unidade sintética da apercepção, os atos de síntese não são nem puras faculdades da intuição, nem puras faculdades de conceitos, ou seja, colocam-se as condições de possibilidade para superar-se a absoluta opositividade entre conceitos e intuições numa unidade sintética original.
Todavia, Kant permanece no seio das dicotomias e na heterogeneidade entre conceitos e intuições, entre sujeito e objeto, ao concluir na sequência da exposição da unidade originária da síntese que esta trata-se de uma atividade conformada pela nossa faculdade conceitual, do entendimento, em sentido kantiano, retirando sua capacidade de ser de fato uma genuína unidade sintética.10 Deste modo, Sedgwick (p. 126) mesmo reconhecendo com Hegel que a mais alta ideia da dedução transcendental kantina reside no caráter originário da unidade sintética da apercepção, acusa-a de vacuidade da subjetividade e imputa-a de uma recusa em sair do caráter externo do uso de nossos conceitos, tornando-se dependente e devedor do senso comum – por mais paradoxal que seja – pois, o caráter absoluto da razão kantiana reside exatamente no fato de que ele basta-se a si mesmo e por independência de toda atitude ordinária do senso comum.11 No capítulo V, intitulado de subjetividade como parte de uma identidade original, Sedgwick tematiza o conhecimento como um meio e de superar as formas de pensamento vazias e externas, pondo novamente o acento sob a limitação da perspectiva kantiana de uma necessidade metafísica a priori, postulando uma revisão da constituição de nossos poderes cognitivos.
Na alternativa colocada por Sedgwick, a subjetividade é posta como parte desta unidade originária, de modo a poder superar os dualismos kantianos. Todavia, a autora (p. 128 ss.) defende, neste contexto, que nossa mente e suas formas são simples produtos da natureza. Neste modelo interpretativo, ocorre uma naturalização de nossas faculdades cognitivas, entretanto tal naturalização é um reducionismo do pensamento ao próprio pensamento, um tipo de naturalismo conceitual.
Sedgwick12 defende que Hegel concorda com Kant acerca da necessária função dos conceitos e daí deriva uma conclusão internalista de que um conteúdo verdadeiramente extraconceitual não pode ter nenhum significado cognitivo para nós. Nesta leitura, o único objeto possível da cognição humana, para Hegel, seria o próprio pensamento.
Na defesa de sua tese do conhecimento como um meio, Sedgwick (p. 133 ss.) resgata o debate e a crítica de Hegel exposta na Fenomenologia do Espírito se o conhecimento como meio é um instrumento (Werkzeug) ou um meio passivo (passives Medium), e o abandono por Hegel da perspectiva da compreensão do ato cognitivo como um meio. O problema, ao contrário, é a suposição de que nos trazemos formas-de-pensamento de nossos atos, se assim o pensarmos, adverte Sedgwick, através da releitura hegeliana, nossos esforços não podem ser satisfeitos, pois é exatamente este o erro que Hegel associa à consciência natural.13 Em continuação, Sedgwick (p.158 ss.) defende a dupla dependência entre conceitos e intuições contra a artificialidade da tese da absoluta heterogeneidade, mediante a tese de que o pensamento compartilha com as paixões e os sentimentos características que não permitem enqua-drá-la como uma simples expressão da espontaneidade.
Sedgwick parece estar nos sugerindo que, em Hegel, e ela está compartilhando desta tese, não há nenhum pensamento ou a aplicação de nossas formas de pensamento que não é condicionada do modo efetivo pelas forças naturais e históricas reais, e que uma implicação desta atividade e os seus resultados não dependem inteiramente de nós.14 O capítulo VI é uma grande tentativa da autora para testar suas teses acerca dos limites do projeto crítico de Kant em face das crítica hegelianas. Um ponto fundamental, nesta instância exploratória da autora, é a acusação de que Kant não fora suficientemente crítico, e para tanto, Sedgwick (p. 166) retoma o tratamento kantiano das antinomias e conclui após expor os passos do tratamento hegeliano das antinomias, tal como exposto na Ciência da Lógica, pela insuficiência da criticidade do projeto crítico.15 The kantian philosophy as a cushion for the indolence of thought é o ultimo momento do livro de Sedgwick (p. 177 ss.), onde a autora expõe o caráter de almofada da filosofia kantiana sob o argumento de uma suposta fraqueza de seus argumentos em contraste com a aparente rigidez de suas afirmações acerca dos dualismos sujeito/objeto, conceito/intuição, do uso equívoco das faculdades racionais no tratamento das antino-mias etc.
Por fim, Sedgwick16 (p. 179-180) encerra seu sugestivo e impressionante livro sugerindo que se suas análises nos capítulos que compõem o livro estiverem acuradas, elas sugerem que do mesmo modo que os poderes do pensamento que Hegel mantém responsável pela subjetividade do idealismo kantiano, é do mesmo modo responsáveis pelo que ele considera serem as irrealistas estimativas kantianas das conquistas da crítica.
Do mesmo modo, o conjunto dos poderes e formas de pensamento que não nos deixam meios de evitar a ‘contingência’ nas relações entre nossos conceitos e coisas, reside na base da afirmação de Kant de haver ganhado um insight de características imutáveis de nossas faculdades de pensamento e de conhecimento.
Seguramente o livro de Sally Sedgwick Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, afirmar-se-á como um clássico na reflexão acerca dos destinos da Filosofia Clássica Alemã, pela clareza no tratamento das fontes, o refinamento no desenvolvimento das teses e argumentos dos autores em confronto. Tal caráter clássico, que se acredita o livro atingirá, não o exime de, em muitos pontos, as críticas levantadas pela autora ao idealismo transcendental kantiano, assim como os desenvolvimentos do idealismo hegeliano, sejam sujeitos a críticas e passíveis de revisão na própria literatura especializada.
Notas
1 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 1. “This is a study of Hegel’s critique of Kant’s theoretical philosophy. Its main purpose is to defend the thesis that Hegel offers us a compelling critique of and alternative to the conception of cognition Kants argues for in his “Critical” period (from 1718 to 1790)”.
2 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 7. “In all domains of Kant’s Critical philosophy, the culprit as far as Hegel is concerned is dualism – a dualism that divides the human mind as a Power of generating a priori concepts and laws from the separate contribution of objects wholly outside the mind”.
3 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 7. “Unlike a mode of cognition that is intuitive we have to rely in our cognitions of nature on a sense content that is independently given”.
4 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 14. “In the works of his Critical period, beginning with the Critique of Pure Reason of 1781, Kant defends the thesis that human cognition is discursive rather than intuitive in nature. As discursive, our understanding is a dependent mode of cognition in the following respect: in our efforts to know nature, we must rely on a matter or content that is given in sensible intuition”.
5 Sally Segwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 44. “At this point we have established only Hegel’s frustration with Kant for not awarding us the Power of an intuitive form of intellect”.
6 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 9. “Although Hegel’s remark in Faith and Knowledge do not explain precisely how he thinks concepts and intuitions reciprocally determine or cause one another, they lend support to the conclusion that he is not committed to a reductive account of the relation between these two components of cognition”.
7 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 56-57. “We don’t yet know just what he has in mind by this; we know only that he opposes the heterogeneity of the universal and the particular to the true or organic unity that he says is the unity of the intuitive intellect. We know that the model of organic unity, in his view, substitutes for heterogeneity the identity of the universal and the particular”.
8 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 71. “Hegel is, in other words, convinced that skepticism results from assumptions these systems share about the respective contributions of the two basics components of empirical knowledge: sensible content and subjective form”.
9 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 97. “As we have seen, the skepticism Hegel takes to plague the ‘metaphysic of subjectivity’ relies on a misguided commitment to the thesis of heterogeneity or ‘absolute opposition’. In relying on this thesis, the metaphysic of subjectivity takes for granted the assumption that human cognitions isindeed God-Like – not because, it is possible for us to literally bring the material world into being – but because, in thinking, we can abstract to a realm of pure thought, to a standpoint wholly outside or ‘absolutely opposed’ to ‘common reality’”.
10 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 11 “As Hegel points out, Kant claim that all combination or synthesis in an act of spontaneity performed by our faculty of concepts (the “understanding”). The faculty he identifies as an original synthetic unity, then, turns out not to be a genuine synthetic unity after all”.
11 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 126 “The idealisms of Kant and Fichte are moreover ultimately “subjective”. It is an implication of these systems that subjective forma is “absolutely opposed” or “external” to content in this respect: subjective forma is taken to owe nothing of its nature and origin to the realm of the empirical. For these philosophers, human reason (or “thinking”) is “absolute” in that it is capable of achieving complete “independence from common reality”.
12 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 129 “On this reading, moreover, Hegel endorses this kantian premise about the necessary role of concepts and derives from it the internalist conclusion that a truly extra-conceptual content can have no cognitive significance for us. On this reading, the only possible object of human cognition, for Hegel, is thought itself.”
13 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 137 “The problem, rather, is its assumption that since we bring thought-forms to our acts of knowing, our efforts to know cannot be satisfied. This is the mistake Hegel associates with natural consciousness. It is what he singles out as the crucial defect of its treatment of cognition as a means.”
14 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 161-162 “What Hegel seem to be suggesting, then, is that there is no thinking or application of our forms of thought that is not conditioned by and thus responsive to actual natural and historical forces. One implication of this the activity of critique, as well as its outcome, is not entirely to us”.
15 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 169-177.
16 Sally Sedgwick, Hegel’s Critique of Kant – From Dichotomy to Identity, p. 179-180. “If our analysis in these chapters is accurate, it suggests that the same account of the powers of thought that Hegel holds responsible for the subjectivity of Kant’s idealism is also responsible for what he takes to be Kant’s unrealistic estimations of the achievements of critique. The same account of the powers and forms of thought that leaves us no means of avoiding contingency in the relation between our concepts and things, is also basis of Kant’s claim to have gained insight into immutable features of our faculties of thinking and knowing”.
Danilo Vaz-Curado R. M. Costa – Professor da UNICAP/PE e Doutor em Filosofia pela UFRGS. Universidade Católica de Pernambuco. Rua do Principe, 526 – Boa Vista. 50050-900 Recife, PE, Brasil. E-mail: danilo@unicap.br; danilocostaadv@hotmail.com.
Reference and existence: the John Locke lectures – KRIPTE (M)
KRIPTE, Saul A.. Reference and existence: the John Locke lectures. [?]: Oxford University Press, 2013, xiii + 170p. Resenha de: SANTOS, César Schirmer dos. Manuscrito, Campinas, v.36 n.2 July/Dec. 2013.
Após quarenta anos, as conferências John Locke de 1973, proferidas por Saul Kripke entre o final de outubro e o início de dezembro daquele ano, foram finalmente publicadas pela Oxford University Press. Durante todo este tempo, essas conferências circularam entre alguns poucos felizardos na forma de cópias de cópias de cópias. Agora, esse trabalho seminal está finalmente disponível ao merecido público mais amplo.
As conferências John Locke de 1973 de Kripke tratam exatamente dos conceitos que dão título ao livro: referência e existência. Nessas conferências, Kripke desenvolve, estende e elabora ideias que haviam sido apresentadas nas conferências de 1970, sobre referência e identidade, que foram posteriormente publicadas sob o título Naming and necessity.
A principal contribuição das conferências de Kripke de 1973 está no tratamento da semântica dos termos singulares e dos substantivos vazios, como “Hamlet”, “Zeus” e “unicórnio”. Para tanto, Kripke inicia revisando o estado da semântica, desde Frege e Russell até Donnellan. Frege e Russell viram “existir” como um verbo que é usado legitimamente em predicados de segunda ordem. Assim, eles viram a existência como uma propriedade de propriedades, não de coisas singulares, pois não há razão para se usar um predicado que não pode ser falso de coisa alguma, como Russell defende em A filosofia do atomismo lógico, e Frege defende em “Função e conceito” (p. 6-7).
Kripke não concorda com essa visão. Para ele, é legítimo atribuir existência a indivíduos, pois é inteligível que se diga que algo existe ou não (p. 36). Isso não quer dizer, contudo, que Kripke defenda que a existência é uma propriedade de primeira ordem, pois ele simplesmente não trata a existência como uma propriedade. Para apresentar esse ponto, precisamos partir da sua semântica da ficção e do discurso mitológico.
Para Kripke, os quantificadores da linguagem comum atravessam o domínio de entidades fictícias ou mitológicas. Isso não quer dizer, no entanto, que essas entidades são reais num sentido meinonguiano. Em vez disso, o ponto é que se trata de uma questão empírica descobrir se essas entidades existem ou não, pois se há, na ficção ou mitologia, um personagem fictício mitológico que faz, na ficção ou mitologia, tal e tal coisa, então esse personagem existe, dado que a ficção ou mitologia dá existência ao personagem (p. 71). Assim, Kripke não defende que a existência é uma propriedade. Tudo o que ele diz é que, através da ficção ou da mitologia, se inventa entidades as quais se pode atribuir propriedades (p. 146). Por exemplo, o personagem Huckleberry Finn existe, pois há obras de Mark Twain que lhe dão existência. De modo que a existência desse personagem é uma questão empírica, bem diferente do que se dá quanto à existência de entidades matemáticas, e bem diferente da proposta de Meinong de atribuir aos entes fictícios um tipo diferente de realidade (p. 72). Um personagem de ficção é uma entidade abstrata que existe em virtude de atividades concretas, no caso narrativas. O caso é análogo ao da existência de nações, as quais existem em virtude de relações concretas entre as pessoas. O que torna verdadeiros os enunciados sobre as nações são as atividades das pessoas. De maneira análoga, o que torna verdadeiros os enunciados sobre personagens fictícios são as atividades dos narradores, pois personagens fictícios não são entidades meinonguianas que existem automaticamente, pois só existem por causa das atividades dos narradores. E, é claro, um personagem fictício não é uma pessoa, de modo que Sherlock Holmes não foi e não deveria ser contado no censo dos habitantes de Londres, pois há diferenças entre entes fictícios e entes não-fictícios (p. 73-74). Em cada caso, o teste de realidade é ligar o verbo existir a uma propriedade, de preferência um sortal. Tome o sortal “pessoa”, querendo dizer uma pessoa de carne e osso. Levando em conta esse sortal (e desconsiderando acasos históricos), a frase “Existiu na Dinamarca um príncipe chamado ‘Hamlet’” é falsa. Agora tome o sortal “personagem teatral”. Nesse caso, a frase “Existiu um personagem teatral chamado ‘Hamlet’” é verdadeira (p. 150). Essas duas questões fazem sentido, o que estabelece a legitimidade de se tomar a existência como algo que se pode atribuir a indivíduos, sem no entanto se estabelecer com isso que a existência é uma propriedade, pois Russell tem razão ao dizer que uma propriedade legítima não é verdadeira de todas as coisas. O que se dá é justamente que algo se apresenta como quantificável, e ser quantificável não é possuir uma propriedade, mas sim estar aí para receber propriedades.
Em suma, Kripke defende que tudo aquilo que é quantificável existe, sem que a existência seja uma propriedade. Além disso, se algo existe (é quantificável), e é designado, então há referência. De modo que designadores de indivíduos fictícios ou mitológicos não são vazios. Não é o caso que “Hamlet” não tem referência, mas sim que com “Hamlet” o autor pretende que há uma referência, e através de tal pretensão se estabelece uma referência, pois essa referência de faz de conta é um tipo de referência, de modo que na teoria de Kripke é errado dizer que “Hamlet” é um nome vazio (p. 103). Assim, é errado dizer que o nome “Hamlet” não designa nada, pois designa alguma coisa, não no mundo real, nem em um mundo meinonguiano, mas sim uma entidade abstrata que ganha existência através da narrativa de Shakespeare, e a qual se pode dar propriedades (p. 78).
A teoria esboçada acima tem inúmeros detalhes que não podem ser apresentados nessa resenha, além de diversos complicadores. Uma complicação é um certo duplo uso da predicação, pois podemos dizer que Hamlet é um personagem muito debatido, e também que Hamlet era melancólico. O predicado “é um personagem muito debatido” leva em conta o personagem Hamlet, enquanto o predicado “era melancólico” leva em conta o que se dá na narrativa, e a confusão entre esses predicados traz ruído à teoria semântica (p. 74).
Há também problemas relacionados à identidade das entidades mitológicas. Zeus e Júpiter eram o mesmo deus? Empregando a proposta já presente em Naming and necessity, isso depende das origens dos seus respectivos panteões. Caso as origens sejam independentes, são dois deuses diferentes, caso contrário, são o mesmo deus. O importante é que essas questões sobre a identidade de entidades fictícias ou mitológicas se respondem com investigações empíricas, no caso pesquisas históricas (p. 77). Algo análogo vale para predicados vazios que se suspeita possuidores de extensão no mundo real, pois para provar que unicórnios existem é preciso provar que há conexão histórica entre os bichos que satisfazem a descrição e o mito que nos foi legado (p. 50).
Outro ponto explorado na obra, mas ao qual apenas farei menção, sem explorar minimamente, é a semântica dos substantivos. Nisso se mantém o paralelismo com Naming and necessity, pois quanto a essa obra é muito discutida a questão de se a teoria da designação rígida, pouco discutível no caso dos nomes próprios, como “Túlio” ou “Cícero”, pode ser estendida ao caso dos substantivos, como “ouro” ou “tigre”. Sem nos aprofundarmos na questão, indico apenas que, na obra que resenhamos, Kripke considera o discurso sobre predicados vazios é tão problemático quanto o discurso sobre nomes vazios, e digno de soluções análogas (p. 43).
Nas palestras mais adiantadas, Kripke propõe aplicações da sua teoria a outras áreas da filosofia, como a epistemologia. Em suma, Kripke propõe a seguinte analogia: o discurso histórico sobre um personagem real está para o discurso fictício sobre um personagem real de maneira análoga ao modo como as propriedades reais de um objeto estão para as propriedades percebidas perspectivamente desse objeto. Apresentarei os elementos centrais dessa proposta, adiantando apenas que, na melhor das hipóteses, o que Kripke nos apresenta é insuficiente para estabelecer a analogia.
Kripke apresenta uma analogia entre sense data e personagens fictícios que funciona da seguinte maneira. Algumas pessoas reais, como Napoleão, também são personagens de filmes e outras obras de ficção. Assim, podemos dizer dessas pessoas que elas têm propriedades que podem ser descobertas pelos historiadores, e também que certos narradores lhes atribuíram outras propriedades, deixando claro que se tratava de propriedades fictícias. Algo análogo se daria com os sense data. Uma casa, vista de longe ou de perto, tem as mesmas propriedades, isto é a mesma altura, área etc. Mas a percepção dessa casa por uma pessoa que se aproxima tem outras propriedades, pois se pode dizer que se trata de algo que fica cada vez maior. A propriedade de crescer pertence à casa na percepção, assim como certas propriedades pertencem a Napoleão na ficção (p. 98-99). Assim, pela analogia de Kripke, o contexto perceptual possibilita que se atribua certas propriedades a coisas reais, tal como se dá quando fazemos ficção sobre coisas reais. O caso das alucinações seria diferente, pois aqui haveria analogia com o caso no qual se tem um personagem fictício desde o início. Por exemplo, minha prima Josefina alucina um fantasma. Se é assim, então há um fantasma na alucinação, assim como há um personagem na ficção (p. 99).
Creio que a proposta de Kripke para o caso da percepção poderia ser estendida para o caso da memória, pois se uma coisa é o objeto percebido, e outra coisa (igualmente existente) é o objeto na percepção (o qual seria análogo a um personagem de ficção), então uma coisa é o objeto lembrado, e outra coisa (igualmente existente) seria o objeto na memória (o qual também seria análogo a um personagem de ficção). Mas tenho dúvidas sobre o quanto esta proposta nos ajuda a entender a percepção, a memória e outros estados epistêmicos.
Em outras conferências, Kripke apresenta sérias reservas ao modo como Keith Donnellan analisa as descrições definidas. Como é bem-sabido, Donnellan distingue entre dois usos das descrições definidas: referencial e atributivo. Alguém diz, apontando para um homem que está ao lado de uma mulher, “O marido dela é um homem gentil”. Mas o homem não é o marido da mulher, de modo que a descrição não é satisfeita. Isso é um problema no uso atributivo de uma descrição definida, mas não no uso referencial, pois podemos ter sucesso em referir ao homem através da descrição “o marido dela” mesmo que ele não seja o marido dela. Donnellan diz que, se é assim, então há um problema na análise de Russell das descrições definidas, pois a mesma supõe que toda descrição funciona atributivamente. Kripke, no entanto, não vê qual seria a pertinência semântica das distinções de Donnellan como bases para a crítica a Russell, pois Donnellan não teria mostrado que as descrições definidas são semanticamente ambíguas, sendo que tudo o que Russell quis foi apresentar uma análise semântica das descrições definidas. Donnellan diz que as descrições definidas podem ser usadas de maneira referencial ou semântica. Mas, se é assim, então sua proposta é meramente pragmática, e não conta para a rejeição da análise semântica proposta por Russell (p. 110-111). Para Kripke, o que pode haver, e Donnellan não notou, é uma diferença entre a referência semântica e a referência do falante. Levando em conta o idioleto de um falante, podemos distinguir entre as intenções gerais do falante no uso de um termo singular (incluindo nomes próprios e descrições definidas), e suas intenções específicas em um determinado contexto. No entanto, esses não são dois sentidos de um termo singular, pois se trata de uma distinção pragmática, dado que se apoia nas intenções do falante. Assim, Donnellan não teria nenhum argumento semântico contra Russell (p. 118-123).
A partir dessa discussão, Kripke mostra que há casos nos quais um elemento pragmático pode ganhar força semântica. Tome um caso no qual uma expressão usada com o significado do falante é o antecedente de um anafórico. Por exemplo: “O marido dela é um homem gentil, ele sempre a trata com carinho”. Em um caso como esses, a descrição definida ganha um papel semântico, ainda que o homem referido não seja marido da mulher em questão. Logo, apesar de ser uma noção pragmática, a noção de referência do falante é relevante para a semântica, pois nada impede que uma referência do falante seja transmitida pela anáfora ou pela comunicação, e que ganhe valor semântico através da transmissão, podendo provocar uma mudança linguística (p. 128-136).
As críticas de Kripke a Donnellan não cessam aí, pois, ao contrário de Russell e Frege, Donnellan não analisou como sua proposta funcionaria no caso do discurso indireto. Considere a atribuição de atitude proposicional “Marcos pensa que o marido dela é um homem gentil”. Nesse caso, a descrição definida estaria sendo usada referencialmente ou atributivamente? Nenhuma das duas coisas. E, ainda assim, as análises semânticas das descrições definidas propostas por Russell e Frege se manteriam operantes (p. 134).
Nesse conjunto de conferências, Kripke não pretende ter resolvido todos os problemas semânticos envolvidos na questão dos termos singulares vazios. Em vez disso, sua proposta pretende apenas ser menos ruim do que as alternativas. Há problemas. Por exemplo, dado que a análise semântica de um nome vazio, como “Hamlet”, requer que se considere as intenções do narrador para se concluir que há pretensão de referir, disso segue que é preciso considerar o conteúdo de um nome para se estabelecer sua análise semântica correta. Mas isso é intolerável (p. 147) Não deveria haver diferentes análises para frases com nomes de entes fictícios e frases com nomes de entes não-fictícios (p. 150). Apesar desse problema, as conferências de Kripke continuam atuais, pois nos trazem ganhos na compreensão da referência e da existência.
César Schirmer dos Santos – Departamento de Filosofia. Universidade Federal de Santa Maria. Av. Roraima, 1000 – Prédio 74A, sala 2311. 97105-900 Santa Maria, RS. BRASIL. cesarschirmer@gmail.com
“Nominalism”. The Oxford Handbook of Metaphysics – SZABÓ (ARF)
SZABÓ, Zoltán Gendler. “Nominalism”. The Oxford Handbook of Metaphysics. Editado por Michael Loux e Dean Zimmerman. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 11-45. Resenha de: CID, Rodrigo. Argumentos – Revista de Filosofia, Fortaleza, n.10, jul./dez. 2013.
Com relação ao “entidades”, o autor nos fala sobre pensarmos as entidades como objetos. O objeto seria o referente de um termo singular, diferentemente da função, que é referente de um termo geral. Uma entidade assim pensada teria de ter condições de identidade determinadas, pois os objetos em lógica têm eles próprios condições de identidade determinadas.
E, finalmente, com relação ao “abstrato”, Szabó nos fala de algumas concepções de abstracta, aceitando apenas a última no resto do texto. A primeira concepção é de que aquilo que é abstrato nos é dado por abstração daquilo que é concreto (embora o que tenhamos em mente seja apenas uma representação concreta daquilo que é abstrato). O problema dessa visão é que ela parece implicar dependência ontológica do abstrato com relação ao concreto. E isso é estranho para vários objetos abstratos, como proposições, tipos de enunciados, geometria, entre outros. A intuição que está envolvida aqui é que falta algo nas entidades abstratas que têm nas entidades concretas.
O problema então seria encontrar o que é que lhes falta, pois não é nada claro o que falta a eles – já que, por exemplo, os fótons não têm massa em descanso, os buracos negros não emitem luz e os pontos no espaço não têm extensão.
Uma outra ideia é que os objetos abstratos são (p. 17-18): “(i) imperceptíveis em princípio, (ii) incapazes de interação causal e (iii) não localizados no espaço-tempo”. O problema aqui é que pode-se logicamente defender que entramos em contato causal com objetos abstratos, como proposições, por exemplo. E é também defensável que percebemos os objetos abstratos nas coisas, tal como defende o realismo extremo dos universais, no qual há apenas feixes de universais. Szabó abandona os dois primeiros critérios e utiliza o termo abstrato levando apenas (iii) em consideração e tendo em vista que pode haver entidades concretas apenas temporalmente, mas não espacialmente, localizadas – como almas cartesianas.
O nominalista crê que esses objetos, os abstratos, tal como os monstros fantasiosos, não existem. Como, ainda assim, os abstratos são muito úteis nas ciências, o nominalista quer preservar o vocabulário dos abstratos, sem se comprometer ontologicamente com eles, reduzindo-os a concreta. Ele realiza tal coisa por meio da construção de uma paráfrase sistemática das frases sobre objetos abstratos a frases que não dizem respeito a abstracta. Um exemplo seria parafrasear “Há uma boa chance de chover mais tarde” para “Está parecendo que vai chover mais tarde”. Neste caso parafraseamos uma frase sobre chances em uma frase sobre a aparência das coisas. O problema da paráfrase é que não está claro por que haver uma paráfrase que não fala sobre abstracta indica que tanto a paráfrase quanto a frase parafraseada não têm compromisso com abstracta em vez de indicar que ambas têm. A paráfrase não vence a disputa ontológica, mas ao menos mostra que seu usuário consegue fazer sentido de sua própria posição.
Uma objeção séria ao nominalista é que ele não consegue parafrasear frases como “há entidades abstratas”, pois se houver uma paráfrase para tal frase, o nominalista não conseguirá formular a sua própria posição e nem a posição rival. É possível falar de uma outra interpretação, bem complexa, para essa sentença e para algumas outras de dentro das matemáticas. Mas é difícil teoricamente ter de aceitar que a interpretação de sentenças seja algo não transparente ou velado ao falante.
Algumas razões pelo nominalismo, diria o autor, são (a) a aceitação do fisicalismo, (b) a economia ontológica e (c) o argumento do isolamento causal.
E algumas razões contra seriam (d) o argumento da indispensabilidade e (e) o argumento fregeano.
A primeira razão pelo nominalismo vem da ideia de que se tudo é físico, então não pode haver coisas que não estejam no espaço-tempo. Essa ideia é problemática justamente pelas localizações do espaço não serem elas mesmas coisas com localizações, de modo que não precisamos aceitar que o fisicalismo implica a inexistência de coisas sem localização espaço-temporal. Tudo vai depender da abrangência de “físico”, que é um assunto profundamente problemático. Poderíamos dizer que só é físico o que é implicado por nossas melhores teorias. Porém, nesse caso, números e conjuntos seriam entidades físicas. Poderíamos tentar dizer que físico é o que está sujeito a leis. No entanto, há leis que tratam de abstracta, como a lei dos gases ideais. Podemos também tentar dizer que físico é o que entra em interação causal. Mas é debatível o que do objeto ou do evento entra na interação causal.
Outra razão seria a economia ontológica: poder-se-ia dizer que abstracta são supérfluos para os propósitos explicativos. O problema disso é que várias teorias científicas parecem quantificar sobre abstracta e, mesmo que forneçamos paráfrases, ainda teremos de decidir se a explicação da teoria reconstruída é preferível à não reconstruída (p. 29). Além disso, simplicidade, na qual se funda a economia ontológica, é variável: simplicidade em algumas partes traz complexidade a outras.
A terceira razão pelo nominalismo seria o argumento do isolamento causal. Ele nos diz que, como abstracta não têm posição espaço-temporal, não podem ter efeito causal em nós. Sem efeito causal, não há como ter nem conhecimento (parte epistêmica) e nem referência (parte semântica) dos mesmos.
A resposta a isso é muito parecida com uma que já vimos, que é dizer que não precisamos assumir que abstracta não têm efeito causal, pois pode-se assumir que as abstracta dependente de concreta têm efeito causal. O ponto então seria explicar como obtemos conhecimento e fazemos referência a objetos abstratos independentes dos concretos. Ou defender que não é necessário que haja interação causal para que obtenhamos conhecimento ou para que façamos referência a abstracta. Que não precisamos de interação para fazer referência a objetos, isso a referência por meio de descrição já nos mostra. Mas não é tão claro como poderíamos obter conhecimento de coisas necessárias as quais não entramos em contato causal.
Uma dificuldade para o nominalismo é o argumento da indispensabilidade (p. 34). Ele nos diz o seguinte: (1) a matemática é indispensável à física; (2) a matemática tem compromisso ontológico com abstracta; (3) logo, a física tem compromisso ontológico com abstracta; (4) não temos razões para rejeitar a física; (5) logo, não temos razões para rejeitar a existência de abstracta. As duas soluções nominalistas para este argumento são negar (1) ou (2). Se negarmos (1), teremos o programa em física de mostrar como pode haver uma física sem matemática, coisa que Hartry Field tentou mostrar, ao reformular sem quantificação sobre números a teoria gravitacional de Newton. Sua teoria nos diz que as sentenças matemáticas existenciais são falsas e que na verdade elas são apenas úteis para expressar as paráfrases nominalistas verdadeiras. Negar (2), por sua vez, exige do filósofo um programa semântico de paráfrase sistemática de toda a linguagem matemática que quantifique sobre abstracta.
Outra dificuldade para o nominalista é o argumento fregeano (p. 37). Ele é o seguinte: (A) “2+2=4” é verdadeiro; (B) “2” em “2+2=4” é um termo singular; (C) se uma expressão funciona como um termo singular numa sentença verdadeira, então deve haver um objeto denotado por tal expressão; (D) logo, deve haver um objeto denotado por “2”; (E) logo, há um objeto denotado por “2”. É possível que o nominalista argumente que “2” não é um termo singular genuíno. Entretanto, dados critérios sintáticos e inferenciais e dada a primazia da sintaxe sobre à ontologia, “2” é de fato um termo singular. É possível também que se objete a (C), tal como fez Field ao nos dizer que os juízos das matemáticas são falsos, embora sejam úteis para expressar as paráfrases nominalistas verdadeiras.
Uma posição possível intermediária ao nominalista é aceitar o ficcionalismo e dizer que as sentenças matemáticas são verdadeiras nas matemáticas, embora nada seja dito com relação a fora das matemáticas. Quando perguntamos se há abstracta, nos diria o ficcionalista Carnap, podemos estar querendo fazer uma pergunta interna ou externa ao sistema linguístico em causa.
Se for interna, sua resposta é trivial. Se for externa, seria uma questão sobre se devemos adotar uma teoria comprometida com abstracta. Carnap não pensava que havia razões para preferir um sistema linguístico em vez de outro. Quine discordaria disso, já que pensa podermos fornecer razões para a escolha entre tais sistemas.
Finalmente, Szabó termina seu texto indicando algumas outras posições intermediárias, entre nominalismo e anti-nominalismo.
Rodrigo Cid – Doutorando em Filosofia pelo PPGLM-UFRJ. E-mail: rodrigorlcid@hotmail.com
The Greek Theatre and Festivals. Documentary Studies | Peter Wilson
As ruínas permanecem em seus lugares. Alguns textos dos tragediógrafos e comediógrafos chegaram até nós, mas o entendimento da dinâmica do teatro grego permanece ainda um mistério. Para os pesquisadores do teatro antigo, principalmente aqueles que se dedicam a entender as relações entre o teatro, a política e a sociedade na Atenas do século V a.C., ou aqueles que investigam a problemática da performance no teatro antigo, nenhum evento é tão importante como os festivais em honra ao deus Dionísio nos quais eram encenadas as tragédias e as comédias.
Compartilhando deste interesse e partindo da necessidade de atualizar as abordagens historiográficas sobre o teatro em seu âmbito material, o helenista e historiador do teatro clássico Peter Wilson editou The Greek Theatre and Festivals. Documentary Studies. O livro é um esforço coletivo de treze pesquisadores do teatro e das festas em homenagem a Dionísio, os quais realizaram em 2003 em Oxford uma conferência para reflexão sobre o tema. Ao abordar este assunto, sempre é preciso retomar os seminais estudos de Sir Arthur Wallace Pickard-Cambridge (1873- 1952): o Dithyramb Tragedy and Comedy (1927) e o The Theatre of Dionysus in Athens (1946). Estas duas obras de Pickard-Cambridge inauguraram em seu tempo a problemática das bases arqueológicas do teatro grego, tendo se tornado durante décadas referências absolutas sobre o tema.
Assim, consciente da dívida em relação às obras de Pickard-Cambridge mas também percebendo a importância de novas descobertas e enfoques sobre o tema, já na introdução Peter Wilson postula o seu objetivo com esses textos: “Introduction: From the Ground Up”, ou seja, rever tudo, reatualizar as premissas, recolocar os problemas. Os textos editados por Wilson desejam abordar o teatro grego de forma renovada, a partir de novas inquietudes historiográficas e trazendo como documentos as coleções de epigramas muitas vezes esquecidas pelos historiadores do teatro. O livro divide-se então em três grandes partes: I. Festivals and Perfomers: Some New Perspecives, II. Festivals of Athens and Attica, III. Beyond Athens.
Os festivais em honra a Dionísio inseriam-se no calendário cívico da cidade, ocorrendo durante o ano ocorriam três festas sua homenagem : as Lenéias, que aconteciam no final de janeiro, para as quais se interrompiam os trabalhos do campo, do comércio e da navegação de forma que os cidadãos se dedicassem exclusivamente às festividades; as Grandes Dionisíacas, que aconteciam no final de março e traziam grande número de viajantes para Atenas; as Dionisíacas rurais, que aconteciam em dezembro em regiões da Ática (CUSSET, 1997, p.12-3). No edifício do teatro consagrado a Dionísio era reservado um lugar para um templo do deus contendo uma imagem sua, no centro da orkhestra havia um altar de pedra em sua homenagem e nas arquibancadas, um trono esculpido era reservado ao sacerdote de Dionísio (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 1999). Os festivais em honra ao deus Dionísio tornavam o teatro grego um espetáculo com dia, lugar e público específicos, o qual conciliava problemas internos, contribuindo para a coesão do corpo cívico.
A primeira parte do “The Greek Theatre and Festivals”, “Festivals and Perfomers: Some New Perspecives” (p. 21-84), a qual, nas palavras do próprio autor, “reconhece a necessidade de arriscar amplas inspeções de algumas questões gerais (p. 3)”, sendo formada por três artigos. O primeiro artigo “Deconstructing Festivals”, de William Slater (p. 21-47), ambiciona uma leitura do material epigráfico disponível para a compreensão do teatro grego e propõe que os festivais têm importantes ramificações para a compreensão de questões tradicionais como a política e o poder no Mediterrâneo. Slater adota uma postura crítica em relação aos historiadores do teatro grego que não exploram as possiblidades da numismática ou da epigrafia para a compreensão dos festivais. A “desconstrução dos festivais” revela o tom de desafio aos historiadores do teatro e a urgência de restabelecer bases teóricas e documentais para compreender o fenômeno do teatro grego.
O segundo texto da primeira parte, “Theatre Rituals” de Angelos Chaniotis (p. 48-66), começa a estabelecer a importância do teatro antigo para além da teatralidade e da performance artística, tentando resgatar uma série de atividades ritualísticas ou de caráter cívico que ocorriam ao redor do evento teatral. O espetáculo do teatro, principalmente em Roma, congregava outros eventos que ajudavam a dar uma maior dimensão ao evento, como o anúncio das honras, a coroação dos benfeitores, a entrada dos magistrados, além de concursos de canto e declamações. Para Chaniotis, o teatro antigo é composto por “rituais de comunicação”, os quais podem ser entre os mortais e os imortais, em um nível social entre o “sujeito” e o seu papel dentro da sociedade, ou entre cidadãos e estrangeiros (p. 65).
No terceiro e último texto da primeira parte, com o título bastante descritivo de “The Organization of Music Contests in the Hellenistic Period and Artists’ Participation: An Attempt at Classification” (p. 67-84), Sophia Aneziri procura mostrar como os artistas ligados à música ou “Dionysiac Artists” ajudavam a organizar concursos musicais em homenagem ao deus no período helenístico. A autora classifica os concursos musicais em três categorias em relação à sua organização: (1) concursos organizados pelas associações, (2) concursos co-organizados por elas e (3) concursos dos quais elas apenas participavam. Essa espécie de “guilda” ou associação de músicos mostra uma certa cooperação entre profissionais ligados à arte e a importância desses eventos no contexto helenístico.
A segunda parte do livro, chamada de “Festivals of Athens and Attica” (p. 87-182), pode interessar mais a quem pesquisa relações entre o teatro grego, tanto a tragédia como a comédia, em relação a contextos políticos e sociais. Nas palavras do próprio Wilson, essa parte pode ser definida como “um chamado a revigorar o estudo do material familiar da metropolis do teatro através de novas perguntas, da recombinação dos seus elementos de formas produtivas e inusitadas, e da integração de evidências menos conhecidas na corrente principal da discussão” (p. 3).
O primeiro artigo, “The Men Who Built the Theatres: Theotropolai, Theatronai, and Arkhitektones” (p. 87-121) de Eric Csapo, é um dos principais artigos do livro. Csapo trabalha com epigrafia assim como Slatter, e com os indícios anuais dos festivais. Suas perguntas são dirigidas à administração do teatro em sua monumentalidade, mostrando que havia uma economia que girava em torno dessas apresentações, como os aluguéis de tendas. Assim ele demonstra como termos que aparecem apenas em fontes literárias e que foram sempre tratados como de pouca importância, como “theatrones” (Theatron-buyer) ou “theatropoles” (Theatron-seller), aparecem em relação a outros termos como o “arkhitekton” e podem dar indícios da dinâmica espacial que se desenvolvia nos festivais a Dionísio. As descobertas de Csapo levam a pensar dinâmicas econômicas e certas condições de existência material para o evento em homenagem a Dionísio. Além das fontes literárias citadas pelo autor há no final do capítulo um pequeno apêndice arqueológico escrito por Hans Rupprecht Goette, que mostra uma evolução material do espaço físico do teatro.
O segundo texto, “Choregic Monuments and The Athenian Democracy” (p. 122-49) de Hans Rupprecht Goette, debruça-se sobre os monumentos existentes perto do teatro de Dionísio e a sua representação de poder. Tais monumentos fazem contraste com algumas ideias da democracia grega. Já o último artigo da segunda parte e sexto do livro é escrito pelo editor Peter Wilson, “Performance in the Pythion: Athenian Thargelia” (p. 150-182). O artigo de Wilson desvia o foco do festival de Dionísio para o festival de Apolo, a Targélia. O festival da Targélia durava apenas dois dias e levava esse nome por ser celebrado no período chamado “Thargelion” que corresponde ao final de maio. Para o autor, o festival representava a criação da ordem civil, claramente oposto ao festival a Dionísio. A Targélia era celebrada com coros masculinos semelhantes em certos aspectos ao coro das tragédias. Peter Wilson discute as questões de performance nesse festival, pensando as relações com a música. A importância do artigo reside em trazer à discussão um festival que é pouco lembrado pelos estudantes da performance no mundo antigo, além de mostrar aspectos que circundam a ritualística que envolve o deus Apolo.
A terceira e ultima parte do livro, “Beyond Athens” (p. 184-377), é a maior em contribuições, com sete artigos. Estes artigos exploram um rico material ligado ao teatro e aos festivais menos estudados para além de Atenas. O primeiro artigo, “Dithyramb, Tragedy and Cyrene” (p. 185- 214), escrito por Paola Ceccarelli and Silvia Milanezi, analisa por meio da epigrafia evidências sobre a tragédia na cidade de Cirene (antiga colônia grega na atual Líbia) no século IV a.C. O texto das pesquisadoras trata da dinâmica organizacional em Cirene das apresentações trágicas e dos coros ditirâmbicos, tentando traçar um quadro de como era encenada uma tragédia fora de Atenas.
O segundo artigo, “A Horse from Teos: Epigraphical Notes on the Ionian Hellespontine Association of Dionysiac Artists” (p. 215-45) de John Ma, parte também da epigrafia para demonstrar a singularidade do ditirâmbico na Anatólia no século II a.C. Ma levanta a hipótese de que nesse período helenístico o ditirâmbico era apresentado por um “pseudo-coral” e envolvia também solos virtuosos de instrumentos como a cítara.
O terceiro artigo, “Kraton, Son of Zotichos: Artists Associations and Monarchic Power in the Hellenistic Period” (p. 246-278) de Brigitte Le Guen, analisa a vida de Kraton, um tocador de aulos, uma espécie de flauta também conhecida por tíbia, sobre o qual existem várias referências nos epigramas. A autora analisa o seu percurso tentando desvelar os possíveis caminhos para uma “carreira” de músico no período helenístico.
O quarto artigo, “Theoria and Theatre at Samothrace: The Dardanos by Dymas of Iasos” (p.279- 293) de Ian Rutherford, explica as bases do teatro na Samotrácia no século II, mostrando as relações entre um culto a Dardanos e um poema da série “Poeti Vaganti”.
O quinto artigo, “The Dionysia at Iasos: Its Artists, Patrons, and Audience” (p. 294- 334) de Charles Crowther, também trabalhando com epigrafia, mostra como era o teatro na cidade de Iasos, mostrando pelos documentos que a arte de Dionísio era bem recebida na cidade, tendo uma série de peças sido encenadas. Crowter mostra as listas das inscrições existentes sobre as peças e os possíveis valores pagos ou doados aos artistas de Dionísio.
No sexto artigo, “An Opisthographic Lead Tablet from Sicily with a Financial Document and a Curse Concerning Choregoi” (p. 335-350), David Jordan investiga uma tablete de chumbo de característica opistográfica, ou seja, escrito dos dois lados. O documento traz uma espécie de maldição e uma referência a uma disputa de ordem teatral. O texto de Jordan é principalmente uma apresentação deste raro documento que pode ajudar a traçar algumas ideias sobre a Sicília e as relações entre os Choregoi.
O último capítulo do livro, escrito por Peter Wilson e intitulado “Sicilian Choruses” (p. 351-77), é também dedicado à Sicília no século V. a.C. Wilson tenta mostrar as singularidades desse teatro ligado a cultos locais, em que diferentemente da Grécia as mulheres participavam do coro, e discute novamente questões de performance.
Assim, “The Greek Theatre and Festivals. Documentary Studies” é um livro que ousa em sua proposta e deseja revisar certezas para lançar novos desafios aos pesquisadores do teatro antigo. A leitura do livro é desafiadora e convida o leitor a pensar o teatro antigo por outro ângulo. Tal qualidade não é diferente e nem rara se olharmos para as outras contribuições de Peter Wilson, cujas obras se destacam sempre pelo enriquecimento aos estudos do teatro antigo em relação a dinâmicas de performance e a elementos cênicos na tragédia ou comédia. Entre os seus livros mais importantes está The Athenian Institution of the ‘Khoregia’: the Chorus, the City and the Stage (2000), além do trabalho de sociologia da música na pólis clássica, “Music and the Muses: the Culture of ‘Mousike’ in the Classical Athenian City”, editado conjuntamente com P. Murray . Mais recentemente, em 2008, Wilson editou com Martin Revermann o “Performance, Reception, Iconography: Studies in Honour of Oliver Taplin”. Os livros de Peter Wilson tornaram-se caminho obrigatório para quem deseja reatualizar as abordagens do teatro grego trabalhando com antiguidade e história cultural e atentando para evidências documentais utilizadas com menor frequência.
Referências
CUSSET, Christophe. La tragédie grecque. Paris: Éd. du Seuil, 1997.
VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Perspectiva, 1999.
Mateus Dagios – Mestre em História pela UFRGS com a dissertação “Neoptólemo entre a cicatriz e a chaga: lógos sofístico, peithó e areté na tragédia Filoctetes de Sófocles”. E-mail: mateusdagios@yahoo.com.br.
WILSON, Peter (Ed.). The Greek Theatre and Festivals. Documentary Studies. Oxford Studies in Ancient Documents. Oxford: Oxford University Press, 2007. Resenha de: DAGIOS, Mateus. Redescobrindo o Teatro de Dionísio: novas possibilidades para o teatro antigo. Aedos. Porto Alegre, v.5, n.12, p.279-283, jan. / jul., 2013. Acessar publicação original [DR]
Third World Protest: Between Home and the World | Rahul Rao
The opening scene of this fascinating book about human rights in the Global South, nationalism (‘home’) and cosmopolitanism (‘the world’) by Rahul Rao, Lecturer in Politics at SOAS, is central London in 2003. The author participates in a manifestation against the impending Iraq War, seen by many as an imperialist venture that will most certainly endanger Iraqi civilians. Yet he also professes to the “struck by the tacit alliance between a politically correct Western left, so ashamed of the crimes of Western imperialism that it found itself incapable of denouncing the actions of Third World regimes, and a hyper-defensive Third World mentality […].” After all, as British foreign policy makers pointed out, Saddam Hussein was guilty of the largest chemical weapons attack directed against a civilian-populated area in history, which took place in Halabaja in the late 1980s, at the end of the war against Iran.
Both sides may care about the fate of the Iraqi population. Yet, what sets the two groups apart, Rao remarks, is that they have identified different enemies: Communitarians and nationalists pointed to the international system as the main threat, while cosmopolitans point to the state, or, more specifically, to the often brutal ‘Third World state’. Leia Mais
The Druids: A Very Short Introduction | Barry Cunliffe
Quem teriam sido os druidas? A pergunta aparentemente simples tem provocado debates e polêmicas na historiografia contemporânea. Pode-se dizer que esses personagens cercados pelas brumas de antigos mistérios no imaginário popular continuam a despertar, em pleno século XXI, o fascínio e admiração de muitas pessoas.
O livro escrito por Barry Cunliffe, The Druids: A Very Short Introduction busca apresentar ao público e discutir algumas das principais questões envolvendo os múltiplos universos do “druidismo”, a partir de uma perspectiva conciliadora entre Arqueologia, História e Literatura. A obra faz parte de uma coleção da editora da Universidade de Oxford que busca disponibilizar para o público (acadêmico ou não) manuais introdutórios de temas clássicos e atuais escritos por especialistas através de abordagens inovadoras. Os livros que pertencem à série intitulada A Very Short Introduction se caracterizam por um preço acessível, um formato prático e leve (estilo pocket) e, sobretudo, uma linguagem de fácil entendimento. The Druids é o segundo livro publicado pelo autor nesta série, precedido por The Celts (2003). Cunliffe é professor Emérito da Universidade de Oxford onde ocupava a cadeira de titular de Arqueologia Europeia, além de manter vínculos variados com diversas instituições britânicas de pesquisa e de preservação do patrimônio histórico como o British Museum e o English Heritage, dentre outros. De suas obras mais recentes destacam-se: Facing the Ocean (2001), The Extraordinary Voyage of Pytheas the Greek (2001); The Celts: A very short introduction (2003), Europe Between the Oceans (2008) e Celtic from the West: Alternative Perspectives from Archaeology, Genetics, Language and Literature (2010), esta última editada junto com J. T. Koch.
Em The Druids, o autor traça um panorama histórico em relação à figura dos druidas, em um misto de construção e desconstrução. Explora desde os primeiros relatos históricos, que datam do séc. IV a.C. em língua grega, passando pelos textos latinos, os mitos e fragmentos de uma tradição oral antiga cristianizados na literatura vernácula galesa e irlandesa do séc. VIII-XI d.C., até as produções intelectuais mais recentes do séc. XVII e dos românticos dos séculos XVIII e XIX. Aliada a isso, encontra-se uma arqueologia das práticas religiosas a partir da cultura material encontrada na Gália e nas Ilhas Britânicas ao longo de aproximadamente cinco séculos antes da ocupação romana. Desta forma, é apresentada ao leitor uma análise das evidências arqueológicas ressaltando a vida intelectual e os sistemas de crenças dessas populações europeias ao longo da Idade do Ferro – tradicionalmente chamadas de celtas –, a partir de ritos mortuários, sacrifícios, calendários, santuários e estatuetas votivas dentre outros. O que se busca é propor uma reflexão conjunta, aliando os “druidas históricos” descritos nos textos gregos e latinos às evidências materiais de atividades rituais encontradas ao longo da Europa antiga, com textos medievais irlandeses e galeses que representam e evidenciam resquícios de algumas práticas culturais antigas compartilhadas.
Da Proto-História à Antiguidade clássica passando pelo Medievo, Cunliffe apresenta a seguir parte significativa dos movimentos intelectuais de redescoberta do passado a partir do séc. XVII. São destacados os trabalhos de autores tais como John Aubrey, George Buchanan, Aylett Sammes, Paul-Yves Pezron e alguns outros. Assim, o leitor passa a ser gradualmente apresentado ao contexto histórico das principais discussões intelectuais em regiões como a França (e, sobretudo, a Bretanha: região do noroeste francês), a Inglaterra, a Irlanda e a Escócia. O objetivo é mostrar ao leitor a partir de documentos da época (textuais e visuais) como parte considerável do imaginário atual associado aos druidas foi gradualmente construída de uma releitura dos textos clássicos.
A ideia de druidas detentores de mistérios mágicos, construtores de Stonehenge e praticantes de sacrifícios humanos em larga escala como no famoso “Wicker Man” [1], todos esses elementos são explorados por Cunliffe. O autor analisa esses estereótipos a partir de seus locais e contextos de produção, em um jogo de desconstrução de anacronismos que são, de certa forma, duplamente históricos: primeiro, por se proporem a representar sociedades históricas antigas, modelos de representação estes ainda presentes em larga escala no imaginário atual (cf. BIRKHAN, 2009); segundo, porque (por mais anacrônicos que sejam) esses olhares são, eles próprios, dotados de historicidade (cf. LEERSSEN, 1996).
Cunliffe explora a relação entre as artes, a literatura, o Romantismo e os nacionalismos na virada do XVIII, XIX e início do XX, mostrando partes importantes dos usos (políticos) do passado. Chega a apresentar e discutir também o surgimento de novas seitas, grupos neopagãos e ordens neodruídicas, como a United Ancient Order of Female Druids, fundada em 1876 como reflexo das novas dinâmicas de gêneros existentes no interior da sociedade Vitoriana e a Ancient Order of Druids, na qual Winston Churchill foi introduzido em 1908. Boa parte desses grupos existe ainda nos dias atuais, além de muitos outros mais recentes que surgiram nas últimas décadas e se espalharam pelo mundo inteiro – inclusive, no Brasil.
Ao longo desse livro e, sobretudo, em sua conclusão, Cunliffe deixa claro, no entanto, que “os Druidas foram um fenômeno do passado e que esses indivíduos que, desde o século XVII, vêm se denominando de tal forma não são capazes de reivindicar nenhum grau de continuidade com a antiga prática druídica” (CUNLIFFE, 2010: 131). Em outras palavras, as ordens neodruídicas do século XVIII ou dos dias atuais nada têm a ver com os druidas mencionados pelas fontes textuais da Antiguidade ou com os indivíduos que nos deixaram alguns vestígios materiais de atividades rituais realizadas ao longo da Idade do Ferro europeia. Não se tratam, portanto, de perpetuadores de uma tradição ininterrupta ancestral, mas, sim, de releituras sobre esse passado. Talvez este seja um dos maiores méritos da obra: permitir ao público entender, ainda que de forma indireta e não tão explícita, que o termo “druida” é um conceito histórico e plural, cuja acepção varia de acordo com a época. Postura semelhante, aliás, foi defendida pelo mesmo autor a respeito do conceito “celta” (cf. CUNLIFFE, 2003). De certa forma, The Druids: A Very Short Introduction se assemelha ao livro de Detienne (2008): ainda que possua uma estrutura, organização, linguagem, metodologia e propostas completamente distintas ambos permitem entender como partes de um passado antigo se tornam historicamente partes do nosso passado; como identidades são construídas a partir de [re]leituras da Antiguidade e estão enraizadas em nossas percepções e projeções culturais.
Do livro escrito por Cunliffe surge um retrato mais complexo em relação à figura dos antigos druidas e que vai além da representação historiográfica tradicional associada à figura exclusiva de sacerdotes religiosos. Se por um lado a documentação disponível nos dias atuais pode ser considerada lacunar e desafiadora sob vários aspectos, por outro o autor é capaz de relacionar o druidismo antigo com um conjunto maior de transformações sociais, religiosas, políticas e econômicas na região Atlântica da Europa, atestadas desde a metade do segundo milênio antes da era comum (CUNLIFFE, 2010: 134-5). Os druidas aparecem como indivíduos detentores de saberes, que vão desde o domínio da arte do cultivo, dos ciclos naturais e dos calendários lunares, até serem compositores de canções e poemas, intérpretes, adivinhos, professores, filósofos e intermediadores entre os homens e os deuses. Tratava-se muito mais, portanto, de uma elite intelectual que poderia acumular em si diferentes funções que, na Antiguidade, estavam interligadas (CUNLIFFE, 2010: 136).
Outras publicações acadêmicas também direcionadas à discussão da temática dos druidas entre os celtas antigos vêm sendo publicadas ao longo das últimas décadas. Dentre elas se destacam as de Guyonvarc’h e Le Roux (1986), Lonigan (1997), Ellis (2003), Ross (2004), Brunaux (2006), Hutton (2007) e Green (1997; 2010). Tratam-se de diferentes abordagens, com diferentes enfoques. A obra de Cunliffe, por sua vez, se apresenta em meio a esse debate maior como uma contribuição de enriquecimento, redigida de uma forma simples e acessível. Apesar de ser relativamente curta (não mais de 145 páginas), The Druids: A Very Short Introduction representa um livro original na medida em que aborda a figura dos druidas de uma maneira complexa e problematizada, ousando articular diferentes suportes de informação a partir de dados e questões atuais. Particularmente interessante é o modo como o autor é capaz de fazer dialogar evidências históricas que datam da metade do segundo ao primeiro milênios a.C. em uma zona Atlântica de contatos pré-históricos, a fim de mostrar a existência de contatos (religiosos, econômicos, sociais, culturais), trocas e circulações (de pessoas e de ideias) entre diferentes populações – uma característica marcante e recorrente em diversos outros trabalhos do autor.
Discutir o papel histórico dos druidas requer certa sensibilidade e cuidados, não apenas do ponto de vista histórico ou arqueológico, mas também social–contemporâneo. De certa forma, os “druidas” ainda vivem, mesmo sem possuírem quaisquer vínculos com as populações da Idade do Ferro, senão os desejados e sonhados. Parece certo pensar que se toda a tradição e identidade são, de alguma forma, inventadas (HOBSBAWM, RANGER, 2002; MEGAW & MEGAW, 1996: 180), The Druids: A Very Short Introduction, com seu formato modesto, é uma pequena, mas bela contribuição, como Megaw (2005: 66) se referiu ao livro publicado em 2003 pelo mesmo autor, ao entendimento de como os Druidas foram sendo inventados ao longo da História: desde a Antiguidade aos dias atuais.
Nota
1. “O homem de vime” é descrito por César (DBG,VI, 16) como sendo supostamente uma estrutura gigante feita de palha no formato de um homem, onde pessoas seriam aprisionadas e queimadas vivas, como parte de um ritual de sacrifício organizado pelos antigos druidas gauleses. Nenhuma outra referência semelhante é encontrada em nenhum texto antigo. A temática foi amplamente revisitada na modernidade. Na contemporaneidade, o ícone do “Homem de vime” se faz presente em produções cinematográficas de terror com os filmes “The Wicker Man” (1973 e 2006); em um single de 1999-2000 da banda britânica Iron Maiden e em festivais neopagãos.
Referências
Documentação antiga
CAESAR. C. J. The Gallic War. Trad: H. J. Edwards. Cambridge: Harvard University Press/Loeb Classical Library, 2004.
Instrumentais ou específicas
BIRKHAN, H. Por que nos encantamos tanto com os celtas e a ‘elfização’ do mundo?. In: TACLA, A. B.; TÔRRES, M. R. (et alii). Livro de Atas do III Simpósio Nacional e II Internacional de Estudos Celtas e Germânicos. São João Del Rei: UFSJ, 2009, p.15-36.
BRUNAUX, J.L. Les druides: des philosophes chez les Barbares. Seuil: Editions du Seuil, 2006.
CUNLIFFE, B. Europe Between the Oceans: themes and variations: 9000 BC to AD 1000. Yale: Yale University Press, 2008.
____________. Facing the Ocean: The Atlantic and Its Peoples 8000 BC-AD 1500. Oxford: OUP, 2001.
____________. The Celts: A very short introduction. Oxford: OUP, 2003.
____________. The Extraordinary Voyage of Pytheas the Greek. Oxford: OUP, 2001.
CUNLIFFE, B.; KOCH, J. (eds). Celtic from the West: Alternative Perspectives from Archaeology, Genetics, Language and Literature. Oxford: Oxbow Books, 2010.
DETIENNE, M. Os Gregos e Nós: Uma antropologia comparada da Grécia Antiga. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
ELLIS, P. B. A Brief History of the Druids. New York: Carroll & Graf, 2003.
GREEN, M. J. Caesar’s Druids. Yale: Yale University Press, 2010.
_________. Exploring the World of the Druids. London: Thames & Hudson, 1997.
GUYONVARC’H, C.; LE ROUX, F. Les Druides. Rennes: Ouest-France,1986.
HOBSBAWM, E; RANGER, T. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
HUTTON, R. The Druids. London: Hambledon Continuum, 2007.
LEERSSEN, Joep. Celticism. In: BROWN, T. Celticism. Amsterdan-Atlanta: Rodopi, 1996, p. 3-20.
LONIGAN, P. R. The Druids: Priests of the Ancient Celts. Westport: Greenwood Press, 1997.
MEGAW, J. V. S. The European Iron Age with – and without – Celts: a bibliographical essay. European Journal of Archaeology, 2005, Vol. 8 (1): 65-78.
MEGAW, J. V. S.; MEGAW, M. R. Ancient Celts and modern ethnicity. Antiquity, 70, 1996: 175-181.
ROSS, A. Druids: Preachers of Immortality. Gloucestershire: Tempus, 2004.
Pedro Vieira da Silva Peixoto – Universidade Federal Fluminense. Mestrando do PPGH-UFF. Bolsista do CNPq. Professor-tutor UNIRIO-CEDERJ. E-mail: ito_pedro@hotmail.com
CUNLIFFE, Barry. The Druids: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2010. (vol. 232 de Very Short Introductions series). Resenha de: PEIXOTO, Pedro Vieira da Silva. Os Druidas: um passado presente. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.12, n.2, p. 118-122, 2012. Acessar publicação original [DR]
Autos and Progress: The Brasilian Search for Modernity – WOLFE (RTF)
WOLFE, Joel. Autos and Progress: The Brasilian Search for Modernity. New York: Oxford University Press, 2010, 269 p. Resenha de: FRANCO, Gilmara Yoshihara. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 5, n. 2, jul.-dez., 2012.
Os resultados da pesquisa que Joel Wolfe, professor da University of Massa-chusetts, apresenta no seu mais recente livro, Autos and Progress: The Brasilian Search for Modernity demonstram a análise de um objeto ainda pouco estudado no Brasil: os carros. A originalidade da narrativa é o fato de que ela se debruça sobre a análise do pro-cesso de modernização brasileira através de um produto de consumo. Nesse sentido, o autor vai na contramão dos estudos que partiram do café como sendo a grande fonte geradora de riqueza e que deu início à modernização no Brasil, focando o carro- e não o café- como elemento propulsor da modernização no país. Ao longo do texto, Wolfe traça um panorama da relação que os brasileiros desenvolveram com o universo automobilístico no decorrer do século XX e os significados dessa relação para a modernização do país.
A intenção de Wolfe é demonstrar que, embora tenham surgido como verdadeira “panaceia”, causando inclusive espanto e curiosidade logo que desembarcaram no Brasil, no início do século passado, os carros propiciaram a formação de uma rede de comunicação, ligando as maiores cidades do país, situadas em sua grande maioria próximas ao litoral, ao interior tido como “incivilizado”, ou seja: a opção pelo carro como meio de transporte implementou um grandioso sistema de estradas de rodagem e contribuiu para conectar os grandes centros urbanos com áreas que, em geral, eram de difícil acesso e que não dispunham de um meio de transporte rápido e eficaz como as ferrovias
O argumento central de Wolfe é de que a chegada dos carros, a instalação de fábricas de automóveis no Brasil, a adoção do sistema de transporte rodoviário em detrimento ao ferroviário e, posteriormente, a criação de novos postos de trabalho que consolidaram uma categoria bem remunerada e socialmente atuante, ligada ao auto-mobilismo, propiciaram debates sobre a necessidade de unificar fisicamente a nação e imprimiu um novo caminho ao processo de modernização no Brasil ao longo do último século.
Embora o início do texto careça de uma análise mais profunda acerca das questões políticas presentes na virada no século XIX para XX, momento de implementa-ção da República no Brasil, em que os republicanos projetavam alternativas para o sistema de transportes do país, o autor faz uma caracterização bastante interessante da atmosfera urbana nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo quando da chegada dos primeiros automóveis em solo brasileiro. No primeiro capítulo aponta, por exemplo, a chegada do primeiro automóvel ao Brasil, importado por Alberto Santos Dumont e o impacto que a novidade causou na população que olhou deslumbrada para aquela nova tecnologia.
Os carros eram, naquele momento, objeto de luxo, importados por membros da elite que amealhou fortuna com o plantio de café e com a nascente indústria. Se inicialmente causaram espanto na população, logo deixaram de ser “exóticos” e passaram a compor a paisagem urbana, assinala o autor.
A divulgação do produto que era o sonho de consumo da elite, ainda nas primeiras décadas do século XX, ocasionou o surgimento de revistas como a Auto-Propulsão, Auto-Sport, Revista de Automóveis. A badalada revista Fon-Fon! também noti-ciava, costumeiramente, matérias sobre o estilo moderno que os carros inspiravam ao desfilar pela ruas de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Entre os mais destaca-dos escritores, como João do Rio e Olavo Bilac, a adesão àquele produto que simbolizava a modernidade foi inconteste.
De acordo, ainda, com Joel Wolfe, essas novas tecnologias moldaram não apenas o imaginário brasileiro, mas ampliou a possibilidade de comunicação entre as mais distantes regiões. Automobilismo tornou-se muito mais do que um interesse em carros e condução, tornou-se também um conjunto de ideias sobre o futuro do Brasil.
Além de um novo segmento de mídia, ao longo das décadas de 1910 e 1920, o aumento crescente de automóveis, especialmente o Ford T, mobilizou proprietários para formação de associações como o Automóvel Clube do Brasil, propiciou o surgi-mento de novos personagens no mercado de trabalho como mecânicos e chauferes, impulsionou a extração de matéria prima como o látex, da região norte do Brasil, utiliza-do na fabricação de componentes dos carros, como a fabricação de pneus. Em pouco tempo, o mercado brasileiro chamou a atenção de montadoras como a Ford.
Todavia, o processo de consolidação do carro como meio efetivo de transporte não foi necessariamente fácil. Joel Wolfe destaca a situação do sistema viário brasileiro do início do século XX e nota que a maioria das estradas remontava ao tempo das antigas Entradas. Em outras palavras, segundo o autor, para consolidar o automóvel como ferramenta de comunicação e transporte seria necessário implementar um siste-ma viário que desse o suporte para o tráfego de carros.
Analisando a construção das primeiras estradas de rodagem, Wolfe se centra menos nas atitudes políticas e atém-se mais detidamente nas ações realizadas pelos entusiastas e negociantes que apostavam no carro como uma alternativa para o sistema de transporte e para a integração da nação. A crença, segundo Wolfe, era que “a unificação nacional poderia, não só impulsionar o desenvolvimento econômico aumentando significativamente o mercado interno, mas também diminuir a probabilidade de um conflito entre comunidades rurais e urbanas” (p. 34/35).
Os dois primeiros capítulos demonstram que a tarefa de promover o debate pa-ra difundir o uso dos carros mobilizou a ação de membros dos Automóveis Clubes, sediados nas principais capitais do Brasil. Essas associações promoveram exposições de carros, inicialmente em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre e, posteriormente, em outras regiões do país. A propaganda automobilística era destaque também em face da realização de incursões e disputas entre motoristas que se aventuravam, desbravando caminhos que, posteriormente, tornaram-se estradas conhecidas, como a Rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. Esses raids eram amplamente noticiados pela imprensa e os leitores que acompanhavam as aventuras pelos jornais acabavam sendo conquistados pela magia provocada pelo “ronco” dos motores.
A instalação da primeira linha de montagem da Ford no Brasil, ainda na década de 1920, e o uso cada vez mais comum dos caminhões para o transporte de cargas e mercadorias contribuíram para transformar a imagem do carro de objeto de luxo para meio de transporte, assinala o autor. Ele nota ainda que o crescente entusiasmo dos brasileiros com a instalação de um sistema viário, capaz de ligar as mais diversas regi-ões do país, acabou se traduzindo no slogan “governar é construir estradas”, utilizado pelo candidato a presidente da República, Washington Luís, eleito em 1926.
Para Wolfe, gradativamente os brasileiros adotaram aspectos do fordismo e do americanismo, ressignificando-os ao sabor de suas intenções. “Abraçar essas ideias foi parte e parcela do projeto modernista de construção da nação. Brasileiros pegaram os componentes da cultura do Fordismo e Americanismo que eles acreditavam que melhor servia para suas necessidades” (p. 59).
Tais ideias também se traduziram na iniciativa feita por Henri Ford, a partir de concessão do governo do Pará na década de 1920. Com objetivo de extrair látex para fabricação de borracha, Ford criou a cidade de Fordilândia e, posteriormente, Belterra, estabelecendo no cotidiano dessas localidades os princípios fordistas. Embora as cida-des não tenham prosperado, o texto nos permite inferir que a iniciativa de sua criação demonstra o fascínio que a modernidade, representada por esses conceitos, exercia sobre a elite brasileira.
Do quarto capítulo em diante, Wolfe se concentra na ação empreendida pelo governo federal para tornar o sistema de transporte brasileiro viável e analisa os desdobramentos sociopolíticos e econômicos desse processo. Nesse aspecto, destaca o papel desempenhado por Getúlio Vargas, qualificando-o como um político modernista, observando que Vargas “sempre manteve o foco na unificação do Brasil e fomentou um amplo senso de nacionalismo” (p.91). Naquele contexto, a chamada Marcha para Oeste, que tinha como objetivo “ocupar” as regiões interiores do Brasil, era também uma fon-te para a ampliação do uso dos carros e aumento de estradas para conectar o país.
Dentre as ações realizadas ao longo da chamada Era Vargas, com a finalidade de expandir o sistema de transportes, o autor enumera: 1) a criação de setores específicos para cuidar da questão viária brasileira, como o Departamento Nacional de Estra-da de Rodagem, em 1937; 2) o incentivo ao turismo interno através das novas estra-das, com a divulgação de hotéis, restaurantes e guias de viagem. Com essa ação, o autor destaca a intenção do governo Vargas em valorizar cidades históricas como Ou-ro Preto, que a tornou “monumento nacional” em 1933, com a finalidade de chamar a atenção dos mais abastados para opções de férias dentro do Brasil; 3) o fomento de atividades esportivas como o futebol e, em especial, as corridas de carros que mobilizavam a imprensa e angariavam mais adeptos para o universo automobilístico; 4) a aprovação do Código Nacional de Trânsito, em 1941, o qual, em virtude do aumento da frota brasileira e dos acidentes que desde os primeiros tempos produziam vítimas por todo o país, regulamentava o tráfego colocando fim ao vazio legal que, nesse as-pecto, ainda existia em muitas localidades.
Joel Wolfe aponta também que durante o governo Vargas a indústria automobilística brasileira alçou um novo patamar, especialmente quando Brasil entrou na Se-gunda Guerra Mundial ao lado dos Estados Unidos. Segundo o autor, as criações da Fábrica Nacional de Motores e da Companhia Siderúrgica Nacional possibilitaram instituir as bases para a ampliação do parque industrial brasileiro. Naquele ambiente, iniciaram-se também os debates acerca da necessidade de buscar reservas nacionais de petróleo que pudessem suprir o mercado interno.
A produção de aço pela Companhia Siderúrgica Nacional satisfazia a demanda interna por essa matéria prima e ainda propiciava as bases para uma futura ampliação do parque industrial brasileiro. O autor assinala ainda que a forma como o governo federal organizou as condições de vida dos trabalhadores, fornecendo-lhes moradias subsidiadas, serviços de saúde, lazer e escolas públicas de qualidade, retomava os conceitos sociais do fordismo aplicados anteriormente em Fordilândia e Belterra.
Para Wolfe, embora não tenham conseguido atingir o objetivo inicial, todas as ações implementadas no governo de Getúlio Vargas denotam aspectos de uma política de unificação nacional que tinha como um dos pontos centrais a utilização de um sis-tema que comunicação que se apoiava na indústria automotiva.
Em seguida, o texto percorre os anos do governo Juscelino Kubitschek. Para Wolfe, nesse período, o automobilismo continuou sendo uma alavanca para o progresso. De acordo com as palavras do autor: em seus cinco anos de mandato (1956-1961), Kubitschek supervisionou a criação de uma indústria automobilística nacional através da entrada ampla de investimento estrangeiro, a construção de estradas que ligavam regiões distantes e a construção de Brasília (…) (p. 113).
Nesse processo, o autor considera que instalação de montadoras como a Willys-Overland do Brasil e, posteriormente, Ford e Chevrolet, contribuiu para ampliar e consolidar um segmento de trabalhadores que, graças às condições oferecidas pelos postos nessas fábricas, puderam ascender socialmente – seja comprando seus próprios carros e/ou financiando suas casas – ter acesso à educação formal, necessária para manusear máquinas e realizar outros tipos de trabalhos que esse segmento da indústria exigia. Para muitos desses trabalhadores, que migraram especialmente da região Nordeste para São Paulo, onde se concentravam algumas dessas montadoras, a conquista dos benefícios advindos de seus postos de trabalho, favoreceu e estimulou o desenvolvimento de suas cidadanias.
Para Wolfe, a política de JK tinha, finalmente, conseguiu aliar “ordem e progresso”. A mudança da capital para Brasília, a construção de novas estradas, a ampliação de parque industrial brasileiro e o aumento dos postos de trabalhos eram o sinal claro de um processo de modernização apoiado na indústria automobilística. Todavia, o autor não considera que, junto com o progresso, a carroceria dos “caminhões” trans-portava também auto custo para a economia brasileira que representou o projeto desenvolvimentista implementado por Kubitschek.
Na última parte do livro, Joel Wolfe traça a complexa relação entre a opção pelo sistema de integração nacional através dos automóveis e a realidade sociopolítica e econômica do Brasil de meados da década de 1960 até o fim da ditadura militar em 1985.
Para o autor, a atmosfera de otimismo, a crença de que os automóveis constituíam um símbolo de modernidade e que poderiam impulsionar o crescimento nacional contrastam com o cenário que se instalou no Brasil a partir da eleição de Jânio Quadros. Para tanto, ele analisa como foi contraditória e complexa a relação entre carros e progresso, apontando as conquistas e as consequências resultantes do caminho que a sociedade brasileira escolheu para a modernização.
A complexidade dessa relação pode ser visualizada, de modo bastante claro, durante o governo militar (1964 – 1985). Naquele período, o governo deu uma nova roupagem ao desenvolvimentismo dos anos JK e investiu na ampliação da infraestrutura nacional como forma de solução para os problemas internos. Nesse sentido, Wol-fe analisa que uma das apostas dos militares foi a ampliação da malha viária brasileira. O principal investimento se traduziu na construção da Transamazônica. Aliado aos trabalhos da abertura dessa rodovia, o governo militar também criou assentamentos rurais através do Programa de Integração Nacional (PIN) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), visando: 1) ocupar os “espaços vazios” da região norte; 2) reduzir o drama social provocado pela seca do Nordeste e, de quebra, aumentar a produção interna de alimentos; 3) mitigar os índices de inflação que incomodava a classe média nos grandes centros; 4) diminuir a migração para cidades de grande porte e, consequentemente, o aumento da favelização nos espaços urbanos e; 5) afastar a ameaça de agitações por parte dos trabalhadores sem terra.
As medidas adotadas pelo militares, segundo Wolfe, embora tenham ampliado a malha viária brasileira, não trouxeram os benefícios sociais inicialmente imaginados pelo staff do regime. Ao contrário, a falta de compreensão da realidade social brasileira por parte dos tecnocratas militares agravou o crescente fluxo de migração para as grandes cidades e gerou consequência, tais como: crescimento desordenado dos espaços urbanos; maior dependência de carros de passeio, ônibus e caminhões; proletarização social, aumento dos números de acidente de trânsito, desemprego e crescimento dos índices de criminalidade.
O autor analisa também as mudanças da conjuntura social e econômica verificadas tanto em âmbito mundial como no cenário nacional, a partir da década de 1970. As consequências da crescente globalização da economia e da crise do petróleo em 1973, por exemplo, impuseram novas posturas à indústria automotiva. Enquanto esse segmento buscava modernizar a produção e ampliar mercados, no Brasil testava-se o álcool como solução para uma eventual escassez de combustíveis. De outro lado, o endurecimento do regime e o agravamento das condições de vida dos trabalhadores fomentavam greves do setor automotivo; manifestações que pediam a volta da democracia e contestavam o status quo da política nacional. Aquele cenário turbulento culminou com o surgimento do PT – Partido dos Trabalhadores, cuja base era composta, em sua maioria, por trabalhadores vinculados ao setor automotivo.
Naquele período, além de se ocuparem com os problemas internos, com o pro-cesso não menos tumultuado de Abertura política, que culminou com a eleição do metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva para presidente do Brasil, as páginas de jornal e os noticiários de televisão divulgavam a atuação de esportistas como Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Airton Senna que contribuíam para, ao cabo de cada corrida, aumentar a paixão dos brasileiros pelos carros.
Por fim, conclui Joel Wolfe, os resultados da opção pela integração nacional através dos carros e a busca do Brasil pela modernidade, não foram “nem um triunfo total nem uma perfeita tragédia”. Ao contrário, foi um esforço, uma busca para fazer dos muitos brasis uma “única” e moderna nação.
O livro de Joel Wolfe é significativamente original. Indispensável para pensar o Brasil do século XX; nossas concepções de modernidade e os caminhos que trilhamos para atingi-la.
Gilmara Yoshihara Franco – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”/FRANCA Correspondência: Programa de Pós-Graduação em História Av. Eufrásia Monteiro Petraglia, 900 – Jd. Antonio Petraglia – CEP: 14409-160 Franca/SP E-mail: gilmara_franco@yahoo.com.br.
The Nation and its Ruins: Antiquity, Archaeology, and National Imagination in Greece / Yannis Hamilakis
Eu vos saúdo, ruínas solitárias, túmulos santos, muros silenciosos! É a vós que invoco; é a vós que dirijo minhas preces. Sim! Enquanto vossa aparência afasta com pavor secreto os olhares do vulgo, meu coração encontra, ao vos contemplar, o encanto de sentimentos profundos e altos pensamentos. Quantas úteis lições, reflexões tocantes ou fortes não ofereceis ao espírito que sabe vos interrogar! (Volney, Les ruines, ou Méditations sur les révolutions des empires, 1791)
Volney, no famoso livro Les ruines, ou Méditations sur les révolutions des empires, mostra-nos seu fascínio pela imagem das ruínas. Para este historiador e filósofo francês, as ruínas significam os escombros de um mundo que não existe mais; são testemunhas mudas de um passado, esfinges que merecem a atenção do presente e que nos lembram do caráter efêmero de nossas conquistas.
As ruínas, principalmente as gregas, serviram de diferentes formas para representações na modernidade, foram inspiração para a arquitetura no período pós Revolução Francesa e tema para poetas românticos. Consciente desse poder estético das ruínas e preocupado com a identidade nacional da Grécia moderna, o autor grego Yannis Hamilakis escreveu seu livro The Nation and its Ruins: Antiquity, Archaeology, and National Imagination in Greece, publicado em 2007 pela Oxford University Press, ganhador do Edmund Keeley Book Prize, da Modern Greek Studies Association.
O livro é dividido em oito capítulos, nos quais Hamilakis estuda as relações entre Antigüidade clássica e imaginário nacional. O autor levanta uma série de questões que se interligam para formar a problemática da pesquisa: Por que o imaginário nacional precisa de vestígios do passado? Como esses vestígios se interligam no processo de formação imaginária de uma nação? Como a antigüidade pode contribuir para a formação do topos imaginário de uma nação? Como a arqueologia, um dispositivo da modernidade ocidental, auxilia na produção da materialidade de uma nação?
As perguntas ambiciosas que formam a problemática de Hamilakis se enquadram naquilo que François Hartog e Jacques Revel chamaram de “les usages politiques du passé.” Uma das maneiras de fazer uso político da história é a deformação da mesma por motivos nacionalistas, ou seja, a necessidade de formar uma imagem da nação coesa faz com que se excluam certos fatos e acontecimentos para favorecer a idéia de nação (Hartog; Revel, 2001: 08). O uso da história é tão importante para uma nação que Hobsbawm afirma que “nações sem um passado são uma contradição nos termos. O que faz uma nação é o passado, o que justifica uma nação contra outras é o passado, e os historiadores são as pessoas que o produzem.” (Hobsbawm, 1992: 03)
De acordo com Anne-Marie Thiesse (2001/02), existem elementos que permeiam um discurso nacionalista e podem ajudar a sustentar uma pseudo-unidade nacional como a idéia de ancestrais fundadores, uma história que tenha continuidade através de vicissitudes, podendo formar a saga de um povo, uma galeria de heróis que povoam essa história, uma língua e lugares de memória. No caso do livro The Nation and its Ruins, também são elementos importantes a paisagem e os monumentos culturais. No caso da nação grega, nada mais emblemático do que as ruínas arqueológicas como as do Parthenon ou a Acrópoles de Atenas.
O título do primeiro capitulo, “Memories cast in marble: introduction” (pp. 1-33), é uma referência ao clássico de David Sutton, Memories Cast in Stone: The Relevance of the Past in Everyday Life. Hamilakis começa a sua análise refletindo sobre os ícones referentes à Antigüidade presentes na abertura dos Jogos Olímpicos de Atenas no ano de 2004. Para o autor a abertura dos Jogos Olímpicos colocou em evidência para toda a comunidade internacional os símbolos do imaginário da nação grega, especialmente as ruínas arqueológicas da Antigüidade. Utilizando fotografias do evento, o autor nos mostra que reproduções vivas das ruínas, animadas por atores, desfilaram como emblemas nacionais gregos. O uso das ruínas também é comum como recurso da publicidade de empresas tanto nacionais como multinacionais. O autor discute também os avanços da relação entre a questão do nacional e a arqueologia, colocando as bases teóricas para seu livro na leitura das idéias de Eric Hobsbawm, Benedict Anderson, Ernest Gellner e arqueólogos como Nadia Abu El-Haj:
Neste estudo, valho-me de escritos que vêem o nacionalismo como um sistema cultural, uma ideologia e uma ontologia, como um conjunto de idéias que define o ser-no-mundo das pessoas, organiza a sua existência social corporal, a sua imaginação e mesmo os seus sonhos sociais (cf. Kapferer 1988, 1989; Anderson 1991[1983]; Herzfeld 1992; Gourgouris 1996). Eu vejo o nacionalismo como um quadro de referência organizatório, sempre em processo de construção de si mesmo, do seu objeto (a nação) e dos seus agentes sociais. As suas raízes históricas estão bem documentadas (cf. Gellner 1983; Hobsbawm 1992) e as suas ligações com as tecnologias da modernidade como a tipografia, o mapa, o censo e o museu, bem expostas (cf. Anderson 1991[1983]). A conhecida frase de Anderson sobre a nação como uma comunidade imaginada está agora nos lábios de todos, embora raramente haja qualquer reflexão sobre o que esta afirmação acarreta. (Pg. 15)
Depois de assim estabelecer as suas bases conceituais, no segundo capitulo, “The ‘Soldiers’, the ‘Priests’, and the ‘Hospitals for Contagious Diseases’: the Producers of Archaeological Matter-realities” (pg. 35-56), Hamilakis dedica-se a uma discussão crítica sobre as estruturas e as políticas das produções arqueológicas na Grécia, enfocando os órgãos oficiais que desenvolvem as principais escavações, sendo os principais o State Archaeological Service e o Athens Archaeological Society. Hamilakis defende a idéia de que a arqueologia em solo grego está ligada a uma idéia de “missão nacional”, colocando os museus dedicados à Antigüidade como templos nacionais de uma cultura que às vezes se associa à confusa idéia de uma idade de ouro.
Assim o autor desenvolve uma teoria da arqueologia grega, colocando-a em um cenário religioso, realizada dentro da religião secular da nação, ou seja, a Antigüidade. Os arqueólogos, na interpretação de Hamilakis, atuam como sacerdotes dessa religião, sendo mediadores entre o passado e o presente, enquanto as ruínas ou os monumentos são os seus ícones. A importância da arqueologia como religião secular da nação é atribuída ao seu papel como um provedor de argumentos para a defesa do que é considerado nacional.
No terceiro capítulo, “From Western to Indigenous Hellenism: Antiquity, Archaeology, and the Invention of Modern Greece” (pg. 57-123), há um exame genealógico de como surgiram as estreitas relações entre as antigüidades e a imaginação nacional helênica no século XIX. Hamilakis sustenta que antes da consolidação da idéia de nação, as antigüidades eram vistas pela maioria dos gregos como feitos admiráveis do passado, porém alheios a eles. Ao final do período, contudo, elas haviam tornado-se um recurso simbólico chave da imaginação nacional, essencial à construção do novo Estado-nação grego após a guerra da Ásia Menor. O autor também defende que a Antigüidade, apesar de ter seu uso e significado fomentados pela concepção ocidental do helenismo, foi reformulada por intelectuais gregos em uma nova síntese local, chamada por ele de “helenismo nativo” (Indigenous Hellenism), que envolvia a reabilitação de Bizâncio e o estabelecimento de uma continuidade histórica nacional, além da fusão do nacionalismo com a Ortodoxia Grega.
O capítulo seguinte (“The Archaeologist as Shaman: the Sensory National Archaeology of Manolis Andronikos” pp. 126-167) trata de Manolis Andronikos (1919-1992), considerado o arqueólogo nacional por excelência na Grécia, elevado ao status de grande “xamã” da nação. Andronikos defendia uma praxis arqueológica que enfatizava a ligação emocional com o passado e as propriedades sensoriais e mnemônicas dos artefatos e sítios arqueológicos. A sua filosofia combinava a modernidade da narrativa arqueológica nacional com as visões “pré-modernas” de encontros corpóreos com os ancestrais mortos, os quais eram vistos como tendo uma ligação genealógica direta com as pessoas de hoje. Para o autor, Andronikos é a expressão arqueológica do Helenismo nativo que constrói uma modernidade seletiva, muito diferente de algumas formas da modernidade ocidental.
Em “Spartan Visions: Antiquity and the Metaxas Dictatorship” (pp. 169-204), o autor examina os papéis e significados da Antigüidade durante a ditadura de Metaxas (1936-1941). Nela, buscou-se estabelecer uma nova narrativa nacional, aspirando a uma sociedade utópica chamada “A Terceira Civilização Helênica”, sendo a primeira a Antigüidade clássica e Bizâncio a segunda. Esta narrativa idealizava a Esparta clássica devido aos seus supostos militarismo e austeridade social. Algumas novidades introduzidas no período persistem até a atualidade, como o uso ideológico da antigüidade como ferramenta educacional e as evocações cerimoniais e performáticas do passado e da sua materialidade.
O sexto capítulo, “The Other Parthenon: Antiquity and National Memory at the Concentration Camp” (pp. 205-241), trata dos campos de concentração estabelecidos pelo governo na ilha de Makronisos, conhecida como o “Novo Parthenon”, para onde foram enviados os soldados e cidadãos de esquerda durante a Guerra Civil Grega, com o propósito de reabilitá-los pela doutrinação ideológica. A Antigüidade clássica era usada nessa doutrinação, havendo tentativas de convencer os presos de que o seu destino como descendentes dos gregos antigos era incompatível com ideologias “estrangeiras” como o comunismo. Os presos “redimidos” eram encorajados a construir réplicas de monumentos clássicos como o Parthenon, encenar peças e compor poesia evocando a Antigüidade clássica. O autor contrapõe esta tentativa com as memórias dos presos, que expõem a brutalidade do “experimento”, mas também invocam a Antigüidade clássica – ambos os lados retiram das ruínas o que lhes convêm ideologicamente. Hamilakis sustenta que uma vez estabelecido o mapa mítico nacional, ele se torna o quadro aceito, dotado de suprema autoridade moral, dentro do qual todos os nacionais operam, apesar das suas divergências.
No sétimo capítulo, “Nostalgia for the Whole: the Parthenon (or Elgin) Marbles” (pp. 243-286), a questão dos mármores do Parthenon, atualmente no Museu Britânico de Londres, é analisada tendo em vista superar algumas idéias sobre a restituição cultural e discutir a produção e reprodução da imaginação nacional, as ligações entre os nacionalismos e o colonialismo e as noções de alienabilidade e inalienabilidade.1 O autor sustenta que atualmente os mármores são como os membros exilados e aprisionados do corpo nacional e personificam um elemento chave para a imaginação nacional: a nostalgia pela totalidade. Os mármores são como uma manifestação material do desmembramento e da fragmentação, processos que ameaçam a completude do nacional, cujo discurso baseia-se na unidade e na coesão.
Por fim, no oitavo e último capítulo, “The Nation in Ruins? Conclusions” (pp. 287-301), o autor resume e reitera as questões discutidas previamente sobre as relações entre as antigüidades e a imaginação nacional. Então, Hamilakis parte para uma análise sobre as perspectivas futuras da nação, debate em que freqüentemente se prevê um enfraquecimento ou mesmo fim da nação em conseqüência do fenômeno da globalização. O autor, ao contrário, acredita que esta possa levar ao fortalecimento da nação, pois a incerteza gerada requer a ilusão de permanência e o sentimento de enraizamento proporcionados pela idéia de nação e singularmente presentes na materialidade das ruínas incorporadas à imaginação nacional.
O livro de Hamilakis é uma importante contribuição para os estudos de recepção e apropriação da Antigüidade, da arqueologia e das suas utilizações, assim como para os estudos sobre os usos políticos do passado e sobre a nação, o nacionalismo e a identidade nacional. Por lidar com o caso específico da Grécia moderna de forma tão profunda e variada, The Nation and Its Ruins é esclarecedor para a discussão sobre a construção da nação e dos seus símbolos e sobre os papéis e significados do passado no imaginário nacional. As ruínas acabaram sendo protagonistas na construção da identidade nacional grega – como Volney, permanecemos deslumbrados diante desses restos de pedra.
Referências
HARTOG, François; REVEL, Jacques (Orgs.). Les usages politiques du passé. Paris: Éditions de l’EHESS, 2001.
HOBSBAWM, Eric. Ethnicity and Nationalism in Europe Today. In: Anthropology Today, v.8, n. 1, Feb. 1992
THIESSE, Anne-Marie. Ficções criadoras: as identidades nacionais. In: Anos 90. Porto Alegre: UFRGS, n. 15, 2001/2002.
VOLNEY, Constantin-François. Les ruines, ou Méditations sur les révolutions des empires. Paris: Bossanges Frères, 1821 [1791].
Notas
1 Os conceitos de “alienabilidade” e “inalienabilidade” são construídos em torno do caso do Friso do Párthenon, atualmente pertencente ao British Museum e reivindicado pela Grécia, com constantes protestos e processos internacionais. Hamilakis discute como certos artefatos arqueológicos ganham conotação de alienabilidade, dentro da idéia de trocas simbólicas de Pierre Bourdieu, assumindo valores nacionais e econômicos (Hamilakis, p. 275). Tanto a Alienabilidade e Inalienabilidade estão em uma “symbolic arena” (p. 274), em que são disputados na construção de sentidos nacionais. Tais sentidos não são dados, mas processos de significações.
Mateus Dagios – Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGHIS/UFRGS).
HAMILAKIS, Yannis. The Nation and its Ruins: Antiquity, Archaeology, and National Imagination in Greece. (Classical Presences). Oxford University Press, 2007. 352p. Reeditado em 2009. Resenha de: DAGIOS, Mateus. As ruínas e a modernidade. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.20, p.183-188, jan./jul., 2012. Acessar publicação original. [IF].
Hiroshima – The Word’s Bomb – ROTTER (LH)
ROTTER, Andrew J. Hiroshima – The Word’s Bomb. Nova Iorque: Oxford University Press, 2008. 371 pp. Resenha de: PINTO, André. Ler História, n.62, p.210-215, 2012.
1 O livro Hiroshima – The world’s bomb de Andrew J. Rotter descreve, sob várias perspetivas, um dos incidentes mais marcantes do século XX. O alcance das bombas atómicas lançadas sobre o Japão deu a conhecer ao mundo uma arma com um poder destrutivo de tal ordem que Estados em guerra se poderiam destruir mutuamente em segundos. A ameaça atómica esteve no centro de um dos conflitos mais longos do século XX – a Guerra Fria – e está, ainda hoje, no centro de vários conflitos entre potências regionais. É então uma obra relevante para a coleção Making of the Modern World, da Oxford University Press. O objetivo desta coleção é juntar narrativas de momentos chave na história do século XX, explorando o seu significado para o desenvolvimento do mundo moderno.
2 Andrew J. Rotter, professor de História na Colgate University e Presidente da Society for Historians of American Foreign Relations, apresenta a tese principal da obra no seu subtítulo. Rotter tenta concretizar dois objetivos: o primeiro é mostrar a relevância da bomba atómica para a construção do mundo moderno – o objetivo da coleção onde está inserido; o segundo é globalizar o advento do lançamento da bomba atómica, tanto na sua produção, como na sua evolução no pós-guerra. No entanto, Rotter inclui mais uma análise globalizante na sua narrativa.
3 Uma tese secundária é a do declínio da moral dos bombardeamentos feitos pelos vários países envolvidos na II Guerra Mundial, culminando no lançamento da bomba atómica pelos Estados Unidos. Rotter descreve como, de ambos os lados da contenda, a ofensiva superou a filosofia de ataques a alvos militares e a moral associada ao ataque a populações civis foi esquecida, suplantada por objetivos quantitativos e pela falta de exatidão das armas utilizadas. Esta tese, tal como a anterior, é bastante clara na narrativa de Rotter.
4 No entanto existem mais dois pontos de interesse na construção da obra. O primeiro ponto de interesse é o relevo dado à assumption theory, segundo a qual a bomba, a partir do momento em que a decisão do seu fabrico foi tomada, seria sempre utilizada. Rotter não subvaloriza nenhuma das razões da bibliografia tradicional – militares, diplomáticas e culturais – no entanto, dá enfoque a uma razão burocrática, mostrando como o decisor último, o presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, foi confrontado com uma decisão de Roosevelt à qual vai apenas dar continuidade. O segundo ponto pode ser representado pela dicotomia entre «guerra justa» e «justiça na guerra». Esta dicotomia tem interesse na narrativa, pois Rotter coloca-a na experiência do homem da ciência, traçando o caminho da ação científica desde a sua tradição universalista pré-guerra, até ao serviço do estado-nação característico da II Guerra Mundial. Este quarto ponto conclui a divisão da obra em quatro vetores analíticos, horizontais a toda a obra.
5 Na narrativa podem ser identificados os pontos de vista militar, diplomático, político, científico, tecnológico e cultural. Como qualquer obra abrangente, este livro não satisfará por completo o especialista de cada um dos campos, mas sim um público geral que se interesse pela matéria, objetivo da coleção onde a obra é incluída. A narrativa está organizada em oito capítulos, cada um composto por vários subcapítulos.
6 No primeiro capítulo o autor descreve a «república científica» transnacional do pré-guerra e desenvolve o tema da ética científica associada ao possível poder destruidor dos avanços científicos. Para ilustrar este desenvolvimento, Rotter recorre ao exemplo da utilização do gás como arma na I Guerra Mundial, fazendo a ponte com a moral militar na utilização de armas insidiosas, traçando um paralelo entre o gás e a radiação.
7 O segundo capítulo é dedicado ao Reino Unido. Aqui é apresentado o laboratório de Cavendish como instituição-mãe da bomba atómica. Sob a orientação de Rutherford, cientistas de vários países desenvolvem a parte teórica que permitirá a construção da bomba. Rotter fomenta a globalidade da origem científica da bomba descrevendo as nacionalidades dos vários intervenientes e apresenta as motivações científicas por detrás do trabalho desenvolvido – o poder bélico, o poder dissuasor e o avanço científico em si, com todas as utilizações possíveis.
8 No terceiro capítulo, dedicado à Alemanha e ao Japão, Rotter define os pontos chave no sucesso da construção da bomba. O acesso à matéria-prima – urânio e rádio –, a liberdade de produção científica interdisciplinar e a coordenação dos vários projetos multidisciplinares. Descrevendo os falhanços da Alemanha e Japão nestes fatores-chave, Rotter deixa a narrativa aberta para a explicação dos fatores de sucesso na produção da bomba pelos Estados Unidos.
9 Os quarto e quinto capítulo dedicam-se ao desenvolvimento da bomba pelos Estados Unidos e à sua utilização. O autor identifica a origem britânica do relatório MAUD – onde, pela primeira vez, é apresentada a viabilidade da construção da bomba atómica e elencadas as condições necessárias ao seu fabrico. No quinto capítulo, Rotter utiliza os pontos de vista militar, político e diplomático para descrever o contexto e promover a discussão sobre lançamento da bomba. Um dos pontos principais da obra está na descrição de três pontos de vista de decisores relevantes, dois presidentes americanos e o secretário de Guerra da altura. São as análises de Truman – logo após o lançamento da bomba indicando como motivação a vingança pelo ataque a Pearl Harbour –, Eisenhower – perante o contexto da época, considerava não ser necessário o bombardeamento – e Stimson – indicando, como motivos para o uso da bomba, a razão militar e a poupança de vidas de ambos os lados, considerando a alternativa de uma invasão terrestre. A estas análises, Rotter acrescenta vários fatores, tais como a preocupação em evitar a intervenção russa no Pacífico, a vontade expressa da sociedade norte-americana e a razão burocrática. Um outro fator relevante nestes capítulos é a descrição do bombardeamento incendiário de Tóquio que, sendo prévio ao lançamento de bomba atómica, é equivalente no grau de destruição descrito na obra.
10 O sexto capítulo descreve o contexto militar japonês mostrando, por um lado, a fragilidade da posição japonesa no Pacífico e a existência de uma elite que procurava a rendição condicionada e, por outro, a irredutibilidade dos militares japoneses e o poder que exerciam sobre o Imperador japonês.
11 O sétimo capítulo debruça-se sobre a União Soviética, num ponto de vista pós Hiroshima. Rotter analisa o poderio diplomático desta arma, desenhando-se o conflito latente das próximas quatro décadas e o papel que as armas de destruição maciça representarão, tanto na alimentação do conflito, como elemento dissuasor de concretização da guerra. Ao mesmo tempo que descreve o processo de decisão russo e as suas componentes, Rotter abre caminho para o oitavo capítulo, onde descreve os esforços de Reino Unido, França, Israel, África do Sul, China, e Índia para obter a bomba atómica.
12 Rotter apresenta uma narrativa multidisciplinar para um público-alvo generalista, ou uma narrativa bem construída para o início de um curso de História sobre o tema. Do ponto de vista científico, não perde tempo explicando o mecanismos de reações nucleares. No entanto, os conceitos utilizados permitem ao público-alvo procurar mais informação e ao autor complementar a narrativa. Dos pontos de vista militar, político e diplomático, recorre tanto a fontes primárias como secundárias, de uma forma expositiva e crítica, o que faz com parcimónia, enriquecendo a sua narrativa. Do ponto de vista cultural, não estudando a fundo os efeitos do bombardeamento na psique japonesa, não deixa de exemplificar os efeitos aos níveis de produção cultural e comportamental.
13 Pode resumir-se a relevância da obra na referência ao doomsday clock. Este mecanismo de monitorização, divulgado pela publicação de Chicago Bulletim of the Atomic Scientists, em 1947, apresenta o perigo de um desastre mundial como inversamente proporcional aos minutos em falta para a meia-noite. Observando os valores que o relógio já registou, durante a guerra-fria o valor esteve entre 2 e 12 minutos, registando o valor máximo de 17 minutos no início dos anos 90. Em 2012, o relógio apresenta 5 minutos para a meia-noite, sendo este valor justificado pelo perigo da queda de armas atómicas nas mãos de organizações terroristas transnacionais, pelo conflito regional entre as Coreias e pela facilidade das potências nucleares em provocar destruição maciça com o toque num botão.
14 Rotter distribui a narrativa ao longo de quatro linhas de análise. Três com um objetivo definido – mundialização do processo de produção atómica; queda generalizada da moralidade associada ao bombardeamento de civis no período anterior ao lançamento da bomba; e descrição das razões que levam ao lançamento da bomba – e uma linha analítica aberta – a moralidade científica na dicotomia entre «guerra justa» e «justiça na guerra». Sendo Rotter norte-americano é muito provável que o leitor identifique, nos dois primeiros eixos de análise, uma manobra para incluir o resto do mundo numa ação unilateral norte-americana. Aceitando essa intenção, o leitor notará também que o autor é claro na responsabilização norte-americana, «Americans, of course, did finally imagine and build and use the atomic bomb. There is no point denying that fact, no point in shifting responsibility for these decisions onto anyone else» (p. 95).
15 Na sua primeira linha de análise, Rotter apresenta três argumentos principais: as várias nacionalidades dos cientistas, a corrida das nações envolvidas na II Guerra Mundial para a produção da bomba e a disseminação do poder atómico do pós-guerra. Enquanto os dois últimos são argumentos fortes e bem construídos, a inclusão do avanço científico internacional contribui mais para o enfoque no Estado individual do que na comunidade mundial. Isto porque tanto os meios necessários e a construção da multidisciplinariedade, como a decisão da sua utilização, não são atributos da comunidade científica. Este argumento só poderá visto em função do dilema ético do cientista que constrói a bomba e não como fator globalizante da produção da bomba atómica.
16 Na segunda linha de análise, os argumentos mais fortes são as várias descrições da violência sobre civis dos bombardeamentos de ambas as partes até à bomba atómica. Rotter é claro ao afirmar que «The atomic bombs provided an exclamation point at the end of a continuous narrative of atrocity» (p. 147). O efeito da radiação é discutido na obra, tendo Rotter a consciência de que é o ponto fraco desta linha argumentativa, pois nenhuma arma anteriormente utilizada se lhe assemelha nesse aspeto. Se, por um lado, recorre a fontes primárias, afirmando que o efeito seria desconhecido dos decisores militares e da comunidade científica, é também perentório ao duvidar que fosse de facto assim. Para este leitor, é muito difícil encaixar a bomba atómica no contínuo escalar de violência da II Guerra Mundial, tanto pelo seu poder destruidor duradouro, como pelo efeito que teve, e continua a ter, em todos os seres humanos de todas as nações. napalm e a bomba atómica pertencem a duas categorias muito diferentes de armamento.
17 Na sua terceira linha de análise, Rotter descreve em pormenor as razões militares, diplomáticas e culturais apresentadas pela historiografia para o lançamento da bomba. Rotter dá então relevo à razão burocrática: «What mattered more was the assumption, inherited by Truman from Roosevelt and never fundamentally questioned after 1942, that the atomic bomb was a weapon of war, built, at considerable expense, to be used against a fanatical Axis enemy» (p. 170). Entenda-se este relevo como corajoso pela parte Rotter. Ao fazê-lo, indica que no processo de decisão do governo americano, a burocracia, foi tão relevante que a produção de uma arma pode tornar-se razão da sua própria utilização, por si só, ignorando-se os efeitos da mesma. Rotter é inteligente na junção de todos estes fatores, não eliminando ou criticando nenhum, já que todos explicam, de alguma forma, a utilização da bomba atómica.
18 A quarta linha argumentativa pode ser resumida numa única questão, já repetida em cursos de ética científica: se um cientista, no lugar de Oppenheimer, aceitaria construir a bomba atómica? Esta questão, que é a chave do dilema apresentado por Rotter, encontra na narrativa uma resposta parcial. Se, por um lado, Rotter se dedica a analisar a equipa de cientistas que participou na produção da bomba, por outro, deixa de fora os que foram convidados e não aceitaram. É compreensível que o faça, pois a bibliografia não é clara e, apesar de haver referências a convites a Einstein e Bohr, a participação destes foi limitada, ambivalente e pouco clara. Einstein é o melhor exemplo. Apesar de escrever uma carta a Roosevelt para que a bomba seja produzida e de ter uma participação de dois dias no projeto Manhattan, sempre condenou a utilização da bomba, escrevendo a Niels Bohr em 1944: «when the war is over, then there will be in all countries a pursuit of secret war preparations with technological means which will lead inevitably to preventative wars and to destruction even more terrible than the present destruction of life»1.
19 A questão moral na evolução científica é resolvida facilmente pelas definições de ser humano e pela natureza que nos rodeia. A natureza dos avanços científicos é, na maioria dos casos, benévola. Os avanços que permitiram a bomba atómica destinavam-se, e são hoje usados, na medicina, produção de energia e telecomunicações. O fator que provoca desequilíbrio é a apropriação pelos Estados, e hoje pelas empresas, dos avanços científicos. É o ponto em que o avanço científico deixa de ser uma resposta e passa a ter impacto na vida humana. Neste ponto, a moralidade do homem de ciência é tão relevante como a de qualquer outro homem.
20 Sabendo o que se sabia em 1941, eu, que sou engenheiro químico, teria aceite produzir a bomba. Caso a questão fosse posta após o lançamento da bomba, não teria aceite. É esta a natureza e o resultado de um dos principais acontecimentos do século XX, da qual a obra de Rotter é uma excelente narrativa.
Notas
1 Clark, Ronald W. Einstein: The life and times (1974), Nova Iorque, Avon Books, p. 698.
André Pinto – Engenheiro químico. Doutorando em Ciência Política no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. andretpinto@gmail.com