The post-American World (T), Norton & Company | Fareed Zakaria

Uma intrigante narrativa acerca dos prognósticos da política internacional no século 21 se mescla a uma abordagem de futurologia no mais recente livro de Fareed Zakaria. Notório pelo teor crítico de suas análises na revista norte-americana NewsWeek, contra a política externa do governo Bush, Zakaria pendula entre o fascínio pelos novos poderes emergentes e o otimismo acerca do futuro da democracia liberal no mundo. O argumento central de Zakaria é que estamos entrando em um mundo pós-americano, no qual China e Índia representam uma nova perspectiva na configuração global de poder, muito mais disseminado, diluído e até certo ponto democratizado. Não se trata de uma obra sobre o declínio dos Estados Unidos, mas sobre “the rise of the rest”.

O objetivo da obra é instigar estudiosos e leitores interessados nas relações internacionais, e nas ciências humanas em geral, a vislumbrar os delineamentos e formas de um mundo novo: inventado não na ruína imaginada de um império colossal, mas na ascensão de uma ordem de grandes possibilidades. Para tanto, o autor divide The Post-American World em sete capítulos, que evoluem da emergência do novo até a continuidade do tradicional propósito norte-americano de preponderância. A narrativa inclui experiências pessoais de vida, desde sua saída da Índia em 1982 até suas recentes viagens de trabalho pelos países asiáticos, onde pôde constatar as transformações operadas naquelas sociedades. Apresenta ao longo do livro um enfoque globalista muito pertinente às explicações atuais das Ciências Humanas, mas que carece de uma visão acurada da realidade brasileira e sul-americana.

Além disso, Zakaria se dedica a construir cenários futuros mediante um discurso de ilegitimidade e desincentivo do uso da força e da violência, ao mesmo tempo em que exalta valores morais universalmente aceitos. Para ele o mundo não comporta fundamentalismos e messianismos uma vez que sociedades tradicionalistas têm passado por processos de homogeneização cultural e abertura política que desqualificam o uso do terror como meio de transformação social.

Dessa forma, o leitor é apresentado no primeiro capítulo, The rise of the rest à idéia de soerguimento de novos atores, como Índia, China, Brasil e África do Sul que levaram a uma modificação consistente da configuração do poder global. Nas palavras de Zakaria: “now the giants are on the move, and, naturally, given the size, they will have a large footprint on the map” (p. 21). Logo, trata-se de uma ordem verdadeiramente global na qual impera a difusão de poder em todas as direções, “mas que não significa que estamos entrando em um mundo antiamericano” (p. 5).

Ao contrário, no segundo capítulo, Zakaria usa a metáfora The Cup Runneth Over para representar a confluência do momento atual das relações internacionais com os interesses norte-americanos. O transbordamento do cálice parte de um ditado bíblico – significa ter mais do que o suficiente para minhas necessidades – e se refere ao fato de que a ameaça islâmica já não assusta como nos dias e meses após os atentados de 11 de setembro de 2001, que a grande expansão engendrada pelas forças econômicas, políticas e tecnológicas auxiliam na manutenção do país no topo da hierarquia do sistema internacional e que o ressurgimento do nacionalismo como uma força desintegradora desperta a memória das benesses atreladas as capacidades produtivas da superpotência solitária. Segundo Zakaria,“the irony is that the rise of the rest is a consequence of American ideas and actions” (p. 48), ou seja, todas as transformações operadas no sistema sintonizam com as perspectivas pós-hegemônicas norte-americanas.

Nos três capítulos seguintes o autor discute a caracterização identitária do mundo pós-americano, colocando em foco o mundo não-ocidental, a figura desafiadora da China e a aliança com a Índia. No capítulo 3, A Non-Western World?, narra os périplos das sociedades não ocidentais, como China e o mundo árabe, que foram importantes pólos de poder mas que acabaram por adormecer diante do despertar ocidental. No caso da China, deixaria de ser o império dominante, deixando de herança este patamar para os europeus. Assim, o autor correlaciona cultura e poder no mundo, apontando para o fato de que um destino manifesto em exuberância e superioridade cultural não garante ascensão política indefinida. Explica que, por exemplo, os contatos dos europeus com outras culturas os fortaleceram em sua marcha para a hegemonia ao mesmo tempo em que corroeu a preponderância das culturas e civilizações estrangeiras. Da mesma forma, pontua o nascer da ordem americana como parte de um processo de expansão das idéias de ocidentalização e modernização. Gradativamente a velha ordem fenecia e um futuro ancorado na globalização e na importância da língua inglesa como meio comunicação emergia: um mundo de diversidade e exotismo, onde “modernity becomes a melting pote”, dirigido e equacionado segundo os ditames norte-americanos. (p. 85)

O capítulo 4, The Challenger, aborda a volta da China ao horizonte da sociedade internacional. O autor passa em revista o modelo de planejamento centralizado e o compasso de transformação sócio-econômica desde o governo Deng Xiaoping até os dias do renascimento do Império do meio para afirmar ao leitor que a característica marcante da China na atualidade é uma política deliberada de não-interferência e não-confrontação, uma espécie de camuflagem de sua importância internacional (hiding its light). Além disso, Zakaria correlaciona o pensamento confucionista e a formulação de política exterior, mostra as dificuldades de se construir uma imagem não ameaçadora do país, devido ao tamanho e ao peso chinês na economia-política internacional e finaliza com um panorama sobre as relações bilaterais China-EUA, de intrincadas indefinições mas de grande potencialidade.

O capítulo 5 inverte a lógica de pensamento e apresenta o aliado norte-americano no cenário asiático. The Ally, traz uma discussão sobre o papel da aliança entre a Águia (EUA) e a Vaca (Índia), apontando para o fato de existirem laços culturais e sociais que ligam as duas nações. Além disso, exalta o acordo estratégico na área nuclear, que capacitará o país a assumir novos compromissos na era da globalização e a responder aos ditames geopolíticos de uma vizinhança insegura e instável. Entretanto, Zakaria alerta para o fato de que os indianos ficariam desconfortáveis com qualquer denominação do tipo aliado principal ou parceiro especial dos EUA na Ásia. Ademais, um gargalo do poder indiano vem do fato de que “India is a strong society with a weak state… India’s political system is weak and porous and thus not well equipped to play its rightful role in this new world”. (p. 161/p.166)

O autor avança, então, para decantar o conhecimento acerca do poder e propósito dos EUA no mundo. American Power, tema do sexto capítulo, apresenta a transição de um momento vitoriano, de hegemonia britânica, para o estabelecimento da pax americana. A relevância está no fato de que “there are many contemporary echoes of Britain’s dilemmas”. Portanto, de acordo com Zakaria o principal aspecto de ligação entre as histórias dos dois países, a deterioração econômica irreversível que assolou a Grã-Bretanha desde fins do século 19, não se repete no caso atual dos EUA. Para ele o futuro da humanidade está nos EUA, que deverá apenas ajustar-se e adaptar-se às mudanças – como na valorização da educação de nível médio – para permanecer como a nação mais poderosa. Como afirma o autor, “the USA has one crucial advantage over Europe and most of the developed world. The United States is demographically vibrant” e a sua economia e sociedade “are capable of responding to the economic pressures and competition they face”. (p.196/p. 214)

No último capitulo, Zakaria apresenta um guia simples, de seis elementos, de como operar neste novo mundo. Primeiro, escolha: priorize quais são seus interesses centrais e faça amplas escolhas estratégicas sobre onde enfocar suas energias e atenções; segundo, construa regras amplas: restabeleça compromissos com as instituições de solução de controvérsias e aja conforme as regras que você mesmo criou. Terceiro, seja Bismarck e não a Inglaterra: enquanto a Inglaterra movimentou-se pelo mecanismo do equilíbrio de poder, a Alemanha de Bismarck buscou a concertação diplomática com todos os grandes da Europa. Quarto, ordem à la carte: a solução da instabilidade e do conflito não está necessariamente em uma superpotência, mas em arranjos sociais de menor envergadura que também se proponham àquela finalidade. Quinto, pense assimetricamente: vive-se em uma era em que respostas assimétricas de atores diversos (cartéis de droga, sindicatos do crime, migrantes, terroristas) se tornaram mais fáceis de realizar e difíceis de combater. Sexto, legitimidade é poder: legitimidade permite organizar agendas, definir crises e mobilizar suporte para políticas entre governos e atores não governamentais.

Fareed Zakaria alterna boas idéias e reificações de conceitos em sua descrição do mundo pós-americano. Conceitualmente, o livro avança ao apontar uma nova forma de conceber a ordem internacional no século XXI. Autores como Richard Haas e Jonh Lewis Gaddis têm se esforçado em periodizar e redefinir os momentos após o colapso soviético e os atentados ao WTC. Fareed Zakaria contribui ao agregar uma nova perspectiva às discussões já em voga. Assim, a idéia de um mundo pós-americano é adequada do ponto de vista teórico, pois se articula com o discurso pós-moderno, e é operacional do ponto de vista conceitual, pois preenche uma lacuna de definição acerca da nova era em que vivemos.

Entretanto, um ensaio que pretende vislumbrar o desenrolar do tempo presente em cenários futuros depara-se com óbices inelutáveis: não conseguir enxergar a eclosão de contingências históricas, nem respaldar e embasar sentenças e afirmativas pelo acesso criterioso às fontes primárias. Além disso, a narrativa é fruto de uma análise presa no cárcere racionalista-liberal, descomprometida com a riqueza atual do quadro teórico-metodológico de RI. Por fim, a obra de Zakaria exagera na mensagem triunfalista, de recuperação da hegemonia benevolente, como tentativa de reconstruir a imagem dos EUA após os oito anos de fracasso da gestão neoconservadora do governo Bush.

De qualquer forma, Zakaria dá continuidade a uma tradição de pensadores de grande impacto midiático como Francis Fukuyama, Samuel Huntington e Thomas Friedman. Ademais, o novo governo democrata de Barack Obama torna o livro sobre as idéias e ações dos EUA no mundo de hoje indispensável. Entretanto, não fica incólume à reflexão científica. Caso encontrasse o Sr. Fareed Zakaria, perguntaria: “Dear Mr. Zak, wouldn’t be the post-American world a brand new world with the United States above the rest?”.


Resenhista

Thiago Gehre Galvão – Professor de História das Relações Internacionais do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima – UFRR e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB.  E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

ZAKARIA, Fareed. The post-American World. New York/London: Norton & Company, 2008. Resenha de: GALVÃO, Thiago Gehre. Meridiano 47, v.10, n.108, p.28-30, jul. 2009. Acessar publicação original [DR]

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