Theories of Value from Adam Smith to Piero Sraffa | Ajit Sinha

A teoria do valor é uma constante na ciência econômica que permite relacionar boa parte dos autores que têm preocupações de ordem abstrata na construção da disciplina de economia. A predominância contemporânea da teoria do valor utilidade não significa que o debate em torno deste tema tenha terminado, mas apenas que em nosso tempo, o ensino de economia raramente recupera as controvérsias em torno do núcleo duro de nossa disciplina. A área de economia política, por outro lado, sempre se preocupa com a questão. E ela é um ponto de partida segura para os exercícios de história do pensamento econômico.

O livro de Ajit Sinha, Theories of Value from Adam Smith to Piero Sraffa, representa um destes exercícios aliados com cautelosa pesquisa bibliográfica da trajetória intelectual desde a fundação da economia política clássica em 1776 até a publicação e repercussão de Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias. De forma sintética, trata-se de um resumo aprofundado do desenvolvimento da teoria do valor, em seu aspecto quantitativo, nas principais obras do quarteto Smith-Ricardo-Marx-Sraffa. É possível ler o livro como um dos resultados indiretos de Piero Sraffa ao “reabilitar”, como diria Meek (1961), o ponto de vista clássico. Em adição a isto, trata-se também de um posicionamento do autor em relação às controvérsias que emergiram na economia marxista após uma manobra admirável de Samuelson (1971) ao desviar a atenção dos economistas das controvérsias de Cambridge para os efeitos de Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias sobre o Capital de Marx. Foi isto que fundamentou o desenvolvimento da polarização entre sraffianos e marxistas em relação à teoria do valor e o surgimento de um fenômeno estranho ao projeto crítico de Piero Sraffa: a criação da corrente neoricardiana.

O texto é estruturado com clareza e objetividade: após um prefácio inspirado na visão de Sraffa de que a perspectiva dos clássicos foi esquecida despropositamente, quatro capítulos (um para cada autor em sua respectiva obra prima na área da Economia Política) antecedem um quinto capítulo final de reconsideração justamente sobre o paradigma de retorno da Economia Política Clássica desde o último quarto do século XX.

O primeiro capítulo começa portanto a investigação sobre a teoria do valor na Riqueza das Nações de Adam Smith. Sinha apresenta a obra de Smith com um recorte bem delimitado: sua busca é sempre direcionada à problemática da questão sobre a determinação dos preços das mercadorias. O esforço do autor é de colocar ao público sua interpretação particular da teoria do valor de Smith. O leitor acompanha a leitura atenta e comentada de Sinha até identificar o núcleo da questão: a dificuldade de estabelecer uma medida para o valor e de fundamentar o papel do trabalho nas relações de troca. A diferença entre a medida em trabalho e a medida em dinheiro, exposta no quinto capítulo de A Riqueza das Nações, serve como ponto de partida para Sinha avançar sobre toda controvérsia em torno do aspecto quantitativo da teoria do valor trabalho que corre em paralelo com o estudo sobre a relação entre o sistema de valores e o sistema de preços. Ele aponta corretamente que Smith reconhecia o problema, ainda que não de forma muito clara, e que é possível reconhecer já no fundador da Economia Política indicações experimentais sobre como resolver a questão.

Ao final deste primeiro capítulo, o autor apresenta outras interpretações da teoria do valor de Smith que tiveram grande influência no percurso posterior da Economia Política. Os contemporâneos de Smith, David Ricardo e os ricardianos, Marx e os neoclássicos são postos como leitores de Smith no intuito de diferenciar as correntes que se originam da mesma semente. A única ressalva aqui decorre da própria abordagem que Sinha dá a toda problemática do valor: ao apresentar a leitura de Marx sobre Smith, Sinha restringe a crítica marxista ao aspecto quantitativo da determinação das relações de troca. Certamente Marx apontou problemas e indicou caminhos para solucionar o repetido problema da transformação, mas há um outro aspecto na teoria que só se encontro nele. O diferencial do estudo de Marx sobre a economia política burguesa é justamente a de ser a única que indaga sobre a qualidade do valor, pergunta esta que culmina na busca pela explicação sobre o porquê da teoria do valor trabalho emergir apenas na época dos economistas clássicos e não antes.

Esta é a lacuna fundamental da obra que delimita todo eixo de exposição de Sinha. Por exemplo, o segundo capítulo discute a teoria do valor nos Princípios de Economia Política de Ricardo. Sinha defende que a principal preocupação de Ricardo é a de estabelecer a lei dinâmica que determina a distribuição do produto entre as diferentes categorias participantes do processo econômico e que se referem às remunerações com nomes específicos, como renda, lucro, salário, etc. Esta perspectiva restringe Ricardo a abordar apenas o aspecto quantitativo da teoria do valor, de modo que a Crítica da Economia Política, esmiuçada por Marx nas primeiras página do Capital, não pode se desenvolver. Dessa forma, quando Ricardo inicia sua obra justamente com a teoria do valor a partir da base posta por Adam Smith, Sinha detalha acertadamente de que se trata da continuação da questão, mas não indica dentro de quais limites a economia política clássica opera quando trata das relações de produção e distribuição.

Em outras palavras, toda dificuldade de Ricardo em encontrar uma medida invariável de valor, assim como em esclarecer o processo gravitacional que orienta a determinação quantitativa concreta das relações de troca é contextualizada com propriedade por Sinha. As primeiras fragilidades da teoria do valor trabalho e reticências de Ricardo sobre ela são apresentadas com uma leitura minuciosa dos Princípios, mas uma associação com o movimento socialista que começa a se apropriar da economia política não aparece neste capítulo e nem de forma referenciada no livro. Por conta disso, a questão que Sinha persegue, qual seja: por que começar com o valor (ou por que adotar a teoria do valor trabalho)? flutua como uma controvérsia entre economistas-pensadores descolada da realidade da luta dos trabalhadores assalariados em se instrumentalizar para compreender o capitalismo. Este aspecto do livro aqui sob crítica resulta em uma leitura da contribuição de Marx à teoria do valor muito aquém de todo o potencial que a Crítica da Economia Política engendra.

A interpretação de Marx sobre a teoria do valor de Ricardo é apresentada como se Marx tratasse apenas da questão quantitativa do valor. Assim, Sinha parece se surpreender com a volatilidade com a qual Marx trata Ricardo, ora aceitando sua teoria do valor, ora rejeitando o pensamento burguês que ele representa. Toda a atenção de Sinha é voltada para o problema da determinação quantitativa das relações de troca entre valores de uso. Assim, sua leitura aborda todo o problema do valor como se fosse apenas o problema da transformação dos valores em preços. O capítulo 3, dedicado ao Capital de Karl Marx dedica-se a exaurir a apresentação das primeiras páginas do capital dentro desta perspectiva quantitativa. De fato, é salutar o esforço e detalhamento com que Sinha contrapõe Marx com Smith e Ricardo para descobrir a resposta para a pergunta que ronda o livro a todo instante (porque a medida do valor é feita pelo tempo de trabalho?). Sinha descreve com propriedade alguns dos principais passos na controvérsia do problema quantitativo da transformação dos valores em preços mas em nenhum momento destaca que Marx é o único dos autores a explicar a bifurcação do desenvolvimento da teoria do valor: a mercadoria é a unidade abstrata original, sendo duplicada em valor de uso e valor. Estas duas são novamentes duplicadas, em quantidade e qualidade. A teoria do valor, enquanto tópico da economia política clássica que se transforma em algo novo dentro do materialismo histórico, deve explicitar o nexo entre estes quatro entes que concretizam a categoria mercadoria. Sinha, ao se restringir ao aspecto quantitativo, certamente contribui para a reconstrução histórica da teoria do valor, pois este é uma parte importante da problemática que tem relevância prática enorme para a teoria da planificação econômica. Mas o componente qualitativo que permite justamente compreender a relação entre a Economia Política inglesa e o marxismo é deixado de lado sem que o leitor seja avisado. E o método dialético obriga o tratamento tanto da quantidade quanto da qualidade do valor.

O capítulo 4, que apresenta Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias de Piero Sraffa deixa claro que Sinha tem em alta estima as sintéticas linhas publicadas em 1960 pelo economista italiano. O modelo de Sraffa é exposto com certa formalidade para os leitores acostumados com os textos qualitativos de Smith, Ricardo e Marx, mas com grande atenção para a explicação didática das equações representando os setores da economia. Sinha argumenta que a grande contribuição de Sraffa é ter trazido de volta à ciência econômica a teoria objetiva do valor. Todo esforço aqui seria o de contradizer a teoria marginalista do valor, onde as relações de troca são determinadas a partir do julgamento subjetivo dos agentes em relação às coisas transacionadas no mercado. A mensuração dos valores com meios físicos desconectados da avaliação individual em relação aos valores de uso é o que Sinha julga ser um dos principais pontos da teoria do valor de Sraffa. Além deste ponto, as possibilidades de se pensar em um sistema econômico de equilíbrio em Sraffa são discutidas, o que corrobora nossa leitura de que, apesar de levantar a questão-chave para entender o avanço de Marx no desenvolvimento da teoria do valor (por que o tempo de trabalho é a medida de valor?), Sinha acaba caindo repetidamente em outra questão (também relevante, é bom salientar) que lhe toma toda a atenção (por que as mercadorias possuem estes preços e não outros?).

O capítulo 5 repete a tese de Sinha de que a recuperação da perspectiva clássica é positiva para o desenvolvimento da ciência econômica, mas ao mesmo tempo revela os limites de sua abordagem. É relevante destacar que a manobra de colocar a economia política clássica em confronto com a escola neoclássica contemporânea é extremamente importante porque isto mostra que a disciplina de economia tem uma história, que ela se desenvolveu e se modificou ao longo do tempo. Mas é importante lembrar que esta retomada fica aquém da fronteira cientítica em economia quando consideramos a existência do socialismo científico.

Qual é a posição de Sinha em relação à teoria do valor utilidade? Mesmo não constando explicitamente no livro, podemos inferir que é a mesma de Sraffa: a de que é uma teoria com erros lógicos internos e que deve ser substituída pelo ponto de vista “dos antigos economistas clássicos, de Adam Smith a Ricardo”, que “tem estado submerso e esquecido desde o advento do método „marginalista‟” (Sraffa ([1960] 1985), p. 175). Mas como lidar na prática com a absoluta ignorância do mainstream em relação à teoria de Sraffa e às inexistentes mudanças nos livros-textos desde o surgimento e esvaziamento das controvérsias de Cambridge? Não existiria uma corrente de interpretação e uso da escola originada nos trabalhos de Menger ([1871] 1950), Jevons ([1871] 1970) e Walras ([[1874] 1954), por exemplo, iniciada por Lange (1935) que estaria em maior conformidade com o método de Marx e portanto com maiores chances de encarar a luta de classes refletida na teoria da economia política? Sobre isso, Sinha nada diz a respeito, o que dá a impressão ao leitor de que não existe necessidade alguma de relacionar a teoria do valor clássica, objetiva, com a teoria do valor neoclássica, subjetiva.

De toda forma, levando em conta o estado atual do ensino das ciências econômicas no Ocidente, o livro de Sinha é um excelente guia para estudiosos experientes no campo da Economia Política e da História do Pensamento Econômico, mas de forma alguma substitui a leitura e estudo direto das obras de Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx e Piero Sraffa. Para aqueles que, portanto, ainda não fizeram estas leituras, é recomendável que não se apóiem no livro de Sinha antes de passar algum tempo na companhia dos originais destas quatro distintas figuras em Economia Política que se dedicaram com fervor à construção da teoria do valor objetiva.

Referências

JEVONS, W. S. [1871] 1970. The Theory of Political Economy. Baltimore: Penguin.

LANGE, O. 1935. Marxian Economics and Modern Economic Theory. The Review of Economic Studies 2 (3): 189-201.

MEEK, R. (1961). “Mr. Sraffa‟s Rehabilitation of Classical Economics.” Scottish Journal of Political Economy, Vol. 8: pp. 119-136.

MENGER, C. [1871] 1950. Principles of Economics. New York: Free Press.

SAMUELSON, P. A. (1971). Understanding the Marxian Notion of Exploitation: A Summary of the So-Called Transformation Problem Between Marxian Values and Competitive Prices. Journal of Economic Literature, Vol. 9(2): 399-431.

WALRAS, L. [1874] 1954. Elements of Pure Economics. Homewood: Irwin.


Resenhista

Tiago Camarinha Lopes – Professor da Universidade Federal de Goiás. Representante para o Brasil da IIPPE (International Initiative for Promoting Political Economy).


Referências desta Resenha

SINHA, Ajit. Theories of Value from Adam Smith to Piero Sraffa. New Delhi: Routledge, 2010. Resenha de: LOPES, Tiago Camarinha. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 09, n. 31, p. 235-240, janeiro, 2014. Acessar publicação original [DR]

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