Uma história da doença de Carrión: clínica e bacteriologia (1842-1913) | Eduardo Sugizaki

A tese de Eduardo Sugizaki (248 páginas, 500 referências bibliográficas) é uma história da doença de Carrión que cobre o período de sua descrição clínica, de 1842 a 1885, e os primeiros tempos de sua exploração bacteriológica, de 1885 a 1913.

A narrativa tradicional veiculada pela medicina peruana repousa sobre a famosa experiência de 1885, no curso da qual Daniel Carrión se fez inocular com o sangue de um doente da verruga peruana, o que provoca sua morte pela febre de Oroya. Assim, teria sido dada a prova da unicidade de uma doença, a verruga peruana e a febre de Oroya, constituindo uma só entidade patológica, batizada como ‘doença de Carrión’.

A doutrina da unicidade da doença, afirmada contra um dualismo nosológico anterior, reforçada no final da década de 1930, com a identificação de um agente infeccioso responsável (Bartonella bacilliformis) resultaria, assim, inteiramente dos esforços da medicina peruana e do heroísmo do jovem estudante em medicina, Daniel Carrión.

A tese de Eduardo Sugizaki pretende ser uma desconstrução deste mito e uma nova leitura da história da doença. Ela quer opor-se contra aqueles que, mesmo criticando a desmitificação da imagem de Carrión, “deixam intacta a estrutura da narrativa tradicional” (p. 210). Assim, o trabalho de Sugizaki é uma verdadeira tese em história da medicina, onde o candidato engaja-se e defende posições.

O capítulo I funda-se sobre um exame minucioso das fontes e retoma o relato da experiência fatal de Carrión. A intenção é mostrar que este relato é frágil, notadamente porque repousa sobre o diagnóstico da febre de Oroya pelos médicos que acompanhavam Carrión, entidade postulada pela medicina peruana entre 1873-1875, mas de estatuto mal assegurado e da qual não se sabe grande coisa, além de que a enfermidade pode dar lugar ao prognóstico fatal.

O autor remonta, então, no tempo, até “o nascimento da clínica da verruga peruana” (capítulo II). Este nascimento é essencialmente, em realidade, de origem não-peruana. Em apoio a esta proposição, Sugizaki desenvolve os argumentos das fontes médicas de expressão francesas, inglesas e germânicas. A doença é apirética para os peruanos, mas febril para os outros. A febre de Oroya não é necessária para chegar à compreensão da verruga peruana. Em particular, ela não produz prognóstico fatal claro antes da erupção, contrariamente ao que diz Avendaño, autor do relato tradicional da experiência, o que Carrión não ignorava. O dualismo nosológico é, então, uma invenção puramente peruana e a experiência de 1885 não é o coroamento das tentativas peruanas para o reconhecimento da unicidade da doença, mas resulta, sobretudo, da rejeição do dualismo proposto para o estrangeiro. Estes segundo capítulo é convincente, mas seriam necessárias algumas precisões sobre a evolução do estado de espírito de Carrión, no curso da experiência (que dura alguns meses), sua compreensão do risco e seu papel histórico exato.

Sugizaki prossegue sua exposição sobre a febre de Oroya no capítulo III da tese. A medicina peruana introduziu esta entidade, que se torna tão mais estrategicamente necessária quanto a medicina peruana esteve, por tanto tempo, defendendo um “conceito restritivo da verruga”, a verruga apirética. A experiência de Carrión faz desaparecer a memória histórica europeia e a unidade lógica que a doença já possuía na literatura estrangeira. A esta altura, cabe um questionamento à tese: o fenômeno da apropriação nacional de uma doença é realmente único? Não deveria o autor apresentar outros exemplos?

O capítulo IV (“A febre grave de Carrión”) é posterior à experiência de 1885. Sugizaki mostra que a narrativa histórica oficial da doença transforma-se num programa disciplinar sobre seu conhecimento, quando da fase bacteriológica: descoberta da complicação paratifoide típica da doença de Carrión, trabalho de distinção com a febre paratifoide e manutenção do conceito da doença de Oroya. Por que Sugizaki encerrou a exposição histórica em 1913, data da chegada da comissão de Harvard ao Peru? A demonstração não teria ganhado em ser prolongada em alguns anos, até a descoberta da Bartonella responsável da doença?

Sugizaki, ao longo de sua tese, mostra uma grande erudição sobre esta questão particular. O trabalho é detalhado, argumentado, documentado. A narração é, às vezes, difícil de seguir e compreende algumas repetições, notadamente porque o autor, em sua vontade de demonstração, tomou o partido de nem sempre seguir a ordem cronológica dos eventos.


Resenhista

Jean-Claude Dupont – Filósofo e Historiador das Neurociências. Professor na Universidade da Picardia Júlio Verne. Publicou, entre outros, Histoire de la neurotransmission (Paris, PUF, 1999). E-mail: jean-claude.dupont@u-picardie.fr


Referências desta Resenha

SUGIZAKI, Eduardo. Uma história da doença de Carrión: clínica e bacteriologia (1842-1913). Amiens – França: Universidade da Picardia Júlio Verne; Universidade Federal de Goiás, 2011. Tese Doutoral em cotutela. Resenha de: DUPONT, Jean-Claude. A história de uma doença tropical. Revista Mosaico. Goiânia, v. 5, n. 2, p. 217-218, jul./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]

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