Warrior Politics – why leadership demands a pagan ethos | Robert Kaplan

Warrior politics – why leadership demands a pagan ethos, de Robert D. Kaplan, é um texto denso e agradável. Curto, o livro constitui-se de ensaios instigantes que podem ser lidos isoladamente, mas fazem mais sentido em conjunto. Duas idéias centrais enfeixam seus argumentos: a de que o fenômeno político, assim como o ser humano em sua condição mais essencial, pouco mudou desde os remotos tempos de Sun Tzu e Tucídides; e a de que a atenta leitura dos sábios do passado muito nos pode ensinar sobre o presente.

A primeira delas desdobra-se, de início, por meio de raciocínios lógicos sobre fenômenos presentes no passado e no presente: grupos humanos subjugando uns aos outros, não raro de forma cruel e sanguinária; homens empreendendo esforços para conciliar partidos opostos e para promover a paz. Em seguida, pelo recurso a exemplos históricos: líderes militares que, através dos tempos, utilizaram as mesmas técnicas em combate. A segunda permeia todo o argumento.

Cedo o autor reconhece a influência de Maquiavel; por exemplo, na visão da História como mestra da vida, no uso de modelos de homens e de sociedades para avaliar o presente, na ênfase em que apenas os profetas armados tiveram sucesso em suas batalhas. Pondera, contudo, que esses profetas também defenderam valores particulares, adotaram posturas morais. De par com as armas, essa atitude moral contribuiu para suas vitórias. Além disso, ao longo da história, propostas pagãs mostraram-se mais eficazes na promoção de identidades grupais, na construção de instituições tendentes a promover equilíbrio político e prosperidade econômica.

Para ilustrar a aplicação de suas idéias em tempos de guerra, recorre a um modelo de líder ilustrado, corajoso, pragmático: Winston Churchill, cuja personalidade reuniu o melhor que se pode encontrar em políticos e historiadores. Em sua primeira grande obra,1 quatro décadas antes de liderar a resistência ocidental ao Nazismo, o jovem Winston, já experiente nos campos de batalha, revelava plena consciência de que havia nas relações internacionais de seu tempo processos semelhantes aos observados nos mundos antigos. Seu texto defende líderes com perseverança e determinação patriótica (Ecos e a Guerra com Hannibal, de Tito Lívio), com virtudes guerreiras (Sun Tzu), com pragmatismo político (Tucídides, Maquiavel e Hobbes). Chegado o momento de opor-se a Hitler, Churchill pautou-se em semelhantes qualidades.

É possível, pois, enxergar substantiva continuidade nas relações humanas, não obstante as mudanças tecnológicas, que favorecem redefinições nas relações de poder entre agentes no âmbito internacional. É possível ressaltar a unidade das tramas e dos enredos, a despeito das mudanças nos cenários. As circunstâncias atuais são claramente mais complexas, mas os governos que reclamam liderança global ainda afirmam visões universais e abstratas da realidade, mas ainda são necessárias estratégias e táticas eficazes para combater ameaças, inclusive assimétricas, à ordem mundial. Os guerreiros permanecem cruéis como sempre, porém o acesso a novas tecnologias proporciona-lhes melhores condições de combate. Resultado: o custo da desordem pode ser mais elevado para todos.

Um realismo sóbrio emerge, então, como o melhor apoio ao se lidar com as ameaças do presente; afinal, na História, simples apelos a valores morais foram ignorados, profetas desarmados fracassaram. Este realismo afirma uma lógica de conseqüências: ações comprometidas com resultados concretos, aferidos em termos de equilíbrio político e de prosperidade econômica. Enfatiza a importância das instituições, por meio das quais estruturas de governabilidade – acaso global – podem ser construídas com vistas a conter a violência inerente ao ser humano e a direcionar-lhe os interesses privados para a produção de resultados positivos do ponto de vista da coletividade.

Afinal, governos são supérfluos em um mundo de anjos (Federalista 51, Madison), mas vivemos em um mundo de homens. Em rica discussão histórica e conceitual, o autor sustenta que, por diferentes caminhos, povos distintos articularam-se através de territórios, às vezes remotos, por meio de arranjos políticos e de interesses comerciais. No mundo dos homens, interesses e valores entram em choque, mas também podem ser complementares.

Hoje, há o beneficio do conhecimento acumulado, o recurso às lições dos clássicos no trato com os perigos de cada dia. Esse realismo indica existirem condições mais favoráveis à articulação de interesses contraditórios e à promoção de um ambiente mundial mais estável, apesar de sublinhar a gravidade e o caráter difuso das ameaças do presente.

Ao longo do texto, entrevê-se a preferência de Kaplan por uma ordem calcada em valores liberais, fundada em instituições semelhantes às da sociedade americana. Uma sociedade cujo império se projeta, mundo afora, como resultado de ações de “soft power“. A elas somam-se, agora, incisivas – mas arriscadas – iniciativas unilaterais, que, privadas de realismo, podem erodir a ordem vigente no contexto mundial. Nessas condições, emergem riscos de ruptura, que só uma liderança virtuosa pode ser evitar. Entretanto, tempos de paz requerem outras qualidades de liderança, encontráveis, segundo o autor, no imperador Tibério: sua cautela, indústria e persistência permitiram a consolidação das instituições de Roma, favoreceram a completa adesão de diferentes povos ao Império, garantiram sua prosperidade secular.

Cabe à liderança americana, então, legitimar-se por resultados de longo prazo. Seu julgamento deve fundamentar-se na correta apreensão das lições do passado, na eficaz identificação das ameaças do presente, no adequado julgamento sobre os desafios do porvir. Por isso mesmo, deve basear-se em uma ética pagã e no uso inteligente da razão.

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Com sua obra, Kaplan busca contribuir para o aperfeiçoamento dessa liderança. E o faz, com a simplicidade de quem comunica idéias de modo objetivo, com a humildade dos que dialogam com sábios de várias épocas. O livro é superior a obras anteriores do autor, umas polêmicas, capazes de influenciar processos decisórios em diversos países (The Coming Anarchy), outras quase premonitórias (Balkan Ghosts). Em Warrior Politics, reafirma sua condição de observador arguto e de livre pensador. A primeira edição, publicada semanas antes dos eventos de 11 de Setembro, contém sugestões para se lidar com eles. Uma lástima que não tenham sido aproveitadas pelo atual governo americano, cuja apreciação do pensamento realista é mais influenciada por Mearsheimere Waltz do que por Morgenthau e Tucídides, cuja visão da realidade é mais mecânica que humanista. Talvez porque, paradoxalmente, seu padrão ético seja menos pagão do que seria de se esperar de uma liderança típica do império americano.

Em todo caso, o livro de Kaplan ajuda-nos a compreender as relações internacionais contemporâneas e, nelas, o lugar dos Estados Unidos da América, bem como o papel de seus intérpretes, entre os quais o próprio autor. Ajuda-nos, ainda, a colocar em perspectiva os tempos atuais e seus problemas, a buscar inspiração para enfrentar alguns dos desafios do presente. Em suma, inclusive por seu viés, vale a pena ler a obra de Robert D. Kaplan: Warrior politics – why leadership demands a pagan ethos.

Notas

1CHURCHILL, Winston S. The River War: An Historical Account of the Re-Conquest of the Soudan. 2 vols. London: Prions, 1997


Resenhista

Antonio Jorge Ramalho da Rocha – Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília – UnB. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

KAPLAN, Robert. Warrior Politics – why leadership demands a pagan ethos. New York: Vintage Books, 2002. Resenha de: ROCHA, Antonio Jorge Ramalho da. Revista Brasileira de Política Internacional, v.48, n.1, 2005. Acessar publicação original [DR]

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