Fieldwork in Timor-Leste: Understanding Social Change through Practice | Maj Nygaard-Christensen, Angie Bexley

A coletânea organizada por Maj Nygaard-Christensen e Angie Bexley, Fieldwork in Timor-Leste, tem dois objetivos: prover aos pesquisadores que fazem suas primeiras pesquisas no Timor-Leste reflexões críticas sobre as categorias que foram utilizadas para estudar este país e envolver pesquisadores experientes nas conversas e reflexões sobre os trabalhos de campo mais recentes (p. 5). Neste sentido, reúne onze artigos em que vários especialistas em Timor-Leste refletem sobre os desafios e dificuldades (tanto práticas como teóricas) na hora de fazer pesquisa histórica e etnográfica sobre esse país. As editoras do volume são pesquisadoras experientes em temas do Timor-Leste: Nygaard-Christensen tem dez anos de trabalho de campo no país e é professora associada na Universidade de Aarhus, Dinamarca, e Bexley é pesquisadora na Universidade Nacional de Austrália; ambas publicaram numerosos artigos sobre temáticas relacionadas ao Timor-Leste. A coletânea que elas editaram inclui alguns dos nomes mais importantes nesse campo de estudos, como Douglas Kammen e Judith Bovensiepen, e também estudantes de pós-graduação. Certamente não era a intenção das organizadoras fazer um manual prático de trabalho de campo, mas uma obra de reflexão crítica sobre o trabalho de campo, e os autores o fazem com êxito.

O interesse de Fieldwork in Timor-Leste para os pesquisadores do mundo lusófono pode ser duplo. Primeiro, aqueles interessados nos estudos comparados do colonialismo português e suas repercussões podem encontrar ideias produtivas sobre o caso do Timor-Leste, uma colônia muito antiga e a maior colônia portuguesa na Ásia nos anos finais do império. Neste livro, por exemplo, podem-se encontrar reflexões sobre temas de territorialidade nos capítulos de Douglas Kammen (pp. 125-143) e Judith Bovensiepen (pp. 144-168), os quais mostram como as políticas coloniais portuguesas de organização territorial e administrativa seguem tendo efeitos de longa duração. Para aqueles interessados em fazer pesquisa no próprio Timor-Leste, podem ser particularmente interessantes os artigos de Andrew McWilliam sobre as contingências inerentes à escolha de Lautem – na região oriental da ilha – como seu lugar de pesquisa (pp. 80-98), e o de Pyone Myat Thu sobre os riscos de fazer pesquisa numa zona pós-conflito (pp. 169-190). O artigo de Thu, especialmente, explora as implicações de ser uma pesquisadora birmanesa em um campo onde os pesquisadores costumam ser de origem europeia (como quase todos os escritores desta coletânea) ou timorenses, como Guteriano Neves, outro autor. A posicionalidade de um pesquisador brasileiro, por exemplo, seria complexa. Por um lado, a sua pesquisa poderia ser de uma natureza “sul-sul”, mas, como comenta Neves no seu capítulo sobre as complicadas relações de poder entre os timorenses e as agências de ajuda internacional (pp. 208-226), o Brasil também é um país doador no Timor-Leste. Em consequência, os timorenses poderiam interpretar as diferenças de poder entre eles e o pesquisador brasileiro de maneira similar a outros pesquisadores internacionais, tornando mais complexa a relação.

Para os historiadores, talvez os capítulos mais interessantes serão os que tratam do Timor Português e aqueles relacionados aos efeitos da violência na história recente do Timor-Leste. Sobre o período português, Ricardo Roque (pp. 58-79) reflete sobre as dificuldades de “caçar os rastros” nos arquivos coloniais de uma coleção de crânios supostamente timorenses. Segundo Roque, para os historiadores o Timor Português “pertence a uma rede mais ampla de lugares, pessoas e tempos que se estende mais além do que a geografia estrita da nação e a própria ilha”, devido a que os documentos referentes ao Timor estão não somente em arquivos em Lisboa ou Dili, mas também em Macau e Goa (p. 76). David Hicks explora as diferenças entre o que significava fazer pesquisa no Timor Português e no país independente de TimorLeste, especialmente tendo em vista o “buraco negro” do período indonésio, quando ninguém podia fazer pesquisa em “Timor Timur”, o nome indonésio para o território. O depoimento de Hicks nos dá uma visão das redes acadêmicas existentes entre Portugal e Timor nos anos do período colonial tardio que permitiam e facilitavam o traslado de pesquisadores europeus à remota colônia, e como os funcionários coloniais cumpriam um papel na escolha dos locais onde fazer a pesquisa (pp. 32-57).

Os temas relacionados às repercussões da violência no contexto da anexação e ocupação de vinte e três anos por parte de Indonésia, além dos distúrbios das milícias pró-indonésias após o anúncio da vitória pela opção da independência no plebiscito de 1999, naturalmente estão presentes em vários capítulos do livro. Angie Bexley estuda a juventude timorense e seus sentimentos de exclusão dos benefícios e decisões do novo país (pp. 99-124). Essa exclusão geracional também tem um elemento linguístico: as gerações mais velhas, que tomaram as rédeas do poder após a independência, foram educadas em Portugal e decidiram que as línguas oficiais de Timor-Leste seriam o tétum e o português, excluindo desta maneira os jovens que foram educados em indonésio. Mesmo a língua portuguesa é um espaço de disputa. Amy Rothschild reflete sobre a memória do semiesquecido massacre de Kraras, quando as forças indonésias mataram entre quinhentos e mil timorenses, tomando como ponto de partida sua fracassada tentativa de assistir à filmagem de um longa-metragem sobre o massacre, A Guerra da Beatriz (pp. 227-245);1 e Bovensiepen explora as complicações familiares que levaram alguns moradores da povoação de a apoiar os indonésios e outros na resistência, e suas implicações para o presente. Finalmente, Nygaard-Christensen reflete sobre outra consequência da ocupação indonésia e a subsequente independência: a forte presença de agências das Nações Unidas (pp. 191-207). A partir do caso de um documento da ONU vazado para a imprensa, em que se fazia uma crítica ao político Xanana Gusmão, ela mostra como, em um contexto pós-conflito, as agências internacionais devem ser estudadas juntamente com os atores políticos locais.

Fieldwork in Timor-Leste tem muitas contribuições interessantes e observações valiosas. Porém, para um volume editado em que tantos autores escrevem sobre a importância das relações locais, é surpreendente que haja somente um autor timorense entre eles. É possível que a busca de outros autores timorenses tenha sido dificultada por temas de disponibilidade, tempo, ou recursos para fazer traduções do tétum ou do português, mas em um volume em que os autores fazem observações muito sinceras e até pessoais sobre suas experiências de pesquisa, algumas apreciações sobre isso teriam sido pertinentes. Contudo, Fieldwork in Timor-Leste é um livro valioso para os acadêmicos lusófonos e será útil para quem desejar introduzir-se no estudo deste fascinante país.


Nota

1 Este filme foi discutido num artigo recente publicado em Afro-Ásia. Ver Daniel De Lucca, “Ficções históricas de Timor-Leste: tempo, violência e gênero na produção fílmica pós-independência”, Afro-Ásia, n. 61 (2020), pp. 270-320


Resenhista

Jorge Bayona – University of Washington. https://orcid.org/0000-0001-8921-3608


Referências desta Resenha

NYGAARD-CHRISTENSEN, Maj; BEXLEY, Angie. Fieldwork in Timor-Leste: Understanding Social Change through Practice. Copenhagen: NIAS Press, 2017. Resenha de: BAYONA, Jorge. Testemunhos e reflexões pesquisadores para a compreensão de Timor-Leste. Afro-Ásia, n. 63, p. 622-625, 2021. Acessar publicação original [DR/JF]

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