The Color of Law: A Forgotten History of How Our Government Segregated America | Richard Rothstein

O desenvolvimento e a persistência de vizinhanças racialmente segregadas é um dos grandes temas na história americana e afro-americana, especificamente. Até as décadas finais do século XX, a maioria dos estudos sobre segregação residencial enfatizava o papel nefasto das associações de moradores brancos hostis aos negros, a violência das turbas brancas e as práticas e políticas discriminatórias de bancos e agências imobiliárias. Essas pesquisas reforçaram o argumento de que o governo não era um agente intencional e proativo no estabelecimento de demarcações de cor no mercado habitacional nacional. Ao contrário, vizinhanças racialmente estratificadas deveriam sua existência principalmente às ações individuais dos cidadãos, à pobreza dos afro-americanos e, em alguma medida, à propensão da população negra, bem como de outros grupos raciais e étnicos, a buscar e construir comunidades com moradores de seu próprio grupo. O analista e historiador das políticas públicas Richard Rothstein, pelo contrário, argumenta, persuasivamente, que todos os níveis do sistema federal dos Estados Unidos contribuíram para construir a ordem imobiliária da segregação racial.

Em vez de ações ambíguas, sutis e subreptícias do Estado, Rothstein demonstra como políticas locais, estaduais e federais eram exageradamente transparentes, “racialmente explícitas” e “escancaradas”. Em resumo, este livro apresenta um poderoso exemplo da proposição segundo a qual “a segregação por ações não intencionais do governo não é um argumento de facto. Pelo contrário, é o que as cortes chamam de jure: segregação por meio de políticas públicas e da lei” (p. xviii). Cuidadosamente detalhado, The Color of Law mostra como o governo patrocinava a segregação residencial por meio de programas habitacionais privados e públicos‑ de legislação de zoneamento racial‑ e de projetos discriminatórios de salário e emprego. Enquanto a maioria dos estudos enfatiza como o sistema de moradias públicas reforçou e mesmo aprofundou os padrões de segregação já existentes, Rothstein acentua também o impacto das políticas públicas de moradia para o surgimento de vizinhanças racialmente exclusivas em locais em que elas nunca haviam existido antes. Ele mostra, por exemplo, como autoridades do sistema habitacional público desmantelaram vizinhanças antes racialmente misturadas, para abrir caminho para projetos totalmente brancos ou totalmente negros em Atlanta, St. Louis e Cleveland, durante o período entre-guerras.

Numerosos estudos exploram a exclusão de afro-americanos de ampla gama de programas de moradia do New Deal — incluindo o Home Owners’ Loan Corporation (Corporação de Empréstimo para Proprietários de Casas), o Federal Housing Administration (Administração Federal de Moradia — FHA), e o Veterans Administration (Administração dos Veteranos — VA). Enquanto esses estudos esclareceram as práticas racialmente excludentes das imobiliárias, Rothstein desloca o foco dos construtores para o papel central que o governo desempenhou em subscrever e garantir o desenvolvimento de subúrbios brancos.1 Quando alguns incorporadores propuseram usar o financiamento do FHA e do VA para construir projetos totalmente negros nos subúrbios, os funcionários federais não aprovaram essa pretensão. Entretanto, um construtor de St. Louis prosseguiu com tais construções mesmo sem apoio governamental‑ os materiais de construção eram “de qualidade inferior´, e faltavam ao projeto os parques e playgrounds que caracterizavam as residências que o mesmo construtor instalara para os proprietários brancos com apoio governamental.

The Color of Law também demonstra como as políticas públicas habitacionais violaram, de forma consistente, os direitos constitucionais da população negra tão claramente descritos na Constituição dos Estados Unidos. A quinta, décima terceira e décima quarta emendas à Constituição proibiam governos locais, estaduais e federais de tratar cidadãos “injustamente ou de forma desigual” ou como “cidadãos de segunda classe”. Os programas e a legislação habitacionais eram não apenas danosos ao bem-estar socio- econômico dos afro-americanos‑ eles também estabeleceram barreiras à sua mobilidade, o que criou, por várias gerações, dificuldades para a aquisição da casa própria, para conquistar a prosperidade e desfrutar dos direitos de cidadania plena. Por outro lado, as políticas habitacionais enriqueceram os proprietários brancos em detrimento dos afro-americanos, mediante deduções de impostos para quem possuía casas‑ impostos sobre propriedade mais altos para negros do que para brancos; e apoio à violência de brancos que visavam expulsar ou prevenir que negros morassem em casas em vizinhanças anteriormente totalmente brancas.

Ademais, este estudo mostra como o salário e a legislação trabalhista também discriminaram os trabalhadores negros durante o New Deal e corroeram a capacidade de a população negra adquirir casa própria e escapar de vizinhanças desiguais e racialmente segregadas. Aqui também, entretanto, a discriminação habitacional reforçou o dano causado aos afro-americanos e a suas famílias. Durante os anos pós-Segunda Guerra, quando a Ford relocou uma fábrica na Califórnia, de Richmond para Milpitas, um subúrbio ao sul de San José, a cerca de 80 quilômetros de distância, Rothstein mostra como os afro-americanos acharam quase impossível encontrar casas para morar nos subúrbios adjacentes. Consequentemente, um grupo de nove homens negros, por exemplo, compartilharam o custo de uma van para ir ao trabalho diariamente ao longo de vinte anos — uma perda estimada de mil a mil e quinhentos dólares anualmente, por volta de 1970. Talvez o mais importante deste estudo é que ele ilustra como a segregação financiada pelo governo persiste até nossos dias por meio do Low Income Housing Tax Credit (Crédito Fiscal para Moradia de Baixa Renda) e do programa Housing Choice Vouchers (Cupons para Escolha de Moradia, chamados de “Seção 8´). A maioria das comunidades locais preserva-se o direto de vetar tais programas, limitando -os, assim, às vizinhanças predominantemente negras já existentes.

Rothstein convence-nos de que, até que a nação reconheça os mecanismos pelos quais o governo, em todos os níveis do sistema federal, ajudou, deliberadamente, a criar e a perpetuar comunidades racialmente segregadas, será impossível, na prática, construir políticas efetivas designadas a reverter o processo. Na verdade, este estudo representa um chamamento à ação por parte de todo cidadão. Ao mesmo tempo, The Color of Law reforça certas concepções sobre a experiência negra, incluindo noções de “gueto” e “casta”, o que apequena a sua abordagem da comunidade afro-americana, ainda que segregada, como uma fonte de vitalidade, força e soluções para os desafios de um cenário racialmente dividido.


Nota

1 Na maioria das cidades americanas, o subúrbio é o espaço residencial típico das classes média e alta. (Nota do tradutor)


Resenhista

Joe William Trotter Junior – Carnegie Mellon University. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

ROTHSTEIN, Richard. The Color of Law: A Forgotten History of How Our Government Segregated America. Nova York: Liverwright Publishing Corporation, 2017. Resenha de: TROTTER JUNIOR, Joe William. O papel do governo na segregação racial da moradia nos Estados Unidos. Tradução da resenha Carlos da Silva Junior. Afro-Ásia, n. 57, p. 229-231, 2018. Acessar publicação original [DR/JF]

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