Estudos de História Regional: Minas Gerais por sua História /História em Curso/2022

No encerramento de 2022, a Revista História em Curso apresenta o seu 6º número com o Dossiê temático: Estudos de História Regional: Minas Gerais por sua História. Foi importante, diante das tantas perdas físicas e simbólicas que vivenciamos no nosso tempo, lançar o olhar para dentro, para tudo que se renova a todo tempo e que é a historiografia regional mineira e das contribuições que ela traz para compreensão dos estudos da especificidade de Minas Gerais e dos Estudos de História do Brasil e História Geral.

Tradicionalmente abarcando as temáticas de Política, Sociedade e Cultura, Economia, Demografia e Escravidão, os estudos regionais utilizaram-se de avanços metodológicos e da transdisciplinaridade para produzir reflexões e inovações que permitem conhecer melhor Minas Gerais e suas dinâmicas.

O número é composto por: a) oito artigos deste dossiê temático, que integram campos multidisciplinares; b) quatro artigos de temática livre, a vocação para o qual esta revista foi criada; e c) uma resenha.

A abertura do dossiê temático traz o artigo Santa Luzia e as perspectivas da Revolução Liberal de 1842, de Pedro Luiz Teixeira de Sena (PUC Minas) e Gabriela Nunes Cláudio (PUC Minas), que faz uma discussão historiográfica sobre a Revolução Liberal de 1842, cujo último campo de batalha se deu na cidade. Além de tratar do contexto social e político da sociedade luziense no século XIX, a perspectiva do trabalho é orientada para a análise de diferentes orientações da historiografia avançando no recorte espacial para percepção de um olhar regionalizado sobre o conflito, que foi um importante movimento político do início do segundo reinado imperial brasileiro, com grandes impactos para a política provincial.

Mantendo o recorte do século XIX, mas na temática da escravidão, Bruno Martins de Castro (UFSJ) nos apresenta o artigo Liberdade e dominação: a política das alforrias e a reprodução das relações escravistas em Minas Gerais (São João del-Rei, primeira metade do século XIX). Caminhando pela dimensão documental, se baseia nas cartas e escrituras da liberdade registradas em São João Del Rei entre 1830 e 1860 para identificar e discutir os sentidos da liberdade e os fatores que se permitem debruçar sobre as construções do imaginário escravista e das imposições e condições meritórias que se apresentavam nas negociações que assumiram o alforriamento como prerrogativa senhorial.

Atravessando para o tempo presente, sem perder o foco na questão da desigualdade, o texto Pequenas cidades nas microrregiões de Curvelo e Diamantina: um olhar aproximado sobre as dificuldades de cidades ameaçadas, de Gabriel Lopes Chaves de Melo (UFMG), trata, por meio da abordagem e da categorização geográfica, o processo de regionalização e da constituição dos municípios mineiros, com foco na região Norte do estado mineiro. Chaves de Melo reflete sobre o caso mineiro (estado brasileiro com maior número de municípios) e discute sobre os problemas e enfrentamentos que os pequenos municípios enfrentam, principalmente a estagnação econômica e seus impactos ampliando a compreensão dos processos emancipatórios envolvidos no nascimento destes municípios e a situação presente que, na atualidade, envolve debates sobre a dissolução deles.

O próximo artigo, de Cleidiane Lemes de Oliveira (PUC Minas) e Teodoro Adriano Costa Zanardi (PUC Minas), vira sua lente para o importante debate da Educação para o campo. Com o texto O curso de formação de professores do campo de Helena Antipoff e o ruralismo pedagógico, os autores analisam o Curso Normal Sandoval Soares de Azevedo (Ibirité-MG), cujo modelo proposto por Helena Antipoff ressignificava o ensino tradicional para o homem do campo. Revela-se como um mergulho encantador do reencontro da História do Brasil com a Educação, a partir da análise do currículo do Curso Normal (e tudo que o envolve como a concepção de educação, ideologia, ideais e instrumentalização) para a formação de professores para o meio rural num momento em que se acelerava o processo de modernização do Estado mineiro.

Em Indústrias X serviços: análise do ano de 1950 sobre o dinamismo do Produto Interno Bruto (PIB) do município de Contagem/MG, encontraram-se os graduandos de História e Geografia Camille Siray Bicalho (PUC Minas), Júlia Maria Silva Maciel (PUC Minas), Lucas Andrade Dantas (PUC Minas), Lucas Ferreira Estillac Leal (PUC Minas) e Maria Carolina Rosa Ferrer (PUC Minas), para se debruçarem juntos pela História quantitativa a partir dos dados censitários e municipais da década de 1950, com foco em compreender o processo de desenvolvimento industrial instituído a partir da criação do polo industrial em Contagem, Minas Gerais. Relacionando os dados econômicos com a geração de empregos e o desenvolvimento da Via Expressa como principal via para pessoas e mercadorias, o artigo analisa o retrato do período e seus desdobramentos com cuidado e fundamentação.

Sobre o importante tema da escravidão, Alessa Nara Fortunato Pena (UFU) e Gilberto Cézar de Noronha (UFU) discutem a produção historiográfica em Fontes sobre a escravidão em Minas Gerais: um balanço historiográfico1. Analisando as teses e dissertações defendidas entre 1993 e 2020, os autores analisam as fontes e os arquivos das produções sobre escravidão em Minas Gerais, numa perspectiva da construção sobre a história da historiografia e da teoria da história da escravidão.

Com destaque para a demografia histórica, Eduardo Oliveira da Silva Filho (PUC Minas) e Ana Luiza Antunes Aguiar (PUC Minas) se enveredam sobre o tema da imigração japonesa em Minas Gerais na primeira metade do século XX. Em Análise dos censos de 1920 e 1940: a chegada do imigrante japonês em fazendas mineiras, os autores destacam os estudos que utilizam o censo demográfico como fonte, comparando os estados de Minas Gerais e São Paulo. O trabalho é interessante por mostrar, por meio do levantamento de dados étnicos e culturais, a importância da presença japonesa no estado mineiro mesmo que, numericamente, essa presença não tivesse a mesma representatividade que nos outros estados do Brasil.

O próximo artigo, O conluio de poderio português: dos fidalgos aos pequenos comerciantes das Minas Gerais, de Naiany Marques Maciel (PUC Minas), nos transporta para o final do século XVII e início do século XVIII para identificar as dinâmicas mercantis na administração portuguesa colonial sob uma proposta revisionista. Sob a perspectiva de abordar o império português como uma monarquia pluricontinental que leva à formação de poderes divididos pelos reinos ultramarinos e o espalhamento de leis em nome dos interesses privados e comerciais, a autora reflete sobre os impactos no caso mineiro, que se adaptou aos pequenos comerciantes locais formando uma rede comercial com a participação dos cristãos novos.

Nas temáticas livres, o número traz o artigo Aprofundamento do contexto tecnológico e informacional como componente fundamental de uma nova vigilância, de Pedro Henrique de Oliveira Salvo (PUC Minas), que discute o contexto das redes na tecnologia de informação e como o translado para o mundo virtual também se traduz em padrões de vigilância. É um tema atual que afeta a todos nós, principalmente no mundo pós digital pandêmico em que dados, sistemas e sociedades estão umbilicalmente relacionados e associados às nossas rotinas individuais e coletivas.

Trazendo a História Local para o debate, Angla Pereira dos Santos Rodrigues (UFPE), se debruça sobre o currículo pautado na BNCC do Ensino de História para os anos finais do Ensino Fundamental da Educação Pública (municipal e estadual) do Sertão da Bahia. Em Ensino da história local: orientações da Base Nacional Comum Curricular e da proposta político-pedagógica das escolas municipais de Sento-sé, Rodrigues revela que nas Escolas de Sento-Sé (Bahia) há poucas referências ao BNCC com relação à inserção da História Local. Em processo de reformulação do Projeto Político Pedagógico sob as diretrizes legais, há pouco envolvimento curricular e disciplinar que contemplem a história e a cultura do município e das comunidades que o integram.

Já o artigo As relações entre campo e cidade no livro das posturas antigas de Évora (1375-1395), de Paulo Henrique Ennes de Miranda Eto (UFF), faz o caminho em direção ao passado medieval ibérico para a compreensão da relação entre o urbano e o rural a partir da obra O Livro das Posturas Antigas de Évora, do final do século XVI e que normatiza as relações entre espaços, seus atores e os modos de produção. É um trabalho no mínimo curioso para se pensar o período medieval na sua multiplicidade a partir dos contextos e das dinâmicas de cada lugar.

Voltando para o Brasil, mas mantendo o foco nas resistências, Daniel Ribeiro Victor (PUC Minas) trata da questão agrária no Brasil em Ascensão e queda do movimento social de luta pela terra das Ligas Camponesas no nordeste brasileiro. Numa proposta de revisão bibliográfica, o autor aborda a luta pela terra na História brasileira, enfatizando as Ligas Camponesas e as ideias, ainda muito atuais, de uma proposta de reforma agrária em um país marcadamente desigual.

Finalizamos o número 6 também com referência às lutas e à resistência com a resenha apresentada por Clara Thaís Pereira de Andrade (UFF), A participação feminina nas independências latino-americanas, que aborda o importante livro de Maria Ligia Coelho Prado América Latina no século XIX: tramas, telas e textos, da Editora Edusp. Na obra, Prado consegue dialogar com tópicos clássicos dos estudos latino americanos do século XIX e com os estudos recentes sobre a História Política trazendo o tema das mulheres com destaque.

Vale demais conferir este número que estimula os diálogos com diferentes áreas e foco nos temas históricos, trazendo revisões, contribuições e análises amplas no tempo e no espaço. Neste difícil ano de 2022, ficou evidente que a produção científica persiste, resiste e se transforma na crença de que estamos no caminho certo e que sabemos a importância da História e da Ciência para construção de um mundo melhor.

No renovar das esperanças de tempos melhores, pautados no respeito à pluralidade de ideias e no resgate da empatia, fica nosso desejo de ótimas leituras e mais contribuições, que coloquem a produção acadêmica em destaque e mobilizem esforços na compreensão do Brasil e do mundo que nos cerca.

Boa leitura


Nota

1 O comitê editorial, no uso de suas atribuições, conferiu Menção Honrosa ao presente trabalho.


Organizadores

Júlia Calvo – Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), pesquisadora do Instituto Histórico Israelita Mineiro, coordenadora do Departamento de História da PUC Minas e Editora Gerente da Revista História em Curso. E-mail: juliacalvo1@gmail.com

Mateus Roque da Silva -Mestrando em Literaturas de Língua Portuguesa pelo Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), sob financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). E-mail: mateusroques@yahoo.com


Referências desta apresentação

CALVO, Júlia. Apresentação. História em Curso. Belo Horizonte, v.4, n.6, p.9-13, dez. 2022. Acessar publicação original [DR/JF]

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