História, Historiografia e Ensino de História/Cadernos de Pesquisa do CDHIS/2018

Em meio ao horror à vida são significações de Beatriz Sarlo, ao problematizar o modo como o nazismo administrou à morte de milhares de pessoas que eram conduzidas aos campos de concentração durante à segunda Guerra Mundial.

A esperança, os sonhos, as utopias são os elementos que despertam e movem os plurais sujeitos que atuam no âmbito educacional do país, em meio ao caos que o Estado tem dimensionado à educação, após as significativas conquistas derivadas dos processos de lutas após o processo de reabertura política configurativa “fim” da Ditadura Militar.

Assim, a proposição do Novo Ensino Médio, não reverberada apenas pela manutenção dos conteúdos que preserva o currículo organizada numa estruturação quadripartida, mas, sobretudo, o deslocamento de disciplinas como História, Geografia, Educação Artística, Filosofia e Sociologia, essenciais para à humanização das pessoas foram descredenciadas da condição de obrigatórias e assumiram à de facultativas, de modo a constituir uma resolutiva no enfrentamento das demandas apresentadas pelas minorias que passaram a ocupar também a centralidade das questões culturais, econômicas e políticas, ao reclamar e exigir seus direitos arrolados e materializados na constituição brasileira.

As tentativas de silenciamento e ocultamento das demandas que dimensionam o Ensino de História no presente, são prerrogativas do Estado no lidar com à inclusão de questões referentes à diversidade, diferença, gênero, a História Indígenas, africanas, afro-brasileiras e outras, configuradas em lei que, assegura à sua existência e passam a ser objeto de reflexões nos plurais âmbitos educacionais no país. Desse modo, o caráter facultativo das referidas disciplinas consiste, ao nosso ver, na tentativa em desarticular as ações dos profissionais dessa área e, sobretudo, de instituir um não lugar, na medida em que embora seja uma realidade a existência dos plurais cursos de História no país, nos fica a seguinte indagação: onde os referidos profissionais formados irão atuar?

Nessa edição, a revista está organizada por um dossiê especial sobre Ensino de História, uma seção de artigos livres e ainda compõem de uma resenha cientifica.

O dossiê reúne pesquisadores de diversas regiões do país, cujas proposições de pesquisas versam sobre temáticas que estão diretamente relacionadas ao ambiente escolar, evidenciando como tem sido o enfrentamento e as proposições para o Ensino de História. Seus lugares de fala atualizam à produção do conhecimento e a importância da reflexão cientifica no Século XXI, explicitando caminhos investigativos derivadas de suas práticas cotidianas com vista a criar novos horizontes de expectativas no fazer e refazer da docência, em que o ensino como pesquisa é o fio de suas interpretações sociais.

Os diversos artigos trazem em seu bojo problemática que singulariza suas interpretações como expressivas de seus lugares de fala, mas, ao mesmo tempo, criam, apesar dos distanciamentos espacial temporal dos seus lócus de trabalho, o campo do compartilhado ao colocar em evidência questões referentes ao Ensino de História, bem como consoante aos processos de formação docente à luz de práticas que dinamizam o ensino como pesquisa.

A compreensão dos plurais sentidos do significar a ideia de História, bem como do ensinar História é fio que une as diversas reflexões na seara da História numa fluída interlocução com o ensino de História. Nesta Lógica, Mirian Garrido, por meio do artigo Desafios contemporâneos para o ensino de História: notas de pesquisa, materializa reflexões de dez anos dedicados à pesquisa histórica na sua íntima relação com o ensino. Nesse processo, evidencia demandas sociais, livros didáticos, disputas midiáticas, políticas públicas demonstrando que ensinar é muito mais que transmitir informação. Assim, tem como proposição centralizadora, para além de ilustrar o percurso investigativo, de que é complexa a seara que interliga e produz dissensos entre o ensino e o ensinar História.

Como reflexão expressiva do processo de formação e de uma prática ligante ao estágio supervisionado, Maria Andréa Angelotti Carmo e Anderson Aparecido Gonçalves, por meio do artigo, Trilhas de um (im)provável caminho: das incertezas da docência às (trans)formações do PIBID no ambiente escolar, reflete acerca das (in)certezas da profissão do professor em meio as adversidades enfrentadas cotidianamente e apresenta ações desenvolvidas em escolas Estaduais do Bairro Morumbi, da cidade de Uberlândia, entre os anos 2014 a 2016, no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), uma ação política de formação de professores vinculada ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) e gerido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Com vista à ampliamos nossos horizontes referente à formação de professores, realçando à importância do Ensino de História, apresentamos às reflexões de Gilmar Alexandre da Silva e Alexandre de Cássio Vilarinho Filho, no seu texto Ensino de História, educação profissional e as imagens no tempo: uma virada hermenêutica e afetiva, em que discutem a pertinência do Ensino de História no âmbito da Educação Tecnológica. Neste sentido, articula uma crítica histórica ancorada na utilização das imagens em sala de aula a uma perspectiva analítica acerca do tempo, com vista elucidar as percepções discentes no que diz respeito tanto à aprendizagem da disciplina história quanto ao papel desempenhado pelos afetos nestes processos. Desse modo, trazem à tona uma leitura do processo ensino/aprendizagem, em termos históricos e interpretativos, que vai na contramão ao proposto pela lei 13. 415/2017 (Reforma do Ensino Médio) enquanto uma possibilidade didática própria do campo histórico.

Reformas e modificações são palavras de “ordem” no século XXI, que vinculam à formação que dimensionam às reformulações curriculares e, neste sentido, o texto de Artur Nogueira Santos e Costa, Ensinar História na escola pública: o currículo como dimensão da prática docente, apresenta reflexões sobre a organização curricular da área de História, em escolas estaduais de ensino fundamental, em Uberlândia-MG, considerando o currículo como um movimento histórico. Nesse sentido, com base em entrevistas realizadas com uma professora de história e com uma supervisora escolar, problematiza os sentidos e os significados instituídos para a prática de ensino de história concreta, como dimensão constitutiva do currículo.

Por sua vez, o texto de Leonara Lacerda Delfino, O estágio supervisionado em comunidades etnoeducacionais indígenas e quilombola: um ensaio sobre a questão curricular nos anos 2000, evidencia à construção normativa curricular em torno da questão afroindígena e seus impactos, desafios e exigências para a formação do professor do Ensino Básico em comunidades etnoeducacionais e quilombolas. Nessa lógica, problematizar os papeis do estágio supervisionado neste processo de formação docente junto às políticas públicas de inclusão e de combate ao racismo estrutural presente dentro e fora do espaço escolar. Para tanto, se valeu da legislações referentes às políticas educacionais e à reforma curricular pós-ditadura militar, tais como: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 93/94/96), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998), as leis identitárias (10.639/2003 e sua reformulação 11.645/2008), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicorraciais e para o Ensino o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004), dentre outros textos normativos.

Fundantes do ensino como pesquisa, os relatos de experiências materializam problemáticas em que articulação teoria e prática constituindo o fio das reflexões, cuja realidade educacional assume o lócus das investigações. Assim, o ensino como pesquisa se faz também presente como horizonte de expectativa nas reflexões materializadas no relato de experiência de Cristhian Alves Martins e Gabriel Marques Fernandes, Formação Compartilhada: relato de experiências sobre o Estágio Supervisionado em História no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o qual em sua reflexão parte do princípio/leis que regulamentam e asseguram o estágio supervisionado no país, mas aponta que à condução das atividades e as formas de abordagens do mesmo dependem de cada orientador, supervisor e discentes. Balizado em tais diretrizes, o seu relato de experiência consiste em uma proposta metodológica, desenvolvida em turmas do 5º ano do ensino fundamental, em que reflete sobre à prática do estágio supervisionado a partir do princípio de formação compartilhada envolvendo docentes, discentes e uma “vizinha” da escola, natural da Guiné-Bissau, África.

Adriana de Carvalho Medeiros, no relato materializado em texto Ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamentais: o uso de fotografias para aprendizagem de conceitos históricos e a história regional, refletir sobre a utilização da fotografia para o ensino de história regional (1952–1975) nos anos iniciais do ensino fundamental no Município de Loanda, identificando esta fonte como fornecedora de novos olhares e possibilidade de identificação dos personagens sociais na constituição da história local em regiões de história recente.

Dinamizando as práticas constitutivas da produção de novos saberes, o relato de experiências de Roger Anibal Lambert da Silva e Bárbara Figueiredo Souto, RAPensando a formação docente: experiências e reflexões sobre o uso do rap no ensino de história, apresentar algumas reflexões, sobre o uso do rap na sala de aula do Ensino Superior, ressaltando sua importância na formação dos futuros docentes da Educação Básica, sobretudo no que diz respeito a uma perspectiva crítica em relação à realidade social – fundamental, conforme sabemos, para o exercício tanto da docência quanto da cidadania.

Abrindo a seção livre desta edição, a Cadernos de Pesquisa do CDHIS traz um conjunto de três textos que se propõem a refletir sobre temas clássicos da historiografia problematizados e discutidos a partir de novos referenciais teóricos e metodológicos. Iniciamos com a discussão de Jorge Luiz Teixeira Ribas sobre o lugar dos homossexuais na Revolução Cubana. Em seu artigo Revolução, Contrarrevolução e Homossexualidade em Cuba: Alguns Apontamentos, Ribas discute a invisibilidade da narrativa sobre a presença dos homossexuais como contrarrevolucionários na historiografia e a relação entre o regime de Fidel e o caráter homofóbico presente, durante muito tempo, na sociedade e na mentalidade cubana.

A seção segue, trazendo a reflexão de Isadora Bueno Silva em seu artigo: O debate acerca do caráter econômico da colonização na América e suas implicações políticas, que propõe uma discussão sobre as diferentes percepções acerca das relações econômicas que envolveram o processo de colonização das Américas. Propondo um diálogo entre concepções clássicas e contemporâneas sobre a colonização, a autora elabora uma revisão inteligente e necessária de conceitos que orbitam o tema da economia e da organização política dos países da América Latina.

A relação estabelecida entre religião e poder, em suas expressões institucionais, é o tema central de Igreja Católica e a Ditadura Militar em Belo Horizonte na década de 1960: uma Igreja e duas militâncias. Neste artigo, Adriano Cecatto nos remete às transformações da própria Igreja e a heterogeneidade de seus sujeitos e práticas sociais e políticas. Tendo como objeto de estudo a Igreja Católica de Belo Horizonte na década de 1960, o autor busca, a partir de revisão bibliográfica demonstrar os conflitos internos que levaram a igreja a posicionar-se apenas tardiamente contra o regime militar.

Passando de uma releitura de temas clássicos da historiografia, para uma temática voltada para a contemporaneidade e principalmente para a relação entre arte, mídias e sociedade, a revista traz um segundo bloco de artigos livres, que se inicia com o texto de César Henrique de Queiroz Porto. Em Televisão, Representação e Islã No Brasil, o autor que é pesquisador da área, pretende evidenciar que a televisão brasileira, especialmente através da telenovela O Clone, veiculou representações de árabes e muçulmanos na conjuntura do imediato pós 11 de setembro de 2001. Mais importante que isso, o texto visa demonstrar que essa produção ficcional funcionou como um instrumento didático para que possibilitou aos espectadores construírem uma representação dos muçulmanos que se distanciava daquela propagada pelas mídias estadunidenses após o onze de setembro.

Arte e mídia também fazem parte do contexto de análise do artigo Underground em Macapá: a construção de uma via alternativa para as produções de rock independente. Nessa pesquisa, Marcos Freitas Reis nos apresenta o surgimento dos “Movimentos Undergrounds” como um fenômeno social proporcionado pelo avanço tecnológico dos aparelhos de reprodução sonora e da internet. Pensando tais tecnologias como possibilidades de criação de um novo espaço de criação e divulgação de arte e ideias, o autor analisa a dinâmica de divulgação de trabalhos musicais independentes visando entender a relação entre alguns estilos musicais e seus espaços de veiculação.

Finalizando a edição, Jaqueline Souza Gutemberg discute a ideia de música sertaneja raiz no contexto do Brasil moderno dos anos de 1950. Em seu artigo Identidade e reenraizamento: a abordagem raiz na música sertaneja de José Fortuna (1950-1980), a pesquisadora seleciona a produção musical de José Fortuna, cantor e compositor sertanejo, mostrando a ideia de raiz como um canal de comunicação de conexão entre o homem do campo e a cidade, dando, a partir daí, espaço para a discussão de conceitos como o de identidade e lugar.

Tais ponderações nos servem de inspiração para enunciar com grata satisfação o presente número da Revista Caderno do CDHIS, em que reúne plurais reflexões cujas análises priorizam à produção do Ensino de História, da História e Historiografia. Este dossiê é portanto, além de um trabalho intelectual, também um ato político de resistência aos ataques que a educação vem sofrendo, para que possamos perceber que em meio ao caos educacional, existe vida.


Organizadores

Tadeu Pereira dos Santos

Ivete Batista da Silva Almeida


Referências desta apresentação

SANTOS, Tadeu Pereira dos; ALMEIDA, Ivete Batista da Silva. Apresentação. Cadernos de Pesquisa do CDHIS. Uberlândia, v. 31, n. 1, p. 3-10, jan./jun. 2018. Acessar publicação original [DR/JF]

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