Em busca da liberdade: memória do movimento feminino pela anistia em Sergipe (1975-1979) | Maria Aline Matos de Oliveira

Maria Aline com os seus pais Foto Davi VillaSegrase
Maria Aline com os seus pais | Foto: Davi Villa/Segrase

O presente trabalho visa discutir sobre as atrocidades cometidas pelo estado, analisar a atuação do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA) no estado de Sergipe, investigar o papel da mulher como protagonista na história. Como também, trazer memórias de repressão das vítimas para que eventos como os discutidos e narrados nunca mais aconteçam. Com isso, é primordial e de extrema importância a leitura da obra “Em busca da liberdade: memória do movimento feminino pela anistia em Sergipe (1975-1979)”.

A obra tem como principais objetivos analisar a atuação do movimento feminino pela anistia, procurando averiguar a trajetória das mulheres protagonistas que fundaram o MFPA-SE, assim como, pesquisar como ocorreu a relação e ligação entre o núcleo do movimento e outras instituições da sociedade, como por exemplo a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sindicatos, movimentos estudantis, e dentre outras organizações que se mobilizaram em apoio a campanha e contra o regime ditatorial vigente na época. Busca também compreender de que forma a experiência das mulheres militantes contribuiu para formação e organização do movimento feminino pela anistia no Estado.

A autora do livro, Maria Aline Matos de Oliveira, é historiadora, graduada e mestre em História pela UFS (Universidade Federal de Sergipe). Sua obra intitulada “Em busca da liberdade: memória do movimento feminino pela anistia em Sergipe (1975-1979)”, apresenta a força de mulheres que em 1978 fundaram o Comitê Feminino pela Anistia em Sergipe, liderada pela professora universitária Núbia Marques e outras mulheres. Apresentando como ocorreu essa campanha no Estado em meio ao contexto da Ditadura civil-militar, momento de repressão e autoritarismo em todo Brasil. Sendo dividida em três capítulos, A Voz Feminina em Ação no Quadro Repressivo da Ditadura, o “Sol da liberdade”: memória do movimento feminino pela anistia em Sergipe e Do MFPA ao conselho da condição feminina: “feminino x feminista” no movimento de mulheres.

O primeiro capítulo “A Voz Feminina em Ação no Quadro Repressivo da Ditadura” procura analisar a invisibilidade da mulher enquanto protagonista da história e o papel dos movimentos femininos no Cone Sul. Nessa perspectiva, trata-se de investigar como essas mulheres, militantes, utilizaram-se do estereótipo de gênero atribuído a elas para driblar e proteger o movimento no contexto de regimes ditatoriais. Dessa forma, a voz feminina vai entrar em cena devido ao contexto de autoritarismo vivenciando, assim, mulheres, mães e filhas acabam saindo de suas casas para exigir informações acerca dos desaparecidos políticos. Em relação às táticas de defesa utilizadas, da mesma forma que a Argentina, Chile e Uruguai usaram esse estereótipo de estratégias femininas, no Brasil não ocorreu de maneira diferente, procurando tratar de temas como paz, direitos humanos e amor. Esses preconceitos de gênero atribuídos às mulheres, de sensibilidade e família, de certa forma acabaram legitimando o movimento pela anistia com esse sentimento de união e pacificação.

A campanha pela anistia no Brasil iniciou no ano de 1975 e a partir desse ano ocorre sua ampliação de núcleos pelos estados brasileiros e o apoio dos setores sociais. Mas com essa ampliação do movimento surgiu o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), que possuía uma estrutura semelhante ao MFPA, diferenciava-se na questão do CBA agregar homens e mulheres sem distinção de sexo. No entanto, mesmo tendo em vista um objetivo em comum, a anistia, os dois movimentos tinham alguns interesses que acabaram divergindo. Entretanto, é inegável o pioneirismo do MFPA na campanha e luta pela anistia durante o contexto da ditadura civil-militar pelas mulheres.

O capítulo dois começa com a explicação de que segundo Núbia Marques, o principal objetivo do comitê era integrar-se ao movimento nacional de apoio a uma anistia ampla e irrestrita como forma de conciliação para todos os brasileiros e, para isso, o MFPA visava reunir o maior número possível de apoiadores e entidades na campanha. As principais alianças das mulheres sergipanas do Comitê foram membros do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), com destaque para o ex-governador de Sergipe Jackson Barreto e o ex-senador Gilvan Rocha, assim como pelos clérigos Padre Joaquim Antunes de Almeida e o pelo bispo de Propriá/SE, Dom José Brandão de Castro.

As normas estabelecidas pela direção nacional do MFPA, representada por Therezinha Zerbini e pelo estatuto, não eram seguidas à risca no núcleo sergipano, sobretudo em relação à participação masculina. A autora deixa claro que o movimento local ocorreu com liderança das mulheres, mas com participação dos homens de forma menos volumosa e sem a liderança de nenhum deles. A contribuição desses intelectuais, políticos e padres para o Movimento Feminino pela Anistia foi muito proveitosa e ajudou a fortalecer o movimento, visto que com o MDB e os clérigos ajudando financeiramente, presentes de forma consistente nas manifestações e atos, organizando caravanas e trazendo pessoas de outras cidades, acabou agregando um maior número de participantes aos eventos e fez o MFPA crescer entre a sociedade sergipana da época.

O terceiro e último capítulo “Do MFPA ao conselho da condição Feminina: “feminino X feminista” no movimento de mulheres”, vai abordar se no comitê de Sergipe as questões sobre a opressão feminina e o feminismo era pauta nas discussões do movimento feminino pela anistia em Sergipe. Já que, a fundadora do MFPA, Therezinha Godoy Zerbine, não queria associar a luta pela anistia ao feminismo decorrente da década de 70 com a segunda onda feminista no país, porém o movimento tomou proporções diferentes em cada Estado. Tendo assim, como destaque a presidente do comitê do Estado de Sergipe, Núbia Marques, que se considerava uma feminista acadêmica, e entre as mulheres que integravam o comitê em Sergipe, a autora vai dar ênfase ao trio de mulheres que ela denominou “tríade subversiva”, composta por Laura Marques, Ana Cortês e Zelita Correia, mulheres politizadas e protagonistas na luta contra a opressão feminina, devido suas experiências na resistência e formação intelectual, como também, responsáveis por influenciar as demais integrantes do movimento feminino a discutir sobre a condição feminina na perspectiva mais feminista e ideológica perante a sociedade.

Ademais, através dessas mulheres houve a criação, a partir da década de 80, de várias instituições e políticas públicas para tratar especificamente da situação da mulher, em destaque, o conselho da condição feminina criado em Aracaju no ano de 1986 e a delegacia da mulher. Ou seja, apesar da questão principal ser pela anistia dos presos políticos, banidos, exilados e a liberdade democrática no país, a questão da mulher como agente histórico e luta pelo reconhecimento social não foi deixada de lado por essas militantes sergipanas.

A obra dialoga com os trabalhos sobre a Anistia no Brasil, porém, diferencia-se no enfoque que a autora dedica para a memória do movimento feminino pela anistia em Sergipe durante os anos de 1975-1979, a partir de uma contextualização mais ampla da luta nacional e como se deu esse movimento no Estado. Sua tese principal é a luta das mulheres por liberdade, de forma sistemática, fez com que liderassem o movimento pró-anistia dos presos políticos, enfrentando perseguições centradas nos subsolos da ditadura civil-militar. Na caminhada, essas mulheres quebraram o preconceito de que liderança de movimentos políticos se restringia apenas aos homens.

Os referenciais teóricos em que a autora do livro se baseou estão ligados a História política e social do país, visto que desde o golpe civil-militar as perseguições políticas se instalaram no país, supostamente para evitar a propagação dos perigos da “subversão”, corrupção e comunismo. O poder militar se institucionalizou amparado em Leis repressivas como atos institucionais, Constituição de 1967, Lei da Imprensa e Lei de Segurança Nacional, entre outras. Em decorrência desse controle ocorreram exílios, prisões, assassinatos e desaparecimento de pessoas, provocando novas sensibilidades políticas em alguns grupos sociais como o das mulheres paulistas, comandadas por Therezinha Zerbini, que a partir de 1975 começou a defender a paz, os direitos das mulheres e direcionou as propostas humanistas, para a criação do Movimento Feminino da Anistia, que lutava por uma “Anistia, ampla, geral e irrestrita”. Essas reivindicações foram propagadas através dos diversos comitês espalhados pelos centros urbanos do país, entre eles o Comitê Feminino pela Anistia de Sergipe.

Para feitura da pesquisa foram analisadas uma série de fontes pela autora, dentre elas ocorreram análise de periódicos sergipanos, como o Jornal Gazeta de Sergipe, Diário de Aracaju, Jornal da Cidade, Jornal A Defesa e Jornal de Sergipe. Além disso, foram também consultados o Acervo do Memorial da Anistia e os Documentos do Brasil Nunca Mais. Os principais documentos encontrados nesses acervos foram manifestos, Estatutos do movimento feminino pela Anistia, Ofícios enviados a políticos do MDB, relatórios dos encontros nacional e dos congressos, dentre outras fontes. Ademais, o livro conta com várias entrevistas realizadas pela autora, as fontes orais conduziram-se como mais um tipo de fonte utilizado durante essa investigação. Desse modo, conta com relatos de militantes políticos que atuaram ativamente no movimento, como por exemplo, Ana Soares de Souza, Tereza Cristina Cerqueira Graça, Zelita R. Correia dos Santos, Eneida Azevedo e Jackson Barreto Lima.

Portanto, é importante destacar a força e a coragem de todos os participantes sergipanos ao saírem de sua zona de conforto para lutar pela conquista da anistia e pela derrubada da ditadura militar. Diante de uma batalha para expandir o projeto e manifestações de apoio em todo o país, a lei de anistia, aprovada em agosto de 1979, apresentava caráter parcial. No entanto, embora não tenha sido aprovada a lei da anistia que o povo desejava, de certa forma beneficiou inúmeras pessoas e foi o primeiro passo na consolidação do processo de redemocratização do país.

Conclui-se, que a grande contribuição da obra para a historiografia sergipana e brasileira são entrevistas de testemunhos orais realizadas pela autora. Maria Aline Matos de Oliveira, manteve contato com algumas mulheres que atuaram no Movimento Feminino pela Anistia em Sergipe e posteriormente conseguiu convencê-las da importância e necessidade de trazer ao público suas experiências e trajetórias. Nesse sentido, a originalidade aqui evidenciada no livro para a historiografia sergipana consiste na análise desses testemunhos de mulheres do MFPA, algumas ainda vivas, e outras que já faleceram. Nesse contexto, uma das grandes contribuições da obra para historiografia é o reconhecimento e destacamento para o protagonismo das mulheres na campanha pela anistia em Sergipe e todo Brasil, tendo o desdobramento dos trabalhos desenvolvidos por essas mulheres sergipanas na luta pelos direitos femininos, que resultaram na década de 80 pós ditadura, em políticas públicas voltadas para as condições das mulheres.


Resenhista

Ronaldo de Jesus Nunes – Graduando em História-Licenciatura plena pela Universidade Federal de Sergipe.


Referências desta resenha

OLIVEIRA, Maria Aline Matos de. Em busca da liberdade: memória do movimento feminino pela anistia em Sergipe (1975-1979). Aracaju: Segrase, 2021. Resenha de: NUNES, Ronaldo de Jesus. Protagonismo feminino pela anistia em Sergipe (1975-1979). Boletim do Tempo Presente. Recife, v. 11, n.05, p.42-44, mai. 2022. Acessar publicação original.

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.